Presidente do Sindifisco diz que o Regime de Recuperação retirará direitos do funcionalismo e ataca a PGE no caso do decreto de compartilhamento de informações

Paulo Sérgio dos Santos, presidente do Sindifisco | Foto: Rafael Costa

O presidente do Sindifisco, Paulo Sérgio dos Santos, passou a última semana em uma batalha contra a Procuradoria-Geral do Estado em torno de um decreto que obriga o Fisco a compartilhar dados com a PGE. Segundo ele, além de invadir as prerrogativas dos auditores, a medida é perigosa para os contribuintes. Mais: diz que o decreto infla os ganhos dos procuradores com honorários. Em entrevista ao Jornal Opção, na quarta-feira, 14, Paulo Sérgio critica a secretária da Economia, Cristiane Schmidt, tanto pela imobilidade diante do decreto quanto pela insistência na adesão ao Regime de Recuperação Caiado. Também não poupou o governador Ronaldo Caiado pelo atraso na folha de pagamento de dezembro. Leia abaixo:

Rodrigo Hirose – Por que o Sindifisco reagiu tão veementemente contra o Decreto 9.488/19, do Governo do Estado, que compartilha informações com a Procuradoria-Geral do Estado?
A proposta do decreto é o compartilhamento de dados no âmbito da administração pública, direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo e empresas estatais. O governo estadual copiou o decreto 8789/16 do governo federal, que trata de compartilhamento de dados. Com uma diferença: o parágrafo segundo do artigo primeiro [do decreto estadual].

[O artigo] está em descompasso com o restante do texto, pois ele fala de compartilhamento de dados, mas excetua as informações gravadas com sigilo legal (dados bancários, telefônicos e sigilo fiscal de contribuintes). Mas no artigo quatro, o decreto estadual diz que as informações gravadas com sigilo fiscal deverão ser compartilhadas conforme o Artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN).

Só que o Código Tributário Nacional diz que os dados sigilosos só podem ser compartilhados por requisição de autoridade judiciária (ou seja, um juiz, com processo), compartilhamento de dados entre unidades da federação (ou seja, entre as administrações tributárias de cada Estado), ou autoridade administrativa em que seja comprovada a existência de procedimento aberto com requisição à administração tributária que detém as informações – e que avaliará o pedido e entregará as informações mediante assinatura de recibo pela autoridade requisitante.

A regra é o sigilo. O Código Tributário Nacional diz quais são as exceções e, entre elas, não está o que prevê o parágrafo segundo do artigo primeiro do Decreto  9.488/19, que diz que para a Procuradoria-Geral do Estado não existe sigilo.

Rodrigo Hirose – E qual é o objetivo da PGE com esse decreto?
A alegação é de [que será usado para] cobrança de débitos fiscais. Todavia, essas informações já são compartilhadas, dentro do que rege o artigo 198 do CTN. O procurador executa a dívida após o Fisco lavrar um auto, que passa por todo o percurso administrativo até ser inscrito na dívida ativa. Em 99% dos casos as informações fiscais já estão nesse processo, porque quando o auditor lança o crédito, ele tem de instruí-lo, com uma série de informações.

O Fisco também já vem fazendo o arrolamento administrativo de bens e, quando autua, já indica onde o contribuinte tem patrimônio. Em certas situações, a gente faz o Gravame nos cartórios, para que o contribuinte não se desfaça desses bens quando é autuado. Já tivemos casos em que conseguimos desfazer negócios jurídicos.

Então, as informações que o procurador precisa já estão no processo. Quando há algo que ele precisa (como o faturamento da empresa para fazer o bloqueio), é um processo judicial. Quem tem de fazer isso é a autoridade judiciária e não o procurador. Geralmente, ele não tem necessidade nenhuma dessas informações.

O [decreto] foi uma violência ao artigo 198 do CTN, foi uma violência contra administração tributária – na medida em que a secretária da Economia [Cristiane Schmidt] não teve conhecimento desse decreto.

Rafael Cardoso – Para que a PGE quer essas informações?
A alegação é a cobrança dos débitos fiscais.

Rodrigo Hirose – O ex-presidente da Agência Goiana de Planejamento, Jeovalter Correia, afirmou, no Twitter, que essa medida aumentará os ganhos dos procuradores com honorários. Há fundamento nisso?
Também. A Procuradoria-Geral do Estado tem a cobrança judicial como prerrogativa. Quem defende o Estado na Justiça são os procuradores. Todavia, é na fase administrativa onde está a maior parte dos créditos recebíveis. Na fase judicial é mais difícil [receber].

Se hoje os procuradores ganham um honorário de R$ 3 mil pelas ações judiciais, ele receberia R$ 10 mil com o volume de ingressos na fase administrativa. Por isso a Procuradoria vem tentando entrar na fase administrativa e criar o chamado encargo legal da dívida ativa, para criar uma espécie de honorário com outro nome para distribuir aos procuradores, com acréscimo de 10% na dívida do contribuinte. Historicamente a Procuradoria faz essa cobrança sem acréscimo.

Marcos Araken – Que tipo de precedente essa abertura pode criar em relação ao sigilo fiscal das empresas e pessoas?
O risco é para o contribuinte. Estamos vendo as discussões envolvendo o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e a Receita Federal. Imagine ter outros servidores que, em tese, não têm nenhuma necessidade de ter essas informações e essas informações circulando livremente?

O objetivo do parágrafo segundo [do decreto 8789/16] é que as informações sejam cedidas de forma automatizada, ampla, restrita e gratuita. Não haveria a análise de adequação do pedido ao processo. A informação fiscal só é repassada a terceiros, de acordo com o CTN, processo a processo. O auditor tem de chegar se o pedido [de acesso] tem alguma necessidade, o pedido tem de ser fundamentado ou pode ser indeferido.

Rodrigo Hirose – E os auditores recebem esses honorários?
Não recebemos nada a título de honorários.

Rodrigo Hirose – E por que a PGE receberia?
É uma discussão que vai desde o estatuto da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] à Lei Complementar 58.

Rodrigo Hirose – O sr. acredita que a motivação da PGE com esse decreto são os honorários?
Na experiência entre Fisco e Procuradoria, isso tem acontecido de forma sistemática. Os procuradores nos ofereceram a criação de um encargo legal na dívida tributária para repartir com os auditores. Quando assumi o sindicato, fui chamado para uma conversa como essa.

Então, tudo envolve honorário. A Lei Complementar deles diz que, além dos honorários de sucumbência fixados pelo juiz, que é o que em tese eles teriam direito (o que também é discutível), fica fixado um honorário de 10% sobre os recebimentos de créditos em dívida ativa ainda não definitivamente julgados.

É uma aberração que existe no Estado. Não sei por que ninguém mexe nisso. Quando se fala no assunto, todo mundo desconversa. Mas é algo que virou praga no Estado. Mas que não avance nas prerrogativas do Fisco.

Não estamos usando a questão dos honorários para prejudica-los em algum direito ou privilégio, não importa o nome que se dê. Mas a gente não pode permitir que, a pretexto de se pensar em algo maior para o Estado, na verdade se está buscando é aumentar a base de cálculo de seus ganhos.

Deixei claro em uma reunião com o Ernesto Roller [secretário de Governo] que não existe a menor possibilidade de discutirmos uma saída que fique boa para todo mundo. Ficar bom para todo mundo é violar o artigo 198 do CTN. Nenhum outro servidor do Estado tem direito de acessar a base que está gravada em sigilo fiscal. Ele tem de requerer à administração tributária.

Eu tenho prerrogativa e dever funcional de avançar no sigilo do contribuinte, para que possa fazer auditoria e verificações necessárias. Não há como fazer auditoria de uma empresa sem chegar de quem ela comprou e para quem ela vendeu, se houve pagamento com cheque ou dinheiro. O auditor tem a responsabilidade de verificar o cumprimento da legislação tributária pelo contribuinte.

Mas a lei diz que eu não posso divulgar essas informações. Tenho de guarda-las em sigilo, exceção feita à requisição de autoridade judiciária, compartilhamento de dados entre entes federados e autoridade administrativa (aí entra o procurador do Estado) dentro da necessidade do procedimento aberto, com justificativa do por que ele precisa saber o faturamento de uma determinada empresa. Aí o Fisco defere ou indefere caso ele esteja fora dos limites do processo em avaliação.

A ordem para guarda do sigilo é para a autoridade administrativa responsável por fiscalizar o cumprimento da legislação tributária pelo contribuinte.

Rodrigo Hirose – A possibilidade de a PGE ter acesso a esses dados sigilosos expõe de alguma forma torna o contribuinte a algum tipo de fiscalização com interesse político?
Claro. O fato de o Fisco ter a prerrogativa do acesso ao sigilo não garante que a informação não seja usada de alguma maneira [indevida] por desvio de conduta. Mas não posso presumir que um procurador, ao ter acesso às informações, vai entrega-las para outras pessoas. Mas, quanto mais pessoas tiverem acesso a essas informações maior a possibilidade de que ela seja compartilhada de forma indevida.

“Quanto mais pessoas tiverem acesso a essas informações de sigilo fiscal maior a possibilidade de que ela seja compartilhada de forma indevida.

Temos uma gerência que cuida apenas do sigilo, da regulamentação, admissibilidade de pedidos feitos por autoridades administrativas, controle de acesso dos auditores. O auditor não entra no sistema e sai pegando o que quer. Há todo um rastreamento de acesso, uma ordem de serviço que limita o que ele tem de fazer em relação a determinado contribuinte.

Se nós temos esse controle, imagine para quem não tem a prerrogativa para guardar? Quando entregamos a informação para outra autoridade, o dever de sigilo também é transferido para ela. Não é algo indiscriminado.

Estamos vendo o Coaf. Pode haver uso político, sim. A parte do Fisco é a regulamentação e de controle e verificação de dados.

Estivemos com o governador [Ronaldo Caiado] segunda-feira, 12. Chegou um momento da reunião que eu alertei: “Governador, o senhor está falando de uma coisa e eu estou falando de outra”. Ele deu exemplo da quadrilha de tráfico de drogas que foi desbaratada graças ao compartilhamento de dados entre a polícia [de Goiás] e a Polícia Federal.

Ele está pensando em algo grande: um núcleo multidisciplinar e intersetorial ligado a ele, que vai trabalhar no combate à criminalidade. Disse para ele: “Governador, acho joia, o Fisco está pronto para colaborar. Mas estamos falando de outra coisa. Esse decreto nada tem a ver com o que o senhor está falando. Ele só cuida de Procuradoria e cobrança de débito”.

O que tem a ver o combate à criminalidade, prender bandido, lavagem de dinheiro e corrupção com cobrança de créditos públicos?

Rodrigo Hirose – E o governador sinalizou com uma medida para resolver?
Ficou claro para ele que o decreto não foi o que ele pediu. Tanto que vai ser feito outro e revogar esse.

E aí vai criar o núcleo de trabalho que o governado tem interesse, integrado pelo Fisco, Segurança Pública, Procuradoria, Ministério Público, CGE. Esse núcleo fará esse trabalho investigativo, em todas as frentes possíveis, para se desarticular quadrilhas e tudo o mais. Não tem nada a ver com compartilhamento de dados e abertura para procurador ter acesso a pretexto de cobrar débito.

Marcos Araken – O sr. disse que há uma quantidade grande de processos na fase administrativa e uma pequena parcela em cobrança judicial. Por que esses processos não são judicializados?
Eles têm toda uma fase de julgamento, de controle de legalidade administrativa. A partir do momento em que o auditor conclui seu trabalho e entrega o auto de infração, o contribuinte é intimado a comparecer para pagar, parcelar ou recorrer. Quando recorre, vai para o Conselho Administrativo Tributário, onde percorre a primeira e a segunda instância e o pleno. Paralelamente, o contribuinte pode recorrer à Justiça independentemente da fase administrativa.

Vencido essa fase, vai para a Superintendência de Controle de Recuperação de Crédito, que é que faz a cobrança efetiva na fase administrativa. A fase de julgamento pode levar de dois a cinco anos. Quando chega à dívida ativa, tem de se fazer saneamento e levantamento de bens, análise de quadro societário. Aí faz o peticionamento à Procuradoria-Geral do Estado, já com toda essa documentação, para que ela faça a execução. Não é uma máquina que faz com prazos certos. Nós temos prazos, mas o volume de entrada é muito grande.

Marcos Araken – E como resolver esse problema? Essa logística processual favorece o contribuinte que não paga…
Tem de haver o direito à ampla defesa e ao contraditório. Os advogados hoje são mais especialistas em encontrar nulidades formais do que questionar os autos em seu mérito. Quando vai para o pleno, é só por questão de mérito e, normalmente, aí eles não têm sucesso.

Marcos Araken – É possível mensurar quanto está contingenciado nessa fase administrativa?
O setor responsável tem todo esse fluxo de circulação de processos. A Procuradoria não executa qualquer valor. Ela estabeleceu um piso para entrar.

Marcos Araken – E de quanto é esse piso?
Se não me engano, R$ 500 mil. Abaixo disso, podem até fazer, mas não são obrigados.

Normalmente, o procurador que atua em uma área, tem um escritório, em associação com outros advogados, nessa mesma área.

Rodrigo Hirose – E ele pode ser sócio?
Pode, não é proibido. Imagine se esse decreto prevalecer. Vai ter o agente público, que não tem dever de dedicação exclusiva, atuando no mercado privado de advocacia com informações sigilosas dos contribuintes. Saiu em um blog: imagine o procurador com a lista de contribuintes devedores de ICMS? Eu entrego para o meu sócio e ele diz para o contribuinte: “Você está devendo isso, isso e isso”. Infelizmente, quando falo isso, ninguém quer ouvir.

Rodrigo Hirose – Como ficou a situação dos superintendentes que entregaram o cargo para a secretária da Economia?
A condição [de permanecerem] é rever o decreto.

Rodrigo Hirose – Foi dado um prazo para resolver isso?
A secretária não está aí [a entrevista foi concedida na quarta-feira, dia 14]. Ela viajou na sexta-feira [9] e ainda não veio esta semana. Os colegas continuam trabalhando, mas não estão prestando nenhuma informação [à PGE] com base nesse decreto. É o mesmo que não existir.

Choveram pedidos [de procuradores] depois do decreto, recorreram à secretaria de Desenvolvimento e Inovação, que controla a tecnologia do Estado, porque querem o acesso automatizado. Começaram a fazer pedidos, formularam uma instrução normativa regulamentando o decreto. O secretário Adriano Rocha Lima não foi consultado sobre isso.

E os colegas continuam trabalhando normalmente, como se não houvesse o decreto, até que se tome uma decisão definitiva. O que foi deixado claro para a secretária é que, se o decreto for mantido como está, os superintendentes não vão continuar. Nenhuma deles.

Rodrigo Hirose – Hoje, então, o decreto está sendo descumprido?
Está. Inclusive com aval do governador. Tanto ele como o Ernesto Roller. Enquanto não resolver, não se aplica o decreto.

Rodrigo Hirose – O sr. acha plausível a alegação da secretária Cristiane Schmidt de que não sabia da existência de um decreto que mexe tanto com uma área que está sob o guarda-chuva dela? Isso não atinge a autoridade dela?
Essa informação de que ela não sabia foi divulgada por nós. Ouvimos dos superintendentes que ela teria iniciado a reunião com essa fala: “Não estou sabendo desse decreto”. O subsecretário nos passou isso. Dela mesmo eu não ouvi.

Ela não tratou do assunto em momento nenhum. Isso está até gerando um desconforto, porque, em tese, se esperava que a secretária da pasta se posicionasse. Até o momento, ela não se posicionou. Quem está fazendo esse papel é o Sindifisco.

“Queremos saber o que a secretária Cristiane Schmidt vai fazer daqui para frente”

Tive o prazer de ouvir do Pedro Sales, que é uma pessoa próxima ao governador, que nossa irresignação foi atendida. Mas fomos nós que demos cobertura pelos superintendentes. Fui pego de surpresa, porque não imaginava que eles iriam fazer isso [colocar os cargos à disposição], apesar de que eu iria cobrar isso deles.

Eles deixaram claro para a secretária que, além de ser uma responsabilidade funcional, essa é uma questão de prerrogativa do auditor fiscal. Antes de serem superintendente, eles são auditores. Amanhã eles podem deixar a superintendência, tanto o subsecretário da receita quanto os outros quatro, e vão trabalhar na ponta, com processinho, tendo de acessar o sistema.

Eles saber a posição que estão ocupando e fizeram muito bem de expor essa situação. Pois, se ficassem fazendo cobertura para segurar a onda da secretária… Na categoria está gerando um desconforto porque não vimos a secretária se posicionar.

Creio que realmente ela não soubesse da manobra que foi feita dentro do Palácio Pedro Ludovico. Agora, é saber o que ela vai fazer daqui para frente. Quero saber se ela não vai subir na mesa, bater no peito e dizer: “Vocês me desrespeitaram”. Como eu disse para a filha do governador [Ana Vitória Caiado: “Vocês entraram na minha casa, chutaram a porta, invadiram e agora querem negociar comigo uma maneira de sair. Negativo, não era nem para ter posto o dedo na maçaneta.”

Não forcem a barra com o decreto, fazer um “mais ou menos”, regulamentar e continuar com o acesso. Negativo. Vai sair todo mundo lá de dentro. É revogação do parágrafo segundo. Estou batendo nessa tecla.

Tive de reagir, quando me chamaram para uma reunião para fazer… [um ajuste]. Negativo. É revogação do parágrafo segundo. Depois estivemos com o governador, porque houve uma dissintonia entre o que ele falou na segunda-feira e o que eles tentaram fazer.

Agora o Pedro Sales foi chamado para redigir outro decreto, criando o, digamos, gabinete de segurança, ligado ao governador. E revogar o decreto.

Estamos com a equipe que trabalha com o sigilo trabalhando para redigir uma minuta. Nossa intenção é chamar os outros órgãos que vão compor esse grupo para fazer uma redação juntos.

O governador idealizou uma coisa, mas operacionalizaram outra, para atender um determinado grupo de servidores.

Marcos Araken – Tirando da equação a questão do sigilo e dos honorários, esse decreto não facilitaria a cobrança? De alguma forma não iria fortalecer a cobrança desses contribuintes que estão inadimplentes?
Não, porque nenhuma informação é negada para a Procuradoria, de maneira que prejudique o trabalho deles.

“A briga não é por conta de achar que o Fisco tem privilégio” | Foto: Fábio Costa

Marcos Araken – Mas o sr. disse anteriormente que alguns pedidos são negados.
Porque não há sintonia entre o pedido e o processo. É por isso que há deferimento. O processo está todo instruído, com identificação do sujeito passivo, se há passivo solidário, se tem patrimônio. Toda documentação necessária.

O que o procurador faz com o processo administrativo inscrito em dívida ativa e cobrança judicial? Ele vai à Justiça e cobra a execução. O máximo que o procurador vai fazer é a movimentação bancária. Mas, se o processo está na Justiça, o requerente é a autoridade judiciária, é o juiz. O procurador não é autônomo no processo judicial. Tudo é feito mediante peticionamento. Estamos vendo o que está acontecendo com a Lava Jato.

Rodrigo Hirose – Então voltamos à questão de que quanto menos servidores tiverem acesso às informações, mais segurança para o contribuinte.
Sim. Por exemplo: você tem a representação comercial de um determinado produto e eu tenho a informação de que um supermercado costuma comprar de certa empresa, com preço, volume, periodicidade. Isso é ouro no mercado. Eu consigo fazer toda uma operação de abordagem do cliente.

A briga não é por conta de achar que o Fisco tem privilégio de ter a guarda da informação.

Ítalo Wolf – Quais os mecanismos que o Fisco tem para proteger essas informações que a PGE não teria?
Esse é outro problema. Em tese, o Fisco deveria deter todo o parque tecnológico. Mas, desde 2011, a tecnologia foi centralizada na Secretaria de Planejamento. Até 2010, toda a tecnologia era centralizada na Secretaria da Fazenda. Em princípio, o Fisco deveria deter a gestão da tecnologia, pelo menos no aspecto da base de dados.

Ninguém entra na nossa base de dados, mas ela fica na Secretaria de Desenvolvimento – que ficou no lugar da Segplan. Mas a secretaria não tem permissão para entrar no servidor onde as informações estão salvas, não têm acesso. Nós controlamos. Mas não o ideal. O ideal era que tivéssemos isso diretamente com a administração tributária, não por via de terceiros.

Rodrigo Hirose – No início do ano, os auditores apresentaram ao governo um projeto para incrementar a arrecadação. Alguma coisa foi aproveitada?
Fizemos essa apresentação no dia 31 de janeiro. Após duas semanas, a secretária nos chamou e se chegou a um número de R$ 2,5 bilhões de incremento, em dois anos, caso as medidas fossem adotadas. Não chegou ao número que havíamos estabelecido porque parte dessas medidas não teria efeito imediato, como a vedação da transferência e acumulação de crédito.

O volume de crédito é tão grande que, se forem proibidas novas acumulações, nos próximos dois anos as empresas ainda estarão consumindo esses créditos, que são de aproximadamente R$ 2 bilhões.

Rodrigo Hirose – Enfim, o governo adotou as medidas ou não?
Até hoje não. Foi feita a análise das proposições, que são efetivamente válidas. Algumas, com impacto imediato, algumas a partir de dois anos. Se fosse implementado em fevereiro, teríamos um incremento de R$ 2,5 bi em dois anos.

Estamos falando de um orçamento aprovado que abriu o ano com R$ 3,4 bilhões de déficit e projetando um déficit de R$ 6 bilhões no final de 12 meses. Os R$ 2,5 bilhões seriam atingidos com medidas feitas por meio de decreto do governador.

Reduzir a renúncia fiscal aumenta a arrecadação, aquece o mercado, tudo isso. O que acontece hoje é um mero jogo de ativos. Tem empresa pagando menos de 1% (de ICMS).

Rodrigo Hirose – E por que o governo não implementou as sugestões?
É uma questão de timing político. Sabemos que o governo não tem uma base parlamentar segura, como no passado. O governador não conseguiu eleger o presidente da Assembleia. A partir daí, não é que a negociação fique mais complicada, mas é como todos querem: uma Assembleia Legislativa que se impõe, que quer debater as matérias.

Nenhum projeto importante [do governo] foi enviado à Assembleia Legislativa até hoje. A autorização para adesão ao RRF [Regime de Recuperação Fiscal] é só uma autorização, mas, para aderir realmente, o governador precisa mandar uma chuva de normas para aprovação pela Assembleia.

A liminar [concedida pelo ministro do STF Gilmar Mendes] garante pelo menos que o Estado não pague a dívida por seis meses. Isso gira em torno de R$ 150 milhões por mês. Quando saiu a liminar, achei que ia dar uma folguinha e fui ao Tesouro [do Estado] para saber a situação. E o gerente me disse que há dois meses o governo já não pagava. Já estavam sem pagar contando com a liminar.

Não são medidas fáceis, sabemos disso. Já estivemos na Fieg [Federação das Indústrias do Estado de Goiás] e nos tentaram convencer, porque começamos a fazer uma campanha forte [pela redução dos incentivos fiscais].

A gente não está atacando os benefícios. O problema são as distorções. Se compararmos o Goiás de 1998 com o de 2015, é outro Estado. A arrecadação de ICMS em novembro de 1998 foi de R$ 128 milhões. Hoje, falamos de mais de R$ 1,5 bilhão. O parque industrial de Goiás mudou, porém, com um preço alto.

Rodrigo Hirose – O custo-benefício não é, portanto, positivo?
Não posso dizer o nome, mas há empresa que criaram 500 empregos, 1 mil empregos, e ganharam milhões [em benefícios]. Há caso de empregos de R$ 5 milhões. Antes pagar R$ 10 mil para um [trabalhador de] e manda-lo ficar em casa por dois anos.

A Receita Federal define o que é renúncia fiscal, que é o gasto tributário. Ao invés de o Estado colocar o recurso no bolso e fomentar o desenvolvimento, ele abre mão de receita para que a empresa venha, se instale, expanda, gere emprego, renda e arrecadação.

Porém, quando isso começa a trazer prejuízo, tenho de rever o gasto. Isso acontece na casa de qualquer um. É preciso saber a medida certa do gasto para que ele não venha a me envenenar. Tenho de fomentar o desenvolvimento, a geração de renda e de emprego, só que tem de haver um equilíbrio entre o que estou investindo e o que você está me dando de contrapartida.

O incentivo tem de ser de tal maneira que traga desenvolvimento e não seja meramente para financiar lucro.

Rodrigo Hirose – Em várias entrevistas feitas pelo Jornal Opção, especialmente os deputados de oposição dizem que, se o governador Ronaldo Caiado fizesse o dever de casa, como adotar medidas de incremento da arrecadação, por exemplo, teria tido mais resultado que a busca de recursos em Brasília – que efetivamente não tiveram êxito. O Sindifisco pensa o que dessa situação?
Olhando para dentro da nossa casa, temos uma dificuldade. Quando se leva o Planejamento para dentro da Fazenda, a tendência é focar no corte de despesas, redução de gastos aqui e ali, e negligenciar o que é a porta de saída do problema, que é reduzir ao máximo a sonegação. É otimizar a máquina pública de forma que ela consiga trazer para o cofre público o máximo de recursos gerados pela economia.

Então, se consigo reduzir a sonegação, logicamente estou aumentando a arrecadação. Se parto foco meu dia a dia em cortar gasto, cafezinho, gratificações, esse tipo de coisa pequena, enquanto precisamos de inteligência e tecnologia…. Falei para secretária: cuidado, todas as vezes que trouxe Planejamento para cá, a receita ficou negligenciada. E a porta de saída é a receita.

Contenção de gastos é papel de qualquer administrador, mas incrementar a receita é questão de inteligência.

Rodrigo Hirose – Como foi possível aumentar a arrecadação esse ano?
Trabalho de fiscalização, revisão de termos de acordo, a restituição de benefícios em dezembro. Foi feita a revisão de alíquota do Protege. A projeção era de um incremento de R$ 80 milhões por mês e ele está girando em torno de R$ 50 milhões. O que o governador projetou de R$ 1,2 bilhão de incremento de receita, só com a revisão dos benefícios, chegará de fato a R$ 750 milhões.

Mas temos trabalho junto à Delegacia de Ordem Tributária, o Cira [Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos], as equipes de cada uma das gerências estão sendo redimensionadas. Desde o início do ano, esse trabalho está trazendo resultados.

Ítalo Wolff – Quais foram as sugestões do Sindifisco que foram adotadas pelo relator da CPI dos Incentivos Fiscais, deputado Humberto Aidar?
A CPI abraçou a proposta do álcool anidro [fim do crédito outorgado para as usinas] e a do grupo econômico.

“Sempre que o governo quer cortar gasto, o secretário da Fazenda é protegido” | Foto: Fábio Costa

Marcos Araken – Dos últimos secretários de Fazenda, atualmente de Economia, qual era o que menos sofria interferência política?
Não sei dizer. Mas sempre que existe uma intenção do governante de conter gastos, o secretário é mais protegido. Por exemplo: Ana Carla Abrão, a Cristiane Schmidt e o Simão Cirineu. São períodos em que o governador tem de colocar ordem na casa. Aí chama alguém de fora. Esse [secretário] é blindado por um tempo, fica um ano, um ano e pouco.

Quando o assunto é tesourar, traz alguém que não tem lado de chegar, que muitas vezes nem é daqui. Esses são os períodos em que o governador diz “não me pergunte nada a respeito da Secretaria da Fazenda, porque não vou ajudar”. Porque o governador dá carta branca ao secretário.

Mas, quando faltam dois anos para o final do mandato, muda e traz alguém mais “jeitoso”, como diz um diretor nosso.

Teve também o Jorcelino Braga. Em 20 anos, nunca tivemos um secretário como ele, que era praticamente o primeiro-ministro. O Cidinho [o ex-governador Alcides Rodrigues] colocou tudo na mão do Jorcelino e centralizou tudo na Secretaria da Fazenda. Ele foi o secretário que mais tivemos investimento e segurança para trabalhar.

Rodrigo Hirose – Qual a avalição do servidor da secretaria sobre a secretária Schmidt, tanto tecnicamente, quanto politicamente e como liderança?
Politicamente ela não tem cacoete, nenhum perfil. Ela nunca atuou nessa área, em nenhuma secretaria. Ela veio do Cade, que é um conselho praticamente de fiscalização, mas não tem experiência anterior fora da sala de aula e do Cade.

Ela tentou, logo na chegada, colocar o Estado na UTI, mas não conseguiu colocar Goiás no Regime de Recuperação Fiscal. Isso daria para ela certa tranquilidade. No Regime de Recuperação Fiscal, qualquer decisão não seria mais unicamente do governador e da secretária. Haveria um membro do Tesouro Nacional, um membro do Tribunal de Contas da União.

Após o fracasso na adesão, ela teve de lidar com todas as carreiras, todas as questões administrativas da secretaria. Ela trouxe um número grande de profissionais de fora, que não têm o menor conhecimento da nossa realidade – aos poucos, estão chegando à conclusão de que se não valorizarem o servidor da casa, não conseguirão trabalhar.

A impressão que deu é que pensar que, em Goiás, não deveria haver muita coisa. Goiás não deve ter nem controle. Um superintendente foi ao Rio Grande do Sul pegar informações sobre tecnologia e ouviu lá que o cara da tecnologia estava na Sefaz de Goiás, o Eugênio César.

Rafael Cardoso – Estou fazendo uma série de reportagens sobre recuperação judicial. Há empresas acumulando dívidas tributárias bilionárias, que nunca são recuperadas. Em entrevista, um juiz da Vara da Fazenda Pública afirmou que o Fisco não fiscaliza as empresas. Como funciona essa fiscalização?
Nós temos cinco anos para fazer a constituição do crédito tributário, senão entra em decadência. A nossa fiscalização normalmente prioriza os fatos geradores próximos a caducar. Pode acontecer de, pelo volume de empresas, não conseguir fiscalizar todas.

Nós temos ferramentas que trazem dados para nós e a gente consegue direcionar.

Rafael Cardoso – Há empresas com R$ 1,5 bilhão em dívida tributária. Ela não acumula isso em dois meses. Qual o momento que o Fisco entra nisso?
Nós temos uma lei de devedores contumazes, nenhuma empresa acumula débitos com o Estado. Se são operações de ICMS que ela não pagou, certamente já foi autuada.

Rodrigo Hirose – Por que o Sindifisco é contrário à adesão do Regime de Recuperação Fiscal?
O Regime de Recuperação Fiscal trava o Estado completamente, fora as medidas que virão e que são duras com o servidor. No RRF, não há nem a contenção de gasto com folha, é redução. Para reduzir, é [preciso fazer] corte de direitos.

Servidor público não tem FGTS. Recolho 14,25% de contribuição previdenciária, o teto do INSS é de 11%. E minha contribuição é sobre a renda bruta, não há teto de contribuição. E aí querem trazer a visão do trabalhador para dentro do setor público.

Eu preciso de estabilidade, pois, se fiscalizo uma empresa ligada a algum político, seja lá qual for ele, ou se eu der uma entrevista a um jornal, posso estar exonerado no dia seguinte. Estamos vendo a discussão sobre se o Eduardo Bolsonaro [filho do presidente] vai para a embaixada em Washington, EUA. Sem a estabilidade, é isso que vai virar: apadrinhamento político e o concurso vira nada.

Há uma série de coisas que existem não por um privilégio do servidor público. Existem distorções, mas existem processos administrativos para demissão. Em 21 anos que trabalho, já vi 12 auditores sendo mandados embora por corrupção. É pouco? Tem de aperfeiçoar o processo e não acabar com a estabilidade.

Voltando ao Regime de Recuperação Fiscal, 90% das medidas exigidas são contra o servidor público. Mas não é só por isso [que somos contra]. Sabemos que o Estado não está nessas condições. A Lei foi editada para socorrer o Estado do Rio de Janeiro, no auge da crise.

Regime de Recuperação Fiscal é para o Rio de Janeiro. Goiás não está nessa situação. A Secretaria do Tesouro Nacional veio aqui, a pedido do governador, fez um diagnóstico das contas e bateu o martelo: Goiás não preenche os requisitos para o RRF. O Tesouro é técnico, não tem essa de pedir “coloca nossa classificação em D para eu poder aderir”. Uma liminar não vai mudar isso. Gilmar Mendes agora decidiu que Goiás é o Rio de Janeiro.

Essa situação está sendo forçada, quando, em oitos meses, já poderiam ter sido tomadas uma série de decisões importantes, que trariam um incremento mínimo [na arrecadação] que daria uma condição tomar alguma decisão e seguir sua vida com o mínimo de segurança. E tem a Lei Mansuetto, que é mais branda, mas ainda não foi votado.

É muito fácil se voltar para o servidor público como vilão.

“É muito fácil se voltar para o servidor público como vilão” | Foto: Fábio Costa

Rodrigo Hirose – O sr., como presidente de uma entidade que representa um grupo que faz parte de uma elite do funcionalismo público, faz qual avaliação do governo Caiado até agora?
O governador tomou a decisão errada quando não pagou a folha de dezembro. Alguém vendeu pra ele que era uma medida necessária para aderir ao regime [RRF]. A folha de dezembro foi usada para tentar forçar o Estado a entrar no Regime de Recuperação Fiscal, porque um dos requisitos é a dívida consolidada.

A secretária Cristiane Schmidt forçou para que a folha de dezembro fosse incluída nessa dívida consolidada, mas o Tesouro Nacional disse que essa dívida tinha de ter 12 meses de vencimento. Ela tentou forçar para bombar a dívida consolidada do Estado e não deu certo.

A discussão era que poderíamos deixar o governador pagar a folha de janeiro antes da de dezembro, porque, se fizesse, pagaria do jeito que pudesse. Em janeiro, ele pagou dentro do mês. Em fevereiro, já pagou um parte dentro do mês e o restante no outro. Em março, já começou a pagar dia 10.

Pagar no dia 10 foi uma sugestão que dei no dia 3 de janeiro. Sugeri a ele que seguisse o calendário normal, até o décimo dia do mês seguinte. Aí iria acertando o calendário aos poucos.

“Caiado se desgastou com o servidor. Tem gente, como eu, minha categoria, que não recebeu dezembro até hoje”

Ele se desgastou com o servidor, tem gente, como eu, que não recebeu até hoje. A lógica do escalonamento, do menor para o maior salário, é justa. Quem ganha menos, gasta tudo no consumo, não sobra nada.

Mas, na origem do problema, ele poderia ter agido de forma diferente. É reprovável não pagar uma folha com a argumentação usada na época.

Agora, com essa insistência em aderir a um regime que trás todo tipo de atrocidade contra o servidor. Apesar de ele também exigir a redução de 10% dos benefícios, que é uma medida boa. Talvez nem fosse preciso atingir o servidor. Triplica essa redução de benefício e está resolvido o problema, se for olhar em valores nominais.

O grande problema é querer colocar o Estado em uma UTI, que vai trazer danos ao servidor. A própria lei complementar exige medidas que são contrárias aos interesses dos servidores.

O olhar para o servidor é muito perverso. Os governantes se utilizam disso para legitimar suas escolhas. Dizer que eu não tenho teto de contribuição, que contribuo 14,25% em cima do bruto, não vejo ninguém dizer.

O servidor não é o vilão da história. Vilão é quem faz má gestão, quem desvia recursos públicos, não é o servidor que trabalha todos os dias. Há problemas? Sim. Cabe ao governo que faz a gestão resolvê-lo. O servidor exerce seu papel servindo ao público. Nós recebemos um salário porque fizemos a contraprestação à sociedade. Ou, quando chega num posto de saúde, não tem um médico, um enfermeiro para atender? E o auditor que conseguiu reduzir a sonegação e permitiu que o governo aplicasse o recurso no hospital? Será que nosso salário é benefício? Não, é a contrapartida pelo trabalho que nós prestamos.

A gente sempre se levanta contra as medidas simplistas, que tiram os direitos do servidor usando essa retórica perversa, de colocar o servidor como vilão. E é o que fazem o tempo inteiro, quando querem tomar uma medida politiqueira a pretexto de resolver um problema de finanças do Estado.

Marcos Araken – O deputado Cláudio Meirelles nos deu uma entrevista em que disse que a arrecadação seria incrementada se a Secretaria da Economia tivesse um corpo mais de fiscalização. Ele citou como exemplo a presença de carros da fiscalização na Rua 44. O que o sr. acha desse tipo de medida?
É a opinião de quem desconhece a máquina da fiscalização. O deputado Cláudio Meirelles é do quadro de servidores da Secretaria da Economia, mas é do quadro de apoio e não do Fisco. Ele é da carreira que dá apoio à fiscalização, não participa do planejamento, e há o tempo em que ele está fora da atuação o dificulta [a fazer uma análise].

“Falar em espalhar viaturas na cidade é voltar aos anos 1980 e 1990” | Foto: Fábio Costa

É [uma medida] simplista nesse ponto. Falar em espalhar viatura na cidade é coisa das décadas de 1980 e 1990. O que a gente precisa fazer com a Polícia Militar para a segurança pública? Ter um policial para cada cidadão? Não é assim.

A Rua 44 é um problema social, mais que fiscal. Ali não se resolve com viatura. Ali não se consegue nem andar para comprar, imagine para fiscaliza. Encontramos em apenas um computador com mais de 40 certificados digitais, cada um com um CNPJ, para emitir nota fiscal para quem quiser, no valor de 3% da nota fiscal.

Aquilo ali não é com viatura que vai resolver. Tem de colocar a Polícia Civil junto de nós.

“Então, concluindo a questão do deputado Cláudio Meirelles, ele está desatualizado, não conhece nem um risco do que é a fiscalização hoje. “

Rafael Cardoso – Há alguns projetos de Reforma Tributária em tramitação no Congresso. O que o sr. pode dizer sobre eles?
A PEC 45 [Proposta de Emenda Constitucional], que é do deputado Baleia Rossi, proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal, fala em unificar todos os impostos federais, estaduais e municipais e criar um IVA [Imposto sobre Valor Agregado] nacional. Essa tem a resistência dos governadores, porque se prevê a criação de um comitê nacional gerido pela União. Os Estados querem que o controle desse comitê seja deles e dos municípios, que repassariam a parte da União.

Deixar a União gerir e simplesmente fazer dos Estados meros receptores de repasses, você concentra ainda mais o poder de tributar. Os 27 secretários de fazenda assinaram um termo contrário à PEC 45 e vão apresentar um substitutivo no Senado.

A [proposta de criação de um tributo] da movimentação financeira é difícil de ser aprovada porque vem com a pecha da CPMF. O próprio presidente já falou que CPMF não volta em seu governo. A proposta do Paulo Guedes que será enviada ao Congresso vai tentar fugir dessa briga. Então ele quer simplesmente unificar o IPI, PIS e Cofins e criar o IVA federal.

Então, os Estados discutem a reforma sobre ICMS e ISS. Mas o relator da PEC pode também juntar todas as propostas e fazer um só projeto de reforma tributária, que é a mais importante, era a que deveria ter sido feita primeiro. Vamos tributar patrimônio e renda.

Mas até agora só se falou em simplificar o que incide sobre o consumo. Quem é que consome mais nesse país? O pobre. Ou o pobre faz investimento na Bolsa? Não tem dinheiro para guardar. Para se ter uma ideia, se você tem uma moto, paga IPVA; se a troca por um carro, paga IPVA. Mas se você comprar um avião, não paga IPVA. Jet Ski não paga, helicóptero não paga.

O nosso sistema tributário é regressivo, quem ganha mais, paga cada vez menos. A Receita Federal tem um estudo que mostra que quem ganha acima de 360 salários mínimos por mês paga, em média, 6% de Imposto de Renda. [O IR] é progressivo até 40 salários mínimos. A partir daí, ele começa a decrescer. O País é injusto por isso.