“O movimento Acredito quer puxar a renovação do Congresso nos próximos dez anos”
25 novembro 2017 às 10h00
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Cofundador de um dos principais grupos de mobilização entre os jovens diz que é preciso superar a descrença sem negar a política para que a democracia dê um salto positivo
José Frederico Lyra Netto é um goiano diferenciado. Não exatamente por ter tido a oportunidade de cursar mestrado em Harvard, um dos maiores centros intelectuais do mundo ocidental, embora isso dê um sinal importante sobre ele. Mas o fato que realmente o torna uma personalidade a ser observada com mais atenção é a dedicação com que se envolve em uma causa um tanto áspera para o momento atual: ser protagonista da mudança da forma de fazer política no Brasil.
Nascido em Goiânia, José Frederico viveu em Catalão na infância e, depois do ensino médio, já de volta à capital, foi cursar Engenharia Mecatrônica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Sou mais um dos que se formam em engenharia para depois fazer outras coisas”, brinca. O fato é que o empreendedorismo sempre o atraiu. “Lembro-me de que minha tia me deu a biografia do Barão de Mauá (pioneiro da industrialização no Brasil e símbolo dos capitalistas empreendedores do século 19) e sua leitura me marcou”. Ainda na Unicamp, se envolveu com as empresas juniores e se tornou presidente de uma em seu curso. Mais tarde, foi presidente da Confederação Brasileira de Empresas Juniores (Brasil Júnior).
Sua cabeça mudou quando teve contato com o setor público. “O governo é o melhor instrumento para impactar a vida das pessoas em escala, para o bem ou para o mal”, resume. Meses atrás, tomou uma decisão: dedicar-se ao movimento Acredito, do qual é cofundadora, ao lado de mais quatro brasileiros de Estados diferentes. Em seus poucos meses de existência, o Acredito já alcançou 11 Estados, nas cinco regiões do País e mais de mil voluntários – 60 deles em Goiás. A intenção é ambiciosa: escolher candidatos ao Legislativo comprometidos com seus princípios para uma nova política e elegê-los para a Câmara dos Deputados e as Assembleias já no próximo ano.
Nesta entrevista ao Jornal Opção, José Frederico conta sua trajetória e detalha mais sobre o Acredito, que se firma como um dos principais movimentos que buscam jovens idealistas e confiantes em mudar os rumos do Brasil, em meio a um período de descrédito nos políticos e desesperança no futuro.
Elder Dias – Como o sr. se envolveu com a atividade política?
Ao terminar a faculdade, recebi dois convites. Fui aprovado como trainee em uma multinacional de São Paulo e, ao mesmo tempo, fui convidado a ser secretário municipal de Araguaçu, uma cidade de 10 mil habitantes no interior de Tocantins [a 400 quilômetros de Palmas, na região sudoeste do Estado]. Depois, vim para o governo de Goiás na Secretaria de Educação, quando Thiago Peixoto [PSD, deputado federal] estava à frente da pasta. Foi uma experiência muito interessante, participei do processo da reforma educacional como chefe e, depois, superintendente. Fui então para a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, fazer mestrado em Políticas Públicas. Fiquei por lá dois anos, em outra experiência muito interessante, e vi como podemos ver nosso próprio País em uma perspectiva diferente, um pouco melhor, onde avançou e onde não avançou tanto.
Um dos fatos mais importantes de minha passagem por lá foi presidir a primeira Brazil Conference. A gente chegou à conclusão de que nosso País era muito pouco estudado na academia norte-americana. Falava-se muito de China, Índia, mas pouco de Brasil. Idealizamos essa conferência para tentar trazer o tema e está sendo muito bom. Este ano, a conferência está na 3ª edição e foi noticiada até pelo “The New York Times”. Juntamente com minha amiga Joice Toyota – que estava em Stanford enquanto eu estudava em Harvard –, sou fundador do Vetor Brasil, uma organização que tem por missão colocar uma rede de jovens nos governos pelo País, para oxigená-los com gente que queira pôr a mão na massa. Ao voltar ao Brasil, passei pela Falconi, empresa de consultoria de gestão, onde fiquei dois anos focado em projetos de educação. Em abril, saí de lá para me dedicar totalmente ao projeto do Acredito.
Marcelo Mariano – Como o movimento Acredito surgiu de fato?
Somos cinco cofundadores, de cinco Estados diferentes: eu, de Goiás; Tábata Amaral de Pontes, de São Paulo; Bruno Santos, de Minas Gerais; Felipe Oriá, de Pernambuco; Renan Ferreirinha é do Rio de Janeiro. Fazíamos, cada um, algum tipo de projeto no Brasil – Tábata e Renan em educação, Felipe e eu em gestão pública e o Bruno, um trabalho com transparência em eleições. A gente percebeu que o Brasil se mobilizou em 2013 de forma unitária e já a partir de 2015 começou uma extrema polarização, cada um de um lado do muro. Quando houve a votação pela admissão do impeachment de Dilma Rousseff (PT), olhando para aquele Congresso, concordando ou discordando, todos tinham a opinião de que aquilo ali não fazia sentido: as pessoas não se sentiam representadas pelos parlamentares.
Naquele momento, saímos de nossos projetos de impacto na gestão pública ou na educação e partir para a política em si. Vimos que, se a nossa geração não chamasse para si o dever de abraçar a política, nós sempre nos sentiríamos pouco representados. Antes de nós houve uma geração que derrubou uma ditadura e ocupou os espaços de poder por mérito; a geração seguinte foi tocar sua vida na iniciativa privada, ficou assistindo tudo e, quando percebeu o que estava acontecendo, se assustou. Não podemos repetir isso. O movimento surgiu para pensar o que fazer para que nossa geração de fato olhasse para a política.
Augusto Diniz – E por que o olhar do Acredito é voltado especialmente para o Legislativo?
É curioso que, ao olhar para a história do Brasil, as pessoas sempre reclamam do Congresso, mas, na hora de votar, a atenção se volta quase que totalmente para o Executivo, talvez por alguma tradição personalista ou coisa assim. O que a gente quer é quebrar esse ciclo. Por isso, o Acredito surgiu com foco específico no Poder Legislativo – melhor que isso, vemos outros movimentos com essa visão, o que é bem positivo.
Nossos desafios são vários: fazer um movimento de renovação do Congresso em dez anos; dar um passo além dessa polarização radical, em que as pessoas estão deixando as soluções para trás e se preocupam mais com seus posicionamentos; transformar tudo isso em ação política.
Marcelo Mariano – Vocês, fundadores, são filiados a algum partido?
Não, nenhum de nós cinco.
Elder Dias – Mas a não filiação partidária não é um requisito para estar no movimento, pelo contrário…
Exatamente. Um dos grandes desafios que temos é ser um movimento de renovação que não negue a política. Hoje percebemos que vários movimentos querem renovar a política, mas tratam todos os que têm mandato da mesma forma, como se todos fossem ruins. Isso é desonesto intelectualmente. Temos uma crítica forte aos partidos, mas nem por isso achamos que a solução vá se dar sem partidos. Nós cinco, por não nos identificarmos com nenhum no momento, ainda não temos filiação, mas é possível que a gente entre. O movimento, no entanto, já tem mais de mil voluntários e com gente filiada em vários partidos.
Então, não temos nenhum problema com as pessoas serem filiadas ou não. É interessante observar que quem se filiou de maneira idealista topou enfrentar esse ranço que há contra os partidos por acreditar em algo maior. Condenar essas pessoas, então, é uma coisa um tanto irresponsável. Nacionalmente, o Acredito dialoga com as executivas de várias siglas que já nos procuraram pensando em renovação e há diálogos bastante produtivos nesse sentido.
Cezar Santos – Há alguma conexão de vocês com os movimentos mais conhecidos, como o MBL [Movimento Brasil Livre] e o Vem Pra Rua?
Não temos essa conexão. Existe hoje um mosaico de movimentos no Brasil.
Elder Dias – E esses movimentos, não importa seu objetivo, são basicamente conduzidos por jovens. Mas, ideologicamente, o Acredito não teria princípios bem diferentes dos que baseiam o MBL, por exemplo?
Participamos da Virada Política, um evento que ocorreu em algumas capitais, que reuniu 11 movimentos que discutiam renovação na política – o MBL não estava. Esses movimentos têm bandeiras semelhantes, mas diferem em visão de mundo e em práticas. Falando pelo Acredito, a gente rechaça essa dicotomia entre “Estado grande” versus “Estado mínimo”. É algo que consideramos muito simplista, porque basicamente o que todos precisamos é de um Estado que resolva o problema. Então, pode ser que na economia o tamanho do Estado seja menor e na educação seja maior. Não temos problema em conversar com um movimento que se baseie na defesa do Estado mínimo, mas nos diferimos em algumas questões ideológicas nesse sentido.
Augusto Diniz – O sr. concedeu uma entrevista à “Folha de S. Paulo” na qual afirmou que o movimento Acredito poderia ser entendido como uma espécie de MBL progressista”…
Até hoje eu sofro por aquela entrevista (risos).
Elder Dias – Uma crítica do MBL a vocês é de o Acredito seria “o PSOL de banho tomado”. Isso procede?
Marcelo Mariano – Aliás, o que o sr. pensa do MBL?
Sinceramente, tenho certa dificuldade de responder essa questão, porque não conheço a fundo o MBL. O que talvez eu possa fazer é buscar o que diferenciaria o Acredito, nesse sentido. Primeiramente, a gente se recusa a cair na armadilha do discurso de ódio. É algo tentador, mas, ao fazer isso, estamos buscando pessoas que têm a visão de reconstrução da política. Essa talvez seja uma marca clara de diferenciação.
Outra diferença é que não temos um extremismo na visão de economia e de Estado. Em nosso diagnóstico, o Brasil não oferece igualdade de oportunidades. Por isso, nos posicionamos fortemente contra a discriminação, contra a opressão. Isso, às vezes, é entendido por outros movimentos como “esquerdismo”.
Não estamos preocupados com estereótipos, mas com dados. Segunda-feira tivemos um exemplo interessante. Foi o Dia Nacional da Consciência Negra [20 de novembro]. Baseados em dados e não em nossas cabeças, pudemos constatar que negros e brancos não têm as mesmas oportunidades no Brasil. Perguntamos às pessoas de uma mesma faixa de renda, em uma pesquisa sobre valores democráticos, se elas concordavam ou não que negros e brancos tinham as mesmas chances no Brasil. A maioria discordou. É um sinal de que as pessoas percebem que existe racismo. Negar o racismo, a nosso ver, é um problema, porque, ao negá-lo, como resolver o problema. A partir disso, fizemos uma série de posts com vários dados mostrando essa situação – desde como professores da rede de São Paulo dão notas piores a alunos negros. No Facebook, muita gente apareceu concordando e muitos falando que estávamos errados.
Porém, o grande ponto é que existe um papel, que cabe à sociedade e ao Estado, de equalizar essa dívida histórica que o Brasil tem com as minorias e com os grupos sub-representados. Isso talvez fira o que pensa alguns movimentos que definam alguma liberdade mais radical. Não sei como isso funciona em outros, mas estamos tentando fazer um choque de transparência. Assim, todos os que doam para o Acredito têm seu nome divulgado em nosso site. As práticas que apregoamos nós também estamos aplicando a nós mesmos. Talvez isso nos diferencie em relação a outros movimentos.
Cezar Santos – O Acredito tem uma carta de princípios?
Temos um manifesto, lançado em julho, simultaneamente em sete capitais – Goiânia foi uma delas –, que formalizou o movimento Acredito. É um documento de duas páginas em que falamos sobre o momento de crise do Brasil e apresenta dois eixos: no primeiro, explicamos nossa ideia para uma nova forma de fazer política, desde pensar em campanhas mais baratas, partidos transparentes e com democracia interna – o que é curioso, porque os partidos são que institucionalizam a democracia e muitos deles não são democráticos em si –, Congresso mais centralizado e pontos da reforma política, como a cláusula de desempenho para redução do número de partidos e fim das coligações. Outro eixo é uma agenda de condições mínimas de igualdades e oportunidades.
Augusto Diniz – Como isso se daria?
Bem, isso passa por uma economia aberta, empreendedora, com menos regalias a grupos organizados e mais competitiva do que ela é hoje. Ao mesmo tempo, temos de ter um Estado que regule isso – já temos vários exemplos e evidências que, se deixar tudo para o mercado resolver, ocorrem uma série de falhas – e que seja um Estado que, não importa que seja grande ou pequeno, mas que funcione, que seja eficiente, com políticas públicas que respeitem o contexto local. Nesse eixo, pensamos também em um crescimento econômico que aconteça em harmonia com o meio ambiente. Por fim, educação como o principal equalizador de oportunidades que o Brasil pode ter. A questão da cultura também é algo que consideramos importante. Basicamente é esse nosso manifesto.
Cezar Santos – Neste momento, voltou à baila a forma de governo, com gente pregando uma nova forma de presidencialismo ou algo como um “semiparlamentarismo”. O Acredito tem alguma posição em relação a essa questão?
Ainda não há consenso no movimento em relação a isso. O que temos em relação às regras políticas diz respeito à funcionalidade do sistema, com diminuição da fragmentação, tendo um menor número de partidos e acabando com as coligações proporcionais. Pensamos num financiamento que seja mais equitativo, proibição de doações por empresas e doações de pessoas físicas com teto – hoje é proporcional à renda e sem detalhamento das regras.
Há também uma série de questões que defendemos para democratizar o sistema, como as prévias partidárias e o chamado “voucher cidadão”, que já foi testado em outros países. Isso se baseia em dividir o fundo pelo número de eleitores, gerando uma cota para cada um em dinheiro. Assim, cada eleitor poderia destinar sua cota para o candidato ou o partido. É a maneira de aumentar a influência do eleitor. Não chegamos a um consenso sobre isso, assim como não fechamos uma discussão sobre o modelo distrital misto, que permitiria o barateamento das campanhas.
Marcelo Mariano – O movimento está dialogando com a executiva alguns partidos. Quais deles se aproximam mais da linha de pensamento de vocês?
Essa análise sobre proximidade de ideias vamos fazer ao longo do tempo. Posso falar com quais partidos a gente está conversando: a Rede Sustentabilidade, o Novo, Livres [ala de renovação do PSL], PPS, PV e PSB. Nacionalmente, foram com essas siglas que as conversas progrediram mais até agora. Sabemos que, localmente, as pessoas podem estar em partidos diferentes desses.
O que estamos percebendo sobre os partidos que querem diálogo conosco: ou são partidos novos e se aproximam exatamente por estarem se constituindo e serem mais flexíveis e abertos; ou são partidos tradicionais que estão querendo se renovar. As conversas têm sido boas e francas, mas sempre temos em mente que esses partidos têm suas realidades locais, não tem como pensar em homogeneidade. Por isso, ainda há muita conversa pela frente.
Augusto Diniz – O que fazer para que os partidos sejam democráticos?
Tem um grupo bem interessante que se chama Transparência Partidária, com quem conversamos muito. Nós e vários outros movimentos se encontram sob um guarda-chuva que chamamos de “Nova Democracia”, que olha somente para as regras do jogo, sem nenhuma proposta eleitoral. Aí estão o Acredito, o Agora e o Transparência Partidária, que lançaram uma série de propostas sobre transparência e democracia interna nos partidos. A proposta mais óbvia é de que os partidos deveriam ter prévias de verdade e não “proforma” como vemos por aí. O Acredito vai fazer algo como as prévias para estabelecer os candidatos que apoiará. É preciso ter isso tanto para a escolha dos candidatos como para a das lideranças.
As comissões provisórias, em vez de diretórios, são uma arma das executivas nacionais: elas podem nomear, destituir, têm total poder. O que ocorre é que essas executivas acabam mantendo essas provisórias eternamente, para manter o poder de intervenção. Defendemos a diminuição radical no número de comissões provisórias e mecanismos de democracia tanto para a eleição das lideranças dos partidos como para as candidaturas.
Elder Dias – Tem algum partido, entre os que vocês conversam, que tenham uma maior homogeneidade na base, que sejam mais uniformes em relação ao que o partido quer nacionalmente?
Embora seja só uma impressão de minha parte, o partido em que vi mais homogeneidade até agora foi o Novo. Eles têm uma certa rigidez em relação a princípios, a cláusulas pétreas, processo seletivo para ser candidato. Parece ser uma boa experimentação no Brasil, concordando ou não com a visão de mundo que o partido tem. Já a Rede Sustentabilidade é a maior experimentação que houve em matéria de partido político. Tem uma série de liberdades, como estar na Rede e ser um candidato cívico, independente. Nesse sentido, têm uma diversidade maior.
Marcelo Mariano – O Novo é “novo” no nome, na fundação e também pode se dizer que seja assim em ideias políticas?
Ainda é cedo para dizer, mas estão trazendo práticas diferentes. Não vou dizer se é bom ou ruim, mas são contra o uso do fundo partidário e de verba pública para campanhas, trazem essa questão do processo seletivo para candidaturas, limite para número de mandatos. Pontos interessantes, mesmo que eu não concorde com todos. Só podem ter um ponto de atenção para não negar a política, mas é um processo muito válido o que estão fazendo.
“Barack Obama é referência para nossa trajetória”
Elder Dias – O Acredito parece apresentar certa autonomia para seus membros se posicionarem à direita ou à esquerda, desde que seja de forma moderada, evitando extremismos. Mas existe alguns princípios básicos ou posicionamentos claro do Acredito em relação a temas polêmicos?
O Acredito realmente quer atrair pessoas de visão construtiva, que não seja radical, e elas têm certa liberdade para fazer parte. Têm algumas que são mais liberais em relação à economia, outras nem tanto; algumas pessoas vêm de experiências com partidos mais tradicionalmente de esquerda e outras chegam do outro lado do espectro. Os pontos principais são aqueles de que já tratamos: a nova forma de fazer política e a preocupação com a redução da desigualdade no Brasil. Temos um respeito muito grande com os direitos e as garantias individuais e, a partir disso, defendemos que a sociedade e o Estado busquem equalizar esses pontos.
Neste momento, estamos discutindo a reforma da Previdência. Qual é a pergunta que nos fazemos nesse debate? É sobre como fazer uma reforma que seja responsável fiscalmente, mas que não aumente a desigualdade. Esse é um ponto pétreo para a gente. E agora, novos estudos mostraram que a desigualdade não caiu nos últimos anos como se imaginava e perdemos apenas para pouquíssimos países no mundo nessa questão. Então, uma reforma previdenciária não pode agravar esse problema. Em uma “regra de três” simples, o Acredito quer que as pessoas estejam dispostas a ter práticas que não sejam da velha política e a pensar em condições mínimas de igualdades e oportunidades.
Marcelo Mariano – Quais são as pretensões eleitorais do Acredito?
Ano que vem queremos apoiar pelo menos 30 pessoas das cinco regiões do Brasil que serão candidatas ao Congresso e às Assembleias. Para isso, teremos alguns critérios de diversidade, em gênero e raça. Essas pessoas podem tanto estar no movimento hoje como podem entrar no movimento para se candidatarem, isso está aberto. Queremos definir nosso processo de escolha democrática ainda este ano.
Marcelo Mariano – O Acredito vai aceitar quem já tenha mandato?
Inicialmente, vamos apoiar, para o ano que vem, pessoas que nunca tiveram mandato. É preciso deixar claro que não é por ter mandato que o político seja ruim, a gente sabe que tem gente boa hoje na política. Mas quem já tem mandato geralmente tem uma boa estrutura, mais facilidade para conseguir se eleger. Queremos ajudar as pessoas comuns. Nosso grande sonho é viabilizar candidaturas de pessoas comuns, fazer com que elas tenham chances nas eleições de 2018.
Augusto Diniz – A ideia é fazer com que elas tenham chance de ser eleitas ou apresentem propostas que façam parte da pauta do movimento?
Elder Dias – Ou seja, o Acredito fará uma escolha mais idealista ou mais pragmática?
As pessoas precisam concordar com os princípios do movimento, é um pré-requisito, e queremos fazer com que elas tenham chance no próximo ano. Estamos estudando como isso será possível, em termos de visibilidade, de formação, apoio antes da campanha. Nossa tese é de que, se a pessoa chegar ao período de campanha sem ter esse mínimo, em 45 dias não será possível mudar positivamente o quadro. É preciso ter um trabalho grande antes, principalmente para quem não é muito conhecido. E queremos apoiar quem realmente tenha chances, porque em 2018 teremos uma janela histórica de oportunidades de eleição. Não consigo me lembrar de outro período que tenha tido tanta abertura para renovação, no Brasil e no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, teremos também uma sociedade um pouco mais cética.
Augusto Diniz – Na reforma eleitoral de outubro, o Congresso criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), que, além do fundo partidário, autorizou a destinação de mais R$ 1,7 bilhão para as campanhas. A distribuição foi feita de que modo que seis partidos vão ficar 0,05% dessa verba e sete partidos que terão mais de 61% dela, cada um destes com mais de R$ 100 milhões de reais. Como fazer com que pessoas comuns tenham chance de ser eleitas diante dessa disputa econômica, agora com verba pública?
A reforma política aprovada no mês passado tem pontos interessantes, mas é fato que ela dificulta a renovação. Um dos pontos que não a favorecem é justamente o fundo. Escrevemos um artigo, publicado na “Folha de S. Paulo”, em que criticávamos tanto o distritão – que não passou – como o volume destinado para esse fundo. Não somos contra ter o fundo, mas o volume e as regras de distribuição, como apontou a matéria do Jornal Opção escrita por você e que eu pude ler.
Como podemos contrapor essa dificuldade? Com o engajamento da sociedade. Há quatro anos, não havia esse número de movimentos, pessoas buscando se envolver para apoiar alguém. É como se a sociedade estivesse se organizando para fazer o contraponto a esse grupo que quer manter o “status quo”. Para conseguirmos nosso objetivo, vamos buscar captar recursos com pessoas físicas, via “crowdfunding” [financiamento coletivo para obtenção de capital visando iniciativas de interesse coletivo, geralmente por ações na internet], e uma série de iniciativas para tentar contrapor essa barreira. Vamos entrar nos partidos sem a esperança de ter acesso a esse recurso, nossa aposta é outra.
Augusto Diniz – A internet pode fazer algum candidato ganhar a eleição?
É preciso ter um certo cuidado com isso. Não temos uma análise segundo a qual a internet possa fazer alguém ganhar a eleição, embora ela seja uma ferramenta de papel muito importante. Olhando para as eleições francesas, percebemos um engajamento virtual muito grande na campanha de Emmanuel Macron, mas também um voluntariado de corpo a corpo muito forte. Para nós, é um exemplo interessante. Nas conversas com as pessoas que participaram da campanha dele, tentamos entender o que aconteceu lá para trazer para cá algumas práticas.
Também precisamos ressaltar que renovação por renovação não é algo bom. Donald Trump é um exemplo disso. Mais importante do que ter caras novas é ter caras novas que defendam algo que faça sentido, no caso, uma agenda de prioridades. Por isso, temos pilares na condução de nosso processo: um é o pilar de conteúdo, em que construímos nossas opiniões sobre temas nacionais – reforma política, Previdência etc.; o segundo pilar é o de mobilização, que é o engajamento virtual e de corpo a corpo, no qual vamos investir muita energia, porque nada o substitui, e aqui temos os modelos de mobilização de Macron e também de Obama em 2008.
Elder Dias – A propósito, o sr. teve a oportunidade de recentemente se encontrar com o ex-presidente dos EUA, Barack Obama. Ele é um espelho para o movimento, de alguma forma?
Posso afirmar que ele é a referência pelo menos dos cinco cofundadores. O encontro se deu porque Obama e sua mulher, Michelle, estão lançando sua fundação, com o objetivo de equipar e apoiar lideranças jovens cívicas pelo mundo. Ele veio ao Brasil para uma palestra e queria bater um papo com algumas dessas lideranças. Nós fomos indicados e selecionados, de forma individual – não fomos por causa do Acredito, mas da trajetória pessoal. De qualquer maneira, o que contamos a ele foi sobre o movimento. Obama bem mais escutou do que falou, mas boa parte dos pontos em que nós o questionamos se relacionava com mobilização. Surgiu a curiosidade de como navegar em um modelo polarizado com discursos de ódio, que foi algo por que ele passou e que estamos vivendo, de certa forma, em nossa página na internet e nas redes.
Ele revelou que está escrevendo um livro sobre a experiência das eleições de 2008 e diz que houve alguns pontos muito especiais, que talvez não dê para trabalhar em outros lugares, mas que há práticas com as quais eles querem nos ajudar. Daí nós nos lembramos de uma conversa que tivemos com uma pessoa que trabalhou com Macron, sobre a mobilização que estamos buscando. Essa pessoa nos corrigiu: “Vocês não estão fazendo ‘mobilizing’, mas ‘organizing’”. A diferença é que mobilização tem uma pauta clara – por exemplo, ir para a rua pedir o impeachment de Dilma. Já “organizing” é chegar a um lugar e ouvir os dilemas, para depois ajudar a resolvê-los. E é mais por aí que estamos desenvolvendo nosso trabalho. É preciso entender o que as pessoas querem, o contexto em que as coisas estão acontecendo. Acima de tudo, é preciso ter cuidado com o que eu chamo de “tirania dos experts”, chegar a um lugar dizendo o que fazer porque você estudou. Isso é um erro, com certeza.
Augusto Diniz – O sr. disse que tem aumentado o número de “haters” [perfis com discurso de ódio] na página do Movimento. Como é tentar discutir ideias com quem se interessa pelas pautas, neste momento de polarização?
Estamos aprendendo. O que já percebemos é que é algo superdesafiador. Temos de misturar o virtual com o presencial. Então, em cima disso, desenhamos um modelo de governança. O primeiro era o clássico, hierárquico – isso não durou um mês. Resolvemos adotar o modelo de círculos concêntricos; então, quanto mais ao centro, mais participações nas decisões.
Elder Dias – E o que faz a pessoa ir para o centro das decisões?
Bastam duas coisas: alinhamento com nossos princípios e “ralar”, botar a mão na massa. O mais central é o comitê gestor, com os cofundadores; então, temos um núcleo nacional, hoje com 50 pessoas; a partir daí há o movimento entrando nos Estados e nas cidades, permitindo que os debates aconteçam localmente. Os insights que vierem dos debates são levados ao núcleo nacional. Tem muita discussão virtual, o Facebook é um dos canais principais – embora seja difícil de trabalhar, por conta dos haters e dos robôs. Está sendo um grande aprendizado e, por mais que dê trabalho, é melhor fazer assim, com as pessoas se sentindo parte, do que tentar tocar sozinho, em núcleos menores.
Elder Dias – Que tipo de haters vocês têm? Quais ofensas vocês recebem em seus perfis?
Esses ataques geralmente ocorrem quando o movimento tem uma grande visibilidade. Começamos a ter haters com a entrevista no programa do Bial [“Conversa com Bial”, do qual participou a cofundadora do Acredito Tábata Amaral]. Entraram dezenas, talvez centenas, de pessoas em nossa página, de maneira coordenada, fazendo ataques com o mesmo texto, copiado e colando, geralmente com o estereotipo com relação à esquerda ou à direita.
Elder Dias – Mas costumam tachar o movimento mais como “esquerdista” ou “reacionário”?
Mais como esquerdista. O curioso foi que, depois dessa entrevista com o Bial, no mesmo dia em que apareceu alguém falando que o Acredito era “o novo PSOL” ou “o PSOL de banho tomado”, veio outro comentário falando que não tínhamos nada de PSOL. Outros dizem que não sabemos nada de política, por não estarmos no caminho clássico. O mais paradoxal é dizerem que somos financiados por bilionários que querem implantar o comunismo no mundo. Por isso, achamos que, no fundo, só querem mesmo atacar. O que não tínhamos era noção do poder de coordenação que esses grupos têm.
Elder Dias – Já chegaram a dizer que o empresário Jorge Paulo Lemann estaria por trás do Acredito. Isso procede?
Ele nunca fez doação para nós. Mas, se um dia ele quiser se tornar um doador, não haverá qualquer problema. Infelizmente, ainda não está em nossa lista.
Elder Dias – Tem algum grande empresário que topou a ideia?
Não que a gente saiba. Esperamos conseguir doações maiores, não temos problemas com isso.
Elder Dias – Com a exposição em mídia nacional, aumenta mais o número de haters ou de apoiadores?
Apoiadores, com certeza. A entrevista no programa do Bial foi uma das provas mais claras. Tivemos haters, mas o número de pessoas interessadas que nos procuraram foi surpreendente. Nossa página cresceu bastante e continua crescendo de forma orgânica, sem fazermos nada.
Marcelo Mariano – Como é a atuação do Acredito nas redes?
O Facebook é o principal canal, mas estamos também no Twitter. O Instagram é o próximo passo a dar. O site, porém, é o mais institucional.
Marcelo Mariano – O movimento é voltado especificamente para se engajar no trabalho para o Legislativo. Entretanto, qual sua opinião sobre os pré-candidatos a presidente que nunca disputaram cargo eletivo?
É uma opção estratégica do Acredito focar no Congresso, por ter muito poder e hoje ser pouco representativo de nossa sociedade. Na democracia, o Congresso deveria ser nosso espelho. O lado bom em relação ao Executivo é que, como não vamos apoiar ninguém, estamos mais livres para opinar (risos). De qualquer forma, vou falar a minha visão, não enquanto integrante do movimento. E eu tenho muito pouco preconceito, considero que qualquer pessoa é legítima para postular uma candidatura. O que acho importante é ter o cuidado de não negar a política. Geralmente, os “outsiders” podem ser pessoas que nunca foram do meio político, mas são engajados, que têm uma visão ampla do processo ou os que simplesmente negam a política. Fernando Collor, como candidato a presidente, foi um bom exemplo de outsider com discurso antipolítica e populismo. Esses são dois riscos.
Elder Dias – Que geralmente vêm juntos, não?
(risos) É, tem essa grande chance. De qualquer forma, para quem for sair candidato agora, vejo que o importante é ter disposição a fazer política de verdade.
Marcelo Mariano – O fato de o Acredito não apoiar ninguém ao Executivo não pode ser visto como ficar “em cima do muro”?
Essa crítica é discutível, porque a forma que temos de demonstrar que não estamos em cima do muro é nos posicionarmos sobre os temas. Por exemplo, a reforma da Previdência, não tem nada mais polêmico e vamos nos posicionar. O que pensamos é que há um espaço para olhar mais para o Congresso, mas as pessoas não fazem isso. Ao apoiar alguém para o Executivo, isso toma muita atenção e energia. Então, gente olhando para o Executivo já tem demais.
Elder Dias – Vocês já são procurados por candidatos ao Executivo e no ano que vem serão mais ainda. Tem como sair incólume desse processo?
Não vejo tanto problema. Somos superabertos a conversar com os pré-candidatos, mas já de antemão estamos avisando que não vamos apoiar ninguém ao Executivo. Isso não impede a conversa.
Elder Dias – E como ficarão os candidatos apoiados pelo Acredito ao Legislativo, em relação à chapa do Executivo em suas localidades?
As pessoas terão liberdade para compor com o Executivo, não só na eleição nacional como nas locais. Mas isso não se dará por parte do movimento. Enquanto Acredito não vamos indicar qualquer nome ao Executivo.
Marcelo Mariano – Existe o pensamento em transformar o Acredito em um partido político no futuro?
Hoje isso não está nos planos, embora escutemos bastante esse tipo de questionamento. Não vou dizer que nunca possamos fazer isso, mas a energia que gastaríamos para tentar montar um partido é a que estamos dispendendo para tentar fazer a renovação na política.
Elder Dias – O movimento já tem pré-candidatos em Goiás?
Não oficializamos ainda, embora já tenha alguns nomes com interesse.
Elder Dias – O sr., pessoalmente, tem interesse em ser candidato?
Tenho. E acho que temos de quebrar esse tabu, de que é feio falar em querer ser candidato. Deveria ser bacana, um privilégio, querer ser candidato. Eu tenho esse desejo, outros dos cofundadores também, da mesma forma. De qualquer forma, estamos muito tranquilos quanto a isso e devemos definir tudo por prévias, sem forçar nada.
Em seu último discurso como presidente, em Chicago, Barack Obama disse: “Se você está descontente, vá e proteste; se achar que isso não resolveu, pegue um caderno, colha assinaturas e se candidate você mesmo”. O limite da participação democrática é colocar o próprio nome como candidato ou candidata. A gente quer quebrar o mito de que isso é uma coisa negativa.
Augusto Diniz – Como o movimento vê as candidaturas avulsas, sem ligação a partidos?
Nós somos contra a proibição de candidaturas independentes. Ou seja, para nós isso não deveria ser proibido. O fato de ser candidato independente, ou avulso, não significa que seja uma candidatura individual, sem respaldo coletivo. Um político que admiro e que foi candidato independente é Sérgio Fajardo, que foi prefeito de Medellín, na Colômbia. Foi em sua gestão que se encaminhou a resolução do grave problema da violência local. Depois, chegou a governador e agora quer se candidatar a presidente. Quando eu cursava o mestrado, ele foi bater um papo conosco e falou algo muito marcante. Ele disse que o fato de ter saído como candidato independente não significava que estivesse sozinho: pelo contrário, tinha sido um movimento de uma sociedade inteira, uma coalizão que entendeu que ele era a pessoa certa. Mas a fala era com todo um grupo, com muita gente. Então, o fato de sair independente mostra que, por alguma razão, o candidato não se identifica completamente com nenhum partido, mas é preciso que ele demonstre ter apoio – seja por número de assinaturas, por mobilização etc. Considero isso legítimo.