“Sem gestão, a Unimed quebra”

23 fevereiro 2020 às 00h00

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Presidente eleito da Unimed Goiânia, cardiologista afirma que vai cortar diretorias e adotar novos procedimentos para evitar falhas no pagamento a parceiros

Pela primeira vez em 24 anos, a presidência da Unimed Goiânia foi escolhida em meio a uma disputa eleitoral. E ela foi dura: o cardiologista Sérgio Baiocchi venceu o reumatologista Breno de Farias por uma diferença de apenas 37 votos (1.059 a 1.022).
O novo presidente fez uma campanha baseada no mote “Menos cooperativa, mais cooperado”, que, segundo ele, atende anseios dos médicos captados em pesquisas qualitativas.
Nessa entrevista ao Jornal Opção, Baiocchi explica os motivos que o levaram a romper com o grupo que dominava a Unimed Goiânia há mais de duas décadas, comenta as recentes denúncias de favorecimento da cooperativa ao Ingoh e reitera algumas de suas metas para o mantado de quatro anos:
Rodrigo Hirose – O sr. fez parte, durante um bom tempo, do grupo que geriu a Unimed até aqui. Por que sentiu a necessidade de deixá-lo e disputar a eleição para a presidência da cooperativa?
Não é a primeira eleição na história da Unimed. Ela foi fundada em fevereiro de 1978 como uma cooperativa de trabalho médico. A remuneração [dos médicos] à época era muito aviltante. Por isso, um grupo de 20 ou 30 profissionais se reuniu para exigir condições para o atendimento, levando-se em conta o valor do atendimento e as condições de trabalho. A cooperativa cresceu ao longo do tempo.
A gestão continuou com os mesmos até 1996, quando o Paulo Garcia [ex-prefeito de Goiânia e ex-presidente da Unimed] formou um grupo, do qual fiz parte até há pouco tempo, e fez o mesmo movimento que fiz agora. Havia uma insatisfação com os rumos que a cooperativa estava tomando – e essa é uma palavra importante para eu explicar o contexto de agora.
Esse grupo passou a fazer parte do poder e se mantinha desde então. Em 2002, me uni a ele, no Conselho Fiscal. Em 2005, passei a integrar a diretoria. Fui diretor de Marketing por três anos e, a partir de 2008, unimos a Diretoria de Marketing à Diretoria de Marketing.
Quem está no marketing e no mercado tem contato com todos, a toda hora, conversando, ouvindo reclamações de clientes, buscando soluções. Entre o cliente e nós [a diretoria] estava o cooperado, que é o dono da cooperativa.
Em 2014, uma pesquisa qualitativa mostrou o descontentamento [dos cooperados] com algumas coisas. Ela mostrou que precisávamos enxugar a máquina, dar mais agilidade, trazer o cooperado mais para dentro. Levei essa pesquisa ao grupo, mas não foi dado muito ouvido. Então, houve um acordo em 2016 para que não houvesse eleição, com promessa de que as reivindicações fossem atendidas paulatinamente. Ao longo do tempo, vim cobrando, até que o processo entrou em grau de ebulição há três anos, quando o Sizenando [Campos Júnior], em tão presidente, foi para a presidência da Nacional e o Breno Faria assumiu aqui.
Vamos deixar bem claro: o Breno é um cara inteligentíssimo, fantástico, não há o que dizer dele. Mas a proposta continuou a mesma. Sem exagerar, ainda mais fechada e verticalizada. Tudo contra o que é o cooperativismo.
Estávamos chegando ao final de um novo ciclo sem nenhuma mudança. Comecei a ter algumas divergências inconciliáveis e o processo naturalmente eclodiu. E, como em qualquer processo de dissidência, chegou a um ponto sem volta.
Euler de França Belém – Em alguns Estados, como São Paulo, a Unimed sempre esteve em crise. Em Goiás, por que a cooperativa não vive essa crise? Ou ela foi camuflada?
Não temos e nunca tivemos [crise]. O cooperativo médico é dividido. Existem as cooperativas singulares [como a Unimed Goiânia], ligadas às federações – que têm um papel político-institucional, não são operadoras – e que, por sua vez, são ligadas à confederação, que é a Unimed Brasil.
As cooperativas singulares de Salvador, Brasília, São Paulo e algumas outras não entraram no mercado da forma devida. São Paulo é um Estado enorme, onde se perde a noção do cooperativismo, que só existe para defender uma causa social e financeira. Se o problema financeiro acaba, acaba o cooperativismo.
A Unimed de São Paulo capital não conseguiu que o cooperativismo fosse incluído no DNA dos médicos. Assim como em Brasília, porque a maioria dos médicos são funcionários públicos que não dependem do seu dia a dia como médico. Em São Paulo já quebraram a Unimed São Paulo, a Unimed Paulista e a Unimed Paulistana. Foram três tentativas de ter uma cooperativa singular.
A Unimed do Brasil não tem uma operadora, não vende planos de saúde. Mas tem um braço operadora, que é a Central Nacional Unimed, que não tem médicos cooperados, mas têm cooperativas singulares cooperadas. Essas singulares atendem clientes em Estados diferentes por intercooperação.
Rodrigo Hirose – Qual o tamanho da Unimed Goiânia?
Fechamos 2019 com 344 mil beneficiários e 2.777 médicos cooperados. Isso dá uma média de 8,5 médicos por 1.000 [beneficiários]. No Brasil, a média é de 2,18 médicos por 1.000 habitantes; Goiás tem 1,97 e Goiânia, 6,18. A média de médicos por beneficiário da Unimed Goiânia é quatro vezes maior que a média de médicos por habitante no Brasil.
Goiânia é a cereja do bolo na saúde do Brasil. Quem está olhando para cá não são apenas o Albert Einstein, que assumiu o Órion, ou o Sírio Libanês, que está em parceria com o Grupo Flamboyant. São grupos americanos, coreanos e chineses.
Euler de França Belém – O que isso significa?
Esse movimento começou com a Amil [operadora de planos de saúde] que, quando houve a abertura da participação de capital estrangeiro no mercado, teve parte vendida para a United Health, que é uma grande operadora norte-americana. Várias outras fizeram o mesmo caminho. O movimento mais recente foi a chegada da Hapvida.
Embora eles tenham um atendimento de qualidade, o negócio deles não é saúde. Eles movimentam dinheiro na bolsa de valores. Não digo que eles não prestam serviços de saúde, ao contrário.
Muitas dessas operadoras trabalham de forma verticalizada, são donas de hospitais e têm uma quantidade menor de profissionais. A Unimed não. Ela dispõe de uma rede grande de hospitais e de profissionais e o paciente é quem escolhe. Isso custa mais. Quem atende é o próprio dono. O cliente paga para ter isso. Essa estrutura mais a estrutura administrativa custam caro. Por isso, se não tiver gestão, [a Unimed] quebra.
Rodrigo Hirose – Por isso o mote de campanha foi “Menos cooperativa, mais cooperados”? O sr. vai diminuir diretorias?
Esse é nosso mantra. A cooperativa começou pequena e vendia apenas o serviço para outras empresas privadas. Ao longo do tempo, percebeu-se que era possível lançar o plano de saúde da própria Unimed, que permitia uma negociação melhor [entre os próprios médicos].
Isso foi feito, atingiu-se o sucesso e fomos bem geridos. Fiz e faço parte disso. Só que a cooperativa, essa que tem CNPJ e vende plano de saúde, está virando um monstro. A relação de funcionário para médico é de 0,78, cada três médicos tem dois funcionários para ele. A justificativa é que temos serviços próprios. Mas [a Unimed] Porto Alegre tem a mesma rede que nós e tem 0,16 funcionário por cooperado. Tem alguma coisa errada.
Para que isso fosse mantido por 24 anos, muitas coisas foram sendo acordadas. Muitos acordos foram sendo feitos para que quem estava na parte de cima da pirâmide pudesse se manter com os votos, porque quem vota são os médicos.
Antes da eleição de 2015, sugeri a diminuição de diretorias de 11 para 7, porque o cooperado está cansado, acha que somos perdulários. Mas ouvi de um cacique: “Nós não podemos, porque temos muitos acordos”.
Um candidato [à presidência da Unimed] teve o apoio do presidente do CRM [Conselho Regional de Medicina de Goiás, o Cremego]. Por que o presidente de uma entidade que representa todos os médicos toma uma atitude dessas senão por um acordo? Porque, em contrapartida, os médicos da Unimed não têm inadimplência, porque ela paga o CRM para todos, sob o pretexto de que é a única coisa que o profissional precisa para trabalhar.
Rodrigo Hirose – O sr., portanto, vai diminuiu o número de diretorias?
Sim.
Euler de França Belém – E quanto isso significa de economia?
O problema não é esse. Não é isso que importa. A empresa fatura em torno de R$ 2 bilhões. Um diretor ganha R$ 36 mil brutos, ou R$ 432 mil por ano. Cada um custa 0,02% do faturamento. Se tirar cinco, representam 0,1% do faturamento por ano.
Não é isso. Mas é o exemplo. As modernas Unimeds – como Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza – têm uma agilidade maior.
Euler de França Belém – A rede própria da Unimed custa caro?
Ela é cara e custosa, mas necessária em alguns pontos. Na vacinação, por exemplo, a margem [de lucro] é muito baixa. Mas por que ela oferece a vacina a R$ 60 e não a R$ 80, como uma clínica oferece? Porque o paciente é minha responsabilidade, se pegar uma gripe ou uma pneumonia, vai custar muito mais que os R$ 60 da vacina.
Euler de França Belém – No Brasil sempre se fala em caixa-preta. Recentemente, alguns médicos denunciaram um suposto esquema com o Ingoh, em que haveria pagamentos indevidos mesmo passando pela auditoria. Na Unimed tem caixa-preta? Ela vai ser aberta?
Não sei se tem [caixa-preta]. Participo da diretoria e sei que há um processo judicial público em andamento, movido por um grupo de cooperados. Acompanhei isso desde a entrada até o momento em que o processo administrativo foi finalizado e o judicial continuou. Não tomei pé de tudo, mas essa é uma prioridade minha.
Se tem caixa-preta, sinceramente, do fundo do coração, eu não sei. Se tiver, fiz o compromisso com os cooperados e todas serão abertas.
Euler de França Belém – Mas havia favorecimento ao Ingoh?
Administrativamente foi mostrado que não havia, que houve um erro operacional, [que foi] corrigido e levado à normalidade. O resultado do processo administrativo foi de que houve um erro operacional sem prejuízo para nenhuma das partes e que foi reparado.
Isso não responde o processo judicial. Ele está em andamento e até onde sei está suspenso por determinação judicial.
Rodrigo Hirose – Houve mudança no corpo técnico na equipe responsável devido a esse erro operacional?
Houve, lógico. Quem comete um erro operacional é demitido por justa causa. Não é como quebrar um copo. Quem comete um erro desse tamanho é julgado e afastado de suas funções. Segundo o processo administrativo, não foi algo doloso.

Rodrigo Hirose – Há algum plano para diminuir a possibilidade de que erros operacionais semelhantes se repitam?
A área que cuida disso é a Diretoria de Auditoria, que é dividida em duas. Atualmente a análise das contas de cada paciente é feita por um profissional treinado, um médico ou um enfermeiro. Ele avalia o diagnóstico, o que foi ministrado ao paciente, o tempo em que ele ficou no atendimento. Esse processo não é feito da forma ideal.
O que ocorreu no Ingoh é que ele estava sendo pago de forma errada, a mais que todos os outros. Administrativamente não se encontrou dolo, juridicamente ainda está sendo discutido.
Para acabar com isso, vamos adotar a Inteligência Artificial. Ela vai analisar tudo digitalmente, tudo trafegando online. O robô analisa padrões e aponta o que sai desses padrões. Essa informação chegará ao auditor, que pode confirmar a glosa. Se houver dúvida, ele entra em contato com o profissional para tirar dúvidas e depois disso aprova ou nega o pagamento.
Porém, todo sistema, robô ou Inteligência Artificial tem um humano por trás, fazendo a programação. Nossa programação será rígida, feita de forma transparente. Vamos colocar o portal da Transparência no Portal da Unimed até o fim do ano. Será possível saber quanto ganha cada um, quantos profissionais existem, qual a política de patrocínio cultural.
Rodrigo Hirose – O beneficiário terá acesso a essas informações?
Algumas, sim. Hoje é pública a informação sobre quanto ganha o presidente do STF [Supremo Tribunal Federal]? Se for, a nossa será também.
Euler de França Belém – A Unimed tinha uma dívida grande com a Prefeitura de Goiânia. Ela foi equacionada?
Totalmente. E não foi porque o Paulo Garcia [ex-prefeito de Goiânia] foi presidente da Unimed. Havia uma questão sobre o pagamento do ISS sobre uma base real ou uma base ampliada, não só em Goiânia, como em várias partes do Brasil, que foi resolvida por meio de decisão judicial – inicialmente em Campinas, o que gerou jurisprudência. Atualmente, o ISS está em dia.
Euler de França Belém – O que o sr. pretende para melhorar a situação do usuário?
Quem compra a Unimed, no íntimo está comprando atendimento de qualidade. O que isso quer dizer? Ter uma estrutura de profissionais, uma boa estrutura física, medicação, um stent, se precisar.

O beneficiário é o patrão do cooperado. A partir do momento que o profissional sente que está trabalhando num lugar legal e está sendo bem remunerado, vai atender melhor, com mais simpatia.
É possível diminuir o custo da assistência (hospital, clínicas, exames, medicamentos, cirurgias, etc) e da máquina [administrativa], o que não pode é mexer na parte do médico, que representa 22% do que é pago pelo usuário.
Existe também o fornecimento de órteses e próteses. É possível fazer algo aqui. Um jogo de prótese para fazer uma hérnia de disco na coluna custa R$ 60 mil.
Temos o chamado conselho de especialidades, com representantes eleitos de cada especialidade. O conselho de administração vai sentar com eles e discutir alternativas para melhorar a remuneração. Um dos caminhos é diminuir o custo com as próteses é órteses.
Rodrigo Hirose – Como é possível diminuir esse custo?
Acertar com os especialistas a troca de fornecedor ou marca. Se os especialistas acreditarem nisso e aceitarem um prazo de seis meses para fazer o teste, com perspectiva de melhora de remuneração em três meses, vamos fechar nisso. Além de tirar o desperdício.
Euler de França Belém – A Unimed tem um trabalho preventivo com pacientes com diabetes, hipertensão, colesterol alto, obesidade e outras situações. O sr. pretende ampliar esse trabalho, já que a informação é fundamental para uma vida saudável?
A Unimed tem uma área chamada “Sinta-se bem”. Ela é multidisciplinar e conta com psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, médicos de família, Unidomiciliar, e busca ativa.
Lógico que tudo isso tem de ser científico. Quais são os problemas que mais matam? Doenças cardiovasculares. Os maiores fatores de risco para um AVC [Acidente Vascular Cerebral] ou um infarto são a hipertensão, a diabetes, a obesidade e outros, que são coadjuvantes.
Dá e vamos ampliar [o trabalho preventivo]. Como exemplo, temos um programa que começou com 100 idosos, que é o grupo que mais gasta, e hoje temos mais de 3 mil. Os idosos recebem ligações, o atendente checa se ele está tomando os cuidados, tomando os medicamentos de forma correta. Tudo com respeito à privacidade do paciente.
Em relação à diabetes, estamos usando Inteligência Artificial. É um programa de um professor da UFG [Universidade Federal de Goiás] que analisa a base de dados dos 344 mil beneficiários, sem nomes – para preservar a privacidade –, e dá a previsibilidade de quem entre eles pode vir a desenvolver diabetes. Assim, faz-se uma busca ativa para incluí-lo em um grupo de prevenção. Hoje temos grupos de gestantes, de obesos, que chegam por meio da indicação do médico assistente. Hoje não temos vagas para novas gestantes.
O que propomos para o futuro é o uso de wearables (como relógios e pulseiras inteligentes) que dão os dados de frequência cardíaca, pressão arterial, glicose etc. O beneficiário que aderir pode, por exemplo, ganhar pontos [para obter descontos em compras] na Amazon.
Rodrigo Hirose – O sr. vai introduzir essa tecnologia na Unimed Goiânia?
Claro. Mas, antes, tenho de ter uma central robusta. Nosso grande desafio que enfrentaremos nesses quatro anos de mandato é ampliar o uso de tecnologia. A Unimed tem 18 sistemas. Não podemos passar de três ou quatro.
É um investimento extremamente alto, mas há retorno. Ao invés de o paciente estar todo dia no pronto-socorro, as informações estarão todas nesses equipamentos e a Unimed pode enviar um alerta para ele.
Rodrigo Hirose – Alguns médicos se queixam da remuneração. Como ela está hoje para os cooperados na Unimed?
A Unimed paga R$ 100 por consulta. No particular, a média é de R$ 400 e, no SUS, R$ 12. Não é possível comparar entre eles. A comparação tem de ser feita dentro do mercado de saúde suplementar. Existem pouquíssimas Unimeds que pagam acima de R$ 100.
Nos anos 1990, 50% do arrecadado pela Unimed Goiânia iam para o médico. Hoje, são 22%. Muito por culpa dos próprios médicos, que estão criando meios de ganhar de outras maneiras. Ainda assim, a Unimed Goiânia paga mais que o Ipasgo, que a Hapvida e a Amil, mas pagamos menos que um seguro saúde.
Euler de França Belém – Procede que há médicos que cobram uma taxa extra dos clientes?
Já recebemos algumas denúncias. Sempre que isso ocorre, temos dois diretores que cuidam dessa situação. Não sei nem se é ilegal, mas não é ético. Se resolvi atender por um plano, seja qual for, não posso cobrar.
Rodrigo Hirose – O mercado de seguro já é um concorrente significativo para os planos de saúde?
Ainda não. A diferença entre eles é que o plano de saúde é um pré-pagamento e tem uma rede de hospitais e médicos. O seguro não pode ter rede própria, ele compra os serviços dos hospitais.
A Agência Nacional de Saúde é que regula os planos. Os seguros têm um pezinho na ANS, mas quem os regula é a Susep [Superintendência de Seguros Privados]. É um produto, como todo seguro, que prevê reembolso e fala em prêmio.
Os seguros estão crescendo ultimamente porque os planos estão sendo muito achatados pela ANS. Ninguém está satisfeito. Quem paga acha que caro e não está tendo o atendimento que quer. O hospital acha que não está sendo bem remunerado – e não está mesmo.
E o médico, que está no meio disso, também não está satisfeito em receber R$ 100. Aí começa a atender muita gente, a produzir exames – às vezes para receber vantagens indevidas.

Rodrigo Hirose – Por que o beneficiário não tem acesso tão farto a especialidades como psiquiatria e pediatria pelo plano de saúde? A remuneração não é boa o suficiente? A nova gestão tem alguma política para melhorá-la?
Na psiquiatria, geriatria, endocrinologia e pediatria a dinâmica da consulta é diferente do que ocorre na dermatologia, oftalmologia, ortopedia e outras especialidades, por exemplo. Enquanto alguns especialistas atendem três pacientes por hora, outros atendem dez. Como o mercado é regido por planos e seguros de saúde, as pessoas querem fazer o que vai sustentá-las. A pediatria, em vários lugares, teve mais vagas para residência que candidatos.
Na pediatria, por exemplo, fazemos o PPG [Procedimentos Pediátricos], que é a puericultura. Assim, ao invés de pagar só após os 21 dias, são pagos vários retornos. Isso pode ser feito com os outros especialistas. O psiquiatra não pode passar uma hora com o paciente no consultório e receber R$ 100.
Por isso vamos ouvir as sugestões dos representantes de cada especialidade, discutir valores estudar com os técnicos para encontrar uma solução.
Rodrigo Hirose – Muita gente reclama que, ao tentar marcar uma consulta pelo plano de saúde, o agendamento é para vários dias depois. No caso de consulta particular, consegue marcar com o mesmo profissional quase que imediatamente. Os médicos podem estipular cotas para atendimento a pacientes com plano de saúde?
Não. O médico é um profissional liberal. Ao cooperar, ele estipula o horário que vai atender pela Unimed. Nesse horário ele não pode priorizar o particular em detrimento do plano. Isso é uma questão mais ética. O que o estatuto estipula é que não pode haver diferenciação de tratamento nem cobrança extra do paciente que tem Unimed. A regra é clara.
Quando as pessoas são denunciadas, são ouvidas. Se não houver interesse em atender pela Unimed, dentro dos critérios, ela deve deixar.

Rodrigo Hirose – Existem planos para ampliar a rede própria de atendimento?
Nesse momento, nenhum. Temos dois laboratórios para inaugurar, uma na Avenida Milão, outro no Setor Marista. Temos o Centro de Diagnóstico.
O que vamos fazer é avaliar o custo, a eficiência e a viabilidade de todos esses serviços. Em 100 dias temos de ter esse diagnóstico, se não forem viáveis, não podemos continuar sangrando. Por quanto tempo vamos tratar um pé gangrenado? Se em dois ou três dias não tiver resolvido, tem de ser amputado, senão ele te mata. É melhor ficar com só um pé e usar uma prótese do que morrer.
Não sabemos da realidade [da Unimed].
Euler de França Belém – O Dráuzio Varella [médico oncologista e escritor] foi à Amazônia e pegou febre amarela. Perguntado o motivo, ele disse que é porque os médicos são pacientes difíceis. Os médicos são mesmo pacientes difíceis?
O conhecimento nos leva a achar que estamos acima de algumas coisas. Os médicos acham que estão imunes, que sabem tudo. Talvez seja prepotência. Mas a maior explicação, com a experiência de 33 anos de formado, é que somos humanos. Não somos médicos o tempo todo. Fumamos, engordamos, esquecemos de nos proteger adequadamente do frio e da chuva.
Euler de França Belém – Seria importante a Prefeitura de Goiânia ter um hospital municipal?
Tem de ser feito um estudo de viabilidade muito grande. O custo maior é o de manutenção. Existe uma rede grande [de hospitais em Goiânia]. Enquanto a Unimed tem 344 mil pessoas para atender, o IMAS [Instituto Municipal de Assistência Social] deve ter algo entre 50 mil a 80 mil pessoas. Muito melhor é fazer um bom acordo com os hospitais existentes.
Euler de França Belém – Qual será o impacto do novo Hospital das Clínicas da UFG em Goiânia?
O impacto será total. Os médicos e enfermeiras vão trabalhar felizes, em um lugar novo e bonito, com todas as ferramentas para tratar os pacientes. E o paciente se sentirá bem. Dei aula no Hospital das Clínicas de 1991 até 2016, como professor convidado e concursado. Também me formei lá.
A nova estrutura é de excelência. Vai agregar demais à cidade e à universidade, em termos de produção científica e de ter um lugar para internar as pessoas. A vida da cidade vai ser muito influenciada positivamente com esses 600 leitos. Não tenho dúvida alguma.

Euler de França Belém – Como o sr. avalia o trabalho das Organizações Sociais nos hospitais do Estado? O custo-benefício é bom?
Existem alguns maus necessários. O que nós produzimos vai para o governo, que tem de trazer de volta saúde, educação, segurança etc. Às vezes os governos têm boas intenções e tem bons técnicos. Mas são tantas facetas na gestão de um grande hospital, como o Hugo e o Hugol, que são geridos por Organizações Sociais, que acaba havendo um desperdício muito grande e uma gestão que não tem a qualidade necessária.
Não só por desqualificação, mas por tantos vieses, sejam políticos, operacionais ou de processos. A gestão governamental tem de abrir licitação para comprar um esparadrapo. Caso o hospital perca cinco funcionários, é preciso de um concurso para substituí-los.
Quando há uma organização social, teoricamente se eliminam esses vieses. A organização coloca em contrato o número de contratações, as metas de atendimento e outras questões. O grande erro das OS está nessa assinatura. Se for uma coisa justa para o governo, para a OS e para a população, não há problema [no modelo].
Euler de França Belém – O SUS [Sistema Único de Saúde] é uma experiência bem sucedida, apesar de muitas críticas. Mas é preciso melhorar. Como fazer isso? É uma questão de gestão?
Sim. Gestão, gestão, gestão. Não diria que o SUS é uma experiência bem sucedida, de sucesso. Ele é perfeitamente concebido. Não há sistema mais bonito, justo e pronto para o sucesso do que o SUS, que mistura os sistemas canadense, britânico e várias experiências.
O cerne é a distribuição de várias UBS [Unidades Básicas de Saúde], o paciente não chega com febre no Hugo pedindo atendimento. O SUS conseguiu hierarquizar o atendimento. Mas onde falta a gestão? É muito mais fácil ter a autorização para uma cirurgia cardíaca que uma para varizes, que pode provocar uma embolia. E não é pela gravidade. É que o alto custo funciona muito bem, mas o baixo custo nem tanto.
Gestão é ter agilidade, ter os recursos alocados onde deve ser, ter o melhor custo eficiência.