Após um período sendo organizado por movimento sociais, o Grito dos Excluídos, que está em sua 29ª edição, volta a ter a participação da Arquidiocese de Goiânia na estruturação do evento. Com a temática “Você tem fome e sede de quê?”, o movimento vai se reunir no feriado de 7 de setembro a partir das 8h30, na Rotatória Alameda Higino Pires Martins, próximo à ocupação Paulo Freire e a Ocupação Solar Ville, no Setor Solar Ville, em Goiânia.

Para Gerson Neto, participante ativo do movimento, a entrada da Igreja Católica na participação é fundamental. “Antes então a igreja participava, mas não como organizador oficial. É importante mencionar a mudança da posição da Igreja Católica, com a chegada de Dom João Justino, porque ele esteve no grito dos excluídos do ano passado e nesse ano entrou na organização com a Arquidiocese. É uma ação da Igreja Católica progressista, que se preocupa com os mais vulneráveis e acredita que a igreja é um fator de transformação do mundo”, explicou.

A maioria das ações ocorrem na semana do 7 de Setembro, com o objetivo de mobilizar as pessoas para a luta por seus direitos, na denúncia das injustiças e violências, valorizando a vida e na busca de um mundo com justiça social. “Mais do que uma articulação, o Grito é um processo que se enraizou na cultura de diversos grupos, pastorais sociais e movimentos sociais, tornando-se uma ampla manifestação que congrega pessoas comprometidas com a causa dos excluídos. A ação efetiva-se como uma imensa construção coletiva, antes, durante e após o 7 de setembro”, disse Dom Justino.

O Cartaz do Grito – refletindo a realidade – aponta-nos uma resposta: eu tenho fome e sede de soberania, território, saúde, justiça, trabalho, educação, moradia e terra. Ou seja, o movimento levanta a temática para despertar fome e sede de um outro mundo possível: um Mundo Novo, onde todos e todas – juntamente com os povos indígenas e quilombolas – tenham as condições necessárias para uma vida digna, como irmãos e irmãs que têm o mesmo valor e a mesma dignidade, na partilha igualitária dos bens e na valorização das diferenças.

Cartazes espalhados pela cidade de Goiânia. | Foto: Divulgação

De acordo Flavio Sofiatti, representante do Vicariato para a Solidariedade da Arquidiocese, o objetivo é se afastar da região central e focar a mobilização em regiões de vulnerabilidade. “Independente da configuração dos governos, a gente vive uma situação de desigualdade social muito extrema no país. Então, o movimento tem a sua importância nessas quase três décadas de existência, para dar esse grito das pessoas que estão excluídas desse sistema societário no qual estamos todos tentando estar inseridos, mas tem muita gente à margem. A ação é o momento dessas pessoas darem o seu grito, mostrarem para a sociedade que elas existem e que elas devem ser valorizadas”.

Participam do grito: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Arquidiocese de Goiânia, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MDT) em Goiás, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), outros movimentos sociais. O movimento também contará com a representação de lideranças evangélicas e de religiões de matriz africana.

Movimento ecumênico

O representante do Vicariato para a Solidariedade explica que os manifestantes vão caminhar da ocupação Solar Ville até a ocupação Paulo Freire, onde o encerramento será marcado por uma oração coletiva na presença das lideranças religiosas que estiverem presentes. Após a oração, as famílias das ocupações vão servir um almoço comunitário para todos os presentes.

“É um exemplo da Igreja Católica, mas é ecumênico. Em geral, as igrejas sempre participam. A Anglicana ajudou a participar, ajudou na organização, a Luterana também ajudou na participação. Lideranças de matrizes africanas chegaram a participar de alguma das atividades de organização. Apesar de ser uma uma iniciativa da Igreja Católica, nesses 29 anos de grito sempre tivemos a presença de outras religiões”, completou Flavio.

A Igreja Anglicana tem raízes no catolicismo, do qual mantém muitas tradições, mas ganhou forma em meio à Reforma Protestante do século XVI. Com a reforma e com as 95 teses de Martinho Lutero, fundou-se também a Igreja Luterana, que defende o alcance da salvação unciamente pela fé, pela graça de Deus e não por obras.

Feriado da Independência

Primeira edição do movimento, no ano de 1995. | Foto: Divulgação

O 7 de setembro é marcado por milhares de pessoas que vão às ruas demarcar a exclusão de grande parte da população brasileira. Desde 1995, esse evento marca o contraponto de luta e resistência, denunciando que comemorar o tal grito do Ipiranga não contempla a história do povo brasileiro em sua totalidade plural, ignorando as mazelas que a colonização deixou como herança ao país.

Analisando a história do Brasil, é evidente a crescente desigualdade social e a população que ainda segue à margem do que se é considerado cidadão, com destaque para mulheres, negros (as), indígenas, camponeses e população LGBTI+. Ainda que tenha havido avanços na legislação, como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei de Cotas (2012), o Estado brasileiro ainda opera majoritariamente pela lógica da construção do cidadão “universal”: homem, branco heterossexual, com um recorte determinante de classe, ou seja, posses e riquezas, forjada no Império do Brasil.

Movimentos eleitoreiros tentaram politizar a data, tornando o desfile do 7 de setembro uma espécie de representação do “patriotismo brasileiro”. Em 2023, com um novo slogan, “Democracia, soberania e união”, o evento do dia 7 deve reunir 30 mil pessoas e 200 autoridades em Brasília.

Fome no Brasil

Um relatório divulgado em julho pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) confirmou a piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar no Brasil em 2022. Segundo a FAO, em 2022, 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando têm dificuldade para se alimentar. O levantamento também mostra que 21,1 milhões de pessoas no país passaram por insegurança alimentar grave, caracterizada por estado de fome.

O cenário traz preocupação, pois o Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014/2015 e, a partir de 2016, os índices só pioraram provocando o retorno em 2022, com sua situação piorada ainda mais no relatório atual.

Segundo a FAO no Brasil, o relatório mostra uma tendência que será difícil atingir a meta de acabar com a fome no mundo até 2030. “Além dos problemas de saúde causados pela pandemia globalmente, o mundo enfrenta dois grandes desafios: a fome e a má nutrição. Um em cada dez pessoas no mundo passa fome. Vemos que o mundo produz alimentos suficiente, mas há um grande problema de distribuição. Contudo, o caso do Brasil é diferente, graças as políticas publicas fortalecidas recentemente e à gigante produção alimentar, estamos certos de que o país irá sair novamente do mapa da fome, sem dúvidas”, destacou.