Ex-deputado federal diz que o gasto dos governos, em todas as esferas e Poderes, são os maiores culpados pela crise que atrasou o Brasil em uma década

Foto: André Costa/ Jornal Opção

Depois de décadas dedicando-se ao setor público, Valdivino José de Oliveira diz que está de bem com a vida lecionando na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) — onde se formou na década de 70 —, prestando consultorias e cuidando de suas empresas. Economista reconhecido, ele integrou administrações públicas do PMDB e do PSDB, partido pelo qual se elegeu deputado federal em 2010, dois anos depois de concluir um mandato como vice-prefeito de Goiânia.

Valdivino continua no ninho tucano, mas foi menos como político e muito mais como referência do campo da economia e da administração que ele aceitou o convite para ser entrevistado pela equipe do Jornal Opção, para falar sobre um momento crucial para o País, com o advento da emenda constitucional sobre o teto de gastos públicos e as reformas previdenciária e trabalhista na pauta do Congresso.

Em sua avaliação, os juros poderiam cair de forma mais acelerada, mas ele considera que, até o fim do ano, a taxa básica (Selic) vá descer abaixo de dois dígitos. “O ideal seria virar o ano com 8%, mas creio que chegaremos a dezembro com uma taxa de 9% a 9,5%”, prevê. Sobre a crise que assola o Brasil, ele tem um culpado definido: o governo — figura na qual inclui todos os Poderes, em todas as esferas —, que aumentou demasiadamente o déficit público desde 2008. “Perdemos uma década”, sentencia.

 

Cezar Santos — Os mais leigos têm a impressão de que o governo não baixa a taxa de juros porque é malvado. Pensam que poderia baixá-los na hora que quisesse, com um decreto ou algo assim. E a grande pressão, no momento, é pela redução deles, o que até está acontecendo, mas as pessoas reclamam que isso deveria se dar com mais rapidez. Como funciona o mecanismo de fixação das taxas de juros?

Nós, professores de macroeconomia, consideramos a taxa de juros como uma das macrovariáveis da economia, que obviamente dependem do modelo econômico que se adote. Nunca vi variável ser definida por decreto ou pela vontade individual de um governante. Certa vez, a então presidente Dilma Rousseff (PT) quis baixar o juro por decreto e foi um caos para a economia. A taxa de juros tem de ser definida pelo meio econômico.

O governo tem os impostos que incidem sobre os resultados financeiras sobre as operações do mercado, como o IOF, os impostos que incidem sobre os lucros dos bancos, o imposto de renda, a contribuição social sobre o lucro (CSL) e tantos outros. Mas a taxa é definida pelo sistema monetário, levando em conta os ambientes interno e externo, a escassez ou excesso de dinheiro na economia etc. Não é algo definido pela vontade do presidente do Banco Central ou do presidente da República. Tem de haver equilíbrio na definição dessa variável.

Cezar Santos — Neste momento, o governo vem reduzindo a taxa Selic. Está no caminho certo? A velocidade dessa redução é adequada, considerando que o País precisa recuperar a economia fortemente prejudicada pelos erros de Dilma Rousseff?

Acho que a velocidade poderia ser um pouquinho maior. Houve uma queda da inflação de 10,9% para 6,4%, ou seja, 4,5% de queda, e a taxa de juros básica, a Selic, caiu de 14,75% para 13% agora. Então, o juro caiu muito pouco em relação à queda da inflação. Quando a Selic estava a 14,75%, a inflação estava em quase 11%, o juro real era próximo de 4%; agora, o juro real aumentou, deve estar perto dos 7%. Então, é preciso que a velocidade de queda da taxa de juro básica seja maior do que tem sido ultimamente.

Marco Nunes Carreiro — O ideal seria o quê? Chegar em dezembro com 9%?

Não existe uma taxa de juro ideal, existe a taxa que equilibra o mercado monetário e o balanço de pagamentos. A economia brasileira é muito dependente de entrada de recursos do setor externo, que precisa de taxas de juros reais atrativas. Os Estados Unidos têm taxas de juros reais baixíssima, o mesmo nos países da Europa, então o Brasil tem de ter atratividade em relação a esses mercados. Mas não precisamos ter juros tão mais altos que Estados Unidos e Europa. A gente aposta — nas universidades, entre os economistas — que se chegue a dezembro entre 9% e 9,5%, ou seja, um dígito apenas, uma taxa mais civilizada do que tínhamos no auge da crise. Se considerarmos uma inflação de 4,5%, estaríamos com um juro real de 5%, mais alto do que quando começou a trajetória de queda. É preciso que haja uma queda maior. O ideal para a economia brasileira seria fechar 2017 com Selic a 8%.

Euler de França Belém — Alguns economistas dizem que a crise brasileira não tem a ver com a taxa de juros e que o juro alto pode até dificultar a recuperação da economia. O que gerou essa crise?

Essa crise é reflexo da crise de 2008/2009, a que o ex-presidente Lula (PT) chamou de “marolinha”. O Brasil idealizou passar por aquela crise, iniciada nos Estados Unidos, o que puxa as outras economias, incentivando o consumo e os gastos do governo. Daí tivemos duas situações econômicas complicadas para administrar. Primeiro, o consumo das famílias foi feito em cima de um endividamento muito grande. Houve redução de juros para que as pessoas pudessem tomar dinheiro emprestado e consumir, política de crédito facilitado etc. Havia propaganda com os dizeres “dê 1 real de entrada e com­pre um carro em 96 parcelas”. Com isso, as pessoas compraram muito mais do que podiam e o resultado foi o endividamento e o mercado financeiro ficando sem perspectivas de emprestar mais dinheiro. Essa foi uma das causas iniciais da crise que se agudizou a partir do final de 2013.

O segundo ponto é que o governo esgotou sua capacidade de gasto. Todos os governos — federal, estaduais e municipais — entraram em déficit profundo. Do princípio da crise de 2008 para cá, encontramos os governos sistematicamente com déficit primário superior a 6% do Produto Interno Bruto (PIB). E o que é pior, déficit em gastos sem qualidade, porque se tivesse incorrido em déficit, mas construindo portos, estradas, pontes, hidrelétricas etc., talvez os reflexos da crise não fossem tão grandes agora. Aí se chegou a um ponto em que o governo não teve como continuar gastando. Se tivesse continuado a gastar, o setor público brasileiro teria literalmente falido.

Elder Dias — Esse gasto sem qualidade englobou todos os níveis de governo?

Sim, a União, os Estados, os municípios. E obviamente, isso vale também para o Poder Judiciário, para o Ministério Público, para o Legislativo. Em macroeconomia, quando se fala de “governo”, se fala de tudo isso. Observa-se que estamos numa crise terrível, com as empresas demitindo, reduzindo folha, mas o poder público em geral aumenta salários e as concessões de benefícios. Para o setor público parece que não tem crise. Esse gasto sem qualidade é uma das causas da crise. A dívida pública já chegou a 70% do PIB brasileiro, e era 30% lá por 2008.

Quando veio o Plano Real, o grande mote era conter o déficit público e a indexação da economia. Da indexação até hoje continuamos livres, aquela inflação inercial que vai se retroalimentando. Do déficit público ficamos um tempo livres, depois que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi editada, em 2000, e os gestores ficaram com medo de gastar mais do que arrecadavam. Mas, de 2008 para cá, todos começaram a gastar mais do que arrecadam, mandavam leis para o Congresso e para as Assembleias Legislativas pedindo autorização para fazer déficit. Todo ano o governo tinha de mandar na LDO [Lei de Diretrizes Orça­men­tárias] um artigo pedindo autorização para incluir déficit fiscal. Enquanto a LRF metia medo nos gestores, eles controlaram o déficit público; quando eles perceberam que ela, como lei suplementar, poderia ser suprida por outra lei suplementar, aí virou festa.

Elder Dias — Nesse sentido, a PEC do Teto dos Gastos Públicos é quase uma segunda LRF? Algo para meter medo nos gestores?

A diferença é que agora há uma emenda constitucional, enquanto a LRF é uma lei complementar federal. Se o agente público não atender o que está escrito na PEC, estará descumprindo a Constituição, o crime de responsabilidade está definido na Carta Magna. Por isso foi em boa hora que o governo mandou a PEC dos Gastos para o Congresso. Precisamos reorganizar a economia brasileira. Ninguém pode imaginar que uma queda de três anos o governo vai recuperar num toque de mágica. Tem de tocar passo a passo, e o governo está fazendo isso. E já percebemos no ar um ambiente mais propício para a economia voltar a crescer.

Euler de França Belém — De fato, já vemos no noticiário que empresas estrangeiras começam a programar investimentos no Brasil, o que não se via há três meses. No “Valor Econômico” vi a notícia de que uma multinacional vai investir R$ 100 milhões no Brasil; no mesmo jornal, em outro dia, a Renner anunciava investir R$ 500 milhões em 2017 e abrir mais lojas. É o ambiente de confiabilidade voltando?

É isso, o ambiente econômico começa a melhorar e isso encoraja essas empresas. Na economia o “psicologismo” é uma variável importantíssima, tanto no sentido negativo quando no positivo. Quando todos estão imbuídos no pensamento de que a economia vai voltar a crescer, que terão mais empregos, que se poderá consumir mais, começa um ambiente positivo e volta o crescimento. Em minha opinião, vamos crescer mais de 1% este ano e de 2% a 3% no próximo ano.

Cezar Santos — Então, começamos a sair da crise?

Sim, acredito que em 2020 ou 2021 vamos voltar a ter a renda de 2012. Mas perdemos praticamente dez anos.

Cezar Santos — Isso quer dizer que o presidente Michel Temer (PMDB) vai entregar um País melhor a seu sucessor?

Se as políticas econômicas continuarem com esse mesmo viés, a tendência é de que o próximo presidente pegue o Brasil em um ritmo de crescimento acelerado. Nas aulas de economia e macroeconomia na universidade, não partidarizamos as questões da conjuntura nem os efeitos do que está ocorrendo. Evidentemente, as pessoas sabem que o início da crise foi com as medidas tomadas em 2008, o que foi seguido por erros crassos da gestão de Dilma em relação à política econômica, como o represamento das tarifas administradas pelo setor público, para atender a um apelo popular. Isso provocou uma inflação inercial alta, além de quebrar as empresas e todo o sistema energético. Basta ver que, quando soltaram os preços, a energia praticamente dobrou de valor em algumas situações.

Outra questão equivocada foi em relação à demanda das famílias, que cresceu acima do poder aquisitivo à custa de facilidade de empréstimos. No programa Minha Casa Minha Vida, a Caixa Econômica Federal embutia no financiamento a compra de um sofá, de uma geladeira, de mobília inteira da casa. Isso elevava a prestação do financiamento. Essa elevação tirou a capacidade de consumo dessas pessoas e fez subir a inadimplência.

Com a queda da atividade econômica, o efeito sobre as famílias é drástico: há cerca de 13 milhões de desempregados, sem contar quem já desistiu de procurar emprego, que são cerca de 7 milhões. Ou seja, 20 milhões de pessoas prejudicadas. Além disso, têm aqueles que perderam renda, uma quantidade enorme de pessoas que trabalham por conta de comissões e produtividade e tiveram seus ganhos reduzidos. Pela renda per capita do Brasil, vemos que a população já perdeu de 10% a 12% de sua renda.

Costuma-se dividir a demanda em quatro setores: o consumo das famílias, que acabam sofrendo com o desemprego e a queda de renda; o consumo dos governos, que cada dia têm de gastar menos por conta do passivo que cresce; o setor dos investimentos, o dos empresários, que não empreendem com a economia em queda; e o setor externo, pelo qual, apesar de o mundo não estar com a saúde econômica tão boa, estamos sendo salvos pelo desempenho das commodities.

“Se Michel Temer continuar com a política econômica no viés que está, o próximo presidente vai pegar o país em ritmo de crescimento acelerado”

Augusto Diniz — Neste cenário de aumento de desemprego e com a notícia de rombo da Previdência, como o sr. avalia a proposta do governo para a reforma no setor?

O governo não mandaria um projeto na medida justa, porque sabe que haverá negociações e ajustamentos. Mas a Previdência, no Brasil, precisa passar por mudanças. O modelo da Previdência deveria seguir o das principais economias mundiais, em termos de tempo de contribuição e de idade para aposentadoria, por exemplo. Há uma polêmica grande sobre o acúmulo de pensões e aposentadorias por pessoas idosas. Isso precisa ser discutido e eu vejo razão do governo em alguns casos e não vejo em outros. Por exemplo, um casal já idoso em que ambos tenham aposentadoria. A renda é necessária para a sobrevivência da unidade familiar e, quando um deles morre, passa a ter sua aposentadoria e a pensão do outro. Evidentemente, com salários baixos — de um a cinco salários mínimos —, a retirada de um dos benefícios praticamente elimina a capacidade de sobrevivência daquela unidade familiar. Se a renda for mais alta, isso até não aconteceria. Por isso, não vejo razão para cortar o duplo benefício em todos os casos.

Augusto Diniz — Há uma análise que diz que o tempo de contribuição do trabalhador precisa realmente ser aumentado. Mas 49 anos de contribuição para alcançar o benefício integral não é muito penoso para o trabalhador?

Se nós tivéssemos uma economia dinâmica, em que o cidadão aos 18 anos chegasse ao mercado e tivesse, durante toda a vida, o emprego garantido, sem desemprego involuntário, somando-se 18 anos com mais 49 teríamos 67 anos no total. É um número razoável, dois anos além do mínimo de idade para a aposentadoria. O problema é que a economia brasileira não garante que o jovem terá emprego aos 18 nem que não ficará desempregado durante sua vida. Dessa forma, 49 anos de contribuição é muito. Creio que o Congresso vá mexer nisso, talvez estabelecendo 40 anos como parâmetro de equilíbrio.

Elder Dias — O Brasil é um país continental e temos um Sul muito mais industrializado do que o Norte, onde vários Estados são totalmente agrícolas. Como colocar pessoas de Brasis tão diferentes sobre as mesmas regras previdenciárias, um engenheiro mecatrônico e um lavrador? Não é algo muito injusto?

Evidentemente, o Congresso vai aperfeiçoar o projeto do governo, não vai votá-lo como está. Temos aqueles que trabalham em regime de insalubridade e de periculosidade, que merecem aposentadorias especiais e que obviamente não poderão contribuir pelo mesmo total dos demais. Creio que o Congresso deva negociar um meio termo, permanecendo com aposentadorias especiais para algumas profissões, mas no mundo de hoje também não se pode mais aposentar pessoas com 25 anos de trabalho. O Brasil deve seguir uma média previdenciária adotada pelos países emergentes de seu grupo, com os quais guarda similaridades. O sistema está sobrecarregado e não é um caixa sem fundo.

Cezar Santos — Alguns economistas têm ido à imprensa e falado que o déficit da Previdência é uma falácia. Como o sr. vê isso?

Elder Dias — Há uma lista correndo pelas redes sociais com os 500 maiores devedores da Previdência, quase todos de grandes empresas do setor público e do privado. O montante devido é assustador. Isso procede?

Na verdade, há uma lista enorme de devedores para todos os tributos no Brasil. Isso vale para o governo federal e para a Prefeitura de Goiânia, para qualquer governo e qualquer tributo. O que não se pode fazer é creditar o déficit ou o superávit a aquilo que se tenha a receber. O déficit não é computado por aquilo que a Previdência deixou de receber, mas levando em conta o que ela recebe e tudo o que ela paga. No Brasil, no governo da ex-presidente Dilma, houve uma política de desonerações. Muitas atividades econômicas não pagam a Previdência pela folha de salário, mas pelo valor do faturamento. É lógico que nas atividades que usam mais intensivamente a mão de obra, o empresário faz as contas e prefere pagar o porcentual da Receita que o da folha, que chega a 22%, 23%. Se você tem uma atividade econômica em que a mão de obra toma 30% do faturamento, isso dá 6,9% da venda. Se ele pagar 4% ou 5% no faturamento, ele vai preferir pagar pelo faturamento. Então, essa política de desoneração da década atual acabou prejudicando também o caixa da Previdência. Eu não acredito que o setor empresarial iria deixar essas desonerações no Congresso para que o porcentual da Receita fosse maior que o do faturamento.

Augusto Diniz — A oposição na Câmara tenta aprovar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar esse suposto rombo da Previdência. Há espaço para uma CPI dessas?

Não sei se a CPI vai resolver o problema da Previdência. Ela pode até analisar o que acontece, o que ela recebe e o que ela gasta e pode até listar quem são os devedores e propor ações, mas o Ministério Público e a Procuradoria da Fazenda Nacional, juntamente com suas seccionais estaduais, é que acionam o devedor e isso vai para a Justiça. A CPI é um jogo muito mais político do que técnico e sabemos que isso não trará nenhuma melhoria para a Previdência. O que lamento em relação a isso é que o Brasil fez muitas concessões: os setores rural e financeiro, além de muitas empresas desoneradas do setor industrial e o funcionalismo público. São concessões que outros países não têm.

A verdade é que o regime da Previdência é falimentar, pois o cidadão contribui por 35 anos com uma escala ascendente de remuneração. Então, quando ele chega ao 35º ano de contribuição, ele está no pico de seus rendimentos e ele se aposenta com esse salário, que vai receber para o resto da vida. Se fizessem uma média, mesmo em valores reais, talvez o Tesouro não tivesse a sobrecarga que tem atualmente. Além disso, o sistema não tem contribuição patronal porque muitos não recolhem. Temos notícias de prefeitos que deixaram seus mandatos sem recolher os recursos da Previdência. Como a nova gestão vai sobreviver? Como vai pagar os inativos daqui a dez anos, se não receber sequer a contribuição patronal? Sem contar que há muitas irregularidades na gestão desses recursos. Há inúmeros processos envolvendo prefeitos e administradores de fundos de Previdên­cia que deixaram de aplicar os recursos como deveriam. Então, a Previdência é um assunto que precisa ser enfrentado pela sociedade brasileira de peito aberto. Há concessões indevidas? Vamos acabar com elas. Por que não?

Marcos Nunes Carreiro — Não é um erro a proposta de a reforma deixar de englobar os militares? Há coronéis da Polícia Militar, por exemplo, que se aposentam aos 47 anos recebendo salários superiores a R$ 20 mil. É uma grande contribuição para o rombo, não?

A legislação para os militares é especial. Acredito que isso deva ser tratado num segundo momento. Mas é verdade o que você falou: o cidadão chega ao topo da hierarquia, às vezes, com 25 ou 30 anos de serviço, mas com idade baixa. Ou seja, está no auge de sua produtividade e que poderia, portanto, render mais na própria corporação.

Augusto Diniz — No setor privado, o teto de remuneração da Previdência é R$ 5 mil, enquanto no setor público há servidores se aposentando com salários superiores a R$ 20 mil…

Se pegar a folha de inativos de qualquer secretaria, qualquer um verá que a maioria dos inativos ganha mais que o secretário. Se brincar, mais que o prefeito, o governador e que o presidente da República. E isso vale para Executivo, Legislativo, Ministério Público e Judiciário.

“O Estado de Goiás tem uma gestão equilibrada”

Foto: André Costa/ Jornal Opção

Cezar Santos — E como o sr. avalia a reforma trabalhista?

A legislação trabalhista brasileira, principalmente a Justiça do Trabalho, é muito pautada por súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Brasil é um dos campeões mundiais de passivos trabalhistas e, de certa forma, isso prejudica o desempenho de muitas empresas. Multinacionais, por exemplo, precisam provisionar seus passivos e essa provisão acaba impactando o balanço das empresas e a remuneração dos acionistas. É preciso que o Congresso discipline isso. Atual­mente, o trabalhador sai da empresa, faz seu acerto e, no outro dia, tem um advogado atrás dele para entrar com uma ação contra as empresas. Tem empresa com departamento para gerenciar passivos trabalhistas: pessoas para ir às audiências e entrar com os recursos necessários. Por isso, penso que a reforma trabalhista seja urgente.

O custo Brasil é altíssimo. Temos um custo de mais de 120% do salário contratado da empresa. Talvez se tivéssemos custos menores, o setor produtivo pudesse pagar salários maiores. Não se trata de tirar benefício de ninguém, mas de ajustar. Por que o trigo argentino é mais competitivo do que o brasileiro? Por que os brinquedos da China são mais competitivos do que os nacionais? Por que tal produto paraguaio é mais competitivo que o do Brasil? Porque o custo desses países é baixo. A reforma trabalhista, portanto, se insere nesse plano de retomada do crescimento econômico. Só de o governo ter mandado essa proposta para o Congresso, já dá mais ânimo ao setor produtivo.

Augusto Diniz — Como o sr. avalia o fato de que, em 13 situações do projeto, acordos e convenções coletivas valem mais?

Na realidade, a relação empregado–empregador deveria ser pautada pelo diálogo entre as partes. Cada economia, cada empresa, cada setor tem suas dificuldades. Acho que a legislação trabalhista deveria ser menos burocrática, com menor regulação por decretos de leis e súmulas e mais na base do entendimento entre o patrão e o empregado. Não é possível que eu combine uma coisa com você e isso, daqui a um ou dois anos, já não valha. O equilíbrio econômico se rompe.

Elder Dias — Em um país com um exército de reserva imenso como o do Brasil, não haveria uma disparidade na relação entre empregado e empregador, desfavorável ao primeiro?

Não temos excesso de reserva. Temos reserva hoje porque enfrentamos o terceiro ano de recessão. Mas a taxa média de desemprego no Brasil tem sido de 5% a 6%. A teoria econômica diz que com até 3% a economia tem uma força de trabalho plena, porque sempre há aproximadamente 3% de desemprego voluntário. Porém, em determinadas atividades econômicas que exigem maior qualificação das pessoas, não tem é oferta. Estava vendo outro dia, em um programa de TV, em que havia oferta de vagas em determinado Estado, mas não havia demanda porque faltavam pessoas qualificadas.

Elder Dias — O Brasil ainda é, em sua maioria, um País de setor primário. Então, tem uma mão de obra pouco especializada.

Há controvérsias. O PIB dos setores secundário e terciário, juntos, supera o do setor primário. Então, não po­demos generalizar. O Brasil tem uma forte economia no setor primário, mas não é apenas isso. Acredito que dois terços do PIB brasileiro estão nos setores secundário e terciário.

Augusto Diniz — Quando a CLT foi aprovada em 1943, durante o governo Vargas, existia o termo da hipossuficiência em que o trabalhador estava totalmente rendido ao setor produtivo. Atualmente, existe a defesa de que já não há essa hipossuficiência, pois existem muitas leis para defender o trabalhador, que agora fica refém da Justiça Traba­lhista. Por outro lado, dizem que a reforma irá precarizar a vida do trabalhador. Como o sr. entende a questão?

Acredito que não vá precarizar direitos de ninguém, porque, quando o sujeito chega ao mercado de trabalho, o próprio mercado está escancarado — o mercado paga um montante, e o sujeito ainda tem direito a outras coisas. Tudo estará bem definido. Observemos o ambiente econômico de 1943: quanto era a renda per capita no Brasil? Fica difícil dizer. Quinhentos dólares? Talvez nem isto. Hoje, o Brasil tem R$ 30 mil reais, ou US$ 10 mil dólares, de renda per capita. Em 1943, evidentemente, o emprego era mais escasso; as profissões, também. A sobreposição do capital sobre o trabalho era muito maior. Hoje, não. Se pegarmos os dados do PIB brasileiro, a remuneração do capital é menor do que a remuneração do trabalho. Então, hoje, há uma fatia maior do bolo destinada ao trabalho. Se compararmos o bolo de 1943 e o bolo atual, veremos uma enorme diferença. Então, acho que são importantes essas discussões em economia, mas não podemos generalizar. Não se pode dizer “a reforma trabalhista vai acabar com todos os direitos”. Não, não vai. Claro que aqueles que são mais qualificados e capacitados vão ter mais direitos e oportunidades no mercado de trabalho.

Cezar Santos — Quando se trata dessa discussão, parece que as pessoas se esquecem de que a maior precarização que pode haver é o desemprego.

Sim, é o desemprego. É preferível ter um sistema trabalhista que negocie com os trabalhadores, mas que dê em­prego para todos, a conviver com uma multidão de desempregados. On­tem mesmo três pessoas me procuraram, apresentando-me seus currículos, para que eu os ajudasse a ar­rumar algum trabalho. Então, a dignidade do ser humano é o emprego, é o princípio de sua dignidade. O primeiro entre os itens de dignidade é o emprego. Se a pessoa não tem emprego, ela está em uma situação indigna.

Marcos Nunes Carreiro — Um dos motivos pelos quais Goiás não está na mesma situação que Estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul é o baixo endividamento. Os da­dos de 2015 mostravam que os Mi­nas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul eram os mais endividados, com índices acima de 200%, en­quanto Goiás estavam com pouco mais de 100%. Mas sabemos que não é só isso. O que há além? Por que Goiás não está na mesma situação?

Primeiramente, Goiás tem uma gestão equilibrada. O governador Marconi está no quarto mandato à frente do Estado, com larga experiência em administração pública. Ele enfrentou os desafios no início deste quarto mandato, como parcelamento de salários, corte de gastos, corte de secretarias, paralisação de obras. Enfim, enfrentou os desgastes políticos que têm de enfrentar. Agora, não podemos imaginar que, tendo uma economia em recessão, que é acompanhada mais rapidamente pela queda da arrecadação, poderíamos continuar com a mesma estrutura de gastos. É como ocorre em nossa casa: se perdemos 10% ou 15% da nossa renda, não podemos continuar gastando da forma como gastávamos. Chegará o ponto em que não conseguiremos honrar nossos compromissos.

Os governos que estão em situação crítica hoje, como o de Minas, o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul, deveriam ter feito a lição de casa no primeiro ano de seus mandatos. Qual é a lição? Equacionar o que recebem com o que gastam. Porque não pode haver uma queda na receita e o gasto permanecer intocável. Mesmo quando há a questão de dar benefícios e estabelecer programas sociais, isso só pode ocorrer quando se tem dinheiro. Então esses governos tinham de ter feito seu dever. É claro que, quando os governos começaram em 2015, era período de pré-Olimpíada, havia muitos gastos, mas esses governos continuaram com aumento de salários, promoções na carreira pública, fazendo concursos, tudo isso com a receita em queda. É claro que isso gera uma crise.

Cezar Santos — A economia goiana é forte no agronegócio. Esta safra atual pode contribuir para melhorar um pouco a situação?

A economia goiana tem um forte peso no setor primário. Nem tanto pelos minérios ou pelo setor de energia, mas basicamente pelo setor do agronegócio, que tem um forte apelo no PIB. Mas a economia goiana também tem um produto industrial respeitado. Nós temos um nível nos setores secundário e terciário do PIB muito elevado também. E a economia goiana soube se preservar um pouco dessa crise nacional. E isto não é difícil de ser explicado, basta comparar o comportamento do PIB brasileiro ao PIB goiano ao longo desses três últimos anos. O PIB goiano tem crescido mais rapidamente por conta da recessão do PIB brasileiro. Isso mostra que não há apenas um vigor no setor público, mas também no setor privado. As empresas goianas têm sabido também administrar a crise econômica.

Marcos Nunes Carreiro — Goiás ainda depende de incentivos fiscais para atrair empresas para seu território?

Nós temos ainda uma população muito pequena, portanto, um público consumidor reduzido. Em Goiás há pouco mais de 6 milhões de habitantes — 6 milhões e meio, talvez. Se compararmos ao São Paulo, só a capital tem uma população cerca de três vezes maior que a de todo o nosso Estado. E não é só a população: a renda per capita também é bem diferente. A renda per capita em Goiás está por volta de R$ 18 mil a R$ 20 mil. Já em São Paulo, há uma margem de R$ 35 mil a R$ 40 mil de renda per capita. Isso proporciona um maior nível de consumo. Mas o grande problema dos incentivos fiscais — e talvez muitos ainda não tenham percebido isso — é que, além de reduzirem o custo de produção, permitindo que haja maior competitividade em outros Estados, eles provocam o crescimento da arrecadação na periferia do investimento muito maior do que os incentivos dados. Por exemplo, uma empresa como a Perdigão evidentemente tem incentivo fiscal, recolhe menos ICMS. Mas o que o Estado arrecada do ICMS dos empregos que ela gera, da comunicação, do combustível, das empresas que estão instaladas ao redor dela, dos terciários que produzem para ela — os pequenos agricultores que produzem exclusivamente para ela —, todo esse ICMS indireto é três ou quatro vezes maior do que foi dado como incentivo, com a renúncia de receita. Na verdade, o Estado arrecadou muito mais, ao fim. Aquele incentivo aumentou grandemente o valor do ICMS.

O problema é que ninguém analisa o conjunto do incentivo, só o incentivo “in loco”. Por exemplo: o ICMS do frango abatido foi reduzido, então o Estado abriu mão do ICMS do frango abatido. Esquecem-se de que, quando o Estado reduziu o ICMS do frango abatido, as suas empresas puderam produzir mais, gerar mais salários, mais consumo e, por consequência, mais ICMS. Então, não há por que falar em renúncia de receita. É um projeto de crescimento econômico que engloba todas as atividades econômicas ao redor de uma indústria, todas as atividades econômicas que concorrem para aquela indústria crescer. Isso porque o sistema é integrado. Acredito que, quando se for analisar as renúncias de receita por causa da política fiscal, deve se analisar também os ganhos de receita que essa renúncia provocou. Certa vez, quando eu estava no Confaz [Conselho Nacional dos Secretários de Fazenda], eu percebi que os Estados que davam benefício eram os que mais cresciam em arrecadação. Parece paradoxal, aliás, é paradoxal: abrir mão de uma parte do seu imposto e, mesmo assim, arrecadar mais. Mas por que um paradoxo? Justamente porque quem analisa a questão dos incentivos, só se atém ao incentivo, não analisa todo o complexo que está ao seu redor, e que, portanto, gera riqueza para toda a economia. Eu tenho participado de muitas reuniões com empresários e vejo a dificuldade dos empresários de levar até ao poder público, até ao Judiciário, ao Legislativo, esta visão: de que não se pode se ater só à questão do incentivo, deve-se analisar também o complexo todo para ver se o Estado ganhou ou perdeu arrecadação.

Cezar Santos — Politicamente, parece que, Congresso, há uma perspectiva de se acabar ou de se reduzir drasticamente com os incentivos fiscais. São Paulo e Minas Gerais estão fazendo uma pressão muito grande para acabar com eles.

Mas esses Estados também concedem benefícios. E muitos. Em 1942, o Brasil era parceiro dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. E os americanos queriam saber como uma potência como o Brasil sequer produzia fardas para seus combatentes. Para tudo o Brasil dependia de importação: armas, munições, fardas etc. E, então, os EUA delegaram uma missão ao Brasil, chamada Missão Cook, que produziu um plano para o desenvolvimento do País, incluindo a industrialização do Sul brasileiro. Nesse plano deixado aqui era preciso que o governo concedesse incentivos para que o Brasil pudesse começar um processo de crescimento e de desenvolvimento. E foi com esses incentivos que vimos toda a riqueza do Norte, Nordeste e Centro-Oeste ser desviada para o Sul do país, que construiu um verdadeiro império econômico em relação às demais regiões. Tanto que, há 30 anos, antes dos incentivos fiscais para outras regiões, o Sul do Brasil com sete Estados, tinha um PIB de 78% de todo o País; Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com 20 Estados, tinham apenas 21%.

Hoje os Estados da região Sudeste têm incentivos muito maiores do que na região Centro-Oeste, mas atacam os incentivos da região Centro-Oeste. E é evidente que as forças desenvolvimentistas do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste vão perdendo sua potência e seu estímulo. Porque no Brasil só se fala na guerra fiscal dos pobres contra os ricos, mas a dos ricos contra os pobres ninguém fala.

A própria imprensa nacional comprou essa briga. É uma luta difícil. Alguns amigos que lideram grupos de empresários lutam a favor do incentivo fiscal, mas percebem que estão ficando sem forças, porque a todo lugar que vamos fala-se em guerra fiscal, quando a gente sabe que foram justamente os incentivos fiscais que interiorizaram a economia brasileira. Se há 30 anos o Sul e o Sudeste tinham 78% do PIB, acredito que atualmente não tenham mais do que 70%. Ou seja, em 30 anos já houve uma maior distribuição da riqueza brasileira.

Elder Dias — O que sr. pensa sobre a reforma tributária no Brasil?

A reforma tributária ganha palanque já dois anos depois de a Constituição ser promulgada. Os Estados e os municípios não concordavam com a sua parcela no bolo e desde então já idealizavam uma reforma tributária. Entre os empresários, alguns setores acham que o Brasil tributa muito a produção. E, de fato, tributa muito. O Brasil não tributa muito a renda do cidadão nem sua riqueza, mas tributa excessivamente a produção, e isso enseja o surgimento da economia informal.

Desde 1990, tem um movimento no Brasil pela reforma tributária. Em meados da década de 1990, o então deputado federal Mussa Demes [PFL-PI, de 1987 até 2008, ano de sua morte] cortou o Brasil de Norte a Sul levando uma proposta de reforma tributária que parecia ser iminente, mas não aconteceu; alguns anos depois, nosso deputado Sandro Mabel (PMDB) também percorreu o Brasil inteiro por uma reforma tributária. E quanto todo mundo pensava que ela poderia ser votada e aprovada, ela morreu no nascedouro. E assim foi com várias tentativa de reforma tributária. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega tentou, com o dr. Bernard Appy [economista], de várias formas fazer minirreformas ou reformas integrais no sistema tributário brasileiro, mas não conseguiu.

É muito simples entender por que não se consegue uma reforma tributária no Brasil. Os empresários querem um sistema no qual eles paguem menos impostos e que seja menos complicado, porque eles gastam muito com a gestão tributária; os prefeitos querem uma reforma que aumente a receita dos municípios, enquanto os Estados querem uma reforma que aumente a receita dos governos estaduais; e a União quer uma reforma na qual ela não perca a fatia dela do bolo.

Portanto, os interesses dos atores envolvidos nessa reforma não convergem: os empresários querem pagar menos, os municípios querem mais, os Estados querem mais e a União não quer perder. Acredito que, antes da reforma tributária, deveria se fazer uma reforma administrativa no Brasil e uma revisão do pacto federativo para ver qual é o papel do Estado e quanto de recurso ele precisa para cumprir aquele papel. O mesmo vale para os municípios. Primeiramente, é preciso pensar como as coisas têm de ser. Em uma reforma administrativa é preciso ver o que o Estado tem de dar para o povo, quem é que tem de dar, para depois ver com quais recursos isso será possível. Nós temos de ter uma revisão desse pacto federativo também.

Economista Valdivino de Oliveira: “José Eliton é o mais preparado hoje para ser candidato a governador do Estado” | Foto: André Costa/ Jornal Opção

Augusto Diniz — Grande parte dos oito novos secretários estaduais foi escolhida para tentar fortalecer a base e começar a trabalhar a disputa eleitoral de 2018 com foco no nome escolhido para ser o pré-candidato a governador. O nome defendido oficialmente pela base aliada é o do vice-governador José Eliton (PSDB). Como o sr. avalia sua escolha para disputar o cargo de governador?

Eu acho que o dr. José Eliton é o nome mais preparado hoje para ser candidato a governador do Estado. Ele é um vice-governador atuante e passou por diversas posições dentro do governo. Foi presidente da Celg, secretário de Segurança Pública, secretário de Desenvolvimento Eco­nô­mico e cumpriu as funções de vice-governador com muito empenho.

Obviamente, o governador Marconi deve sair para alguma candidatura e ele vai assumir o cargo. É evidente que se José Eliton assumir o governo e mantiver o nível de gestão alta, eu não vejo dificuldade de o povo mantê-lo no governo e elegê-lo governador. Ele é do meu partido, vou trabalhar por ele, vou procurar fazer o que for possível para atrair para ele o maior número possível de votos. Espero que ele tenha sucesso em sua campanha.

Augusto Diniz — Além dessa possível atuação com cabo eleitoral, quais são as pretensões do sr. em 2018?

Não tenho pretensão política definida por enquanto. Hoje eu estou trabalhando na atividade privada com consultorias a empresas, com aulas na PUC [Pontifícia Universi­dade Católica de Goiás], com a gestão de duas empresas que eu tenho e estou bem focado nisso. É a atividade econômica que tem me proporcionado pelo menos um ganho maior do que se eu estivesse no setor público.

Hoje eu estou muito focado no setor privado. Mas a gente não pode dizer que desta água não se beberá. Eu fui deputado federal e é evidente que eu tenho vontade de novamente ser parlamentar. Mas isso não quer dizer que eu vá, neste momento, dizer que serei candidato a deputado federal.

Elder Dias — O sr. tem recebido convites para a administração pública?

Recebi há cerca de um ano e meio, de dois ou três Estados. Mas respondi que queria dar um tempo da vida pública e me voltar ao setor privado. Tenho uma carteira de consultorias boa, que me permite estar sempre atualizado com as questões públicas e privadas. Presto serviços em São Paulo, Rio, Goiânia, Brasília. Digamos que eu esteja muito feliz com a minha atividade no setor privado. Mas passei 34 anos no setor público. É evidente que isso acaba deixando a gente com um gostinho de “quero mais”. Estou procurando ter uma vida mais equilibrada sem o setor público.

Elder Dias — Como o sr. avalia o efeito Donald Trump na economia do mundo e do Brasil? É um fator de instabilidade e de incerteza, como muita gente acredita?

Quando Trump foi eleito, o ambiente na economia internacional era de expectativa e, até certo ponto, de decepção com sua eleição. Muita gente acreditava que Trump sairia atirando para todo lado, que tudo que ele disse na campanha seguiria a ferro e fogo. Agora percebe-se um Trump mais moderado, já sabendo que o americano precisa de um plano de saúde, que não pode fechar a sua economia para o mundo. Economia global ainda é o modelo econômico que a população entende como ideal e ele não pode se fechar para o resto do mundo. Percebe-se que ele parou com as críticas aos países emergentes. O Trump de hoje transmite uma expectativa melhor para a economia do que o Trump que ganhou a eleição.

Elder Dias — O sr. acredita que a tendência é de ele se adequar ao establishment?

Sim, até mesmo porque ele vai viver nesse ambiente de tomada de decisões e estas não podem ser decisões impensadas. Ele tem de reunir seu staff, discutir seus problemas para tomar suas decisões e precisa ser um pouco mais moderado e ouvir a sua equipe. Essa semana mesmo houve uma euforia no mercado financeiro. As bolsas no mundo inteiro cresceram. O dólar teve uma valorização sobre a maioria das moedas internacionais — não em relação ao real, mas em relação ao euro, ao iene, à libra. Tudo porque o Trump tem usado um discurso mais compatível com o mercado.

Augusto Diniz — Na busca pela recuperação da economia, qual deve o ser o papel do BNDES? E qual é a reestruturação de atuação que deve ser feita?

Esse é um problema para a retomada do crescimento econômico em um segundo momento. No primeiro momento, temos agora ainda uma capacidade ociosa muito grande. Mas, num segundo momento, quando as empresas tiverem de comprar equipamentos, máquinas e renovar seus parques industriais, a necessidade de capital será muito grande.

Ocorre que o mercado financeiro puro não oferece esse dinheiro. Esse dinheiro para investimento vem obviamente da poupança pública. Ele não vem da poupança privada, porque a remuneração da poupança privada é feita a uma taxa de juros acima de 13%. Não tem como o sistema financeiro financiar um processo de remontagem das indústrias, dos pequenos e médios empresários. Tem de ser com dinheiro da poupança pública, com juros mais compatíveis.

Nenhum empresário vai comprar equipamento para produzir bens e serviços com juros de dois dígitos, tem de ser juro de um dígito e este ainda está muito alto — 9% a 9,5% anuais é que o BNDES está fixando como taxa de juros de longo prazo. O ideal seria a taxa de juros de longo prazo voltar para 5% a 6% ao ano para incentivar a aquisição de equipamentos e máquinas. E é óbvio que essas indústrias também vão produzir mais, isso vai gerar mais empregos e tudo entra no processo de retomada do crescimento econômico.

Mas, a juros da poupança popular do mercado financeiro, não vai haver investimento. O mercado financeiro já tem de pagar para nós, que poupamos, mais de 10%, de 10% a 11% — todo mundo aplica dinheiro esperando receber pelo menos 1% ao mês de rendimento. Há os custos e riscos, então, para emprestar dinheiro da poupança privada, isso vai ser acima de 14%. E essa taxa a economia não paga. A economia paga a taxa em longo prazo com juros mais civilizados, de 5% a 7% no máximo. Está muito alto ainda com 9% a 9,5%, que é o praticado pelo BNDES. É preciso que ela comece a baixar na mesma velocidade com que está baixando a Selic.