Sérgio Vencio: “Fiz uma gestão na Saúde em que tive 100% de apoio do governador”
31 dezembro 2023 às 00h02
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Elder Dias e Italo Wolff
Durante todo o primeiro ano de seu segundo governo – na verdade, desde novembro de 2022 –, o governador Ronaldo Caiado (UB) teve à frente da Secretária de Estado de Saúde (SES-GO) uma referência nacional de sua área na medicina: o endocrinologista Sérgio Vencio. Justamente pela posição que carrega dentro da classe, ele está deixando o cargo nas próximas semanas – vai assumir a assessoria científica da presidência da Sociedade Brasileira de Diabetes. Para seu lugar, numa escolha a dedo feita em conjunto com o governador, vem o também médico Rasível dos Reis Santos, que foi subsecretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, e depois secretário municipal de Saúde de Betim (MG).
Do balanço que faz do período à frente do cargo nesta entrevista ao Jornal Opção, ele destaca como um grande avanço a redução das filas no sistema de saúde pública em Goiás, tanto em consultas e exames como em procedimentos cirúrgicos. “Tínhamos no início do ano 57 mil pacientes esperando para marcar consultas e exames e reduzimos isso para 2 mil, número que nem consideramos mais “fila”, já que todo mês marcamos 40 mil consultas”, conta. Para as cirurgias, o secretário prevê chegar até julho com algo em torno de 15 mil a 20 mil na fila, que é algo dentro da rotatividade – somente este ano, foram 300 mil procedimentos só pelo Estado.
Outro grande passo à frente foi no processo de regionalização da saúde – fazer com que o usuário do SUS não tenha de sair de sua região para ter atendimento. “Com mais três policlínicas podemos completar o quadro de regionalização”, avalia. Por outro lado, não há possibilidade de hospitais municipais serem estadualizados.
Em tempo: Sérgio Vencio deixa a linha de frente, mas não vai sair da administração: ele seguirá como secretário-adjunto da SES-GO. Mas já deixa bem claro sobre a chance de encarar uma carreira político-eleitoral: “Zero.”
Elder Dias – O sr. está deixando a Secretaria do Estado da Saúde?
Saio agora em janeiro, quando assumo como assessor científico do presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. É um compromisso que eu já tinha assumido há 4 anos e algo que demanda muita viagem. Ao mesmo tempo, continuo como secretário adjunto. O governador Ronaldo Caiado e eu escolhemos juntos o novo secretário, Dr. Rasível [dos Reis Santos], que foi subsecretário de Saúde em Minas, foi secretário de Saúde de Betim (MG) e estava havia sete anos atuando no Hospital Sírio-Libanês, na rede de urgência-emergência. Estamos na fase de transição e, assim que eu entender que está tudo certo, comunico ao governador e ele vai marcar a data da posse dele como secretário. Eu passarei, então, para secretário-adjunto.
Elder Dias – Que balanço o sr. faz deste ano à frente da SES-GO?
É difícil ter uma função tão relevante para a população como a de secretário de Estado. Para mim, então, está sendo um privilégio enorme. Não aceitaria esse convite de nenhuma outra pessoa a não ser do governador, é uma relação de confiança, de amizade que nós temos, até familiar. Convivo com Caiado desde 1986, então, pelo que conheço dele, aceitei esse desafio bastante. Mas a complexidade desse cargo é uma coisa que não consigo explicar, inclusive para minha vida pessoal. O tanto de interesse político e financeiro que existe envolvendo esse cargo e todas as críticas que é preciso relevar, absolutamente infundadas, todas as mentiras contadas e todos os problemas complexos mesmo que a pasta tem. Não há privacidade para nada, não tem feriado nem fim de semana, algo muito diferente da vida que eu tinha, completamente voltada para a pesquisa, para a atuação acadêmica, com discussões respeitosas. De repente, a gente se vê num ambiente em que as pessoas estão lhe xingando por outros interesses. Mas tudo bem, para mim foi um aprendizado enorme. Tenho muito orgulho de ter feito parte desse processo aí, com todos esses servidores da saúde, que são seres diferentes. Os servidores da saúde trabalham com paixão, se autointitulam “SUSeiros”, têm paixão pelo SUS, dão a vida pelo SUS.
Não fosse o SUS na pandemia, teríamos três vezes mais mortes
Elder Dias – A pandemia aumentou mais ainda esse sentimento e, presumo, também a força interna da classe dos profissionais da saúde.
Não fosse o SUS nós teríamos três vezes mais mortes do que tivemos. Com certeza absoluta, o SUS salvou a vida de muita gente.
Elder Dias – E qual a chance de o sr. engatar a carreira política?
Zero. Zero chance (risos). Não é minha praia. Eu não conhecia esse outro lado, o trabalho de deputados, que têm de ficar fazendo esse trabalho o tempo inteiro, atendendo uma multidão, dar satisfação de tudo, isso não é pra mim. Eu prefiro a gestão, prefiro ficar nos bastidores.
A população perde quando pessoas com interesse político assumem a Saúde
Elder Dias – O sr. teve também a experiência de passar pelo comando do HMAP [Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia], também com política no meio. Como o sr. vê, depois disso tudo, a atuação de técnicos da área na gestão de pastas da saúde, seja em governos estaduais, municipais e, ainda, no Ministério da Saúde?
Não tenho dúvidas de que os gestores técnicos são extremamente necessários. A população perde muito quando pessoas com interesse político assumem pastas da Saúde, perdem demais. Porque outros interesses vão entrar ali. Pude fazer uma gestão em que, primeiramente, tive 100% de apoio do governador. Nunca pedi a ele alguma coisa que ele não atendesse, até porque nunca levei interesse político para a discussão. Até porque não entendo disso (risos). Uma vez ainda brinquei com ele, quando foi aprovar a lei, feita dentro do Ministério Público, da obrigatoriedade de apresentação da carteira de vacinação para fazer matrícula nas escolas. Falei assim, “olha, vai ter um problema político envolvido aí”. E ele respondeu: “Ai, meu Deus, agora você entende de política? Vai cuidar da saúde!” (risos). É engraçado, porque a gente tem essa intimidade e é realmente isso, eu não entendo nada disso nem quero entender. Acho que a saúde não pode ser politizada. Então, fizemos uma gestão 100% técnica. E eu explicava isso para os deputados, “isso pode e isso não pode”, pronto e acabou. É lei. O SUS tem seu regramento, é muito diferente de qualquer outra coisa. E se a gente começa a sair fora desse regramento, podemos colocar os R$ 5 bilhões investidos na saúde a perder, construindo hospital onde não precisa, atendendo a pedido que não vai levar a lugar nenhum. É muito fácil falar sim, mas, se eu fizer isso para todo pedido, estou deixando de atender uma coisa que precisa, que já foi contratada. Mas é difícil você ficar falando não. Por isso, deve ter muita gente comemorando minha saída aí, porque foi “não” o tempo inteiro (risos). Mas creio que vamos continuar nessa gestão técnica, porque o governador pensa nisso, ele é médico, entende desse processo. Então, a gente vai dar continuidade a isso.
Italo Wolff – Dentro do que o sr. está deixando para o próximo secretário, como está o processo de regionalização da saúde, um projeto desenvolvido desde o início do governo Caiado?
O Estado é dividido em 18 regiões de saúde. Então, quando falamos em regionalização, isso é uma tentativa de fazer com que o cidadão não tenha de sair de sua região – cada uma engloba cerca de 20 a 30 municípios – para ter acesso a saúde de qualidade, seja consulta com especialista, seja um exame, seja internação e, também, leitos de UTI. Obviamente, isso custa muito dinheiro e há regiões de saúde que não têm densidade populacional mais robustas, porque essas estruturas têm um custo fixo. Para justificá-lo [o custo], é preciso ter determinado número de habitantes. Depois que o governador Caiado entrou, em 2019, estadualizou oito hospital, inaugurou as seis policlínicas e nosso custeio de saúde aumentou em 180%, o que é um dado importante. Por quê? Porque precisamos entender que construir hospitais e policlínicas não quer dizer nada para os gastos com a saúde. É possível construir uma policlínica e em seis meses se gasta o mesmo valor com o custeio. Multiplicando isso ao longo dos anos, vemos que o importante mesmo é conseguir verbas para manter essas estruturas, junto às diversas esferas de governo. Hoje temos uma saúde regionalizada. O governador, quando foi candidato pela primeira vez, tinha a ideia de que seriam necessárias 17 policlínicas no Estado, mas hoje, com o aumento da eficiência nos atendimentos dos hospitais, entendemos que mais três policlínicas serão suficientes para completar o quadro de regionalização.
Italo Wolff – Como foi o processo de retomada após a pandemia? Ainda existe demanda reprimida de atendimentos eletivos?
Ainda existe, sim. A pandemia trouxe uma situação de aumento de mortalidade. No momento, ainda estamos entendendo as sequelas pós-Covid e, ao mesmo tempo, estamos tendo um empilhamento de filas de exames, consultas e de cirurgias. Este ano, tínhamos no início 57 mil pacientes esperando para marcar consultas e exames e conseguimos reduzir isso para 2 mil, um número que nem consideramos mais uma “fila”, já que todo mês marcamos 40 mil consultas. Para ter ideia, dentro da estrutura do Estado, essa fila de 2 mil representa três dias de atendimento no HGG [Hospital Estadual Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi], por exemplo. É uma rotatividade normal. Portanto, zeramos as filas para exames e consultas e saímos de uma fila de 125 mil pacientes esperando cirurgias e realizando 80 mil procedimentos eletivos, 70 mil cirurgias de urgência e 170 mil pequenos procedimentos cirúrgicos. Ao todo, foram 330 mil procedimentos de cirurgia, sendo que hoje temos de 55 mil a 58 mil esperando na fila para uma cirurgia eletiva. Ainda é muito, temos pacientes esperando há vários anos, mas pretendemos chegar até julho com algo em torno de 15 mil a 20 mil na fila, que é a rotatividade. Sem contar os municípios, o Estado opera 6 mil pacientes de alta complexidade todo mês. Então, se há 18 mil pessoas na fila, temos então uma espera de três meses para uma cirurgia eletiva, o que é algo absolutamente aceitável e digno. O que era indigno para o cidadão, uma falta de respeito, eram anos ou até décadas de espera. Isso a gente quer encerrar até o meio de 2024.
Elder Dias – Existe um tempo médio ideal para efeitos de acreditação do sistema ou das unidades?
Sim. Mesmo na rede privada, as pessoas não vão ao médico e eles imediatamente fazem o procedimento, no outro dia, a não ser que seja uma cirurgia de urgência. No sistema privado, há uma espera de um a dois meses, pelo menos, que é o tempo de fazer os exames necessários, avaliação cardiológica, entrar na agenda do médico e ter vaga no hospital. Todos os atendimentos de urgência e emergência estão sendo feitos no Estado com tranquilidade. Se conseguirmos em Goiás reduzir para três meses a espera para uma cirurgia eletiva, vamos ter cumprido o objetivo de ter uma saúde de qualidade e com o cuidado que o cidadão precisa.
Este é o primeiro ano em que estamos batendo a meta nos três índices
Elder Dias – Esse número de 300 mil procedimentos cirúrgicos é relativo a que período?
É apenas deste ano. Em 2023 batemos todos os recordes de consultas, cirurgias e internações. Se tomarmos as 29 unidades de saúde – policlínicas e hospitais – e vai ao contrato de gestão com as organizações sociais (OSs) e soma tudo isso, verá que este é o primeiro ano em que estamos batendo a meta nos três índices.
Italo Wolff – O que houve para ocorrer essa virada positiva na Saúde?
Fizemos desde a melhora no monitoramento até o processo de transparência total – tanto que ganhamos o selo Diamante de transparência dentro da saúde. Desenvolvemos e aprimoramos um sistema chamado Sigus [Sistema Integrado de Gestão das Unidades de Saúde], onde há todos os dias a atualização diária de cada unidade, em termos de consultas, internações e cirurgias. Com isso, sabemos em tempo real quem está e quem não está cumprindo as metas. O que não foi cumprido nós glosamos [glosa financeira é a não realização de pagamento de custos referentes a atendimento dos pacientes, em decorrência de não cumprimento do que foi acordado em contrato], o que fez retornar R$ 100 milhões para os cofres públicos. Só que isso é sinônimo de ineficiência: afinal, a gente tem o dinheiro, mas não houve a realização do procedimento. Glosar, no caso, significa seriedade com o erário, mas o que queremos mesmo é que os hospitais utilizem o dinheiro, que façam consultas, cirurgias, internações. Em uma segunda etapa, quem se manteve sem cumprir as metas foi retirado. Então, trocamos organizações sociais.
A pandemia de Covid deixou uma “sequela” em particular no sistema: é que, durante a crise sanitária, não era necessário cumprir metas, uma determinação do Ministério da Saúde. Era para não falar que faltou dinheiro para atender aos pacientes com Covid. Só que as OSs se acostumaram a não cumprir meta e receber o valor total do contrato. Nós comunicamos que esse tipo de situação havia acabado e demos um prazo de adequação de três a quatro meses. Quem não se adequou teve seu caso levado ao governador, com a recomendação de troca. Como tudo no Estado é muito burocrático, demoramos mais uns três meses para a efetivação. Depois disso, já houve melhoras da eficiência nessas unidades. Acabou sendo um recado para todos: ou se faz a adequação e o cumprimento das metas ou vai haver a retirada. Não há mais dúvidas sobre isso.
Italo Wolff – O sr. não considera o modelo de OSs já ultrapassado, em certos pontos. Entrevistamos o secretário de Saúde de Goiânia, Wilson Pollara, e ele fez uma comparação interessante: se os bombeiros fossem pagos por incêndio apagado, toda hora a gente veria lata de lixo pegando fogo. Não é mais ou menos isso que ocorre na Saúde, em relação às metas? Não seria melhor manter os hospitais independentes da demanda?
Eu não consigo entender muito bem essa analogia. Mas é difícil ter uma previsibilidade do número de pessoas que adoecerão e que precisarão de cirurgias. Mas estamos chegando a um índice – e ano que vem teremos isso – que vai nos possibilitar a redução da contratação de serviços. Hoje, como o governador ampliou bastante a rede, a maioria dos municípios acaba se escorando no Estado para realizar seus procedimentos. Então, esse cálculo de atendimentos envolve também os municípios – é um atendimento de todo o Estado. Um hospital como o Hugol [Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira] não é para Goiânia, mas para todo o Estado. À medida que a gente diminui as filas, também diminuímos a necessidade. Aí sim, vamos começar a poder reduzir a contratação e o gasto com essas unidades. Mas os hospitais têm um custo fixo. Não dá para ter uma UTI funcionando se não há a quantidade de médicos e enfermeiros que a lei obriga a ter, independentemente de haver um ou dez pacientes. Eventualmente, o gestor pode entender que, se há 40 leitos de UTI em determinado hospital e não há tanta demanda, talvez se possa reduzir o número para 30. Mas enquanto se observa a necessidade de todos os leitos, é preciso ter equipe para todos eles. E isso é um custo caríssimo. É muito diferente de falar em assistência básica à saúde, de posto de saúde, de UBS [unidade básica de saúde], UPA [unidade de pronto atendimento], em relação a hospitais de alta complexidade. Tenho no HGG e no Hugol cirurgias que custam R$ 250 mil cada. É um custo absurdo, mas que não vai acabar. Ao contrário, a medicina vai sendo judicializada e cada vez mais os procedimentos ficam mais onerosos. O que precisamos é trazer eficiência para reduzir as filas e também a demanda.
Elder Dias – Em relação às especialidades médicas, até pouco tempo atrás, era um problema generalizado a carência de profissionais para a área de pediatria. Como está isso hoje em Goiás? Existem outras áreas problemáticas?
Isso é algo sempre cíclico, não só nas especialidades médicas, mas também em outras profissões. Em algum momento, todos correm para determinada ocupação, daí o mercado fica saturado, aí então cai a demanda para aquele setor e depois começa a faltar. Assim ocorreu com os pediatras e com os ginecologistas. Hoje vivemos um momento de muita demanda e pouca oferta de mão de obra para pediatria. Mas isso está começando a mudar positivamente, temos várias residências médicas no Estado, no Hecad [Hospital Estadual da Criança e do Adolescente], no Hospital da Mulher, no Hospital das Clínicas da UFG. Com isso, aos poucos, vamos ocupando o mercado de novo com pediatras. Mas, como eu digo, vai ser sempre cíclico para algumas especialidades. Por exemplo, alguns anos atrás, ninguém queria fazer psiquiatria. Depois da Covid-19, com todo mundo “fora da casinha”, nunca houve tanta demanda para a área. A residência para Psiquiatria foi uma das mais concorridas neste ano.
Elder Dias – Há alguma forma de incentivo do governo para manejar essa oferta e demanda, por exemplo, por meio das vagas para residência?
O Estado hoje tem 358 vagas de residência, seja médica, seja multiprofissional. O que tentamos fazer é estarmos atualizados em relação a certas demandas. Por exemplo, abrimos no HGG a residência para Hepatologia, específica para fígado, como se fosse uma subespecialização – o profissional faz Gastroenterologia, depois Hepatologia. No HGG, abrimos também a residência de Cuidados Paliativos, sob a coordenação da dra. Ana Maria Carvas, que tem um trabalho fantástico, uma área que, a meu ver, é uma das importantes que temos lá. Estamos sempre atentos a essas demandas, mas estruturar uma residência não é fácil, é preciso ter um serviço que dê ao residente um treinamento adequado, com horas de serviço, plantão, aula teórica etc., mas creio que Goiás hoje está bem avançado nesse aspecto.
Elder Dias – A Covid-19 trouxe sequelas físicas para uma parcela da população que se contaminou. Mas, e o serviço público de saúde depois da pandemia? O sr. já citou o “mau costume” que ficou do descumprimento de metas, em relação às OSs. Que outros transtornos ficaram, em torno de governança do setor?
Creio que a gente já passou dessa fase, a gestão já se acomodou, até porque o número de casos de Covid caiu bastante. O que vejo, como médico, é que nosso entendimento da doença ainda é muito pequeno. Hoje, no dia a dia da medicina, observo que há muita coisa no sentido de dizer “isso aí é por causa da Covid”, quando não se sabe o que está ocorrendo com algum paciente. É algo complicado, porque eventualmente se pode estar deixando de investigar pontos importantes para a saúde dessa pessoa e jogando tudo nas costas da doença. Mas também entendo que seja um processo de aprendizado e que, aos poucos, vamos construir um conhecimento até poder afirmar com mais assertividade, descobrindo novos tratamentos. Hoje ainda estamos vendo pessoas passando por uma série de situações – dificuldades com a memória, dores musculares, insônia etc. – e que são sequelas da Covid.
O Cora deve inaugurar a parte de pediatria até o fim de 2024
Italo Wolff – Ainda em torno da pediatria, temos agora o Cora [Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás] sendo construído. Como está a demanda para oncologia pediátrica hoje em Goiás?
Temos somente o Hospital Araújo Jorge atendendo pediatria no Estado. É um serviço que conheço muito bem, trabalhei quase 20 anos de forma gratuita, juntamente com a dra. Rose [Gusmão] e todo um pessoal de alto nível. São pessoas que são sacerdotisas da medicina, é um outro grau de medicina o que ocorre na pediatria do Araújo Jorge. Só que não é possível para atender toda a demanda. Então, temos 8 mil pessoas de Goiás que vão ao Hospital [de Amor, referência nacional em tratamento de câncer], de Barretos (SP), em busca de tratamento.
Com o Cora tendo sua parte de pediatria inaugurada ao fim de 2024, se tudo der certo, vamos conseguir suprir essa demanda. Serão 48 leitos, com pet scan, toda a parte de quimioterapia e radioterapia, com ressonância magnética dentro de um centro cirúrgico supermoderno. Tudo isso para melhorar a eficiência das cirurgias e trazer os índices de qualidade que existem na gestão do hospital de Barretos, com baixa na mortalidade. A Fundação Pio XII, que gere aquela unidade, tem uma mortalidade de 15% a 20% menor do que a média brasileira. É uma marca comparada às melhores instituições do mundo e algo que vamos ter também aqui com o Cora.
Italo Wolff – Um hospital assim traz demanda do Brasil inteiro, não somente de Goiás. O sr. consegue vislumbrar como isso vai funcionar se começarmos a receber pacientes de outros Estados?
Nós temos uma demanda interna muito grande. Esse hospital vai ser completamente regulado, não será no regime de porta aberta, até porque é muito caro. Obviamente, vamos receber também demanda de outros Estados, mas hoje já existe um pacto interfederativo, pelo qual podemos cobrar o tratamento de outras secretarias. A gente também está desenvolvendo, dentro do Estado, algo dentro da área de inteligência artificial, com big data, um tipo de cadastro único que está bastante avançado. Tivemos uma reunião com o subsecretário de Tecnologia da SGG [Secretaria-Geral de Governo], Marcio [Cesar Pereira], exatamente para que nos fosse apresentado o programa de big data. Por meio disso, vamos conseguir saber exatamente se a pessoa é ou não do Estado, e de qual cidade ela é. Assim, vamos resolver um grande problema hoje no SUS. Por exemplo, temos Aparecida de Goiânia, com uma medicina pública muito acima dos demais municípios do Estado. Com isso, mesmo com população de 600 mil habitantes, tem 2 milhões de carteiras do SUS. Ou seja, as pessoas saem de outras cidades e vão para lá, falar que são de Aparecida e ter assistência à saúde. Isso sobrecarrega o município. Desenvolvendo o sistema, vamos ser capazes de comunicar a cada município que ele está devendo Aparecida, porque o cidadão de lá foi atendido em Aparecida. É o que chamamos internamente de PPI [Programação Pactuada e Integrada da Assistência], a quantidade de dinheiro que vem do Ministério da Saúde e do Estado e que vai para cada município, de acordo com o que foi demandado.
Elder Dias – Isso pode solucionar o que se costumou chamar de “ambulancioterapia”?
Temos em Goiás cerca de 80% dos municípios com menos de 10 mil habitantes. Localidades assim realmente não têm condição de ter uma estrutura de saúde mais robusta, porque saúde custa muito caro. E, em situações assim, nem faz sentido – o que é sintomático, porque vemos municípios pequenos conseguindo verba federal para construir hospital. O que ocorre depois? Vão ficar sem ter como gerir e vão querer estadualizar o hospital, algo que não vai acontecer mais.
Elder Dias – São “sequelas”, digamos, do orçamento secreto e das emendas do relator, mecanismos pelos quais os parlamentares podem destinar para onde quiserem as verbas, muitas vezes de forma proporcional. O maior alvo são obras de saúde.
E todo prefeito quer deixar uma obra, uma marca, em sua cidade. Então, fica aquela situação: construir o hospital e, depois, em seis meses de funcionamento, já se gastou em custeio o mesmo que se investiu para a obra física. E aí, então, vão atrás do governador para estadualizar.
Recebemos só este ano 30 pedidos de estadualização de hospitais. Negamos todos
Elder Dias – Ou seja, em relação aos gastos que virão depois da inauguração, erguer o prédio do hospital é muito barato.
Muito barato. Só este ano, devemos ter recebido em torno de 30 pedidos de estadualização de hospitais. Negamos todos. Não faz mais sentido. O Estado não consegue mais pagar conta da Saúde, em 2023 estamos ultrapassando o mínimo constitucional em R$ 600 milhões. O gasto com a saúde, repito, é enorme. Os prefeitos têm de entender que não dá mais para construir hospitais se não há dinheiro para tocar. Isso é um crime.
Elder Dias – O sr. poderia dar algum exemplo emblemático em relação a esses pedidos de estadualização.
Isso é complicado, porque vira um problema. Quem for citado vai ligar no governador amanhã (risos).
Elder Dias – Mas realmente não existe chance de estadualizar alguma unidade?
Zero. Zero chance.
Elder Dias – Qual foi o último hospital a ser estadualizado?
Foi o de Itumbiara, que é um município grande. Dentro desse processo de regionalização, o governador topou fazer. Mas veja o exemplo de Catalão, que tem um hospital fantástico que foi construído, mas o governo federal vai assumir o custeio. O Estado também estará presente financeiramente, já que o sistema de saúde é tripartite, mas o grosso do dinheiro virá da União. Para a população da região, esse hospital será um divisor de águas.
Italo Wolff – Como está o andamento das unidades que estão em obras?
Em Trindade e Formosa estamos fazendo muito mais do que uma ampliação, é uma reconstrução das unidades. Formosa era um hospital municipal que foi estadualizado e agora será o maior centro de cardiologia do Entorno do DF, que era uma região que estava completamente desassistida e hoje tem atendimento para hemodiálise, tem o hospital estadual de Luziânia e vai ter também o de Águas Lindas, focada no atendimento materno-infantil, em uma abrangência do Estado que ainda tem uma mortalidade materna ainda alta. Esse hospital vai mudar esses números. Aliás, vamos reconstruir a rede materno-infantil no Estado em 2024, com um pré-natal de maior qualidade e de um acompanhamento mais intenso dos recém-nascidos. Vamos atuar juntamente com o programa Mães de Goiás, tocado pela primeira-dama, Gracinha Caiado, e pelo governador.
Italo Wolff – A Rede Hemo [rede estadual de serviços de hemoterapia] também recebeu grande investimento, de R$ 17 milhões, para sua restruturação…
Estamos trabalhando em todas as unidades do Hemocentro que estavam sucateadas. Estão ficando lindas, a de Catalão está maravilhosa. Para fazer esse investimento, o município tem de doar uma área para o Estado e proceder a regularização, atendendo a todas as normas da Vigilância Sanitária satisfeitas. O Hemocentro de Goiás é muito bem estruturado, mas têm essas unidades satélites que precisam ser reformadas e vamos fazendo isso aos poucos, porque não há dinheiro suficiente para tudo.
Italo Wolff – Como funciona o sistema de convênios e os planos de fortalecimento?
Isso é um dado importante. Na média brasileira, os Estados repassam, de sua verba de custeio, 7% para os municípios. Goiás repassa 12%, muito acima da média. Para isso, nós temos um cofinanciamento, que é dinheiro dessa saúde tripartite. Os municípios recebem verba da União dentro do programa Previne, de acordo com o atingimento de indicadores. É um programa para incentivar os municípios a melhorar a qualidade do atendimento. Quais são esses indicadores? Número de consulta de diabéticos, de hipertensos, índice de gestantes que fizeram exame de HIV e sífilis, número de mamografias citopatológicas etc. Tomamos esses mesmos parâmetros e criamos um programa chamado de cofinanciamento. À medida em que os municípios atingem as metas, a gente repassa dinheiro. São R$ 90 milhões por ano, no total, a partir de um sistema inédito no Brasil, de acompanhamento mensal. Assim, cada município entra no sistema com sua senha e vê como está sua situação de atingimento de meta. Por exemplo, em relação aos exames de sífilis para gestantes: se o gestor entrar nesse indicador, vai ter os nomes das gestantes que não o realizaram, o endereço delas e os agentes de saúde responsáveis. Têm vários municípios que perdem 50% dessa verba. Reclamam que não têm dinheiro, mas perdem estadual e federal.
Além disso, temos também os planos de fortalecimentos. Para algumas cidades, que são estratégicas dentro do sistema, pagamos um complemento para leitos de UTI e de enfermaria geral, para cirurgias. Com isso, fortalecemos a saúde da região e criamos uma de regionalização mais forte.
Italo Wolff – Como estão os índices de atingimento das metas, em geral?
Isso varia muito. Temos o Cosemes [Conselho de Secretários Municipais de Saúde] muito forte em Goiás. Tanto que o presidente do Conasemes, que é o Conselho Nacional de Secretários Municipais, é goiano – Hisham Hamida, secretário de Saúde de Pirenópolis. O trabalho deles vêm melhorando em muito a qualidade da saúde. Embora ainda haja municípios que não conseguem atingir, a maioria chega nos índices.
Elder Dias – A gente costuma pensar sempre em hospitais e clínicas quando se fala em estrutura de saúde. Mas como está Goiás em questão de prevenção? Até porque prevenir não é algo que seja muito habitual para o brasileiro em geral – homens ainda menos do que mulheres. Isso, lá na frente, não traz mais prejuízos para a saúde?
Vou dar um exemplo bem simples de minha área, que é a diabetes: 85% dos gastos com diabetes está no tratamento das complicações – hemodiálise, infartos, amputações, cegueira, laser para problemas de visão etc. Só 15% vem de exames e consultas. Se conseguíssemos prevenir as complicações, veja só o quanto poderíamos economizar. Diabetes e hipertensão, com certeza absoluta, ocupam o topo da lista de gastos de qualquer sistema público de saúde. Isso se estende para todas as áreas.
Então, o controle da hipertensão, do colesterol, do peso, das doenças respiratórias, do tabagismo e do alcoolismo, tudo isso traz efeitos no custo da saúde. A atenção primária vai melhorar bastante com a tecnologia da telessaúde. Não será preciso ter alguém superespecializado das diversas áreas para o atendimento nas pequenas cidades. Um profissional de ponta, que faz pesquisa em universidades, não tem como morar em uma cidade. Mas pode, pelo sistema de telessaúde, montar uma equipe para dar assistência especializada para essas comunidades. Isso vai evoluir muito no próximo ano. Vamos implementar a telessaúde nas policlínicas e nos grandes hospitais, mas é um movimento também dos municípios. Assim, vamos melhorar a prevenção. Enquanto isso não ocorrer, vamos apenas enxugar gelo. No dia em que tivermos saúde básica de qualidade em todos os municípios – o que já existem em alguns –, vamos atender a população como ela merece.
O agente de saúde ocupa posição importantíssima dentro do SUS
Elder Dias – Como funcionará o sistema de telessaúde? Ele terá alguma relação com o agente de saúde?
O agente de saúde ocupa uma posição importantíssima dentro do SUS, porque o sistema tem um enfoque multiprofissional e o agente é o elo com a população, é quem cria o vínculo com a família, que sabe o nome das pessoas e os problemas do dia a dia. É um profissional, com certeza, subvalorizado. A prevenção é justamente impedir que algo vire problema. A imprensa dá muito mais visibilidade para quem foi acidentado, teve um infarto, sofreu queimaduras, do que para o que está sendo prevenido na ponta. E esse é o SUS verdadeiro, o “SUS da ponta”. O Estado ter papel protagonista da saúde é o oposto do que deveria acontecer no SUS. Seria muito mais interessante que o dinheiro do Estado, ao economizar por prevenir, fosse gasto com capacitação dos profissionais e com investimento nas unidades básicas de saúde.