Para líder do governo na Câmara dos Deputados, decisão do ex-juiz de deixar o governo por diretor-geral da PF foi pouco para quem dizia querer defender o Brasil

Líder do governo na Câmara, deputado federal Vitor Hugo (PSL) | Foto: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

Em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil, que seguia uma triste escalada rumo aos 85 mil casos confirmados e quase 6 mil mortes nos últimos dias de abril, o Palácio do Planalto se tornou o palco de crises políticas que ofuscaram o combate à doença no País. O Jornal Opção entrou em contato com o líder do governo na Câmara, o deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO), para tentar entender como a gestão Jair Bolsonaro (sem partido) tem reagido às crises internas que se ampliaram na esfera pública em um intervalo de oito dias.

No dia 16 de abril, Bolsonaro demitiu o ex-deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e anunciou o oncologista Nelson Teich no Ministério da Saúde. Em 23 do mesmo mês, o Palácio do Planalto viveu um dia de reuniões, vai e volta, mas não conteve o anúncio de entrega do Ministério da Justiça e da Segurança Pública pelo ex-juiz Sergio Moro na manhã da sexta-feira, 24.

Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir em investigações da Polícia Federal, que teve a nomeação do novo diretor-geral impedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. O Jornal Opção entrevistou o líder do governo na Câmara na noite de terça-feira, 28, pouco mais de 12 horas antes da suspensão da escolha do delegado Alexandre Ramagem para o posto de Maurício Valeixo na PF.

Como tem sido a movimentação no Congresso e no Palácio do Planalto nas últimas duas semanas? O que tem ocorrido com a reestruturação da base governista no Legislativo com a troca dos ministros da Saúde e da Justiça?
O governo tem deputado a presença de algumas pessoas no ministério que não estavam completamente alinhadas com o plano do governo. Luiz Henrique Mandetta começou bem o combate à Covid-19. Mas depois, em alguma medida, começou a ser impregnado com uma aventura política que ofuscou a visão do ministro em seguir orientações do presidente.

O presidente sempre teve uma preocupação muito grande com as duas vertentes, tanto a econômica quanto a sanitária. Lógico que a preservação das vidas será sempre prioritária, mas o presidente não queria que fosse esquecida a vertente econômica. Mandetta não soube compreender isso direito, não soube lidar com a diretriz do presidente e incorporou algumas nuances políticas que impediram sua permanência.

No caso do Sergio Moro, havia divergência em algumas pautas em relação ao governo, como a questão do armamento. Isso ficou claro em vários momentos. O presidente nunca fez pedido de informações sobre processos específicos e investigações sigilosas. Mas até por força da lei que trata do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), a Lei Federal número 9.883, de 1999. Para tomada de decisões estratégicas, o presidente precisa de dados.

O Sistema Brasileiro de Inteligência é o instrumento correto para fornecer dados para a tomada de decisões, como, por exemplo, entender como tem se dado o crime organizado no Brasil, como são realizados os crime fronteiriços, quantas apreensões de drogas ocorreram no País. Todo esse tipo de informação, que é diferente das informações de processos em curso, faz parte do processo de tomada de decisões do presidente.

Houve uma incompreensão por parte do Moro. A saída do ex-juiz foi muito ruim da forma como se deu, com acusações contra o presidente da República por uma série de coisas. Ainda não apresentou provas. Os prints apresentados só depuseram contra o próprio Moro. Os prints da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) mostram um assunto correlato da conversa, mas não implica o presidente em nada. Expõe, na verdade, uma falta de ética, falta de limite e até de senso de expor o print de uma conversa com uma afilhada de casamento. O Brasil inteiro está muito estarrecido com o que ocorreu.

No caso Mandetta, o presidente alegou que o estrelismo teria subido à cabeça do ex-ministro da Saúde. Uma das críticas do governo foi a de que Mandetta teria se aproveitado do fato de aparecer em pesquisas como pré-candidato a presidente em 2022. Mas quando o presidente faz os primeiros pronunciamentos em março e fala em “gripezinha”, “resfriadinho” e cita um “histórico de atleta” não vendeu uma imagem de que a economia seria mais importante para Jair Bolsonaro do que as vidas dos brasileiros?
Interpreto de outra maneira. É uma possível interpretação, mas não é a de que está próximo do presidente. Não me parece a mais correta. A intenção do presidente era tentar passar, da forma que Bolsonaro conversa, que é um jeito mais espontâneo, uma tranquilidade para a população. Imagine se todo mundo entrasse em pânico. Não só a economia colapsa, mas o próprio pânico agrava a situação de saúde das pessoas.

Presidente queria tentar passar, de alguma maneira, que as pessoas não deveriam se preocupar em excesso com a questão da Covid-19. Lógico que qualquer morte – elas estão ocorrendo – é triste, de modo especial para as famílias. Mas há estatísticas que provam que 70% da população vai ser contaminada em algum momento e que, infelizmente, pessoas vão morrer nesse caminho. Todas as medidas estão sendo adotadas para preservar o máximo possível das vidas.

A maneira que o presidente encontrou para chamar a atenção foi talvez usar uma expressão que muitos levaram para o lado ruim, como se Bolsonaro estivesse menosprezando a capacidade do vírus de tirar vidas. Entendo que o presidente queria chamar a atenção para o lado econômico e ao mesmo tempo tentar passar o máximo possível de uma tranquilidade de que iremos superar em algum momento, a despeito das tristes e indesejadas mortes que vão ocorrer.

A crise entre o presidente e parte dos governadores se agravou em alguns momentos durante a pandemia, o que levou ao rompimento de Ronaldo Caiado com Bolsonaro. Por que o sr. acredita que a situação chegou a esse ponto?
É uma pergunta complexa. Muitos governadores já estão pensando em 2022. Parece que 2022 está mais próximo do que as eleições de outubro. Os cálculos políticos sobre desgaste econômico ou sobre os efeitos do coronavírus nas próximas eleições começaram a ser feitos por vários partidos. DEM é um partido que vai ter seu jogo próprio em 2022. Acredito que Caiado também foi influenciado por isso.

Talvez, em algum momento, fosse obrigado a romper com o presidente porque não romperá com o DEM, que terá uma candidatura própria em 2022. Pode ser que o governador tenha encontrado o melhor momento para isso. Pode ser que aspire se candidatar a presidente da República. Já fez isso no passado (1989). Alcançou um dos sonhos, que era ser governador de Goiás. Pode ser que Caiado tenha feito um cálculo. Se Caiado não se descolar do presidente agora, como será candidato? Ainda que não seja o candidato, DEM muito provavelmente terá um nome na disputa e Caiado não poderá apoiar Bolsonaro, como não apoiou no primeiro turno em 2018.

Muitos governadores, como Wilson Witzel (PSC-RJ), têm feito isso. É claramente um pré-candidato. João Dória (PSDB-SP) tem feito isso. E têm grande influência nos demais. Os governadores do Nordeste são de esquerda. Quanto mais desgastarem o presidente, facilita uma tentativa de retomada do poder pela via democrática na próxima eleição. O cenário de 2022 complicou muito a relação do presidente com os governadores.

Um dos sintomas que reforça minha tese é o fato de que Rodrigo Maia [presidente da Câmara, DEM-RJ], com o apoio dos governadores, quis empurrar goela abaixo, inclusive do próprio governo e do País, o PLP 149/2019. Era o Plano Mansueto, mas na versão que a Câmara aprovou, mas não com o meu voto e de muitos deputados mais próximos do presidente, que daria novamente para governadores e prefeitos o que perderiam em ICMS e ISS até outubro.

Era um estímulo para que governadores e prefeitos não fizessem qualquer sopeso entre a vertente econômica e a sanitária. Na verdade iria premiar os governadores e prefeitos que fechassem o máximo possível a despeito dos efeitos econômicos drásticos, não só para a economia local, porque devastaria os empregos e as empresas, como também para a economia nacional. A União teria que repor. Era um cheque em branco, não teria qualquer limite. Inclusive, dava uma previsibilidade dos Estados e municípios, mas tirava da União.

O discurso de que a União pode imprimir papel. Todo mundo sabe que se chegarmos nesse ponto vamos galopar na inflação, que vai destruir a economia brasileira.

O Estado de Goiás foi o primeiro a adotar medidas restritivas ao comércio e de estímulo ao isolamento. Mesmo com a subnotificação, Goiás ainda está abaixo de mil casos confirmados da Covid-19. Não é uma tentativa do governador, como médico, de tentar frear o crescimento descontrolado da transmissão do novo coronavírus no Estado?
Ao adotar as medidas, de modo especial no começo, a questão médica foi levada em consideração. Acredito que pesou mais em Caiado o fato de ser médico e sublimou no governador uma preocupação que era evidente. Muitas pessoas no Brasil e em Goiás começaram a cobrar que também houvesse a abertura.

Houve também a manifestação do Ministério Público Federal em Goiás (MPF-GO) com duas recomendações em 17 de abril para o governador e os prefeitos de que as medidas adotadas fossem compatibilizadas com a lei aprovada no Congresso no início do ano que tratou da crise do coronavírus como um todo e que diz que as medidas deveriam estar de acordo com estudos feitos e com recomendações e diretrizes determinadas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária].

Era um indício de que o MPF identificava que as medidas estavam excessivas. Uma semana depois da recomendação, o governador começou a promover a reabertura. No início, Caiado estava com a preocupação. Mas depois, quando a situação política começou a se pronunciar e vários políticos de centro, de modo especial Dória, Witzel, Maia e outros, começaram a ver a possibilidade de expor o presidente, Caiado se aliou a esses e fez aquele pronunciamento muito duro.

Poderia ter feito uma crítica, poderia ter vindo a Brasília e conversado com o presidente. Poderia ter feito várias coisas. Mas um rompimento, daquela maneira, foi muito mais como político do que uma preocupação real com a população.

Por que o presidente mantem a atitude de se fazer presente em manifestações de rua, com as do dia 15 de março e 19 de abril – em atos de defesa à volta do AI-5 e pedidos de intervenção militar –, caminhar na rua, visitar o comércio, ir a eventos que geram aglomerações, como na visita às obras do Hospital de Campanha de Águas Lindas, no Entorno do Distrito Federal?
Imagino que o presidente queria passar uma mensagem de tranquilidade. Praticamente um protesto contra as medidas foram adotadas em excesso por vários governadores e prefeitos. É um gesto político de dizer: “Está vendo? Talvez vocês estejam exagerando”. Foi diversas vezes a comércios, conversou com um ambulante que tentava vender seu churrasquinho ou seu cachorro quente, para mostrar que muitas pessoas que estavam na rua.

Vimos agora com o auxílio emergencial de R$ 600 que o público-alvo é muito maior do que os 30 milhões iniciais. Já chegou a mais de 50 milhões de pessoas. E todas essas pessoas estavam, de maneira informal, vivendo suas vidas com sua barraca, com seu carrinho, para vender comida e outros produtos na rua. E o presidente queria dar luz a essas pessoas de que, caso não consigamos encontrar um equilíbrio da economia, vão morrer de fome. Lógico que agora, com o auxílio emergencial, houve um alívio na pressão. As pessoas iam ficar sem dinheiro, mas pelo menos com R$ 600 dá para sobreviver melhor em alguma medida. Mas, se isso for adotado no longo prazo, as empresas e os empregos serão destruídos.

Com relação à manifestação na frente do Exército, o presidente não incentivou e não organizou o protesto. A fala do presidente não foi, em nenhum momento, de incentivo ao fechamento do STF ou do Congresso. O presidente falou de democracia, de liberdade. Bolsonaro estava lá para reforçar o protesto contra as medidas excessivas de fechamento e manifestar apoio à pauta das pessoas que queriam a volta ao trabalho. Residualmente, havia pessoas no local que defendiam pautas diversas, inclusive de cunho antidemocrático.

No dia seguinte, o presidente fez questão, logo na saída do Alvorada, de contrariar um apoiador que verbalizava algo que uma parte da população, mesmo que minoritária, defende, que é volta dos militares ao poder por meio de uma intervenção militar. Que não é uma pauta do presidente, não é uma pauta do governo, minha ou nossa. Presidente fez questão de falar “não, não, aqui não, aqui é democracia, Parlamento e Supremo abertos e transparentes”. Fez questão de deixar bem claro que essa não era a pauta dele.

“Os prints apresentados só depuseram contra o próprio Sergio Moro”

“Os prints apresentados só depuseram contra o próprio Sergio Moro” | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
“Moro recebeu um não do presidente da República e desistiu de ser ministro da Justiça” | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Economistas e profissionais de saúde defendem uma tomada de decisões conjunta das medidas de isolamento, com presidente, governadores e prefeitos falando a mesma língua. Até segunda-feira, 27, a reclamação dos Estados era de que havia uma dificuldade em dialogar com o novo ministro da Saúde, Nelson Teich. O que falta para o governo federal, governos estaduais e prefeituras decidirem juntos as estratégias de combate à Covid-19?
Precisamos entender que estamos em uma transição entre um ministro e outro na Saúde. É natural que o novo titular da pasta tenha um tempo para se ambientar e queira fazer os planejamentos antes de fazer contato com os secretários de Saúde dos Estados. Também é natural que haja uma vontade de interagir o mais rápido possível, mas o ministro tem sido cauteloso e correto em primeiro ter todas as informações, costurar uma orientação que o Mandetta não expediu no passado. Uma orientação clara sobre o que o governo federal esperava.

Induzir a política pública de Saúde para que o governo federal, embora não possa dar ordem para os governadores, diga o que espera que os governadores façam. Começar a sensibilizar os governadores para fazer o que o governo federal espera. O mesmo com os prefeitos em suas ações. Participei de uma reunião com o novo ministro e o deputado federal Luizinho [Dr. Luiz Antônio Teixeira Jr. (PP-RJ)], presidente da comissão externa que acompanha as ações contra a Covid-19, e o parlamentar propôs que seja feito um mapeamento de “calor” dos locais no Brasil em que a doença está mais incidente para serem aplicados protocolos de segurança diferentes em cada área.

Se em São Paulo, Amazonas e Pará a situação está mais agravada, que sejam adotadas medidas mais restritivas. Mas se em Goiás e Tocantins a situação está menos agravada, vamos adotar medidas mais brandas. Caso o protocolo aumente, se sair do azul para o verde, do verde para o amarelo e do amarelo para o vermelho, que os protocolos fiquem mais restritivos. Isso faltou à época do Mandetta. É algo que Teich quer construir para passar um trabalho mais estruturado, mais bem orientado. Por isso não houve um contato com os secretários estaduais de Saúde nos primeiros dias.

Dois parlamentares goianos participam da comissão que fiscaliza as medidas de combate à Covid-19: senador Vanderlan Cardoso (PSD) e deputado federal Francisco Jr. (PSD). O sr. tem conversado com os dois? O que já pode ser dito sobre o trabalho dessa comissão?
Citei a Comissão Externa de Ações Preventivas ao Coronavírus no Brasil, que é a que acompanha o mérito. Não tem foco financeiro. Está focada nas ações e tem como presidente o deputado Luizinho e relatora a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC).

A que você citou é uma comissão mista de deputados e senadores para acompanhar de modo especial as ações financeiras e orçamentárias. O deputado Francisco Jr. é o relator. Acabei de conversar com o parlamentar no plenário. Tinha uma reunião por videoconferência marcada na quinta-feira, 30, com o ministro da Economia, Paulo Guedes, da qual também participarei, para fazer o primeiro acompanhamento.

A intenção do relator é criar um site para mostra o acompanhamento de quanto tem sido gasto em cada ação, o que deve aumentar a transparência e deixar claro para as pessoas todo o esforço que o governo faz. Já ultrapassou R$ 1,6 trilhão em investimentos já comprometidos. Nem tudo foi aplicado até o momento. Várias medidas provisórias e resoluções são elaboradas, outras estão em vigor e há aquelas que serão liberadas. É uma comissão que tem um papel muito importante.

Na segunda-feira, 27, o ministro Celso de Mello, do STF, autorizou a abertura de investigação para apurar as denúncias de Moro, que citou tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. Há uma preocupação com a investigação que envolve o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) na suspeita de fake news do chamado “gabinete do ódio” contra o Supremo?
É um assunto sério. Mas o presidente já falou que o gabinete do ódio não existe. As investigações estão em curso, os dados vão ser apurados. Carlos terá a oportunidade de se defender no momento certo, se é que as investigações avançarão na direção do vereador. Estas supostas interferências em investigações em curso terão de ser provadas. O que Moro apresentou até agora é muito inconsistente, muito fraco. Moro revelou conversas com a Carla Zambelli em um ato extremamente antiético e deselegante como padrinho de casamento da deputada.

Tenho certeza que muitos goianos e brasileiros se decepcionaram com Moro. Aquele link que o presidente mandou a Moro por mensagem e falou “mais um motivo”, para mim, era um alerta de que estava sendo vazadas informações de operações da Polícia Federal, o que seria mais um motivo para tirar o Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da PF. Não vislumbro o presidente dizendo para o Moro “estão investigando bolsonaristas então tem que tirar o cara”.

A minha interpretação é de que o presidente se referia aos vazamentos. Como a imprensa fica sabendo que existe foco em uma pessoa ou outra sobre um inquérito que é sigiloso e o próprio governo toma ciência disso pela imprensa? Alguém está vazando isso. A abertura do inquérito no STF em si é uma via de mão dupla. Da mesma maneira que o foco é o presidente da República, o ônus da prova é do Moro. O ex-juiz terá de apresentar as provas. Caso não apresente, a investigação se volta contra ele como denunciação caluniosa e outras possibilidades de crimes cometidos contra a honra do presidente.

Desde o início do governo Bolsonaro, a carta branca dada pelo presidente ao ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública era questionada. O poder do Moro foi reduzido ao longo dos meses, com uma espécie de processo de fritura do integrante do primeiro escalão? Moro foi perdendo espaço até sair?
Não acredito que tenha havido nenhum tipo de fritura por parte do presidente em relação ao Moro. O ex-ministro falou em impessoalidade. Mas escolheu a equipe toda de maneira pessoal. Critério de Moro foi chamar pessoas que trabalhavam com o ex-juiz em Curitiba (PR). Presidente deu carta branca para todos os ministros, não só para Moro, mas manteve o poder de veto. Até porque não faria sentido o presidente criar feudos independentes nos ministérios. Bolsonaro perderia o poder de coordenação se não tivesse qualquer influência, mesmo que fosse no caso de vetar um nome e construir em conjunto o escolhido para a vaga em aberto.

O presidente propôs isso a Moro: “Vamos construir um nome que seja aceito por nós”. E Moro simplesmente não aceitou. Na verdade, foi quase que um orgulho ferido de ter o nome escolhido por Moro recusado. É um motivo muito pequeno para deixar o governo. Houve várias manifestações na internet, inclusive minha, inspirada em uma mensagem que recebi, de que o presidente levou uma facada e não desistiu de ser presidente República. Não desistiu de sua meta. Moro recebeu um não do presidente da República e desistiu de ser ministro da Justiça. É muito desproporcional.

Sabemos que parte da base do presidente também é lavajatista. A saída do Moro causa um abalo entre os apoiadores de Bolsonaro?
O governo não está negando os feitos do Moro e da equipe toda. Muito confluiu no Moro, mas se você conversar com os policiais federais, muitos são ressentidos do fato de que eram milhares de policiais federais atuando em vários Estados, as investigações foram feitas na ponta da linha pelos policiais federais, agentes e delegados, e no final a percepção de que havia apenas um herói foi construída. O mérito todo para a Polícia Federal, que foi quem fez as investigações, acabou não sendo dividido com eles.

Conversei com alguns policiais, inclusive deputados que são de origem da Polícia Federal, que me relataram certo ressentimento de quem estava na ponta da linha nas investigações, onde as prisões são realizadas, com a vida em risco por entrar em contato com pessoas extremamente perigosas, e o mérito ficou muito centrado em uma pessoa só. Na base lavajatista, muita gente começou a perceber isso quando o Moro falou “tenho que preservar a minha biografia”. Ficou claro que é uma pessoa com um ego muito grande.

Estamos no meio da crise do coronavírus no Brasil, falamos do combate à corrupção e Moro está preocupado com a biografia dele? Tanto que o presidente respondeu “se você está preocupado com a sua biografia, estou preocupado com o Brasil, que é muito maior do que a minha biografia, sua e de qualquer outra pessoa”.  A base lavajatista vai começar e já começou a perceber também. Inclusive, várias pessoas que ficaram acampadas por anos à frente da 13ª Vara Federal saíram, algumas gravaram vídeos nos quais falam sobre a decepção.

É preciso perceber que a base lavajatista não é uma base morista. São coisas diferentes. O presidente não negou os benefícios da Lava Jato e não vai interromper o combate à corrupção. É provável que percamos algumas pessoas muito ligadas à pessoa em si, à figura do Moro, mas quem acredita no combate à corrupção não tem motivo para desembarcar do governo.

“Preservação das vidas será sempre prioritária, mas presidente não queria que fosse esquecida a vertente econômica”

“Presidente queria tentar passar que as pessoas não deveriam se preocupar em excesso com a questão da Covid-19” | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Ao mesmo tempo o governo começa, aos poucos, a liberar o pagamento da primeira parcela do auxílio emergencial. O governo demorou a agir para liberar o auxílio? A União demorou a conseguir identificar o tamanho real da quantidade de pessoas que tem direito aos R$ 600?
O auxílio emergencial foi aprovado de maneira relâmpago aqui na Câmara dos Deputados e no Senado. O governo federal estruturou todo pagamento muito rapidamente. Os primeiros pagamentos começaram a ser executados em pouco mais de uma semana, não chegou a duas semanas. Quase 14 milhões de CPFs foram regularizados pela Receita Federal a pedido do Ministério da Cidadania para permitir que milhões de brasileiros, muitos dos quais estavam nas filas dos bancos, pudessem ter o auxílio.

É o maio programa de renda mínima emergencial que o Brasil já fez. E talvez seja um dos maiores do mundo. O governo federal fez isso de maneira muito rápida. Presidente tem recebido, inclusive, várias mensagens no WhatsApp de pessoas agradecendo. Lógico que existem muitos milhões que ainda vão receber e o governo está se estruturando para pagar o mais rápido possível. Mas é mentira o que a oposição tem falado de que ninguém recebeu o auxílio ainda. Milhões de pessoas já receberam e o governo tem caminhado para fazer com que todos recebam.

O início do pagamento da primeira parcela do auxílio emergencial pode criar, propositalmente ou acidentalmente, uma nova base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro? Ainda mais se houver uma perda muito grande de eleitores entre os que apoiam Sergio Moro? Pode criar uma aproximação com uma parcela da população que Bolsonaro teve dificuldade em conseguir o voto em 2018?
É uma possibilidade, mas isso não foi vislumbrado na época que o governo idealizou o auxílio. Era realmente uma questão humanitária. A Câmara abraçou antes que o próprio governo pudesse apresentar o texto. Foi algo suprapartidário, aprovado com quase unanimidade na Câmara dos Deputados. Nós aumentamos o valor, foi articulação minha junto ao Paulo Guedes e ao presidente, o ministro da Casa Civil [Walter Braga Netto] e da Secretaria de Governo [Luiz Eduardo Ramos].

Havia uma percepção inicial de que o governo faria uma contraproposta de algo entre R$ 300 e R$ 500. Aumentamos para R$ 600. Não é uma proposta só do presidente, embora o presidente tenha idealizado e o governo federal seja o responsável pelo pagamento. O Parlamento teve uma participação. Não digo para a base do presidente, mas isso pode ter algum efeito político positivo para o governo. É inegável. Mas não foi proposital. O interesse do governo era realmente abraçar pessoas que de outra maneira não teria renda neste período.

Como o governo tem se reestruturado sua base dentro do Congresso? A aproximação de figuras do Centrão, como Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PL) e Paulinho da Força (Solidariedade), tem contribuído para fortalecer a base no Legislativo? Como o governo tem tratado a contradição entre Bolsonaro dizer que não vai fazer velha política e negociar com ninguém, mas senta à mesa para discutir cargos e apoio do Centrão?
O deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR) publicou no Twitter e eu retuitei uma fala muito interessante: “Presidente Bolsonaro está jogando xadrez com as peças que estão no tabuleiro. Quem troca as peças não é o presidente, é o povo. E o povo, na mesma eleição que elegeu o presidente, decidiu manter no jogo muitas das mesmas peças”. Não adianta reclamarmos. Para que o governo, mas não só o governo, o País possa avançar, de modo especial na crise do coronavírus, vamos ter de criar uma relação melhor com as pessoas que estão aqui, que foram eleitas pelo mesmo povo que elegeu o presidente Bolsonaro.

O Estado brasileiro tem uma verdadeira artilharia voltada contra o malfeito, o ilícito: Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Ministério Público, a Polícia Civil, os órgãos de controle interno e externo, Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União. Existe uma artilharia do Estado para capturar, pegar, prender e processar as pessoas que façam coisas erradas na ponta da linha.

A composição política com cargos pode ser explicada da seguinte maneira: quem indicou o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, quem apresentou o ministro Tarcísio para o presidente da República fui eu. Tarcísio é consultor legislativo na Câmara, como eu, é concursado e meu amigo desde a época da Academia Militar dos Agulhas Negras (Aman). Eu e o coronel da reserva Ney Oliveira Müller, que inclusive trabalha comigo agora na liderança do governo – é da mesma turma do presidente da República -, apresentamos Tarcísio para o presidente. Tarcísio é um dos melhores ministros.

A indicação política em si não é problemática, desde que o indicado seja uma pessoa idônea, queira fazer o bem para o País e seja preparado. O governo sempre teve essa tese desde o começou. Até brincaram muito quando se falou que haveria um banco de talentos com uma seleção. Antes eram só cargos regionais, as indicações foram feitas. Vários deputados indicaram pessoas que foram rejeitadas. O governo disse “este currículo não”. Quatro ou cinco vezes currículos tiveram de ser trocados.

Isso pode ocorrer agora, só que com aproximação mais direta com a Secretaria de Governo em cargos de nível nacional. Não ministérios fechados, que era uma prática do passado. Mas não é algo liderado pela liderança do governo, é feito pelo Palácio do Planalto. Mas já começamos a sentir reflexos no Parlamento com uma facilidade maior na aprovação das nossas pautas, na defesa das teses do governo.

Estamos em meio a uma crise, precisamos ter uma relação aperfeiçoada do Executivo com o Legislativo. O Estado brasileiro tem todas as ferramentas para impedir que o malfeito ocorra. O governo não vai contribuir para que o ilícito ocorra, mas vai compor com o Parlamento.

Na segunda-feira, 27, o presidente disse em frente ao Palácio da Alvorada que quem decide as questões de economia no governo é o ministro Paulo Guedes. Mas vimos nas últimas semanas o conflito entre Guedes e o que ficou conhecida como nova equipe econômica liderada pelo ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Netto, em decorrência do Plano Pró-Brasil, com previsão de R$ 30 bilhões em dez anos para estruturação socioeconômica do País. Paulo Guedes já disse que é completamente contra. A aproximação com o Centrão, que inclui oferta de cargos no governo, e o Pró-Brasil tocado pelo Braga Netto não deixa em xeque a permanência de Guedes no Ministério da Economia?
Primeiro precisamos entender que o governo não vai mudar o rumo da agenda liberal, das reformas iniciadas pela Previdência, que ainda tem mais cinco grandes reformas estruturantes, as três que estão no Senado, que são a PEC dos Fundos, a PEC Emergencial e a PEC da revisão do Pacto Federativo. Na Câmara, estão a tributária e a administrativa. São cinco reformas essenciais que o governo continuará a perseguir em sua agenda liberal.

Pelo momento que estamos vivendo com a crise, o próprio Paulo Guedes disse, autorizado e orientado pelo presidente da República, que não faltariam e não faltarão recursos para salvar vidas e empregos no Brasil. São mais de R$ 1,6 trilhão envolvidos na luta contra o novo coronavírus. Vivemos um momento crítico que precisa de investimento público.

O general Braga Netto apresentou um esboço de um plano cujos estudos nos diversos ministério ainda irão começar agora para que, mais à frente, sob a coordenação do Paulo Guedes, que é o ministro da Economia – o presidente reafirmou isso na segunda-feira, de que quem fala pela economia brasileira é o Paulo Guedes -, o Plano Pró-Brasil será desenhado. E vamos ver os limites.

Desde que não se ultrapasse o teto dos gastos públicos e que não rompa com a responsabilidade fiscal para que o plano não seja visto como a derrocada da agenda liberal do governo, conseguimos conciliar a visão e as demandas que os ministros precisam entregar na ponta da linha, como Tarcísio de Freitas e Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, como outros que podem contribuir para a retomada do crescimento econômico, para que possamos conciliar as duas visões.

Entendemos que é algo que não podíamos prever quando o governo começou, que foi a crise da Covid-19, mas sabemos que não podemos abandonar a agenda liberal, que foi a que nos trouxe até o Palácio do Planalto.

Desde a demissão do Mandetta, a apresentação de pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro aumento. Isso se intensificou com a saída de Moro do governo. A tentativa de reconstrução ou ampliação da base no Congresso com aproximação do Centrão tem também como objetivo impedir a reeleição do deputado Rodrigo Maia como presidente da Câmara e não deixar que os pedidos de impeachment ganhem prosseguimento?
Uma reeleição do Rodrigo Maia agora seria muito ruim. Não pela pessoa em si, mas para a democracia. O deputado iria para o quarto mandato. É preciso que a Câmara se renove, que tenha outras pessoas na condução. Para haver a reeleição, a própria Constituição precisaria ser mudada. A Câmara não toparia. Outras lideranças emergentes querem ter a oportunidade de presidir a Casa com justiça.

Mas o governo não vai se imiscuir em algo que é muito particular, intrínseco, interno de outro poder. Eu, deputado Vitor Hugo, sou contra a reeleição, por esses aspectos. O governo não vai se manifestar porque é algo afeto à Câmara dos Deputados. Acredito eu que não há clima para isso. Governo não trabalha para montar uma base para impedir a reeleição do Maia. Governo tem formado uma base para tem um relacionamento melhor e fazer com que as nossas pautas avancem mais rapidamente. E lógico que isso terá um reflexo nos pedidos de impeachment, abertura de CPI. Certamente vai refletir positivamente para o lado do governo.

“Tese da interferência é errada, mentirosa, o que certamente ficará comprovado nos próximos passos”

“O presidente nunca fez pedido de informações sobre processos específicos e investigações sigilosas” | Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A forma como o presidente se comunica, que alguns entendem como mais próxima do povo, também é interpretada como um discurso de quem ainda não desceu do palanque, mesmo 1 ano e 4 meses depois de assumir o cargo no Palácio do Planalto. Como as críticas ao governo, que é tratado como já em campanha para 2022, são recebidas pela base bolsonarista na Câmara?
Quem não desceu do palanque foi parte da imprensa brasileira, que continua fazendo críticas ao presidente como se ele estivesse em campanha. E digo parte da imprensa porque não poderia generalizar, não é toda a imprensa, mas alguns veículos são nitidamente contrários, fazem oposição ao presidente com injúrias diárias. Não são só críticas sobre as ações do presidente, mas agridem verbalmente, chamam de vários adjetivos. Se fosse o contrário, o presidente se referindo a alguns jornalistas, seria um escândalo.

Vários políticos já começaram também a agir de maneira que dá a impressão de que 2022 está mais próximo do que as eleições de outubro. Vemos Witzel, Doria, em alguma medida o próprio Caiado, outros governadores e pré-candidatos, como Luciano Huck, Rodrigo Maia, que agem como estivéssemos à véspera de o início de uma campanha eleitoral. Logicamente, isso reverbera no governo, reverbera no presidente, que, na maioria das vezes, está se defende e é acusado de fazer palanque político.

Gostaria que o sr. fizesse uma análise dos perfis do novo ministro da Justiça e da Segurança Pública, André Luiz Mendonça, que era o advogado-geral da União, e do escolhido para ser o novo diretor-geral da PF, o diretor da Abin, Alexandre Ramagem. As pressões para o governo trocar o Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência da República) pela nomeação do André Mendonça foram importante para a mudança do escolhido na sucessão de Moro? Mendonça é a escolha de Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello no STF em novembro?
André Mendonça é uma pessoa extremamente preparada, doutor em Direito, foi advogado-geral da União por mais de um ano, tem um trânsito e credibilidade muito bons no Supremo, conta com a confiança do presidente da República. Acredito que fará uma gestão excepcional no Ministério da Justiça.

Jorge Oliveira seria certamente um excelente ministro da Justiça, mas a função que o ministro exerce neste momento é crítica, é importantíssima. O subchefe de Assuntos Jurídicos é quem leva todos os documentos para o presidente assinar todas as Proposta de Emenda à Constituição, as Medidas Provisórias. Presidente não poderia prescindir do Jorge na função que o ministro exerce, a despeito de toda contribuição que ele poderia dar.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência tem sim uma proximidade muito grande do presidente de muitos anos. Certaria seria reforçar o argumento de quem quer dizer que poderia haver algum tipo de intenção de tentar blindar alguém. Diferente do caso do Ramagem, que é um delegado da Polícia Federal do último posto, tem todos os requisitos legais e méritos para assumir como diretor-geral da PF. Já estava na Agência Brasileira de Inteligência e tem experiência de comandar um órgão do mesmo nível do departamento da Polícia Federal.

Ao contrário do que muitos têm dito, não tem uma relação umbilical com a família Bolsonaro. A proximidade do presidente começou a partir do momento posterior à facada. Tenho certeza absoluta, até pela estrutura da Polícia Federal, ainda que houvesse – o que não há – qualquer interesse de alguém do Palácio do Planalto em interferir na PF, nas investigações, não seria possível fazer porque a própria estrutura de investigação hoje em dia é muito complexa, com centenas de agentes, dezenas de delegados espalhados por todo Brasil.

Já houve até prisão de policiais federais fizeram embasamentos ou permitiram interferências. Acredito que hoje seja impossível qualquer tipo de interferência e não há vontade do presidente de fazê-la. Mas o presidente mudar o diretor-geral, existe previsão específica em lei de que isso é uma competência do presidente. O presidente mudar superintendentes regionais faz parte da gestão. O presidente não está interferindo em processos, não está tirando, por exemplo, um delegado encarregado de um inquérito em particular e passar aquele delegado para outra região para tirá-lo da investigação. Não é isso.

Os superintendentes e o diretor-geral nem conduzem inquéritos. Eles são gestores. A tese da interferência é errada, mentirosa, o que certamente ficará comprovado nos próximos passos, até no próprio inquérito aberto pelo ministro Celso de Mello de que o presidente não incorreu em nenhum crime. É o que nós acreditamos que ocorrerá.