Italo Wolff e Marcos Aurélio Silva

Bacharel em Direito e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Yara Nunes é a principal responsável, hoje, pelas políticas do setor artístico em Goiás. Ainda que possa não parecer algo de sua área de atuação, ela explica como isso se deu seu envolvimento com o tema: “Foi durante a pandemia, quando eu vi o quanto o setor ficou fragilizado e necessitava de mais estudos e pesquisas, de políticas públicas para fazer a retomada”, conta.

Depois de um ano como superintendente de Gestão Integrada da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), em janeiro ela também assumiu interinamente o comando da pasta, com a exoneração, por motivo particular, do ex-titular Marcelo Carneiro. Yara também é integrante do Núcleo de Estudos Sobre Trabalho da Faculdade de Ciências Sociais (Nest/FCS) da UFG.

A titular da Secult também é perita grafoscopista nos Tribunais de Justiça (TJ-GO) e do Trabalho de Goiás. Na gestão pública, também foi gerente de Intermediação e Recolocação no Trabalho, responsável pela implantação dos programas Mais Empregos e Mais Crédito, da Secretaria de Estado da Retomada.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Yara Nunes apresenta as políticas públicas do governo de Goiás para a cultura e mostra como mudou a formatação dos editais para o setor: “É compromisso do governador Ronaldo Caiado: só realizamos algum tipo de contrato se o dinheiro estiver em conta”, afirma.

Marcos Aurélio Silva – A sra. está há mais de um ano na Secult e em janeiro assumiu como secretária. Quais as principais tarefas que desenvolveu durante esse tempo?

Entrei como superintendente em janeiro de 2022 e coincidiu de, em janeiro deste ano, eu assumir o cargo de secretária de forma interina. Nesse meio tempo, acompanhei bastante o secretário César Moura, que estava também interinamente e acredito que nossa principal ação, no início, foi quitar dívidas de gestões passadas. Foram mais de R$ 56 milhões – dívidas do FAC [Fundo de Arte e Cultura], com prestadores de serviços, com pessoas que trabalharam no Fica [Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental], no Canto da Primavera [festival musical realizado em Pirenópolis], isso ainda de 2017, e nunca tinham recebido seus proventos. Considero, então, uma das atividades mais importantes, talvez das mais marcantes, conseguir fazer a quitação dessas dívidas. Existe um saldo remanescente do FAC, mas é muito pequeno e nós já temos todas as peças orçamentárias. Tudo já foi encaminhado para a Secretaria da Economia. O que está faltando agora é somente a arrecadação e algumas burocracias internas. Posso dizer que o trâmite está todo controlado entre a Secretaria da Cultura e a da Economia.

Traçando uma linha do tempo, creio que essa tarefa tenha sido uma das mais importantes. Já nesses dois meses em que estou à frente, vejo como destaque a facilitação do Programa Goyazes [Programa Estadual de Incentivo à Cultura], no sentido de as empresas hoje, ao invés de terem um limite de aproveitamento de seu crédito, de abatimento do ICMS para apoiar alguma iniciativa, conseguirem investir 100% do ICMS da empresa em um projeto cultural. É uma vitória para a Secult, para o governo de Goiás, para as pessoas que trabalham com cultura. Não posso deixar de mencionar, também, o Fundo de Arte e Cultura no valor de R$ 14,2 milhões, publicado na semana passada. É um montante que quero ressaltar muito, porque, como é compromisso do governador Ronaldo Caiado, só realizamos algum tipo de contrato se o dinheiro estiver em conta. Com o FAC, não é diferente: não vai ocorrer de, lá no futuro, ter alguma dívida desse fundo de 2023, porque o recurso está 100% empenhado. Os editais só foram publicados quando tivemos a condição de fazer o empenho de todo aquele valor. Ou seja, os R$ 14,2 milhões dos 16 editais já estão todos empenhados e agora vamos passar pelos trâmites normais – como inscrição, análise de mérito, habilitação de documentação etc. E assim que os resultados saírem, em poucos dias as pessoas que forem aprovadas nos editais vão receber os recursos em suas contas indicadas.

Jornalistas Marcos Aurélio Silva e Italo Wolff entrevistam a secretária Yara Nunes | Foto: Leo Iran

Marcos Aurélio Silva – Quando a sra. fala dessa forma, sobre a questão econômica que afetou o setor, dá a sensação de que há uma demanda que ficou represada por muito tempo, no sentido de ter faltado um incentivo financeiro. Poderíamos estar discutindo da ampliação da agenda e outros pontos, mas ainda estamos na questão econômica. Isso tem a ver com a pandemia ou há outras razões, por exemplo, administrativas?

Se nós não tivéssemos encontrado tantas dívidas no início do primeiro mandato, com certeza já estaríamos muitos passos à frente. É bom nos lembrarmos também de que, durante algum tempo, não existiu a Secretaria de Cultura, ela era uma superintendência vinculada à Secretaria da Educação. Se quando a reabrimos, a reconstituímos, não houvesse tanto passivo, a coisa seria diferente. Mas não havia como iniciar algo novo sem fazer a quitação com o passado, primeiramente porque faria com que a pasta não tivesse credibilidade alguma e, em segundo lugar, porque as pessoas [credores] estavam contando com esses recursos, precisando daqueles valores.

Agora, porém, já podemos pensar em investimentos. É o que já está acontecendo. São investimentos em obras de restauro, em obras públicas vinculadas à cultura, foi possível publicar esses editais, assim como fazer alterações no Programa Goyazes – que, apesar de não ter recursos diretos do Tesouro, estamos falando também em crédito outorgado, o que não deixa de ser investimento. Algo que nos limitou e que ainda vem nos limitando, de certa forma, foi a necessidade de Goiás ter entrado no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Muitas ações e investimentos acabam tendo limitação por causa do RRF. Repito, com toda certeza, estaríamos muito mais à frente e teríamos avançado em nossos trabalhos se não tivéssemos encontrado um cenário tão desfavorável em termos de dívidas.

O ministério já sabe que estamos à disposição para servir de piloto para projetos

Italo Wolff – O Fundo de Arte e Cultura esteve parado por muitos anos?

Os últimos editais do Fundo sequer tinham sido pagos, como eu disse. Nós realmente pagamos muitos editais que foram lançados sem recursos em caixa. As pessoas contempladas ficaram naquela situação de “ganhou, mas não levou”. Vejo muitas pessoas criticando a questão do valor, de ter sido menor do que em outras edições, mas é preciso dizer que, nesse caso, está garantido que as pessoas vão receber. E é preciso lembrar que esse é só o primeiro edital dos próximos quatro anos e que estamos na expectativa de receber recursos federais também, com a recriação do Ministério da Cultura (MinC). Em tempo, nossa relação com o ministério está muito boa, muito positiva. O ministério já sabe que Goiás está à disposição, inclusive para servir de Estado piloto para eventuais projetos que queiram fazer em parceria. Nós nos colocamos também à disposição para que o MinC, se necessário for, abra algum tipo de escritório em território goiano, diante dessa aproximação e dessa proximidade física, mesmo. Temos convidado o pessoal da pasta para nossos eventos e estamos na expectativa de que participem, por exemplo, de algumas cavalhadas, de alguns festivais.

Por fim, quanto a essas queixas sobre o volume de recursos, é preciso ainda ressaltar que estamos submetidos ao Regime de Recuperação Fiscal e que, dessa forma, não podemos fazer investimentos tão altos quanto gostaríamos. Mas, com esse fôlego de recursos externos chegando, certamente vamos poder dar início a novos projetos e programas e melhorar os que já temos. Novidades com certeza podem vir para a cultura.

Marcos Aurélio Silva – O Programa Goyazes tem novidades para este ano. A sra. pode especificar quais são?

Agora, o Programa Goyazes fica aberto o ano inteiro. Desse modo, os artistas têm a possibilidade de apresentar projetos já agora, ou mais para o meio do ano, ou mesmo no fim do ano. Toda inscrição ocorre por meio de nossa plataforma Mapa Goiano. Cada aba do site, chamadas “Oportunidades”, todos os meses sempre abre na primeira segunda-feira do mês e se fecha na última sexta-feira do mês. Nesse intervalo, tudo que houver lá estará aberto à inscrição.

Outra novidade é a aproximação da secretaria com o Conselho Estadual de Cultura. Todas as nossas ações estão sendo elaboradas em conjunto com o conselho, com o setor artístico. Eles nos passam diversas sugestões e algumas modificações que sempre analisamos. Tudo isso sempre buscando melhorias, porque a política pública precisa ser boa para o Estado e excelente para quem vai recebê-la, quem será o objetivo daquela política pública. Ouvir as pessoas nos dá a possibilidade de fazer alterações, como a de ficar o ano inteiro com as oportunidades abertas, de ter projetos de até R$ 2 milhões. Outra questão: em caso de projetos que tenham interesse coletivo, não meramente interesse privado, existe a possibilidade de análise para recebimento desse projeto de forma excepcional, o que não quer dizer que estará automaticamente aprovado – a excepcionalidade só significa que ele terá um trâmite um tanto quanto mais rápido.

Por fim, outra novidade é a de que as empresas que apoiarem projetos culturais poderão investir 100% de seu ICMS em projetos já aprovados. É uma grande novidade, entendo que talvez seja a melhor delas, porque traz muita facilidade para que a empresa encontre projetos, independentemente de seu porte.

Marcos Aurélio Silva – Não existe limitação de “tamanho” para uma empresa participar?

Não, qualquer empresa pode participar, desde que recolha ICMS. Ou seja, desde a pequena mercearia do bairro até as grandes indústrias. A única limitação é, obviamente, de acordo com o recolhimento – se a empresa recolhe R$ 1 mil, pode investir essa quantia. A grande empresa, por sua vez, pode investir até R$ 20 milhões anuais, que é o limite global do Estado.

Italo Wolff – Todas essas novidades já vinham sendo preparadas pela Secult?

Há demandas antigas, desde que estou na Secult já presenciei várias pessoas se queixando, pedindo essa facilitação. Isso chegou ao governador, também, e ele determinou que encontrássemos soluções. Creio que agora conseguimos dar uma “acelerada” nessas demandas reprimidas e, de uma vez só, conseguimos atendê-las, em boa parte. Então, não é algo que começamos a pensar agora, mas são ações que vinham caminhando muito lentamente, passos mais lentos do que a cultura do Estado estava precisando. O governador nos deu liberdade para destravar essas políticas e esses programas, tudo aquilo que estava prejudicando o setor cultural. Por sorte – e por termos uma equipe extremamente competente, claro –, vem tudo dando muito certo.

Já investimos este ano mais de R$ 30 milhões em festivais e obras

Marcos Aurélio Silva – Qual é o orçamento de sua pasta para este ano?

Dependemos também de arrecadação, mas posso dizer que já investimos este ano mais de R$ 30 milhões, em festivais e em obras – em duas, especificamente, sendo que em uma delas tivemos de ampliar o valor contratado, por problemas que encontramos na estrutura feita ainda em outra gestão. Também celebramos um convênio para festivais, com a Universidade Federal de Goiás.

Sobre o orçamento, ainda, estou em conversas com a Secretaria da Economia para saber até onde podemos chegar, uma vez que tivemos um gasto relativamente alto em dois meses. Estamos trabalhando para ver qual a melhor forma de investir sem prejudicar teto de gastos nem o RRF ou interferir em outras políticas públicas do Estado.

Marcos Aurélio Silva – Muitas vezes, em várias gestões, a cultura se torna o “patinho feio” entre os setores. Hoje, os recursos que a Secult tem são suficientes para a execução dos projetos?

É uma pergunta muito boa. Tenho tido muita liberdade para conversar com o governador sobre nossas demandas e ele está muito preocupado com o setor, não somente por conta do período da pandemia, difícil para nós, mas também por questões mais antigas. Ele entende que a Secult e as políticas culturais no Estado precisam ser valorizadas. Então, talvez esse olhar de “patinho feio”, algo como “ah, a Cultura não precisa de dinheiro”, posso falar com propriedade que, durante esta gestão e em minhas conversas com o governador, isso não está acontecendo. O que tem nos limitado, assim como ocorre com diversas pastas – e não somente em Goiás, vejo isso em outros Estados, também –, é que os recursos nunca são suficientes, porque sempre somos muito solicitados e porque a população precisa ter acesso. Estamos conseguindo trabalhar com todas as possibilidades que o governador tem nos dados, inclusive com liberdade até de ir ao MinC, para buscar melhorias, recursos e mais braços para trabalhar.

Em agosto ou setembro do ano passado, o governador me deu autorização – e eu estava ainda como superintendente – de ir a São Paulo para ver como lá eles faziam a gestão dos espaços e dos equipamentos públicos. Lá, aparentemente, têm uma maior facilidade de trabalho e o objetivo era compreender o mecanismo que eles utilizam. Observei que em São Paulo não há uma secretaria muito cheia de pessoas, mas na qual conseguiram criar uma forma de trabalho que auxilia eficiente em seu funcionamento. Por isso tudo, com certeza posso garantir que a cultura, ao menos em Goiás, não está sendo vista como “patinho feio” da gestão pública.

Italo Wolff – A pandemia deixou a classe artística fragilizada e a área cultural foi com certeza um dos mais prejudicados pela crise sanitária. Depois de toda a paralisação, o que a secretaria tem feito para recuperar ou minimizar as perdas do setor?

O setor cultural, sem dúvida, foi um dos mais impactados. Foi o primeiro a fechar e o último a reabrir. Quando chegamos ao momento mais grave da pandemia, o governador teve a sensibilidade de criar a Secretaria da Retomada. Então, quando não podia haver aglomeração, por questões óbvias, essa pasta veio como um braço para auxiliar na questão de créditos, de cursos de qualificação e capacitação profissional. Também ocorreram algumas lives para arrecadação de cestas básicas para artistas. César Moura estava à frente da secretaria e, com a Lei Aldir Blanc, nesse período foram liberados diversos editais emergenciais com recursos federais, visando dar um certo fôlego aos artistas. Apesar de serem ações um tanto quanto paliativas, a gente sabe que muitos trabalhadores das artes e da cultura, infelizmente, chegaram a passar fome. Isso foi algo que aconteceu em nível mundial, não só municipal ou estadual.

Agora que conseguimos enxergar o fim da pandemia, graças à vacina e a diversas ações, a Secult está tentando facilitar e democratizar o acesso a nossos recursos. Quem estava acostumado com os editais no formato antigo, vai perceber que buscamos facilitar tudo isso por meio do FAC, até porque foram editais elaborados, como já disse, em conjunto com o Conselho Estadual de Cultura e ouvindo muito os artistas. Então, não foram editais desenvolvidos não a quatro ou a seis mãos, mas talvez com mil mãos, mil braços. Para democratizar o processo, o que estamos fazendo é facilitar o acesso a nossos recursos e facilitar também a ocupação de nossos espaços, que são mais uma forma de garantir a subsistência.

Marcos Aurélio Silva – Depois dessa crise sanitária de praticamente três anos, dá para fazer uma projeção sobre quanto tempo ainda vamos precisar para recuperar o ritmo em relação ao número de eventos, à formação de artistas e de público?

Sem querer ser prepotente ou parecer que estou falando algo de forma insensível, eu creio que não houve em Goiás um impacto tão grave como ocorreu em outras regiões. Digo isso porque aqui tivemos aqui vários auxílios e mecanismos que nos ajudaram a amenizar o quadro. Claro, na formação é impossível falar que não tivemos um impacto mais sério, mas estamos buscando recuperar esse déficit. Por exemplo, temos, entre os editais lançados, um que é voltado para formação. O Programa Goyazes também possibilita o auxílio a pessoas ou a projetos na área de formação. Não creio que vamos ter uma perda tão grande, um lapso temporal tão longo, até porque não é a Secult apenas que está trabalhando sozinha nessa retomada do processo de formação: temos outras secretarias; temos colégios tecnológicos de artes; temos, dentro das Escolas do Futuro (EFG), o Basileu França. De modo que, em nível estadual, temos diversas políticas públicas de diversas pastas, que auxiliaram e continuam auxiliando para minimizar essas perdas e nos ajudar no processo de retomada também na cultura.

Marcos Aurélio Silva – Um dos reflexos advindo da pandemia foi a digitalização e o uso de canais virtuais por parte dos artistas, compondo uma rota de sobrevivência para eles. Em seu ponto de vista, esse consumo de bens culturais de forma virtual é uma tendência que assim seguirá? O poder público conseguiu assimilar esse movimento?

Eu entendo que a possibilidade das lives, das plataformas de streaming, isso foi um salto que a pandemia causou, embora não dê para dizer que uma pandemia traga alguma coisa boa. Mas, sim, essa digitalização foi um reflexo do período. A propósito, dentro dos editais do FAC há um para cultura digital, que existe porque conseguimos compreender que as artes digitais, por assim dizer, vieram para ficar. É um edital específico criado para a cultura digital e tudo que pudermos fazer para incentivar a cultura por esse meio, sem que ela perca sua essência, vamos fazer.

Outra possibilidade que estamos trabalhando dentro de nossas políticas públicas é a redução de documentação física: tudo que puder ser enviado de forma digitalizada, estamos priorizando dessa forma. A criação do Mapa Goiano facilitou esse processo, porque é um sistema pelo qual os artistas podem, inclusive, divulgar seus eventos e ações. Estamos criando ferramentas para facilitar esse acesso.

Estou com grande expectativa de ver nosso trabalho sendo intensificado, principalmente com mais recursos chegando

Italo Wolff – O trabalho da Secult já sente os reflexos da recriação do Ministério da Cultura?

Ainda não, porque a secretaria não parou. Apesar de que não tínhamos um ministério específico, fazíamos nosso trabalho. Por ora, ainda não sentimos alguma mudança, mas estou com grande expectativa de ver nosso trabalho sendo intensificado, principalmente com mais recursos chegando – por meio da Lei Paulo Gustavo, da Lei Aldir Blanc 2, ou com outros recursos vindo especificamente para o cinema ou para o patrimônio histórico do Estado.

Marcos Aurélio Silva – Já há uma boa interlocução com o ministério?

Sim, nossa interlocução com o ministério está muito boa. Eu, pessoalmente, já consegui ter um acesso muito bom. Lá, estão muito contentes com essa recriação e se mostram sempre muito solícitos, empolgados em trabalhar em conjunto com as secretarias dos Estados.

Marcos Aurélio Silva – O que a secretaria tem feito em relação a restauração e preservação de espaços culturais?

O programa Fé, Religiosidade e Devoção, que vem fazendo restauros de igrejas em todo o Estado, está a todo vapor. Foi lançado no final de 2020 e tem já vários trabalhos executados. É um programa específico para igrejas, algumas delas centenárias e que nunca foram efetivamente restauradas. Nelas, estamos encontrando muitas surpresas, muitas delas têm problemas estruturais e outras questões graves que não dão a devida segurança para quem frequenta aqueles espaços. É preciso ressaltar que não são somente templos ou prédios, mas lugares que preservam a cultura do povo goiano, das pessoas do município e da população em geral.

Em relação a nossos espaços, com a reforma administrativa a Superintendência de Patrimônio Histórico e Artístico ganhou mais uma gerência e agora dentro dela existe uma Gerência de Projetos Arquitetônicos e uma Gerência de Obras e Engenharia. Nessa gerência, já estão trabalhando não apenas no projeto Fé, Religiosidade e Devoção, mas também para diversos equipamentos públicos que temos na capital e em diversas partes do Estado. Nesse sentido, o Centro Cultural Martim Cererê é uma obra que estamos finalizando agora. No ano passado, refizemos todo o ar-condicionado do Teatro Goiânia, que, num futuro não tão distante, vai entrar em novo restauro também. Da mesma forma, o Teatro Pompeu de Pina, em Pirenópolis, já está em processo de reforma, com parceria com o Iphan, a obra está bem adiantada. O teatro da Cidade de Goiás [Cine Teatro São Joaquim], apesar de não ter muito tempo que foi restaurado, tem passado por manutenções necessárias que nossa equipe vem fazendo, assim como o Palácio Conde dos Arcos, na mesma cidade. Enfim, há vários de nossos patrimônios e equipamentos passando por restauros, manutenção, fiscalização constante. Hoje, com a possibilidade de termos uma superintendência mais robusta, com certeza vamos conseguir dar uma atenção muito maior para o patrimônio do Estado.

Italo Wolff – Sobre a agenda, vamos ter o Fica este ano? Já há uma programação?

Eu tenho um carinho muito grande pelo Fica. Muito antes de sonhar que algum dia seria secretária de Cultura do Estado, eu já era frequentadora do festival, tenho ótimas recordações. Ainda não temos uma programação para o Fica, assinamos o convênio na semana passada. Uma novidade desses festivais é que vamos realizá-los em parceria com a Universidade Federal de Goiás. Por quê? Porque esses festivais não podem ser somente “festas” que ocorrem nesses municípios e, passada uma semana depois, os turistas vão embora, e pronto e acabou. Não pode ser assim. Assim como outros projetos nossos, os festivais precisam ser projetos com ações “antes”, “durante” e “depois”. Com esse olhar da UFG, mais acadêmico, vamos fazer isso com mais eficiência, já estamos conseguindo. Essa parceria, mais o forte apoio do governo de Goiás, vai nos fazer colocar o Fica de novo entre os festivais mais importantes do País.

Outra parceria que celebramos, para as Cavalhadas, é com o Sebrae, com a Secretaria da Retomada e com a Goiás Turismo, para que sejam disponibilizados cursos de capacitação de modo a receber da melhor forma os turistas. Às vezes em cidades sem fluxo muito grande, há essa dificuldade para atendimento a quem vem de fora. Vamos realizar esse trabalho prévio, agora em algumas cidades piloto, porque não vale a pena, neste momento, realizar em todos os municípios. Enfim, queremos mostrar que essas atividades não são somente eventos, mas políticas públicas.

Italo Wolff – Em que consiste essa parceria com a UFG?

A Secretaria da Cultura é uma pasta relativamente pequena, então buscamos parcerias para otimizar nosso trabalho. Nesse sentido, foi um convênio celebrado com a Fundação RTVE, da UFG. Por meio da fundação, vamos envolver estudantes da Federal, envolver outras universidades e ter, logicamente, a parceria das secretarias do Estado e a Universidade Estadual de Goiás (UEG). Vamos desenvolver em conjunto grandes políticas e tendo o braço da Universidade Federal como executora, como uma contratada, nos dando muito mais força para essa missão. Não estamos transferindo a competência de realizar o Fica ou qualquer outro festival para a UFG, de forma alguma. Mas é mais uma entidade para nos ajudar a criar políticas públicas com essa finalidade.

Marcos Aurélio Silva – Falando ainda sobre audiovisual, a Secult tem o programa Cine Goiás Itinerante. Qual é o resultado que tem sido observado? Os municípios demonstram interesse em receber o programa?

Sim, no ano passado conseguimos visitar 60 municípios e para este ano a expectativa é de fazer isso em pelo menos 100. É muito gratificante ver como as pessoas recebem o Cine Goiás Itinerante, principalmente quando é algum tipo de filme voltado para as crianças. Muitas delas nunca foram ao cinema, nunca tiveram acesso ao audiovisual, e ali dá para ver o brilho nos olhos dessas crianças e com certeza desperta-se o interesse em muitas delas. Muitas prefeituras já foram atendidas no decorrer destes dois meses e muitas mais estão nos procurando, já temos uma agenda cheia. É mais um programa extremamente importante para levar o acesso do audiovisual a locais em que nunca houve isso ou que tem um acesso mais difícil e, assim, temos mais uma forma de democratizar o acesso à cultura.

Marcos Aurélio Silva – E no campo da literatura, qual tem sido a atuação da secretaria?

No projeto Gira Livros, estamos recebendo livros até o final de março. Temos, em nossas bibliotecas, profissionais muito competentes para fazer a curadoria do que recebemos, para montar kits com esse material. Com esse projeto, vamos equipar algumas bibliotecas públicas, especialmente no interior, e também criar mais unidades da Estante Literária, como a que temos hoje na Praça Cívica. Lá, disponibilizamos livros e as pessoas podem pegá-los gratuitamente ou deixar doações de obras. No campo da literatura, portanto, temos essa possibilidade de auxílio às bibliotecas no interior e, com o projeto Gira Livros, queremos abastecê-las com mais livros e, talvez, criar mais pontos para que as pessoas consigam retirar gratuitamente seus livros. Com a entrega de kits, queremos fortalecer nosso Sistema Estadual de Bibliotecas, sempre buscando mais formas de aquisição de livros e uma curadoria cada vez maior e melhor para poder equipar adequadamente nossas unidades.

Marcos Aurélio Silva – E do ponto de vista do escritor, há algum apoio por parte da Secult?

A Secult não trabalha com patrocínio direto, apenas com as leis de fomento. Entre esses 16 editais que foram publicados no FAC, existe um específico para literatura. O Programa Goyazes também recebe projetos literários, de modo que as pessoas podem publicar ou ter algum tipo de custeio para fazer a publicação.

A Lei Rouanet, demonizada por desconhecimento, é um mecanismo essencial

Marcos Aurélio Silva – Durante os últimos anos e principalmente na campanha eleitoral, um tema que foi constantemente vítima de fake news foi a Lei Rouanet. Mesmo hoje ainda é gerado muito desentendimento em torno dela. É um programa federal, mas a sra. poderia explicar o que é, sua importância para o setor cultural e como ela funciona?

A gente poderia dizer que a Lei Rouanet e o Programa Goyazes são “primos” – um primo menor, o Goyazes, e o outro maior, a Rouanet. A lei federal [Rouanet] fala em abatimentos de impostos, obviamente federais – no caso, Imposto de Renda. Não é que o Estado esteja pegando dinheiro tirando da saúde, da educação e da segurança, por exemplo, para dar a artistas: está deixando de receber um determinado tributo para que projetos culturais previamente aprovados pelo governo federal sejam apoiados por alguma empresa privada que vai deixar de recolher imposto para, em troca, apoiar um projeto.

Em Goiás, o Programa Goyazes desempenha esse papel fundamental, pelo qual, sem utilizar propriamente os recursos do Tesouro – o Estado abre mão de receber um determinado recurso, no caso, o ICMS –, a cultura é fomentada. A Lei Rouanet talvez tenha sido demonizada por desconhecimento, por preconceito, mas é um mecanismo essencial, de extrema importância, não só para o artista, mas para a preservação da cultura de um povo, de uma Nação. Por meio de recursos da Rouanet, por exemplo, ocorrem restauros de prédios históricos. Não são só projetos privados ou de interesse do artista A, B ou C, mas também projetos que têm caráter de interesse coletivo.

Italo Wolff – A economia criativa hoje corresponde a 2,6% do PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil. A média nos países desenvolvidos é de 8% do PIB. O que a sra. acha que falta para subir esse índice?

Esse tema, economia criativa, ainda é algo novo por aqui, no sentido de que, só agora os governantes, ministérios e secretarias estão lhe dando mais importância. Em Goiás, posso falar com propriedade que não somente na Secult, mas também em outras secretarias, já vêm sendo trabalhadas formas de desenvolvimento da economia criativas, estudos sobre o tema. O setor cultural/criativo é um dos que mais empregam e geram renda, porque não envolve somente o artista ou quem está ali na atividade fim, mas toda uma cadeia produtiva é movimentada. É muito importante que a gente continue nesses estudos e nessas pesquisas, porque acredito que estamos no caminho certo para chegar onde os países mais desenvolvidos já chegaram ou estão chegando. Como goianos, creio que já começamos essa trilha também, mas precisamos seguir juntos para movimentar essa cadeia produtiva para, aí sim, termos mais um setor econômico muito forte no Estado.

Mais mulheres estão trabalhando na cultura, pela cultura e para a cultura

Marcos Aurélio Silva – Estamos na semana do Dia Internacional da Mulher. Qual é o papel da mulher hoje na cultura?

Dentro da Secretaria da Cultura – falando inicialmente do tema de forma micro, portanto –, tenho muito orgulho de falar que a maioria do quadro – entre gestoras, gerentes, superintendentes e até eu mesma, como secretária –, é de mulheres. Formam uma equipe com muita dedicação, com muita garra. Não estou dizendo que os homens não tenham isso, mas parece que as mulheres têm uma facilidade um tanto maior para trabalhar e mostrar seu trabalho, para fazer as coisas acontecerem.

Em um sentido mais amplo, é importante notar que mais mulheres estão trabalhando na cultura, pela cultura e para a cultura. Antes, era comum ver uma proporção muito maior de artistas homens. Hoje, vemos uma equiparação na quantidade de homens e de mulheres que trabalham no setor artístico e que são lideranças culturais também – eu converso com muito mais mulheres líderes do que com homens. É mais um setor importante a mostrar que as mulheres não precisam viver como viveram durante tanto tempo, apenas com trabalhos domésticos, dentro de casa, ou com atividades específicas. Não, as mulheres podem ocupar qualquer espaço, inclusive o espaço cultural. Quanto mais mulheres estiverem conosco, trabalhando na cultura e para a cultura, mais certeza tenho de que vamos alcançar mais rapidamente todos os objetivos enormes que almejamos.

Marcos Aurélio Silva – Em seu currículo, a sra. tem uma graduação em Direito e atualmente faz mestrado em Sociologia na UFG. Em que momento de sua trajetória houve esse encontro com a cultura, de modo a atuar nesse setor dessa forma tão ativa?

Posso dizer que me aproximei recentemente das políticas públicas para a cultura. Foi durante a pandemia, quando eu vi o quanto o setor ficou fragilizado, o quanto necessitava de mais estudos e pesquisas, de políticas públicas para fazer sua retomada.

Assim que a Secretaria da Retomada foi criada, eu comecei a atuar ali, juntamente com o secretário César Moura. Conseguimos, por meio das Caravanas da Retomada, ouvir as pessoas e ver melhor essa área tão importante que era o setor cultural, que estava tão fragilizada durante a pandemia. Foi quando comecei a pesquisar políticas públicas para desenvolver e melhorar a situação dos goianos que trabalham com arte e cultura. É um trabalho recente, mas estudo gestão pública e políticas públicas há muito tempo. Nunca fiz uma faculdade de música, nunca estudei isso mais profundamente, mas aprendi a tocar sozinha diversos instrumentos, desde criança tenho muita habilidade, muita facilidade com a música, é algo que está em minhas raízes.

Então, acredito que a pandemia, trazendo um momento de dor, de tanta fragilidade, para o setor cultura, fez com que uma pequena faísca virasse uma chama bem grande. Hoje trabalho em prol das políticas públicas voltadas para a cultura e faço questão de ouvir as demandas do setor e de levá-las ao governador Ronaldo Caiado, para que ele possa ver e compreender o quão é importante esse setor para o desenvolvimento do Estado. Independentemente do período que eu fique à frente da secretaria, quero conseguir fazer com que ela se destaque no desenvolvimento de políticas públicas. Não para a Secult aparecer diante das outras, mas para ajudar as pessoas e para que olhem ali e vejam um trabalho atuante.