Os atos a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reforçaram as divergências politicas no Brasil e expõe leituras antagônicas sobre o simbolismo das manifestações

A data de 7 de setembro,  em sua essência, é um feriado nacional em comemoração à independência do Brasil do Império de Portugal no ano de 1822. Entretanto, a data foi usada para atos de manifestação pró-governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Essa foi a última demonstração de como o Brasil está dividido e como os brasileiros estão divergentes quanto aos caminhos adotados pelo presidente. O tensionamento entre Executivo e Judiciário é o motivo que levou os bolsonaristas às ruas em favor de atos considerados antidemocráticos. Mas quem se posiciona do outro lado é taxado de estar atuando contra a liberdade, que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são acusados de obstar.

O Jornal Opção falou com dois renomados analistas políticos que possuem visões divergentes sobre os atos de 7 de setembro. Antropólogo, com formação pela antiga União Soviética, o cientista político e professor da PUC-GO, Wilson Ferreira da Cunha, avalia que as manifestações foram em favor da liberdade e teve como foco demonstrar aos ministros do STF os limites.

“Estão ignorando que o poder Executivo foi eleito. Foram 57 milhões de votos”

Marcos Aurélio Silva – Qual análise que o senhor consegue fazer após as manifestações de 7 de Setembro e tudo aquilo que ela representou e desencadeou?
Wilson Ferreira – Foram duas manifestações. Uma política, essencialmente. Foi a primeira vez que o povo brasileiro saiu às ruas para estabelecer os conceitos corretos e universais da liberdade e do direito. Principalmente a liberdade de expressão. Não há uma conclusão ainda, mas foi uma grande manifestação. Apesar de que se tem duas informações diferentes, uma diz que a manifestação foi contra a democracia e a outra a favor. Então veja que estamos em uma democracia, cada um tomando um partido para seu lado. Mas foi muito forte, talvez uma das maiores que já ocorreram no país recentemente.

É importante falar do conceito de liberdade, pois é um conceito novo no mundo. A palavra liberdade e democracia vem de uma revolução inglesa, no século XVII, onde se coloca pela primeira vez os conceitos da modernidade, que introduz uma nova relação política entre as pessoas e entre os países. Essa revolução trouxe em seu bojo o instituto do habeas corpus. Antes os corpos pertenciam aos senhores donos dos escravos e servos.  Então se teve talvez a mais importante revolução na história da humanidade que é introduzir esse conceito de que o corpo é seu.

Por aí é que nasce o indivíduo livre, é aí que ele começa a participar também do poder. É a isso que temos que recorrer quando se fala em independência, cidadania, direito e democracia. A gente tem que entender que esses direitos são universais. Quando se trata de celebrar a independência do Brasil temos que recorrer à história e como isso se deu, porque o país era património de Portugal. Se passarmos séculos adiante até a era petista de Lula e Dilma, você verá que esse patrimonialismo passou a ter um prefixo, que se antes era de Portugal, a partido do governo lulopetista, passou a ser neopatrimonialismo, ou seja, aquela noção de quem ganha a eleição passa a ser dono do País. 

O porquê dessas reivindicações e palavras que são pronunciadas de todos os lados. Ninguém é contra a liberdade, contra a democracia ou contra o progresso. Para não ter uma posição de opinião e sim de interpretação e reflexão sobre o 7 de Setembro, eu acho que devemos entender esses conceitos.

Marcos Aurélio Silva – Mas o movimento foi encarado por todos, inclusive apoiadores do governo, como um passo rumo à ruptura institucional. O senhor não vê desta forma?
Wilson Ferreira – A gente tem que colocar a eleição do Bolsonaro nesta avaliação. A partir do momento que ele toma posse, há uma constante birra a respeito da gestão Bolsonaro e aí se une praticamente toda grande imprensa tradicional e histórica com tendências de desagradar e não apoiar em nenhum momento esse governo. Isso é bem visível. Apenas as redes sociais que dão esse espaço. 

Isso tudo é respaldado por dois poderes. O poder no Brasil foi dividido em três partes com propósito de serem independentes e harmônicos. Dividiu os poderes, foi exatamente a noção Montesquieu (filósofo, político e escritor francês Charles-Louis de Secondat (1689-1755), para impedir que um poder vá invadir o campo, a prerrogativa e atribuição de outro poder. Foi para criar um freio e contrapesos para que não haja abuso de poder de um sobre o outro.

Todas essas interferências prejudicam a estabilidade política e jurídica do Brasil

Então se ler a Constituição brasileira esses poderes estão separados independente e em harmonia de interesses públicos. Só que o Brasil atual, principalmente nestes últimos meses, o poder judiciário está se arvorando como se fosse poder único.

Marcos Aurélio Silva – Na sua percepção o STF tem atuado fora de seus limites e interferindo nos demais poderes?
Wilson Ferreira – Parece que não se precisaria de eleição. O Judiciário poderia administrar o Brasil, ou seja, se entrega todo o poder para o Judiciário. Dentro da Constituição está escrito essa independência, mas existe entre os três poderes atuais um conluio apenas entre entre Judiciário e Legislativo. 

Veja como o Brasil não é para principiante ou amador. O Brasil é para profissional. Há uma barafunda surrealista para entender direito o Brasil.

Há uma propaganda forte que o único poder sagrado, com onipotência e onipresença é o Judiciário, apoiado pela mídia. Tanto que a mídia, se você pegar a TV Globo e a Record TV, como exemplo, as frases são que as manifestações de 7 de Setembro foram contra a democracia. Praticamente antidemocrático. 

Porque foi uma manifestação antidemocrática? Quais são os requisitos antidemocráticos que a manifestação colocou? Foi para retirar a influência do Judiciário dentro do Legislativo. Na Constituição há artigos que dizem sobre essa exagerada interferência de um poder sobre o outro, neste momento, em especial o poder Judiciário. 

Essa tensão criada não foi por acaso. Se pegar as interferências que o Judiciário está querendo e impondo decisões ao Executivo. São quase 200 ações que pertencem apenas ao Executivo, mas que houve interferências. Por isso eu disse que 7 de Setembro teve duas manifestações: uma política pró-Bolsonaro e outra que é a celebração da data. A independência não é só a nível de brasileiro, mas entre os poderes. Em qualquer país civilizado e com alto poder isso já teria se resolvido.

A nossa Constituição prevê até o pedido de demissão de ministros do STF. Se fala muito em seguir a Constituição, mas há a leitura do Bolsonaro e outra do Judiciário, junto com parte significativa do Congresso Nacional. 

Todas essas interferências prejudicam a estabilidade política e jurídica do Brasil. Agora a culpa é de quem? Tem que ir na prática. Estão pressionando, exagerando e exacerbando. Esse é o poder Judiciário interferindo no Executivo. 

Dessa forma não precisaria de eleição ou de voto. Bastaria entregar o governo para esses Talibãs brasileiros que se consideram únicos e dirigentes capazes de levar o país a frente. E isso não é verdade. Veja , por exemplo, o voto impresso, não era nada mais do que uma atualização técnica da urna eletrônica. Era como se fosse um comprovante, parecido com o ticket que se tem quando se paga algo com cartão de crédito. Seria uma coisa simples, mas o Judiciário, foi até o Congresso e praticamente nomeou a comissão de pré-julgamento do voto impresso como se cada político brasileiro estivesse indicando fraudes. Não era isso.

Tudo isso deu margem para as manifestações de 7 de Setembro, que foram feitas pelo Bolsonaro do jeito dele, com garra dele, que não quer agradar ninguém e tem um apoio forte, demonstrado. Muitas famílias foram na manifestação reivindicando por parte da população defendendo o governo. Uma grande parte ficou em casa também, mas não quer dizer que não estão apoiando Bolsonaro.

Marcos Aurélio Silva – O que se pode ser o próximo passo tanto de Bolsonaro quanto dos outros poderes que estão tensionados?
Wilson Ferreira – Tem uma incógnita. Bolsonaro falou publicamente que iria convocar o Conselho da República, para tomar medidas que não são inconstitucionais, mas que estão dentro dos artigos da Constituição. A gente tem que esperar o que pode ocorrer. 

Estão ignorando que o poder Executivo foi eleito. Foram 57 milhões de votos. Garanto que se não tivesse mensalão e petrolão, e fosse Lula que tivesse reivindicando essas ações, parte da imprensa estaria apoiando. Isso é a demonstração de como o Brasil é. Esse é o caráter antropológico, atávico e histórico do brasileiro. Quer dizer, não dá para confiar. 

“Foram atos golpistas como nunca ocorreram no Brasil, pois foram patrocinados por um presidente”

Já o historiador, professor, escritor e comentarista político brasileiro, Marco Antônio Villa, viu nos atos de 7 de Setembro ações antidemocráticas que acabaram por isolar ainda mais Jair Bolsonaro. Villa aponta que os discursos inflados terão reflexos para as eleições de 2022, e que o presidente pode não concluir o seu mandato.

Marcos Aurélio Silva – As manifestações deste 7 de Setembro marcam um ponto de inflexão na história do país?
Marco Antônio Villa – Sim. Eu acho que é um ponto de não retorno. Ele extrapolou mais do que já havia feito ao longo de quase dois anos e 9 meses de mandato. Ele chegou ao ponto que muitos não acreditavam que ele fosse chegar. Ou seja, ele atacou diretamente a Constituição, o sistema eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atacou diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e pessoalmente dois ministros, sendo um deles nominalmente que é o ministro Alexandre de Moraes. E mais, houve ameaça de morte contra o ministro Alexandre de Moraes. E o ápice do ápice é incentivar o descumprimento de decisões judiciais. 

Isso é inacreditável e inaceitável. Agora os poderes constituídos precisam responder. Então vamos ver como fica isso. O discurso do presidente da Câmara foi pífio. Aquilo não foi resposta. Ele não disse nada de concreto. Ele apenas transferiu o problema para as eleições de 2022. Mas o Brasil não aguenta o Bolsonaro até outubro do ano que vem. Até lá vai estar com a economia destruída, com sociedade destruída, tensionada, um Brasil isolado, sem recursos, desemprego, enfim, o caos. 

Eu creio que os setores responsáveis pela política brasileira, depois do triste espetáculo do 7 de Setembro, vão reagir e o caminho é um só. Termina com um processo de impeachment e aí vamos aguardar. Tem o caminho de crime de responsabilidade e de crime penal comum. São caminhos diferentes, mas que passam necessariamente pela Câmara. 

Há também a possibilidade da renúncia. É provável que em um acirramento de uma ação político/jurídica em relação ao presidente ele renuncie para manter seus direitos políticos para as eleições do ano que vem. Mas também acho difícil ele ser candidato, porque creio que até lá o TSE deve negar o registro da candidatura em razão dos crimes que ele cometeu no exercício da atividade pública.

Marcos Aurélio Silva – Politicamente, Bolsonaro vai se isolando cada vez mais. O senhor considera que quanto mais acuado, mais grave podem tornar suas investidas contra as instituições?
Marco Antônio Villa – É uma estratégia do caos. E ele desenha essa estratégia. Isso me parece inegável. Ele sempre dá dois passos à frente e recua um. Quer dizer, ele sempre avança.

Mas pelo que vimos nas manifestações em 7 de Setembro tem alguns sinais positivos. São eles: As Polícias Militares se comportaram; As forças armadas se mantiveram em padrão legal; Os grupos paramilitares tiveram receio de usar armas que eles tinham porque compraram recentemente; Os policiamentos realizados foram muito eficazes, especialmente em São Paulo e Brasília, e assim evitou ataques a prédios públicos.

Estes são sinais bastante positivos e importantes que sinalizam para o presidente os limites. Por outro lado, é um fracasso de mobilização. Tinha bastante gente, é inegável, mas muito menos do que os organizadores imaginavam. 

É interessante que houve um engajamento tímido. Observando algumas imagens que foi curioso ver algumas pessoas a cerca de 30 metros de onde o presidente falava, mas estavam de costas para ele e conversando enquanto ele discursava.

Marcos Aurélio Silva – E qual avaliação que o senhor faz em relação aos reflexos que as manifestações terão para o Brasil?
Marco Antônio Villa – Trágico para a democracia Brasileira. Foram atos golpistas como nunca ocorreu na história brasileira, pois foi patrocinada por um presidente da República, com a presença de ministros de estado, com presença de deputados e senadores. Portanto, com recursos públicos para organização deste atos.

É lamentável e um triste momento para a história do Brasil. Lamentavelmente no aniversário da independência, que não foi em momento algum nomeada por ele. O que mostra que é medíocre, que tem vocabulário restrito, que tem problemas cognitivos e que não consegue – ainda bem –  associar o seu golpismo com momentos da história do Brasil. Ele poderia buscar alguma legitimidade histórica no golpismo, mas assim não o fez. 

Mas acho que as respostas têm sido muito boas. Ouvi o ministro Luiz Fux que foi excelente em sua posição. O procurador Geral da República, Augusto Aras, foi mais ou menos, mas o presidente da Câmara ainda continua querendo conciliar com Bolsonaro. Não vai ter jeito. Porque a contradição é antagônica.

Não há mais caminho de retorno. O caminho é “fora Bolsonaro”. De que forma? Só o tempo vai dizer. Presumo que a gente tem que resolver o problema, pois não é possível, o Brasil não suporta o Bolsonaro na presidência, imagina em um processo eleitoral que ele já diz que é fraudulento. Como ele vai participar de um processo que ele chama de fraudulento. A solução tem que ser este ano. Não tem mais condições de conciliação. Nem o doutor Pangloss (personagem do romance Cândido, de Voltaire, definido pelo exagero de otimismo) se existisse no Brasil acreditaria no Bolsonaro. Não é possível conciliar Constituição, democracia e Bolsonaro. Não dá!

Marcos Aurélio Silva – Professor, como fica a imagem do País entre a comunidade internacional?
Marco Antônio Villa – A imagem fica péssima. Já era ruim. Por exemplo, em razão da insegurança política que afasta investidores internacionais. Quem é que vai pensar em investir em um país em que o presidente vai a locais públicos na maior cidade do país e na capital federal para atacar instituições chamando ministro do STF de canalha? Não tem condições. 

É uma situação que chegou ao ponto de que tem que solucionar a crise política. Nesta tensão toda não estamos discutindo solução para crise econômica que o Brasil vive. É uma crise construída pela perspectiva dele, Bolsonaro. E assim o Brasil segue isolado. O sinal é a bolsa de valores e desvalorização do real. 

Marcos Aurélio Silva – O senhor consegue ter alguma perspectiva para o país em 2022?
Marco Antônio Villa – Não podemos saber nem o que vai acontecer na semana que vem. Desenhar um cenário para 2022 é um exercício de futurologia impossível de ser feito. A minha leitura é de que ele não termina o mandato constitucional. A questão de Bolsonaro precisa ser resolvida o  mais rápido possível para depois se desenhar a questão eleitoral para o ano que vem. 

Acho que o Congresso tem feito seu trabalho. Há discordâncias, mas tudo dentro da normalidade. A CPI tem feito um brilhante trabalho. Os membros da CPI tem trabalhado bem e desvendando esquemas. 

A questão que se coloca é que esse Congresso é fruto de uma eleição atípica de 2018, e que dificilmente se repetirá. Em 2022 teremos outro processo eleitoral distinto do último. Creio que será muito diferente.