A saída dos Estados Unidos do Afeganistão: uma perspectiva militar

29 fevereiro 2024 às 10h02

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Antônio Caiado*
A história dos Estados Unidos no Afeganistão começou após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando o objetivo era desmantelar a al-Qaeda e remover o Talibã do poder por abrigar terroristas. Embora esses objetivos iniciais tenham sido alcançados rapidamente, a missão se transformou em uma tentativa de estabilizar o país e apoiar a formação de um governo democrático, o que levou a uma ocupação que durou quase vinte anos.
Durante esse período, as forças americanas e da OTAN enfrentaram desafios significativos, incluindo uma insurgência resiliente do Talibã, complexidades políticas internas e a difícil tarefa de construir forças de segurança afegãs eficazes em meio a corrupção e instabilidade política. Apesar de alguns sucessos na melhoria da infraestrutura, saúde e educação, a segurança permaneceu precária, e o governo afegão lutou para exercer autoridade em todo o país.
A decisão de retirar as tropas foi influenciada por fatores como o desgaste da guerra, questionamentos sobre a clareza dos objetivos americanos no Afeganistão e a assinatura de um acordo de paz entre os EUA e o Talibã em fevereiro de 2020. Esse acordo, seguido pela administração Biden anunciando a retirada completa até setembro de 2021, foi visto como um reconhecimento de que era hora do Afeganistão assumir a responsabilidade pelo seu futuro.
A saída não foi sem desafios. A rápida tomada de poder pelo Talibã e a queda de Cabul em agosto de 2021 resultaram em uma evacuação caótica e levantaram questões sobre o planejamento e execução da estratégia de retirada. Esse resultado destacou a fragilidade dos avanços feitos ao longo de duas décadas e as limitações da intervenção militar para alcançar soluções políticas duradouras.
Para um militar que serviu no Afeganistão, a experiência foi marcada por combates intensos, esforços de reconstrução e as complexidades de uma contra-insurgência. A camaradagem entre as tropas e as interações com o povo afegão, contra o pano de fundo de uma paisagem bela, mas implacável, marcaram profundamente aqueles que lá estiveram. A retirada reflete uma mudança de prioridades, reconhecendo os limites do poder militar na construção da nação e a necessidade de priorizar meios diplomáticos e outras abordagens para apoiar o Afeganistão em direção a um futuro mais estável e autossuficiente.

Aprofundando-se na interação entre militares americanos e o povo afegão, é possível extrair lições valiosas e reflexões críticas sobre o uso de forças militares em territórios estrangeiros. Essas interações, muitas vezes marcadas por um choque cultural inicial, evoluíram para relações de respeito mútuo, entendimento e, em muitos casos, amizade genuína. A presença diária nas comunidades, os esforços de reconstrução e os projetos de cooperação ofereceram aos militares uma visão íntima dos desafios enfrentados pelos afegãos, incluindo a pobreza, as consequências da guerra prolongada e a luta pela estabilidade e segurança.
Essa convivência permitiu uma percepção mais aprofundada da complexidade da sociedade afegã, que não pode ser plenamente compreendida apenas através da lente da intervenção militar. A experiência sublinhou a importância do diálogo, da compreensão cultural e da construção de confiança como fundamentos para qualquer esforço de cooperação e estabilização. Observou-se que, apesar da superioridade militar, são as relações humanas e o envolvimento comunitário que realmente pavimentam o caminho para mudanças positivas e duradouras.
Os militares, ao interagirem com o povo afegão, muitas vezes encontraram-se na posição de mediadores, educadores e, em alguns casos, aprendizes. As trocas culturais enriqueceram ambos os lados, trazendo à tona a universalidade das aspirações humanas por paz, segurança e um futuro melhor para as próximas gerações. A colaboração em projetos locais, desde a reconstrução de escolas até programas de saúde, reforçou a ideia de que a segurança e o desenvolvimento são indissociáveis e que o sucesso militar isolado é insuficiente para garantir a paz sustentável. A retirada das forças americanas do Afeganistão, embora marcada por desafios e críticas, também serve como um momento de reflexão sobre o papel do poder militar na política externa e na construção da nação. A experiência sublinha a necessidade de abordagens mais holísticas, que integrem diplomacia, ajuda humanitária e cooperação internacional, reconhecendo as limitações das soluções militares para conflitos complexos. A história dos Estados Unidos no Afeganistão ressalta a importância de entender as nuances culturais, sociais e políticas dos países em que intervém e reflete sobre a necessidade de estratégias mais inclusivas e sustentáveis para a construção de um mundo mais pacífico e cooperativo.

*Antônio Caiado é brasileiro e atua nas forças armadas dos Estados Unidos desde 2009. Atualmente serve no 136º Maneuver Enhancement Brigade (MEB) senior advisor, analisando informações para proteger tropas americanas em solo estrangeiro.