Coordenadora do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana alerta para a importância de cuidar da água subterrânea e dos mananciais

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

A professora Celene Cu­nha Monteiro encabeça um trabalho que pode ser considerado um divisor de águas da relação da Universidade Federal de Goiás com a cidade: ela coordena a equipe que elabora o Plano de Desen­volvimento Integrado da Região Metropolitana de Goiânia (PDI-RMG), em um contrato firmado com o governo estadual por meio da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Ci­dades e Assuntos Metropoli­ta­nos (Secima), pasta que tem o ex-de­putado Vilmar Rocha no comando.

Alguns dos principais pesquisadores do Estado estão envolvidos em diagnósticos e prognósticos sobre Goiânia e mais 19 municípios. É a adequação da região metropolitana ao Estatuto da Metrópole, lei pela qual o ordenamento passa por uma governança interfederativa com centro no Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana (Codeme­tro), de modo com que as 20 prefeituras tenham de fechar acordos, com perdas e ganhos. Uma situação de negociação que é e será por vezes muito tensa, mas necessária.

Docente do Instituto de Estu­dos Socioambientais (Iesa) da UFG, Celene vê na experiência uma forma de a universidade mostrar a cara e exercer seu papel técnico de forma expressiva. “Estamos formando alunos, formando opinião, exercendo na plenitude nossa função de ensino, pesquisa e extensão”, ressalta. Na prática, além de traçar um quadro preciso das potencialidades e fragilidades da região metropolitana — inclusive com uso de mapas georreferenciados na escala de 1:10000, com muita precisão —, o envolvimento está capacitando servidores das próprias prefeituras, por meio de um curso de Especialização em Planejamento e Gestão Urba­na. Serão 43 alunos que estarão aptos a ajudar seus municípios na nova fase da convivência em uma metrópole.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, a professora deixa bem claro que uma das principais constatações dos estudos para a elaboração do documento é a preservação da região norte da área metropolitana. “É de onde vem a água de todos nós. A boa notícia é que ainda temos como fazer o que deve ser feito”, diz.

Marcelo Mariano — Nem todo mundo que ouça falar do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Goiânia (PDI-RMG) sabe do que se trata. A sra. pode explicar brevemente em que ele consiste?
As grandes regiões metropolitanas do País têm uma dinâmica com certas características — migração bastante forte, diversificação econômica etc. Desde 2003, com o Estatuto da Cidade, quando se instituiu a obrigatoriedade dos planos diretores, se pensam políticas para essas regiões, mas nada se fez por elas. E daquele ano para cá houve uma explosão populacional nas áreas metropolitanas e hoje mais de 50% dos brasileiros vivem nelas. É um problema para o qual não houve um olhar com o devido cuidado.

Nesse ínterim, tramitou no Congresso o Estatuto da Metrópole, que foi sancionado em 2015. É uma lei que complementa o Estatuto da Cidade e a Constituição no que se refere às regiões metropolitanas. Em Goiás, o projeto começou a ser negociado, entre a Funape [Fundação de Apoio à Pesquisa, da UFG] e a Secima, ainda em 2014, o que fez com que nosso processo pudesse ser adiantado quando saiu o Estatuto da Metrópole. Houve algumas mudanças e, quando a Secima foi criada, de fato conseguimos viabilizar o projeto, que foi iniciado efetivamente em agosto do ano passado.

Quando falamos em região metropolitana, para o entendimento da população, isso tem a ver com um esforço para que esses 20 municípios comecem a pensar e agir de forma articulada sobre esse território, de modo a trazer uma melhoria da qualidade de toda a população concentrada nele, que habita essa região. Percebemos, por exemplo, que Caldazinha — um município pequeno, que fica bem isolado, por ter apenas uma rodovia que chega lá — tem uma população ativa que, na maioria, trabalha em Goiânia ou Aparecida. Isso é uma realidade do município e seu prefeito [Edimon Borges, do PDT] confidencia que está ansioso por uma solução, porque não é o ideal para uma cidade que metade da população tenha de se deslocar para trabalhar. Trabalhar de forma articulada essa dinâmica metropolitana é o desafio desse projeto.

Goiânia, particularmente, diminuiu o ritmo de seu crescimento populacional; nos últimos anos, quem cresce são os municípios de seu entorno, também pelo processo de migração. A população de Goiás, em sua maioria, nos dados que a gente tem, é formada por migrantes de outros Estados.

Elder Dias — Quer dizer, nascem muito menos goianos do que vêm migrantes de outros Estados.
Exatamente.

Augusto Diniz — E essas cidades do entorno de Goiânia acabam se tornando cidades-dormitório?
Exatamente.

Elder Dias — O PDI-RMG abrange 20 municípios, cada qual com seus interesses específicos e sua posição político-partidária e querendo puxar para seu lado. De que modo isso afeta a parte técnica do trabalho, que a sra. comanda?
Na verdade, como nossa entrada nos municípios se dá com o nome da UFG, a resistência se torna muito menor em nosso trabalho. Até o momento posso dizer que essas questões não interferiram nos diagnósticos nem nas pesquisas realizadas. A leitura que percebemos nos técnicos dos municípios e na comunidade em geral — já fizemos 19 oficinas, cada uma em um município diferente da região — é de que depositam nessa equipe do PDI uma grande confiança. Essas pessoas dividem conosco suas angústias, suas idiossincrasias, seus problemas. Posso dizer que, do início dos trabalhos até agora, não houve interferência na parte técnica.

Cezar Santos — Em que fase estão esses trabalhos?
Finalizamos a elaboração dos diagnósticos e começamos agora a fase dos prognósticos. O processo todo vai gerar uma minuta de lei que seguirá para a Assembleia Legislativa para aprovação dos deputados. Até agora, temos tido tranquilidade. Para nós, tem servido como projeto de pesquisa, de ensino e de extensão. Importante dizer que, no projeto do plano, há um curso de especialização em Planejamento e Gestão Urbana para os servidores técnicos efetivos das prefeituras.

Cezar Santos — Então, os servidores dos municípios estão se capacitando desde o início do processo?
Exatamente. O curso começou simultaneamente aos trabalhos do PDI e agora estão na fase de conclusão dos artigos de final de curso. A maioria dos alunos está escrevendo sobre seu próprio município. Os professores são os próprios pesquisadores envolvidos no projeto.

Elder Dias — E a adesão dos servidores foi boa?
Foi feito um chamamento pela Secima às prefeituras para que elas indicassem técnicos para participação no curso. Todos são efetivos, de carreira, e exercem funções próximas à área da pesquisa — planejamento, meio ambiente etc. De toda forma, são técnicos que atuam no município e o conhecem. Foram indicados em torno de 60 nomes e selecionamos 50. Estão concluindo o curso 43 alunos, o que, em termos do que vemos na UFG, é considerado um padrão baixo de evasão.

Elder Dias — Todos os municípios indicaram servidores para participar desse curso?
Alguns — como Inhuma, Hidrolândia e Brazabrantes — ficaram fora, não indicaram.

Elder Dias — E como a sra. percebe o desinteresse desses municípios, alguns deles entre os maiores da região metropolitana?
Pode ser que essa falta de indicação tenha a ver também com a resistência ao envolvimento com o pacto metropolitano.

Elder Dias — Ficou claro que alguns municípios se envolveram muitos mais do que outros?
Com certeza. Estamos percebendo, por exemplo, um envolvimento maciço da capital. De oito a dez alunos são da Prefeitura de Goiânia e também são técnicos envolvidos na revisão do Plano Diretor da cidade. Ou seja, houve uma convergência, um momento rico para eles e para nós. A recomendação de preservação da região norte da capital, que deve ser algo contemplado no próximo plano e já foi até anunciado, já é fruto de nosso diagnóstico, acompanhado por esses alunos.

Euler de França Belém — Quando a sra. fala em “preservação da região norte”, o que isso significa exatamente?
Já temos alguns indicadores, resultantes do diagnóstico, que ressaltam a premência de que sobre toda a região norte — não só de Goiânia, mas de toda o norte da região metropolitana — haja um cuidado extremo com ela do ponto de vista ambiental, dos recursos naturais — água, vegetação nativa etc. É a única opção que temos. Na parte sul da região metropolitana quase não temos mananciais com condições de abastecer as cidades — por isso, o problema de Aparecida é mais grave.

Elder Dias — Em relação a essa preservação, existe algo que já “passou do ponto”?
Esta é a boa notícia: ainda não. Temos um grupo de empresários do Codese [Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Goiânia] que vem acompanhando nosso processo. Acompa­nham e questionam, são sempre muito questionadores. Os resultados dos levantamentos, porém, não deixam dúvida: tem de preservar a região norte. Não é questão de torná-la intocável, mas existem formas de uso e de manejo que devem ser proibidas e outras que podem ser praticadas, desde que de forma equilibrada.

Cezar Santos — Em linhas gerais, quais os principais problemas da região metropolitana diagnosticados pelo trabalho da UFG?
O plano vai legislar sobre atividades públicas de interesse comum entre os municípios da região metropolitana. E o que aparece de imediato como interesse comum? A questão da mobilidade, envolvendo o transporte coletivo; a questão ambiental — envolvendo água, resíduos sólidos e saneamento; e questão da expansão urbana.

Goiânia tem um fator singular: a rede de transporte coletivo articulou, de certa forma, toda essa região. É a única região metropolitana brasileira que tem uma integração nesse modelo, que se inicia em 1984, quando há o primeiro desenho do que seria uma região metropolitana, chamada então ainda de aglomerado urbano em função da rede de transporte coletivo, estrutura montada com financiamentos do governo federal. À medida que essa rede foi se ampliando, também se adensou.

A questão ambiental envolve não apenas a água. Tão grave quanto o problema hídrico é o do resíduo sólido e o do saneamento. Estamos tratando os três elementos conjuntamente. Outro as­pecto sério é o da expansão urbana.

Vemos também que o PDI precisa pensar diretrizes do ponto de vista do desenvolvimento socioeconômico. Não podemos deixar de pensar no caso de cidades como Caldazinha e Goianá­polis, a forma com que esses municípios se inserem na região.

Marcelo Mariano — Dá para dizer se há algum município mais prejudicado que outros na região metropolitana?
Não temos como avaliar. Os municípios mais novos têm carências, porque vêm desmembrados de outros, mais antigos. Por outro lado, eles têm outro tipo de riqueza. Caldazinha, por exemplo, tem um recurso impagável, que é a água do Ribeirão Caldas.

Elder Dias — O Ribeirão Caldas já foi foi cogitado como uma das opções para o abastecimento de Goiânia no futuro.
Sim, é verdade. E outro potencial do município de Caldazinha são as terras agricultáveis de muito boa qualidade. É uma ótima opção para a agroflorestal e a agricultura orgânica visando o mercado de Goiânia. É o local da região metropolitana onde há maior preservação dos recursos naturais, juntamente com Terezópolis de Goiás.

Cezar Santos — Qual é o cronograma?
O diagnóstico já está finalizado e teve audiência pública para comunicá-lo [realizada na Assembleia Le­gislativa, em 18 de outubro]. O que estamos programando agora, para dezembro, é uma audiência pública para os prognósticos e diretrizes do PDI. Ou seja, estamos trabalhando nas propostas. Entre as duas audiências, estamos realizando reuniões técnicas, mais focadas, com especialistas das áreas e representantes dos segmentos envolvidos, nas quais as pessoas já estão fazendo propostas.

Euler de França Belém — É importante que a UFG faça mais contato com o que ocorre fora dela, como vem ocorrendo por meio do PDI. Às vezes, há professores que fazem grandes pesquisas, mas nunca visitaram um bairro vizinho à universidade. A sra. percebe políticos preocupados de verdade com essas questões que não dizem respeito imediato a futuras eleições? Por meio desse trabalho, dá para notar uma consciência crescente dos políticos?
Com o passar do tempo, o trabalho conjunto com a Secima nos municípios mudou a percepção dos políticos. Em um primeiro momento, com o lançamento do plano, a reação imediata deles, na maioria, foi a de que seus municípios iriam perder a autonomia com a efetivação da região metropolitana. Na verdade, o Estatuto da Metrópole criou uma situação nova entre o governo estadual e os municípios, uma gestão metropolitana que pode interferir nos municípios. Então, a leitura que chegou aos políticos de cada cidade era de que a gestão municipal iria acabar, que os planos diretores ficariam sob domínio do Codemetro [Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana] e, em última instância, à Secima, que é o órgão a que hierarquicamente o conselho estaria submetido.

Quando começamos a percorrer a região metropolitana — não só com as oficinas, mas também com as equipes e as pesquisas —, a resistência começou a cair e surgiu a compreensão dos benefícios que poderiam haver para cada localidade. Vou dar o exemplo de Terezópolis de Goiás, um município cuja maior parte do território está dentro da área de proteção ambiental (APA) do reservatório do Ribeirão João Leite. Em um primeiro momento, o município se sentiu ameaçado, porque o núcleo possível de ter novos loteamentos já é muito reduzido por causa da APA. Foi lá uma das melhores oficinas entre as que fizemos. Houve muita participação e as pessoas colocavam sua posição, se queixavam de estarem “espremidos”, de não poder abrir mais loteamentos, de ter eles o ônus da preservação da água. À medida que o processo foi avançando, um fato muito interessante foi observar que o prefeito de Terezópolis [Francisco Alves de Sousa Junior, o Juninho (PSDB)], juntamente com seu secretário de Meio Ambiente, se tornou um dos poucos a acompanhar as oficinas nos demais municípios. Ao fazer isso, foram mudando a percepção.

Marcelo Mariano — E o que pode ser proposto para Terezópolis no PDI?
Uma espécie de compensação ambiental. Terezópolis detém a maior parte da água que Goiânia e toda a região metropolitana precisam. Por conta disso, para preservar esse recurso, o município não terá condições de ter determinadas atividades. Precisa, então, ter um benefício por isso. Cada município pode perder algo, mas também vai ganhar algo. Essa é a ideia.

Elder Dias — O grande problema em relação à água é que ela sempre pareceu para nós um recurso infinito e vemos que não é assim — e vemos isso de forma mais crítica a cada ano. Na verdade, não pagamos pela água, mas pelo tratamento dela — é esse serviço a fonte de receita da Saneago. Para abrir um canal de irrigação, o gasto é apenas com a outorga, com equipamentos e com a mão de obra. A água desviada, no entanto, vem de graça. Com Terezópolis, o que pode ocorrer é que os demais municípios venham realmente a pagar pela água em si?
Vai ter de haver um equilíbrio. Uma das primeiras discussões do Plano Diretor foi sobre a preservação dos mananciais. Ocorre que as nascentes desses mananciais não estão na capital, mas na região metropolitana. É o caso do Rio Meia Ponte, do João Leite ou do Ribeirão das Caldas, nenhum deles surge em Goiânia. Teremos de fazer um grande pacto para dar conta disso, embora alguns municípios resistam ao acordo com a região metropolitana.

Augusto Diniz — Quais são esses municípios?
Inhumas é um deles. Lá têm uma total resistência à região metropolitana.

Augusto Diniz — É uma resistência do prefeito em si ou da comunidade inhumense?
É difícil dizer. Inhumas é um subcentro, um centro dentro da região metropolitana. É uma cidade do agronegócio dentro dessa região metropolitana, tendo a produção de cana de açúcar como o grande negócio do município. Então, pela lei estadual, Inhumas faz parte oficialmente da região metropolitana, mas está alheio a ela. E o Meia Ponta corta boa parte de Inhumas, depois de nascer em Itauçu.

Elder Dias — Fala-se muito da degradação do Meia Ponte a partir de Goiânia e Aparecida. Mas existe problemas com o rio antes de Goiânia? Por exemplo, em Inhumas?
Não há tanta degradação, mas tem um consumo exagerado de água para irrigação das lavouras.

Euler de França Belém — Em Itauçu o Meia Ponte não sofre com a degradação e a poluição?
Não tem, lá o rio está limpo.

Elder Dias — Qual é o problema em Inhumas?
O uso da água do rio para irrigação. Notaram como o volume do Meia Ponte se regularizou? Por que isso ocorreu? Foi porque choveu? Não só por isso, mas porque pararam de tirar água do rio, não há necessidade de irrigar agora. Só que há outro dado que percebemos, mas o qual ainda não conseguimos dimensionar: o uso da água dos poços artesianos profundos. É um problema da região metropolitana como um todo.

Elder Dias — A informação que tenho é de que muitos moradores de condomínios fechados vêm usando água de poço artesiano, alguns de forma desregrada.
Água de poço artesiano é circunstancial, não é suficiente para o abastecimento, embora a Saneago utilize esse recurso, com vários poços na região. É um problema que temos de investigar e enfrentar o mais rapidamente possível. Também por tudo isso, é estratégico o posicionamento de preservação da região norte. Os próprios empresário estão entendendo essa necessidade. O próprio representante do Codese, na reunião que fizemos no Crea [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia], reforçou a ideia do projeto Produtor de Água [que incentiva o proprietário rural, com ajuda financeira, a preservar reservas e áreas de nascente].

Elder Dias — A região metropolitana tem algum lençol freático que esteja irremediavelmente contaminado?
Não temos esse dado e estamos contando com a ajuda do Crea para fazer esse levantamento. Há muitas empresas em Goiânia que fazem perfurações profundas, seja para grandes prédios ou para poços artesianos. O Crea ficou de nos repassar dados sobre isso e esperamos que isso nos dê a possibilidade de dimensionar os danos. Em algumas áreas de Goiânia, se tirar a água do poço vamos constatar contaminação, mas o lençol freático, também por coincidência, é mais profícuo na região norte. Ou seja, não temos só os principais mananciais ali, mas também água subterrânea. Ou seja, essa região de fato tem de ser intocável para determinadas atividades.

“Discurso de sustentabilidade do Nexus é falácia”

Euler de França Belém — O filósofo britânico John Gray, muito interessado em questões de meio ambiente, diz que a Terra corre perigo por conta da superpopulação. O homem quer o mundo apenas para sua espécie. Como a sra. vê essa questão?
Eu ainda acredito que tenha solução. É preciso entender o caminho que o Brasil tem tomado, porque alguns modelos precisam ser mudados. O que nós exportamos é basicamente água. Todas as commodities — soja, carne etc. — têm água. É como a água estivesse mudando de lugar. Ainda acho que tenhamos saída, mas é uma questão de posição filosófica. Com estratégias, projetos e estudos, temos essa expectativa.

Euler de França Belém — É possível reduzir a população mundial?
Reduzir eu não sei. Mas creio que nosso principal problema seja a concentração de renda. É isso que precisa mudar. A percepção de desenvolvimento sustentável que temos hoje é diferente do discurso dos anos 90, com aquele certo radicalismo.

Marcelo Mariano — Existe algum exemplo de região metropolitana no Brasil que tenha um plano de integração bem executado?
A região de Curitiba é um bom exemplo de ordenamento que foi feito ao longo do tempo, como um processo.

Elder Dias — E é algo que precede o Estatuto da Metrópole.
Exato, isso vem de muito antes. Em Goiânia também tivemos oportunidades interessantes, como o plano diretor de Jorge Wilheim [no fim da década de 60], que foi elaborado pensando em uma região metropolitana ainda nos anos 70, como primeiro esboço desse trabalho. Tivemos, então, essa oportunidade do enfoque regional, mas foi abortado.

Augusto Diniz — Como a sra. caracterizaria hoje a região metropolitana de Goiânia em relação ao transporte e à mobilidade urbana?
Temos uma mancha urbana muito espraiada e sem a infraestrutura necessária, especialmente em relação ao serviço de transporte público. Um exemplo é o caso de Nova Veneza. É um município integrado no sistema, mas que tem apenas duas viagens por dia, uma pela manhã e outra no fim da tarde. A angústia das pessoas de lá e que dependem de ônibus é essa, saem cedo para trabalhar e só têm condução para voltar à noite. Por outro lado, há o sofrimento pelo uso do transporte individual, que é muito intenso na região. Não temos modais alternativos.

Euler de França Belém — O transporte público de Goiânia é tão ruim assim?
De fato, não é tão ruim assim. A professora Erika [Cristine Kneib, doutora em Transportes pela Universidade de Brasília (UnB)], que cuida desse tema no PDI-RMG, já falou algo nesse sentido: não temos um transporte ruim, mas ele pode ser melhorado a depender da opção que fizermos.

Cezar Santos — O grau de conurbação dos municípios da região metropolitana é baixo?
Temos quatro situações de conurbação efetiva: Aparecida, Senador Canedo, Trindade e Goianira. As manchas urbanas dessas cidades já se “emendaram” a Goiânia. Com as demais temos ligações intermitentes.

Elder Dias — Qual é o diagnóstico em relação ao modelo de região metropolitana que os municípios devem adotar?
Há duas opções: podemos escolher uma região espraiada ou polinucleada. A visão da equipe de pesquisadores que estará no diagnóstico é a de que precisamos de vários núcleos na região, de modo a evitar um fluxo excesso em direção à capital.

Euler de França Belém — O prefeito Iris Rezende (PMDB), em seu mandato anterior, construiu a trincheira da antiga Praça do Ratinho, com a justificativa de desafogar o trânsito na região, que sofria uma pressão muito grande na confluência da Avenida D com a Avenida 85. A obra foi muito criticada, mas alguns consideram que o tráfego melhorou um pouco. No entanto, logo ao lado da trincheira, será construído um megaempreendimento [Nexus Shopping & Business] que colocara em circulação pela área uma população enorme. Ou seja, o trânsito na região será multiplicado. Não é um contrassenso o setor público permitir isso?
Por isso é muito importante analisar tecnicamente as questões. Pelo que acompanhei, o principal argumento para a obra do Nexus foi o da cidade compacta. Ou seja, o empreendimento era necessário porque concentrava um grande volume de prestação de serviços em um único espaço. Só que esse discurso tem uma falácia: justifica-se o empreendimento com esse mote, que é tido como sustentável — e por isso é preciso ver esse conceito do que seja sustentável de outra forma. Curitiba adota o modelo da cidade compacta também. Esse modelo necessita de um planejamento estratégico anterior muito bem feito, inclusive em termos de equipamentos públicos. Estamos falando de mobilidade, mas há outras questões que não estão postas para o Nexus, como a rede de água e a rede de esgoto, além da questão climática para o entorno da obra.

Para endossar seus argumentos em casos assim, todos buscam referências de cidades como Hong Kong, Singapura e outras. Só que essas cidades fizeram isso com muita estratégia e muito planejamento. Singapura é uma cidade-Estado totalmente planejada como uma nova cidade em cima de uma estrutura antiga, mas que foi feita de forma articulada.

Euler de França Belém — Em Goiânia, o maior defensor do adensamento da cidade foi o ex-prefeito Paulo Garcia (PT), como uma ideia moderna. O curioso é que a esquerda, representada por seu partido, sempre teve uma visão muito diferenciada. A sra. concordou com a visão do então prefeito?
Não (risos). Inclusive à época [revisão do Plano Diretor, em 2013] nossa equipe na UFG elaborou um parecer desfavorável às mudanças do Plano Diretor. Adensamento, sim, é algo moderno, mas existem formas de executá-lo. Por isso é preciso pensar essa região metropolitana em sua integralidade, com os eixos identificados como problemas.

No começo dos trabalhos do PDI, muita gente já traçava os principais objetivos, mas não é assim. Temos de ver as questões pelo conjunto como um todo. Estamos chegando a essa conclusão após o diagnóstico. Nesse sentido, nossa ideia para mobilidade urbana é analisar o que poderá ser feito para oferecer conforto às pessoas aproveitando o bom sistema que já temos. Outras regiões metropolitanas não tiveram essa sorte — Belo Horizonte é um exemplo, tem um problema grave em relação a isso.

Euler de França Belém — Goiânia comporta um metrô, ainda que seja um metrô de superfície?
Não é minha especialidade — como já disse, é da parte da professora Erika (risos) —, mas não vejo esse como o ponto. Se o BRT for bem implementado, vai cumprir bem a função — como, aliás, o Eixo Anhanguera cumpre. Creio que o tempo do metrô para Goiânia já passou, além de ser uma obra muito cara.

Augusto Diniz — O que vemos, em relação ao transporte público, é que as pessoas em Goiânia o abandonam assim que podem. Isso traz uma degradação natural do sistema, tanto é que o transporte coletivo tem perdido usuários ano após ano. Falam em rediscutir traçado de linhas entre cidades ou na própria capital, mas como fazer isso com um sistema cada vez mais abandonado pela população?
Nosso grupo tem algumas ideias, principalmente com a interconexão com o incentivo do uso de outros modais. Sabemos que é difícil implantar a cultura da bicicleta, por exemplo, mas é preciso criar alternativas ao transporte individual e reforçar o sistema público. Esse é o ponto.

Elder Dias — Parece que a ideia do sistema é muito boa, mas na prática tudo fica deturpado pelos diversos interesses e pela própria cultura em relação ao transporte público, vendo-o como “coisa de pobre”.
Cezar Santos — Mas só fala que o transporte público é bom quem não precisa de usá-lo.

Elder Dias — Ele é bom em “teoria”, mas é ruim na “prática”. Só que vai ficar sempre pior se não houver vontade política de mudar sua imagem e a ideia que se tem sobre o serviço.
O interessante é que, de tudo que falamos, a única atividade de interesse metropolitano e que já existe é a rede de transporte. Mas, como em todo o trabalho temos, no item sobre mobilidade, quais são as fragilidades e as potencialidades do sistema.

Elder Dias — E, no geral, o que foi considerado como potencialidade do sistema?
Primeiramente as leis, que já unificam tudo o que existe; depois, o que já existe de infraestrutura para saúde e serviços no Entorno de Goiânia; e a vocação diferenciada de cada município. Ao observar mais de perto as localidades, vemos que cada uma tem sua vocação. Nova Veneza, por exemplo, tem sua tradição italiana; Terezópolis é lembrada pelas ecovilas, como a Fazenda Santa Branca, e pelo potencial de ecoturismo, criou-se uma cultura local em torno disso; Trindade é o terceiro polo econômico da região.

Em relação ao transporte coletivo, temos uma rede unificada com 18 dos 20 municípios — só Inhumas e Caturaí não fazem parte. Caturaí quer se integrar, mas Inhumas, não. Detalhe é que a prefeitura de Caturaí disponibiliza transporte todo dia para a população vir para Goiânia e retornar.

Augusto Diniz — Como a região metropolitana tem tratado a geração de resíduos sólidos?
Não existe nada articulado. Cada município cuida de seu lixo — ou não cuida. Aliás, a maioria, não. Mais da metade dos municípios tem apenas lixões, não há aterros sanitários. Quem está em situação regular são poucos, como Bela Vista de Goiás e Hidrolândia.

Augusto Diniz — Não há nenhuma ideia de consórcio entre municípios para essa questão?
Não, mas essa será uma de nossas propostas. Veja o problema: o aterro sanitário de Goiânia está esgotado e terá de negociar com outro município a implantação de um novo aterro, porque no território da capital não há mais como. Portanto, por isso também, a ideia é formar consórcios.

Augusto Diniz — Outra área problemática na Grande Goiânia é a da saúde. Muitos pacientes de uma cidade procuram serviço público em outra e há, por causa disso, uma grande emissão de cartões do SUS. A população de Goiânia é de menos de 1,5 milhão, mas têm 4 milhões de usuários do sistema cadastrados na capital. Dá para pensar em consórcios também para a área da saúde?
Estamos pensando sobre essa situação, mas há um agravante: Goiânia atende gente não apenas dos municípios de seu entorno, mas do Brasil Central inteiro. Esse é outro ponto a considerar nesse plano. É preciso ver o papel nacional de Goiânia na saúde e também na área da educação. O PDI tem de considerar essa demanda de usuários da capital, que é muito maior até do que a população da região metropolitana. O excedente vem de outros municípios goianos também e até de outros Estados.

Elder Dias — O Plano Diretor de Goiânia, que está sendo revisado neste semestre, vai se “encaixar” no PDI-RMG?
Quando a lei do plano metropolitano estiver aprovada, todos os planos diretores terão de se adequar a suas diretrizes. Nós prevemos que até março do próximo ano teremos a minuta do PDI-RMG na Assembleia, para ser votada. Nela haverá todas as diretrizes e projetos. Na hora em que tudo for aprovado, os municípios terão de se adequar, mas naquilo que for de articulação intermunicipal. Temos uma situação de conflito entre Aragoiânia e Guapó, porque a prefeitura do primeiro município fez a captação em uma nascente e a do segundo fez um lixão ao lado dessa nascente. Está havendo uma briga, mas terão de entrar em um acordo.
Augusto Diniz — Corre o risco de esse projeto chegar à Assembleia e os deputados o transformarem em um “frankenstein”?

(suspiro) Infelizmente, corre. Temos de admitir. Mas é a primeira vez, talvez, que a universidade está dando a cara a tapa para a cidade. Estamos formando alunos, formando opinião, exercendo na plenitude nossa função de ensino, pesquisa e extensão. O que queremos é usar os espaços possíveis para esclarecer e formar opinião. Na audiência pública na Assembleia, em outubro, apareceram dois ou três deputados, ou nem isso. Eles parecem não estar nem aí para o tema. Felizmente, o discurso de que as prefeituras perderão autonomia está perdendo terreno, porque as pessoas estão compreendendo melhor a ideia. Tivemos uma reunião em Trindade na semana passada e todos pareceram perceber qual é o objetivo do plano. Por exemplo, vamos indicar textualmente as áreas que serão proibidas para a expansão urbana, que não podem ter loteamentos.

Elder Dias — No que diz respeito a loteamentos, há aberrações na região metropolitana. Em Goiânia, temos o Residencial Jardins do Cerrado, que fica na divisa com Trindade. Seus moradores vivem um drama e muitos querem se mudar de lá, pelo medo da violência e por não ter o mínimo de infraestrutura básica. Eles têm de percorrer quilômetros e quilômetros até encontrar uma delegacia, por exemplo. Um bairro completamente isolado e desumano. A pergunta é: por que, em pleno século 21, ainda há prefeitos e vereadores que aprovam parcelamentos dessa forma, fazendo ainda pessoas acreditarem que estão sendo beneficiadas?
Esse é um dos custos da cidade espraiada. É preciso repensar essa situação para Goiânia e também para outros municípios. Temos, nos municípios da região metropolitana, imensas áreas com permissão para loteamento. Não significa que já estejam loteadas. Para algumas dessas áreas teremos de renegociar esse uso, porque há choques com aquilo que observamos no diagnóstico. Somente nessa área considerada, seria possível abrigar uma população de 8 milhões de habitantes, num modelo superespraiado. Uma de nossas propostas é reforçar as cidades que têm condição de ser subcentros, para desafogar Goiânia.

Augusto Diniz — O que o PDI pensa sobre o Centro de Goiânia, que está cada vez mais abandonado? As pessoas não moram mais lá e as que ainda estão buscam se mudar pelos mais variados motivos. Há como incentivar o adensamento nas regiões já formadas, que já têm estrutura básica de serviços públicos?
O PDI não chegará a esse nível de interferência, mas o que temos visto sobre a revisão do Plano Diretor de Goiânia é que estão pensando nessa problemática de uma forma adequada.

“Entorno do DF tem uma situação mais grave e urgente para ser acudida”

Euler de França Belém — Falan­do um pouco do Entorno do Dis­trito Federal, o que a sra. di­ria sobre a situação de Águas Lindas?
Eu digo que, após concluir esse plano para a região metropolitana de Goiás, é preciso ver o caso dos municípios vizinhos de Brasília. O Entorno do DF tem uma situação mais grave e mais urgente para ser acudida, dentro de uma dinâmica metropolitana, porque tem uma infraestrutura muito mais precária do que a nossa, em Goiânia. Já fiz estudos sobre a Ride [Rede Integrada de Desenvolvimento Econômico] do Entorno e aquilo que é visível para as pessoas sem que precise de qualquer pesquisa se torna mais sério ainda quando apuramos os dados. É um nível de condição social dos mais baixos possíveis, da pior qualidade. Isso está em Goiás e vamos ter de enfrentar, é uma responsabilidade dos governos.

Euler de França Belém — Diz-se que Brasília gera, para seu entorno, um colapso maior do que o gerado por Goiânia para suas cidades vizinhas.
Em Brasília há uma forma de integração diferente, é o não território. A maioria da população é constituída de migrantes de diferentes locais do Brasil e se abrigam em municípios sem a menor condição nem do ponto de vista econômico nem em termos de gestão. Conheço bem a situação de Águas Lindas, onde já fiz várias atividades, é caótica. Há contaminação de todas as formas possíveis. É uma cidade completamente estranha, não tem um centro, não tem uma dinâmica. Da mesma forma, Valparaíso de Goiás também tem graves problemas. Vamos ter de enfrentar esse drama.

Euler de França Belém — Brasília é vista como um enclave. Parece que ela não tem responsabilidade nenhuma com seu entorno. Dois governadores do Distrito Federal bastante criticados talvez tenham sido os que mais olharam para a região do Entorno: Joaquim Roriz [governador de 1988 a 1990, de 1991 a 1994 e de 1999 a 2006], que é de Luziânia, e sobretudo José Roberto Arruda [2007 a 16 de março de 2010, quando foi cassado], que criou algumas políticas de apoio à região, que, porém, por vezes não resolvem muita coisa em longo prazo. No entanto, Brasília possui um fundo constitucional repassado pelo governo federal. Vários projetos, entre eles um do deputado goiano João Campos (PRB), querem estender esse fundo para ações no Entorno. Essa não seria uma ideia realmente concreta para aquela região?
Sim, mas tem de vir juntamente com um bom plano, um bom projeto. É algo que temos de compreender: um sistema de planejamento bem pensado e bem gerido funciona na maior parte dos países que fazem essa opção, mas essa opção não tem sido feita aqui no Brasil. É preciso fazer estudos com profundidade para conhecer de verdade uma região como aquela.