Disputa por terras: comunidade Vala do Rio do Peixe denuncia ameaça do Grupo Roma
13 março 2024 às 13h40
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A Comunidade Vala do Rio do Peixe, em Santa Cruz de Goiás (GO), denuncia que na última segunda-feira, 11, o político e empresário do grupo Roma Empreendimentos e Turismo Ltda, Flávio Canedo, esposo da deputada Madga Mofatto, acompanhado por seguranças, percorreu as parcelas de terras onde vivem as famílias de pequenos produtores dizendo que ainda nesta semana elas serão removidas do local. A Defensoria Pública do Estado de Goiás (GO) disse que ingressou com Agravo de Instrumento junto ao judiciário para a imediata suspensão do mandado de imissão de posse. Procurado pelo Jornal Opção, Flavio Canedo disse que possui 40% da terra e que as famílias não são camponesas, mas que na verdade são “grileiros” (confira a nota completa ao final).
Segundo relatos, sem apresentar nenhum documento judicial aos moradores, Flavio afirmou ser dono das terras e que irá tomar posse do local, deixando ainda bilhetes às famílias para que retirarem seus animais da área. “Ele andou em algumas parcelas da terra, não andou em todas, não. Ele estava com uma caminhonete, foi na casa do meu vizinho e entrou lá. O vizinho questionou o que ele estava fazendo lá e ele falou: ‘eu estou olhando as minhas terras’. Na outra casa, o morador não estava e ele deixou um bilhete”, explicou a moradora, que optou por não se identificar.
Na última terça-feira, 12, Flavio retornou ao local, segundo os moradores. “Vai fazer 23 anos que eu estou morando aqui. Tem uns companheiros que vieram pra cá primeiro que moram há mais de 24 anos. Além disso, também há uma igreja Adventista que reside nessa associação, aqui nessa vala, há mais de 50 anos”.
O Grupo Roma reivindica área como pagamento de indenização por danos morais contra o extinto Banco do Desenvolvimento do Estado de Goiás (BDEG), processado por ter cobrado dívidas do grupo, referente a financiamento adquirido e não pago, na década de 1980. O processo, no entanto, oculta a residência e o trabalho produtivo de famílias de pequenos produtores que vivem no local há mais de 20 anos e que têm posse oficial da fazenda desde 2004, quando a fazenda foi dividida pela Agência Rural do estado de Goiás entre as famílias.
Das 25 famílias de pequenos proprietários que receberam a posse da Terra, 18 ainda ocupam e moram no local.
Nota Defensoria Pública
A Defensoria Pública informa que na Fazenda Vala do Rio do Peixe, em Santa Cruz de Goiás (GO), residem ao menos 18 famílias que subsistem do trabalho no campo. Durante vistoria técnica realizada pela Defensoria Pública, as famílias informaram que ocupam a terra há mais de 20 anos. Como medida judicial, a DPE-GO ingressou com Agravo de Instrumento junto ao judiciário para a imediata suspensão do mandado de imissão de posse de imóvel localizado na Fazenda Vala do Rio dos Peixes, em Santa Cruz de Goiás/GO, visando garantir a preservação dos direitos fundamentais dos ocupantes, bem como a plena atuação da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – (CSF-TJGO) com o objetivo de solução pacífica deste conflito fundiário.
Histórico judicial
No final de 2023, uma decisão da 6ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Goiás determinou a imissão de posse da Fazenda Vala do Rio do Peixe para o grupo Roma, de Magda Mofatto, mega-empresária do ramo hoteleiro de Caldas Novas, dona de várias empresas em diversas áreas e atualmente uma das deputada federais com maior patrimônio do país. Legalmente, porém, a fazenda pertencia ao estado de Goiás e foi dividida pela antiga Agência Rural entre famílias de pequenos produtores, que vivem no local desde o final dos anos 90, se sustentando com o que produzem na terra.
Em contraposição à decisão da 6ª vara, no último dia 08 de fevereiro, a Procuradoria Geral do Estado pediu a anulação da imissão de posse e de todo o processo. A ação do Roma Empreendimento pede a posse da fazenda como pagamento de uma indenização que deveria ser paga ao grupo pelo estado de Goiás, resultado de um longo e controverso processo judicial. A ação oculta a presença das famílias que têm posse da fazenda.
Com base da petição da PGE, a Defensoria Pública do Estado de Goiás pediu ingresso no processo como custos vulnerabilis, para auxiliar no processo de garantia dos direitos das famílias moradoras. No dia 26 de fevereiro, a juíza de Santa Cruz emitiu uma nova decisão, em que indefere o pedido de anulação da imissão de posse feito pela PGE, mas aceita o ingresso da DPE no processo e determina a ida de um oficial de justiça ao local para verificar a presença de famílias moradoras.
No dia 4 de março, uma equipe da DPE esteve na fazenda e realizou o cadastro das 18 famílias que resistem no local, apesar das várias dificuldades e ameaças sofridas ao longo dos últimos anos. O relatório da vistoria, que atesta que as famílias que vivem no local são pequenas produtoras que vivem situações de vulnerabilidade social na área já foi encaminhado à juíza.
Na última segunda-feira, 11, a Defensoria entrou com Agravo de Instrumento, pedindo novamente a suspensão do mandado de imissão de posse do imóvel, dada a presença das famílias em situação de extrema vulnerabilidade no local, e indicando a necessidade de plena atuação da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás no caso.
Por determinação da Resolução Nº 510 do Conselho Nacional de Justiça, casos de reintegração de posse que envolvam conflitos fundiários devem ser encaminhados para acompanhamento da Comissão de Soluções Fundiárias do tribunal de justiça local, garantindo que o respeito à dignidade e aos direitos de grupos vulnerabilizados em casos de remoção.
Magda Mofatto
Em 2007, Magda Mofatto foi cassada de seu mandato como prefeita de Caldas Novas, por compra de votos e abuso de poder econômico no pleito que foi eleita. Em 2010, o TRE-GO negou seu registro como candidata a deputada federal, pela Lei da Ficha Limpa e, para escapar da inelegibilidade, ela travou uma batalha judicial contra a condenação até a última instância para concorrer ao legislativo federal. Anistiada pelo STF, tomou posse como deputada federal junto com outros três candidatos ficha suja, em sua primeira legislatura em Brasília.
Em 2019, já reeleita como Deputada Federal, foi condenada pela justiça goiana por improbidade administrativa, devido à contratação de uma empresa de advocacia sem licitação, durante seu mandato como prefeita em Caldas Novas. A sentença determinava a suspensão dos direitos políticos de Mofatto por oito anos, o ressarcimento de cofres públicos em quase R$ 64 mil reais, o pagamento de multa no mesmo valor e a proibição de acesso a incentivos fiscais ou de crédito durante dez anos. A perda do mandato, no entanto, só ocorreria caso perdesse os recursos em todas as instâncias.
Atualmente, Magda é ré em dois processos de crime eleitoral que tramitam no STF em fase de inquérito, descritos no sistema JusBrasil como crime de falsidade ideológica e/ou alteração de documento público com fins eleitorais, além de um processo de crime contra a administração pública e um crime de calúnia. Na justiça estadual ela figura em diversos outros processos como polo passivo.
O que diz Flavio Canedo
Eu estive lá na minha terra, vou lá direto. Tenho um vizinho de pasto meu que direto ele coloca o gado dele em um dos meus pastos. E eu deixei um bilhete, como eu já deixei vários na porta dele, ‘Por favor, de novo, retire o seu gado da minha terra’. Eles dobram o meu bilhete, tiram o por favor, você pode olhar, o bilhete está cortado, está faltando a parte de cima, onde eu peço para o vizinho tirar o gado da minha terra. Não tem ninguém que mora lá. Lá são proprietários de supermercado, são dois policiais civis de Goiás que moram lá, tem também agiota que tem terra lá e muitos empresários. Há um funcionário aposentado do Banco do Brasil que ganha 20 mil reais por mês. Não tem ninguém que mora lá que não tem dinheiro.
Na verdade são grileiros, não são coitadinhos não. Inclusive, tem relatório já da Justiça se você olhar no processo. O que é que acontece? A primeira imissão de posse, a reintegração de posse nossa, foi obtida no ano de 2011. Eles recorreram alegando que eram roceiros e tudo. Demorou 13 anos pra nós ganharmos até em última instância. E agora a Justiça mandou, emitindo o nome da posse, do imóvel. É nossa, de verdade, é só isso que tá acontecendo. Não tem mais nada.
O processo é de 1991. O juiz da comarca riu e falou “o processo começou no ano que eu passei na faculdade e eu tô aposentando esse ano e o processo ainda não terminou”. Então, só pra você ver isso, como a Justiça é lenta. Já tem 13 anos que eles recorreram. Só que agora nós ganhamos em última instância. Não é uma coisa que é de repente, não. Foi pra primeira instância, segunda instância, subiu para colegiado e STJ. Nós ganhamos em todas as instâncias e deu trânsito em julgado. O processo tem trânsito em julgado. Então agora eles falam que são sem terra. Eu tenho um relatório aqui, onde eu tenho o endereço das pessoas que moram lá. Tem gente que mora aqui no Jaó e tem chácara de lazer. Então, não são camponeses.