Wilson Ferreira: “Não acredito que passe pela cabeça de Bolsonaro dar um golpe”

16 outubro 2022 às 00h00

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Euler de França Belém e Marcos Aurélio Silva
Wilson Ferreira Cunha é conhecido por suas posições liberais e pelas enfáticas críticas aos governos do PT. Ele, que é mestre em História e Antropologia pela Universidade Russa da Amizade dos Povos, em Moscou, acredita que as eleições deste ano deixaram de lado pautas econômicas, políticas e sociais, para dar atenção apenas aos ataques, motivo pelo qual ele acredita que o resultado se dará mais pela rejeição do que pela aprovação dos candidatos que chegaram ao segundo turno – Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O professor carrega consigo um amplo conhecimento sobre o socialismo e o comunismo, doutrinas a que ele se opõe de forma ferrenha. E é também nesse conhecimento que ele baseia suas posições políticas contra Lula e a favor de Bolsonaro, que é quem ele acredita ter maiores chances de fazer as reformas de que o Brasil precisa, já que contará com a maioria no Congresso. Nesta entrevista ao Jornal Opção, Wilson fala da campanha eleitoral, democracia e educação.
Euler de França Belém – Há quem avalie que, no segundo turno, seria uma oportunidade para o ex-presidente Lula da Silva, do PT, e o presidente Jair Bolsonaro, do PL, debaterem propostas para o País, para a retomada do crescimento econômico. No entanto, o debate está, em grande parte, circunscrito a ataques pessoais. Os eleitores apreciam isto ou não?
O Brasil, sempre que avança 20 anos, há uma outra regressão de 20 anos. Veja que não há novidade na política. O brasileiro tem hoje como opção dois candidatos que já são conhecidíssimos no Brasil inteiro. Por isso, há mais rejeição do que aceitação dos candidatos que concorrem ao segundo turno. O movimento contrário ao governo federal é muito forte.
Uma das pautas do segundo turno foi santificar a urna eletrônica. Como se ela fosse a santa do momento. O protagonista da eleição chama-se “eleitor” e não “urna”. O voto é impessoal, pois, ao se colocar o voto na urna, se tem define uma orientação de tendência ideológica, para este ou aquele lado. Não se deve votar por um prato de comida ou por assistencialismo. Devemos votar por projetos e pautas importantes para avançar mais ainda o País.
No primeiro turno, os debates pareciam eleição de grêmio estudantil. Não foram colocadas propostas. Foram só xingamentos, sem pautas e sem ideias. Por isso, o segundo turno é a repetição do primeiro. Quem está apresentando pautas? As pautas são continuidade do governo federal. Do outro lado não tem, assim como não houve no primeiro turno, quando havia mais candidatos. Há apenas algumas ideias de assistencialismo, não se avançou. A pauta principal do dia 30 de outubro, talvez o definidor das eleições, será quem é o maior rejeitado. A gente não acredita que haverá diferenças numéricas, já que as agências de aferição de votos erraram fragorosamente, com erros até de 14 pontos.
Marcos Aurélio Silva – Então, o que falta discutir?
O mais importante do segundo turno é a pauta do Congresso Nacional. Temos agora uma oportunidade primeira para avanços. Estamos percebendo que senador e deputado federal têm participação decisiva no destino da nação – algo que não havia antes. O movimento promovido pelo presidente atual foi decisivo nesse sentido.
“Há mais rejeição do que aceitação dos candidatos que concorrem ao segundo turno”
A primeira pauta necessária vem da observação de que mais de 30 milhões de eleitores deixaram de votar. E outros tantos votaram branco e nulo. O motivo: não acreditam no político. A descrença ao político nacional é enorme. E isso não é porque o eleitor está pesando a favor ou contra, é porque ele não mostra trabalho efetivo. Qual a utilidade do senador e do deputado federal? Pela primeira vez, haverá uma pauta, que será de cortar privilégios. E isso passa pela reforma política. Temos partidos que não tomam partido algum. Siglas que só aparecem na época da eleição. Precisamos estabelecer regras para se criar um partido político. Aquele que não tem representação não deve ser um partido, não deve ter benefício econômico algum.
Outra pauta que precisa ser discutida é colocar o Estado enxuto, ou seja, grandes privatizações. Também nunca se discute a relação com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Marcos Aurélio Silva – O sr. avalia que há ativismo político por parte do Supremo Tribunal Federal? Ou o que observamos são medidas de contenção de ações antidemocráticas?
Falar demais em democracia é como falar demais de água. Quando se fala demais, é porque ela está faltando. Alguém está ganhando com isso, ao dizer que há ataques a democracia. É preciso lembrar que, antes da democracia, foi introduzido o habeas-corpus, que é a liberdade. Falo da liberdade de permitir que o outro que não concorda com você também se expressar. Aqui se colocam aquelas frases: “está com projeto antidemocrático”. Que projetos poderiam ser esse, se o pilar da democracia é a liberdade? Isso está na Constituição. Não é um poder sobre o outro, mas, sim, harmonia entre os poderes.
Os maiores dos Poderes são o Executivo e o Legislativo. Eles são eleitos pelo voto popular. O Judiciário não é eleito. Aliás, Judiciário deveria ter juízes com juízo. Os 11 ministros do STF são mais conhecidos do que a seleção brasileira. Isso começou quando colocaram televisão para transmitir o que eles fazem. Eles se sentem o dono do pedaço.
Veja que os partidos nanicos têm o Supremo como um outro partido. Sempre que vão reclamar no Congresso, eles não têm voto, mas lá, entre os 11 ministros, eles têm. Exatamente para causar celeuma e não resolver. O STF inventa problema. O brasileiro parece que foi hipnotizado por palavras e narrativas sem coerência. Por isso, devemos valorizar a história e os fatos irremovíveis. Os fatos históricos são teimosos, ficam lá para quem quiser ver.
Euler de França Belém – Para os eleitores, o que mais pesa contra Lula e o que mais pesa contra Bolsonaro?
A principal palavra é a rejeição. Contra Lula, pesa sua administração. Claro que, a partir de 2003, a gestão foi sustentada pela equipe econômica, principalmente por parte de Henrique Meirelles [presidente do Banco Central]. Foi ele quem deu continuidade à defesa econômica de FHC [Fernando Henrique Cardoso (PSDB), presidente de 1995 a 2002]. O problema foi exatamente a corrupção. O PT entendeu que se ganha eleição com dinheiro. E de onde tirar o dinheiro? De onde tem, ou seja, das empresas públicas e bancos públicos.

A corrupção nadou nos últimos governos, como no início da República, onde os republicanos simplesmente viam no imperador um sujeito que não estava levando a sério as pessoas privilegiadas da época, que eram os donos do País. Refiro-me ao patrimonialismo. E o governo do PT, a partir de 2003, introduziu o neopatrimonialismo. Qual a diferença? Significa que quem ganha a eleição é o dono do País. As instituições públicas passam a ser patrimônio do partido que ganhou a eleição e ficou demonstrado.
Não existe Estado. Existem os indicados que comandam. As instituições públicas foram aparelhadas. Tanto que houve mensalão e petrolão, o que ninguém pode negar.
Marcos Aurélio Silva – Mas e a rejeição a Bolsonaro, vem de onde?
É o mesmo que pesava contra o FHC. Se for à história, vai ver que toda semana a mídia tinha um “Fora FHC e sua agenda liberal”. Tanto que essa palavra – “liberal” – se tornou senso comum como algo que não presta, ou que é contra o povo. Mas veja que é o liberalismo que dá a via para abrir seu negócio e criar empregos. É só olhar os países desenvolvidos.
Bolsonaro em 2018 não tinha nem partido político. A população votou em uma pessoa que não era da gangue que administrou sempre o País. Provavelmente, a equipe econômica do Bolsonaro seja melhor que a do Plano Real. É um começo.
Marcos Aurélio Silva – A respeito de Bolsonaro têm as rachadinhas, que começaram com ele, segundo a jornalista e pesquisadora Juliana Dal Piva, no livro “O Negócio do Jair”, publicado pela Editora Zahar. A família comprou 51 imóveis em dinheiro vivo, o que não é comum. Como o eleitor avalia este tipo de denúncia, fartamente documentada?
Na primeira semana de governo, já houve acusações por parte da velha imprensa. Todo dia tem um bombardeio. Vêm com acusações de que não comprou vacina, mas como que compraria se não tinha vacina disponível? João Doria [PSDB, ex-governador de São Paulo] ficou um ano inteiro dizendo “viva a vacina” e que era o cavaleiro da vacina. Ele foi reprovado antes de a campanha começar. Porque a vacina é experimental.
São acusações que me parecem de política estudantil. São motivos irrelevantes. Mas claro que ao divulgar na televisão que o Bolsonaro também é ladrão, parte da população pode acreditar. É por isso que existe essa rejeição dos dois lados.
“Não há novidade na política. O brasileiro tem hoje como opção dois candidatos que já são conhecidíssimos no Brasil inteiro”
É preciso entender essa posição da grande imprensa. Antes a “Folha” tinha 500 mil exemplares de tiragem, hoje não tem 70 mil. A Globo perdeu audiência assustadoramente, ainda tem quem assista graças ao padrão cultural de novelas e outros programas, mas não tem mais aquela movimentação de dinheiro que o Bolsonaro cortou.
Euler de França Belém – O sr. acha que, nestes quase quatro anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro flertou verdadeiramente com a possibilidade de dar um golpe de Estado?
Primeiramente: ele iria tomar o poder de quem, se ele é o chefe do Poder Executivo? Dele mesmo? Não passava pela cabeça dele. Agora, debaixo dos panos, ele tentou conversar com o Congresso, tanto que há processos de impeachment, a começar de Alexandre de Moraes [ministro do STF]. Só que o presidente do Congresso [senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG)] não coloca em pauta, não põe em votação. Pacheco é fruto de Dilma [Rousseff, ex-presidente] depois de derrotada. Rasgaram a Constituição, assim como Fachin [Edson Fachin, ministro do STF] também a rasgou [no processo de anulação dos processos de Lula] com essa questão de estar fora de jurisdição, como se Curitiba não fosse parte do País. Isso foi cinismo. Bolsonaro foi eleito graças a isso. A população votou nele por causa de uma única palavra principal: corrupção.
Não acredito que passasse pela cabeça de Bolsonaro dar um golpe. Quem fala em golpe está exagerando, está querendo desvirtuar. Nunca houve elementos plausíveis que levassem à conclusão de que Bolsonaro pudesse querer um golpe. Claro que entre os militares mais radicais – coisa que, nesse sentido, Bolsonaro não é – pode ter havido alguns com esse pensamento, mas não houve nenhum prosseguimento.
Marcos Aurélio Silva – A militarização do governo é algo que o sr. considera bem-vindo ou lugar de militar é no quartel?
Para falar disso precisamos voltar ao período do regime militar. Houve um ranço ultranacionalista do qual Geisel [general Ernesto Geisel, presidente de 1974 a 1979] é o exemplo maior, com a questão da usina nuclear que só serviu para confrontar os Estados Unidos. Foi ridículo.
Por outro lado, se você pegar os 20 anos de regime militar, quem é que ficou rico? Quem foi corrupto? Quem comprou uma fazenda? Ninguém. É a questão do caráter e da natureza do militar, 90% ou mais são assim. Enquanto isso, a gente vê ex-presidentes que ficaram milionários.
Os militares também precisariam ter discutido melhor sobre economia. Se eles, que ficaram no poder durante 20 anos no Brasil, tivessem a mesma ideia de Pinochet [ditador chileno de 1973 a 1990], a gente teria se saído melhor. Agora a esquerda voltou ao poder no Chile, mas está quase sendo “demitida”. Perderam o referendo da Constituição chilena, uma Constituição socialista, assistencialista, como a Constituição brasileira.
Marcos Aurélio Silva – A Constituição brasileira precisaria de mudanças?
Estudei a Constituição de 88 por seis meses. Não é legal. É prolixa, enorme. A Constituição dos Estados Unidos tem mais de 200 anos e apenas sete artigos. A nossa é um catálogo telefônico, cheia de problemas.
Euler de França Belém – Como o sr. avalia a gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia?
Tem muita competência e eficiência. Não só no primeiro escalão, no segundo escalão, também. Não há um economista que contraponha o discurso da política econômica de Paulo Guedes, nem mesmo os economistas do Plano Real, que foram elogiados pelo Brasil inteiro, uma estabilidade que foi uma conquista esperada durante todo o século 20. Isso é importante. Quem é mais jovem não sabe disso, mas se você recebesse algum dinheiro de manhã, tinha logo que gastá-lo, porque à tarde já não valia nada. Não tinha poder aquisitivo. O Brasil era o último país do mundo em que alguém pensaria em aplicar alguma coisa.

Tanto o Plano Real resgatou o Brasil que Lula usufruiu disso. O mundo cresceu mais do que o Brasil, mas Lula aproveitou essa leva. Pagou a dívida externa com o FMI [Fundo Monetário Internacional] e, arredondando, seu governo deixou em caixa US$ 400 milhões em reservas. O Plano Real foi continuado por Henrique Meirelles.
Marcos Aurélio Silva – Mas, em relação ao atual governo, como o sr. vê as críticas à China, maior parceiro comercial?
Na política econômica do liberalismo, o sujeito pode ser um crápula e fazer capitalismo. O chinês tem uma inteligência que dá de 10 a 1 na gente. A começar pelo alfabeto, que é muito mais complexo que o nosso. São preparados para ser gênios, os orientais em geral. Os indianos estão no mundo inteiro. E são honestos, como os chineses, porque são educados assim desde crianças. Convivi com orientais e isso é um valor importante. No Brasil, Bolsonaro tem voto com isso, com a moralidade, porque a família brasileira degenerou.
Euler de França Belém – Bolsonaro pode ser considerado um populista de direita?
É preciso colocar em tela a definição de populista e assistencialista. Ele é um político em geral muito popular. Bolsonaro talvez seja o único no mundo hoje com essa capacidade de arregimentar massas atrás de si. Não se vê ninguém nem de direita nem de esquerda com isso. Não existe mais Fidel Castro [presidente cubano de 1959 a 2008], que falava 12 horas sem parar. Claro, por lá fuzilavam os opositores.
O populista, claro, tem o povo atrás de si. Bolsonaro, tem. Quem está sempre presente com o povo aqui? Só Bolsonaro. O PT só conseguiu isso com esquema, o chamado “pão com salame”, com dinheiro. Pagavam 50 reais, 100 reais, tanque cheio no posto de gasolina.
Marcos Aurélio Silva – Como o sr. vê a política do passado em relação à presente?
Quando meu pai foi vereador em Anápolis, antes de 1970, a política era decidida pelos coronéis de Pirenópolis, que mandavam em Goiás inteiro. A gente ficava até a noite preenchendo cédulas e ia para a fila da seção eleitoral e entregava os envelopes fechados. O voto era tão secreto que nem o próprio eleitor sabia em quem iria votar (risos). A eleição era decidida na cozinha do coronel. Se os votos não fossem favoráveis, iam para o fogo. Não é que havia algo tão criminoso, era a luta pela manutenção do poder de acordo com aquele contexto. Isso era apenas o produto da época.
Marcos Aurélio Silva – Há uma nova vaga da esquerda da América Latina: Argentina (Alberto Fernández), Bolívia (Evo Morales), Chile (Gabriel Boric), Peru (Pedro Castillo) e México (Andrés Manuel López Obrador). E há também o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. E há a possibilidade de Lula da Silva ser eleito no Brasil. O que isto representa para a América Latina? Por que a guinada do eleitorado para a esquerda?
Colocando isso em plano maior, o PT não está inocente na história. É um partido atuante no Foro de São Paulo, que foi o início da união da esquerda. Eu estava em Moscou, na Universidade Amizade dos Povos, que tinha gente de 80 países. Fiquei por lá mais de sete anos. A maioria dos latino-americanos, claro, conhecia Che Guevara [Ernesto Che Guevara, líder guerrilheiro que liderou, com Fidel Castro, a Revolução Cubana]. Alguns deles, notadamente da América Central e do Chile, mais aguerridos, foram para a Bolívia lutar junto com Che e morreram lá. Não adianta pensar que o PT não tenha ligação com os esquerdistas de hoje.
Marcos Aurélio Silva – Mas qual é o contexto histórico para o Brasil estar hoje indo para a esquerda, como outros países da América Latina?
Desde a década de 60, os cursos de humanas das universidades brasileiras estão impregnados do Marxismo, Leninismo e Stalinismo. Isso é obvio. Fizeram cartilhas de catequese para os alunos de nossas universidades. Aqui começou no segundo grau [hoje,, ensino médio]. Se pegar os livros da época são apologias a essas ideias, sem saber o que eram elas. Brasileiro não tinha tradução em português dos livros de Lênin, que são 65, ou as obras completas de Karl Marx, que são 45 grandes volumes. Universitários jamais viram esses livros todos. O que eles são, então? Militantes dessa chamada esquerda socialista comunista. Isso causou prejuízo intelectual muito grande ao País.
“Os 11 ministros do STF são mais conhecidos que a seleção brasileira”
A palavra “marxismo” substituiu o paraíso. Como se a sociedade, partindo do capitalismo para o socialismo – que é a preparação para o comunismo –, seria onde não haveria mais insatisfação, todos os desejos serão cumpridos e não haverá diferenças. Uma utopia maléfica para toda humanidade.
Os universitários europeus e americanos, desde a década de 60, começaram a fazer uma leitura desse contexto, querendo introduzir essa ideologia materialista. Foi quando Mikhail Gorbachev acabou com a festa. Ele é um dos homens mais importante do século 20, por sua coragem. Ele teve a coragem de abrir o país e dar transparência – com a “perestroika” e a “glasnost”, que seria colocar a autocrítica que o Nikita Kruschev, na década de 50, fez sobre o stalinismo, e que o Ocidente escondeu, que nem os russos souberam das mortes causadas por Stálin, foram mais de 2 milhões de pessoas, que tiveram a ousadia de ir contra ele. Da noite para o dia, ele matou 2 mil membros do Partido Comunista.
A história é fundamental, são fatos que não temos interferência. O que temos de fazer é o que recomenda Nicolau Maquiavel: “verità effetuale”, a verdade efetiva, causal dos fatos e evidência. Temos de ler os fatos como ocorreram. Mas não, querem fazer uma releitura, principalmente da esquerda materialista comunista, que faz uma leitura a favor dos oprimidos. São argumentos que têm audiência. Por isso mesmo, queria alertar, até anotei um trecho, posso falar?
Marcos Aurélio Silva – Sim, claro.
Em “Tristes Trópicos”, o romance de Claude Lévi-Strauss (tradução de Rosa Freire Aguiar, 456 páginas, ed. Companhia das Letras), que é praticamente o criador da USP [Universidade de São Paulo], na década de 30. Ele diz que chegando no Brasil ele viu que na USP todos eram enamorados de teorias da moda, que começaram antes, em consequência do movimento esquerdista, socialista e comunista. Essas teorias geralmente abstratas e complicadas, mas têm grande apreço pelos universitários, especialmente de São Paulo e da USP. Não se davam conta, dizia ele, que tudo começa entendendo o simples em profundidade. Para o brasileiro é: pra que simplificar se podemos complicar? Essa é frase que determina com chavões artificiais dogmáticos.
Marcos Aurélio Silva – O sr., então, discorda com a forma com que a educação, e principalmente a linguagem, é conduzida no Brasil?
Numa cartilha do MEC de 2011, sabe o que havia? Que o professor não pode ensinar o aluno corretamente. Se o aluno errar, é direito dele. O erro é permitido, “imagine, ele é humano”. Quando fui estudante, em escola pública, os professores olharam até se as unhas dos alunos estavam cortadas. Agora, o aluno está o altar. Se o professor for corrigir, ele está causando constrangimento ao aluno. Isso está na cartilha.
São coisas de Paulo Freire, que o aluno já tem uma história de conhecimento. Ora, conhecimento é suado. Não é de repente. Eu mesmo, para entender essas coisas, demorei 30 anos. Um livro que escrevi demorou 30 anos, e vivendo em um regime contra o capitalismo.
Também é preciso entender que ciência não é ponto final, são reticências, são três pontinhos. Ciência só é ponto final em hegemonias estatizantes, ditatoriais e totalitárias.
Marcos Aurélio Silva – O sr. entende que a reeleição do governador Ronaldo Caiado (UB) ainda em primeiro turno se deu por ele ser o único profissional da política concorrendo ao cargo?
Caiado é o herdeiro político de uma família importante na história de Goiás. Talvez seja o último. Ele lutou muito na política desde antes de se candidatar pela primeira vez [à Presidência da República, em 1989], quando era presidente da UDR [União Democrática Ruralista]. Mas considero que Caiado exagerou após ganhar folgadamente a primeira eleição no primeiro turno, em 2018. Talvez tenha sido um erro estratégico. O governador é alguém que trabalha de segunda a segunda, precisa ter uma pausa. Ele não é um trabalhador comum.
Marcos Aurélio Silva – Como assim?
Vejo gente querendo que deputados trabalhem a semana inteira, batendo ponto. Não é assim que funciona. Na Suécia, vereador trabalha à noite, alguns dias, não precisa estar à disposição sempre. Aqui, não, tem de apresentar projeto. Se você vir a qualidade dos projetos apresentados por vereadores, deputados estaduais e federais e senadores, vê que é uma palhaçada. É medíocre, não justifica o salário que eles ganham. É uma inutilidade! (enfático) Portanto, não é a presença que vai dar qualidade à política. Caiado talvez cometeu esse erro de ficar muito presente. Ele “cansou” o eleitorado, apesar de ter vencido em todos os 246 municípios. É bom ressaltar que o governador praticamente não teve oposição aqui em Goiás. Por que venceu apertadamente? Por erro de estratégia, falta de ter alguém para dizer o que havia de problemas, incongruências, inconsequências. Todo executivo precisa de ajuda, porque nenhum deles tem visão geral do que está ocorrendo, mesmo estando 24 horas presente. Talvez tenha ocorrido um erro ao achar que a propaganda faz a eleição. Pode ser um tiro no pé.
Marcos Aurélio Silva – O que o sr. diria a respeito de Iris Rezende?
Um grande político, populista. Iris era endeusado. As pessoas ficaram horas e horas à espera de Iris, para apertar a mão dele, para abraçá-lo. Talvez tenha sido um dos últimos e maiores populistas do País. Era alguém que vivia a política 24 horas por dia. Era o orgasmo dele. É o que o fazia viver, tanto é que viveu muito [Iris morreu no ano passado, aos 87 anos].
Marcos Aurélo Silva – O sr. também foi muito ligado ao ex-governador Henrique Santillo [morto em 2002, governou Goiás de 1987 a 1990]. Como o sr. o avalia?
Para você ver como é a política: Henrique Santillo morreu praticamente no ostracismo. Não ganharia eleição nem para sindico de prédio e foi um dos nomes mais importantes da política goiana, principalmente em termos de inovação. É o que explica Milan Kundera, em seu livro “A Insustentável Leveza do Ser”: gente é muito vulnerável, por qualquer coisa tudo vai embora.
