Conheça Naya Violeta: primeira goiana a ter sua própria marca de roupas desfilando na São Paulo Fashion Week

30 dezembro 2021 às 14h32

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A coleção “Encante – do amém ao axé”, trouxe um título de pioneirismo não só para a estilista, mas também para Goiás
Foi no interior de Goiás, em uma cidade fundada em 1920 pelo então Padre Pelágio Sauter, vigário da Paróquia Trindade, que Naya Violeta, 32 anos, nasceu. Hoje, a cidade que recebeu a futura estilista, se chama Goianira e é composta por cerca de 44 289 habitantes.
Naya sempre gostou de costurar. Quando eu a questionei com que idade ela começou a fazer o ofício, ela ficou um tempo em silêncio, perdida no tempo, até chegar a conclusão: 10 anos. Começou a fazer as roupas que queria usar. Naya passava muito tempo com suas tias costureiras e no mercado com seus pais. Então desde que aprendeu a fazer roupas também entendeu a necessidade de vendê-las. “Meu interesse da moda veio do convívio em comunidade, com várias mulheres e também da necessidade quanta a mulher preta, então empreender para mim sempre foi uma necessidade monetária e também social de construir e criar pontes e construir um produto”, conta.
Sua principal inspiração para a criação de suas roupas também viria da infância: seu pai. Em uma cidade do interior, usar roupas coloridas, espalhafatosas e icônicas, como disse Naya, era muito recriminado. Mas isso não interferia nas escolhas do guarda-roupa de seu pai. “Ele sempre foi um potencializador de que gente preta era pra brilhar e gente preta podia usar e desfilar com o que se sentisse interessante”, lembra.
E com o passar dos anos a certeza de que era isso que ela queria fazer na vida só se firmou. Por isso, ela foi estudar moda na Universidade Estadual de Goiás (UEG), se pós-graduou na área na Universidade Federal de Goiás (UFG), fez um curso de Técnico Têxtil no Rio de Janeiro, em 2011. Depois voltou para Goiânia, mas logo foi para São Paulo trabalhar e de lá partiu para Buenos Aires fazer Marketing em Moda. “Ter feito várias andanças para fora me fez ter mais certeza do quanto de aprendizado que eu tinha aqui nas vivências ancestrais”, afirma.
Com a segurança de que todas as referências que precisava para montar sua marca, que leva seu nome, já estavam em solo goiano, Naya começou a construir a identidade das roupas que vemos hoje. Peças com texturas, volumes, cores vibrantes, além de uma autenticidade do country faz de Naya Violeta uma criação que foge do óbvio e faz de sua marca um manifesto afrofuturista. E em 2021, a marca celebrou os 10 anos com uma conquista inédita: Naya Violeta foi a primeira mulher e a primeira marca, residente de Goiás, a desfilar no maior evento de moda da América Latina, o São Paulo Fashion Week (SPFW).
No começo do ano, Naya participou do Projeto Sankofa, resultado de parceria entre o movimento Pretos na Moda e a startup de inovação social Vamo – Vetor Afro Indígena na Moda com o intuito de ampliar a inclusão racial na SPFW. Eles passaram um processo seletivo que avaliou o “Potencial Criativo e Autoral / Autenticidade”, “Potencial Comercial e de Desenvolvimento de Inserção Produto no mercado”, “Técnicas como Diferenciais Competitivos” e “Legado para comunidade”. No total, oito marcas independentes de estilistas negros e indígenas de todo o Brasil foram convidados a estrear na semana de moda. Dentre elas está Naya Violeta.
Encante – do amém ao axé
“Encante é uma coleção que vem colorida e com a força da irmandade”, afirma Naya ao definir a coleção que desfilou nos palcos da SPFW no dia 19 de novembro. Cheia de suas referências afrofuturistas e da sua vida no Cerrado, a coleção ainda trouxe a colaboração dos artistas visuais e muralistas Izza e Jesus Credo, que assinam uma estamparia inédita e exclusiva, rica em referências ao sagrado, às festas e aos ritos e também ao Cerrado goiano. O jeans denim é outra novidade que Naya mostrou nas roupas desfiladas.
“Em Encante temos modelagens fluidas, em fibras naturais, 70% algodão. Peças que nunca tínhamos feito em jeans.
Mix de vestido, camisa, calça curta, longa, estampas de encher os olhos. Todos com possibilidades de corpos plurais. Porque entendemos que essa ferramenta visual é, na verdade, uma ferramenta política. Estamos pensando na beleza de cores opostas. Como isso tem potência. Sermos juntos, mas não sermos iguais. Juntos e desiguais. Potência como individualidade para ter força no coletivo. Encante é sobre isso”, explica Naya.
Sobre batizar o nome da coleção com o nome “do amém ao axé”, Naya conta que ela quis falar do Brasil plural. “Estamos falando de um Brasil onde a fé é força e resistência e, acima de tudo, é uma fé diversa. ‘Do amém ao axé’ foi uma inspiração que eu tive quando comecei a olhar para esses dez anos de marca e a reconhecer todas as junções de fé que constituem a nossa jornada. Dona Val, nossa costureira desde o início, é uma pastora evangélica. Washington, nosso modelista, é um pai de santo. Então compreendi que o respeitar dessa fé nos fortalece. São os múltiplos sagrados que formulam esse Brasil de encantes”, conta.
Com uma equipe formada apenas por goianos, Naya também fez questão de levar a nossa música alternativa e nossos festivais junto à passarela com ela. “A coletividade goiana é maior que sertanejo”, afirma depois de levar personalidades pretas da música que possuem alguma relação com o renomado Festival Bananada e com a moda da estilista. Aliás, a trilha sonora do desfile foi total Festival Bananada, com assinatura da DJ Lys Ventura. “A gente entende que potencializou nossas irmandades para estar nessa coleção. Achamos importante ter também a estampa assinada por alguém daqui, para reverberar essa potência artística que a gente tem em Goiás. De trazer o Bananada, que é essa potência de festival. Isso reverbera no colorido”, diz Naya.
O passo grande dado na carreira não tirou de Naya, a garotinha de 10 anos que costura e vendia roupas junto com seus pais no interior de Goiás, o verdadeiro sentido dela fazer o que faz. “Eu não faço só roupa. A roupa que eu faço ela tem uma comunicação e carrega uma afroafetividade que é como eu quero deixar como um legado. Eu não poderia fazer outra coisa se não isso que eu faço agora. E fazer isso em Goiânia é extremamente desafiador. Eu tenho inúmeras barreiras sociais, culturais, mas a gente tem feito”.