“O clima eleitoral em Goiás este ano é muito mais favorável ao PT”
03 julho 2022 às 00h00
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Presidente estadual do PT diz que “prioridade zero” do partido é tirar o Brasil da crise com a eleição de Lula e da formação de uma boa base
No comando estadual do PT desde 2017, a professora Kátia Maria sabe muito bem como foi difícil fazer campanha nos últimos tempos tendo a estrela petista no peito. “Eu chegava às cidades e me falavam ‘olha, não estamos podendo falar muito de política, de PT, porque até os vizinhos ficam bravos com a gente’. Ou ‘somos do PT, mas vocês precisam arrumar outras pessoas para seguir com o partido aqui na cidade’.
Mesmo diante do cenário adverso, a direção do partido, comandada por ela, percorreu o Estado inteiro desde as eleições de 2018. O saldo é bastante positivo: da presença em 98 municípios goianos, o PT este ano está organizado em 220. O aumento da abrangência leva a presidenta do partido a vislumbrar um bom aumento da bancada petista na Câmara e na Assembleia – Kátia, diga-se, é pré-candidata a deputada estadual.
Tendo a educação como sua origem na militância, em Senador Canedo, ela está filiada ao PT desde 2003 e já ocupou outros cargos no partido. Depois da “tempestade” que foram as últimas eleições para os petistas, ela não esconde a prioridade: fazer com que Lula tenha o melhor palanque possível em Goiás, de modo a que vença as eleições não só no Brasil, mas também no Estado.
O momento atual marca um ressurgimento do PT? Depois de tudo que o partido sofreu desde 2013 e, especialmente, com a Operação Lava Jato e o processo de impeachment de Dilma Rousseff, existe esse sentimento?
Não tenho dúvida de que seja um processo de reconstrução do PT. Quando assumi o partido em Goiás, em 13 de junho de 2017, estávamos organizados em apenas 98 cidades do Estado. Muito em razão desses ataques, das dificuldades que encontrávamos de enfrentamento ao golpe, da criminalização da política. Eu chegava às cidades, ainda como vice-presidenta do partido, e me falavam “olha, não estamos podendo falar muito de política, de PT, porque até os vizinhos ficam bravos com a gente”. Diziam algo como “somos do PT, mas vocês precisam arrumar outras pessoas para seguir com o partido aqui na cidade”. Não desanimei e, juntamente com a direção estadual, andamos o Estado de Goiás inteiro. Saímos daqueles 98 municípios para 220 hoje. Olho para trás e meu sentimento é de dever cumprido, pois enfrentando o golpe como enfrentamos e tivemos eleições duras, como a de 2018. Não é fácil ver o líder das pesquisas ser preso e macularem o resultado das eleições. Tudo o que vivemos hoje – a alta da inflação, o descontrole dos preços dos combustíveis, o Brasil voltando ao mapa da fome, que assola o País novamente – faz parte desse processo que começou com o golpe contra a presidenta Dilma e foi acelerado com as eleições de 2018.
Então, eu não diria que o PT “acabou” ou que o PT “está ressurgindo”, porque o PT não morreu. Tentaram matar o PT, mas é um partido de raízes tão fortes, tão enraizado na sociedade, que, mesmo com todo o ataque que recebemos, conseguimos em 2018 manter nossa bancada de deputados federais, manter também a de deputados estaduais, ir para o segundo turno com nosso candidato reserva, Fernando Haddad, e ter um bom desempenho. Eu tive o orgulho de ser a candidata a governadora de Goiás naquele ano e, mesmo naquele bombardeio, não sendo uma liderança com mandato para ter uma projeção estadual, consegui cerca de 10% dos votos e isso, com toda certeza, foi um desempenho eleitoral que honrou nossa militância e as mulheres de Goiás. Fizemos um bom debate, de forma qualificada. Por isso tudo, estou convencida de que na próxima eleição vamos crescer nossa bancada de deputados federais e também na Assembleia Legislativa. Vamos fazer com que Lula possa sair vitorioso também no Estado, não apenas ganhar a Presidência.
As eleições de 2014 e 2018 mostraram um avanço do acirramento entre os campos políticos, a ponto de muita gente sentir medo em simplesmente colocar um adesivo de seu candidato no carro. Hoje o momento está mais ou menos favorável à exposição do apoio político por parte dos militantes?
Está muito diferente. Em 2018, o Partido dos Trabalhadores sofreu ataques muito severos. As pessoas não tinham medo só de adesivar o carro, mas até mesmo de sair às ruas. Muitas vezes, a militância de extrema-direita intimidou nossos apoiadores de forma ostensiva. As pessoas ficaram, de certa forma, reclusas, com medo de fazer a defesa do projeto popular representado pelo partido. Por isso mesmo posso dizer que o cenário agora é completamente diferente. As pessoas me param para pedir adesivos, perguntam se tem camiseta do Lula, muita gente nos contata por telefone ou pelas redes sociais para dizer que quer ajudar na campanha. Entendem que a porta de saída para a crise é a volta do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras ao governo do Brasil. Temos percebido também que as pessoas estão compreendendo que não basta eleger Lula, mas também parlamentares sintonizados com Lula. O que estamos vivendo é, em muito, reflexo do Congresso que a gente tem e da Assembleia Legislativa que temos, também.
Tenho andado o Estado de Goiás inteiro, já visitei mais de 200 cidades desde a virada do ano. Em muitos lugares, pessoas que não são do PT têm me dado este depoimento: “Eu vou votar na chapa do Lula completa”. Elas dizem que sabem a importância de garantir a ele uma base de sustentação para que não aconteça de novo o que ocorreu a Dilma. Então, as pessoas não se manifestam apenas no nível de pedir um adesivo ou uma camiseta; elas revelam uma consciência muito mais apurada do que a que tínhamos em 2018. É por isso que nós colocamos – e o presidente Lula tem trabalhado isso com muita contundência – a importância de aumentar nossas bancadas de deputados federais e estaduais. Dentro desse contexto, eu, que fui candidata a governadora em 2018, vou somar a essa chapa de deputados estaduais para a gente poder ampliar esse espaço. Aqui em Goiás, temos de ir além do enfrentamento ao desmonte das políticas públicas que Bolsonaro faz em todas as áreas, o que já é algo muito desafiador. Se tomarmos qualquer área – educação superior, saúde, geração de trabalho e renda, políticas sociais etc. –, vamos observar isso. Nas políticas sociais, por exemplo, está o caos. Estive uma atividade recentemente em que a assistente social me disse “Kátia, criamos um grupo chamado Assistência Social com Lula e não vamos permitir quem não entenda o que está acontecendo no Brasil”. Essa pessoa me disse que quem não entende o desmonte que está acontecendo não está habilitado a fazer parte do Suas, o Sistema Único de Assistência Social.
Portanto, vejo que está aumentando bastante essa percepção das pessoas de entrar nesse projeto e defendê-lo para que a gente tenha não apenas o presidente Lula, mas também parlamentares – tanto no Congresso como na Assembleia – e um governador sintonizados com ele. Aqui, Caiado é tão prejudicial à população quanto Bolsonaro. Esta eleição vai ser mais de projeto e menos de nome.
As chapas da federação formada por PT-PCdoB-PV para a Câmara e para a Assembleia estão concisas, coesas e completas?
Temos um problema bom: mais pré-candidatos do que vagas. Hoje, dentro do PT, vamos ter de afunilar bastante para deputado estadual, já que temos 53 nomes inscritos para 31 lugares – na federação o total de vagas para candidaturas à Assembleia é de 42, com o PCdoB ficando com 6 e o PV, com 5. Entre os pré-candidatos do PT, temos representações de todas as regiões, bem como dos segmentos organizados da sociedade – saúde, educação, movimentos sociais, comunidade negra, LGBT, juventude, trabalhadores do campo etc.
E todas essas regiões, categorias e segmentos vão ter nomes na chapa?
É o que nós desejamos, será uma chapa representativa. Entre os 53, afunilando para 31 nomes, o PT obviamente utilizará como critério garantir a representação das regiões e dos segmentos organizados da sociedade.
Da mesma forma vai ocorrer para a chapa à Câmara dos Deputados. Também temos nomes a mais do que o número de vagas. Temos direito a 14 vagas, enquanto o PCdoB e o PV têm, cada um, 2 nomes a indicar. No momento, o PT tem 19 nomes inscritos. Ou seja, teremos de passar as inscrições por esse funil da chapa proporcional.
“Temos hoje por Goiás apenas um deputado federal e queremos eleger dois ou três; temos dois deputados estaduais e queremos ter quatro ou cinco”
A montagem das chapas também está diferente do quadro que houve em 2018?
Em 2018, tivemos de insistir bastante com as pessoas para se candidatarem, para ter uma chapa completa. Agora, é muito diferente, temos um quadro no qual teremos de selecionar candidaturas. Creio que isso seja, em boa parte, por conta do trabalho consistente que fizemos, andando o Estado inteiro, com visitas em busca de sensibilizar a militância. Ainda queremos qualificar essa chapa com o tempo que temos até a convenção, para que possamos entrar com um time muito bem preparado em busca de ampliar os espaços que desejamos ocupar. Temos hoje por Goiás apenas um deputado federal [Rubens Otoni] e queremos eleger dois ou três; temos dois deputados estaduais [Adriana Accorsi e Antônio Gomide] e queremos ter quatro ou cinco. É um trabalho de time e estou muito animada a fazer esse trabalho de forma muito unida para alcançar nossos objetivos.
E em relação à chapa majoritária, como está hoje a situação na federação PT-PCdoB-PV? O professor Wolmir Amado vai ser mesmo o nome escolhido ou vocês estão abertos a uma composição com o PSB ou outro partido?
Apresentamos o nome de Wolmir e continuamos a fazer sua defesa. Mas queremos ampliar o palanque do presidente Lula. É uma decisão que vai ser tomada dentro da federação, não será algo apenas do PT, como ocorreu em outros anos, quando o partido tinha exclusividade nessa tomada de posição. Portanto, PT, PCdoB e PV, juntos, vão decidir como será esse palanque. Além disso, fizemos um compromisso com o PSB – que seria um dos partidos que comporiam a federação, embora isso não tenha se concretizado – de que estaríamos “perto” um do outro, já que eles indicaram o vice-presidente da República. Não é um alinhamento automáticos de parte a parte, mas isso nos interessa. Defendi candidatura própria pelo PT em 2014; da mesma forma em 2018, quando fui a candidata; agora, defendo a candidatura do professor Wolmir. A questão é que, para ampliar o palanque de Lula, vamos ter de analisar todas as condicionantes. O PSB continua a dizer que gostaria de ter José Eliton [ex-governador] como seu candidato. Se ficarmos sem o PSB, perdemos o apoio de um deputado federal [Elias Vaz], além de três deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Isso significa que, se quisermos crescer o apoio, temos de discutir bem quem será o candidato e se o PT comporá essa chapa e em que lugar dela. Em suma, existe a possibilidade de chegar a um consenso para que PT e PSB fiquem juntos e, então, a gente possa formatar essa chapa.
Está descartado qualquer apoio a uma eventual candidatura do ex-governador Marconi Perillo (PSDB) ou essa frente ampla pode ficar mais ampla ainda?
Não fizemos nenhuma conversa com o ex-governador Marconi Perillo, até porque nosso foco tem sido dialogar com quem declarou apoio ao presidente Lula. Estamos gastando energia com aqueles partidos que falaram que vão estar com Lula no primeiro turno. O que existe é um movimento da direção nacional, já que o PSDB não terá candidato à Presidência da República. É uma movimentação natural do partido que vai ganhar a eleição querer trazer apoiadores para seu palanque, assim como as siglas que estavam em conversação para apoiar Lula no segundo turno começam a dar gestos de que podem vir já para o primeiro, porque as pesquisas acenam que pode não haver essa oportunidade depois. Mas, em relação a Goiás, portanto, não houve procura por parte da direção estadual, porque o que deliberamos foi conversar apenas com quem já tiver declarado apoio ao presidente Lula. Sem isso, não tem conversa.
Essa deliberação do PT em Goiás ocorreu em geral, nos demais diretórios estaduais do partido, ou foi algo decidido apenas aqui?
Dialogar apenas com quem declarar apoio a Lula é uma decisão do PT de Goiás, porque para nós a prioridade é elegê-lo presidente. Ora, se é essa a prioridade, não se justifica estar com alguém que não o apoie.
Em levantamento feito recentemente pelo jornal O Globo, observou-se que os palanques de Bolsonaro pelos Estados estão bem mais definidos que os de Lula: são 23 contra 15. Ou seja, haveria uma “rede” maior de apoio oficial ao atual presidente, a maioria com candidatos de seu partido, o PL. No Centro-Oeste, o palanque de Lula só está oficializado no Distrito Federal, com o deputado distrital Leandro Grass (PV). Já no Nordeste, parece haver um “problema bom”: opções demais de palanque. Pensando desde agora de que não pode ter segundo turno, não seria então momento de pensar na construção de uma base maior, talvez cedendo para aliados não tão “próximos” assim?
Com toda a certeza, é um desafio muito grande o que estamos vivendo. Esta não é uma eleição normal, é totalmente atípica. Estamos enfrentando o fascismo, o ataque à democracia, o povo no mapa da fome novamente, a carestia batendo à porta, um descontrole da economia que há muito a gente não via. Não dá para tratar de forma igual uma eleição que é tão diferente. É por isso que, às vezes, a gente gasta um pouco mais de tempo para construir esse palanque, para que seja algo que dê um resultado eleitoral melhor para o presidente Lula e para nosso projeto. Nossa prioridade zero é tirar o Brasil desta crise e, para isso, as próprias lideranças econômicas falam que Lula é o caminho.
Então, minha responsabilidade aqui em Goiás, como presidenta do PT e coordenadora da federação, é de ter essa maturidade para dialogar e ampliar nosso palanque. Sozinhos, já sabemos de nossa capacidade. Portanto, abrir esse diálogo é também aumentar a estrutura de apoio. Com outros partidos se somando a essa articulação, cada vez mais fortaleceremos essa aliança e a chance de derrotar o fascismo e o bolsonarismo já em primeiro turno, o que, para mim, é crucial, porque o momento de instabilidade política que vivemos no Brasil é muito grave. O que está em jogo é a vida do povo brasileiro.
“As mulheres são quem mais sofre com o agravamento da crise econômica”
Justamente por não ser uma eleição comum, existe também uma preocupação muito maior com a segurança de Lula e da própria militância. Goiás é um Estado que deu uma votação muito grande a Bolsonaro em 2018 e ainda é um lugar que resiste a uma virada de Lula nas pesquisas. Em suma, um Estado conservador. Há, por parte de vocês, uma preocupação especial com a integridade física durante a campanha?
Não podemos brincar com isso. Estamos falando de fascismo, de gente sendo morta em câmara de gás improvisada [referindo-se à morte de Genivaldo dos Santos, de 38 anos, em abordagem de policiais rodoviários em Sergipe], do aumento exponencial do feminicídio, de brigas começando do nada, de pessoas se enfrentando. A incitação à violência que faz o presidente da República é, por si só, muito grave e precisamos combatê-la. De nossa parte, estamos buscando ter a preocupação necessária, mas também sem de modo algum entrar em pânico. Tenho andado pelo Estado inteiro, como venho dizendo, por todas as regiões e, graças a Deus, sou sempre muito bem recebida. Nunca tive nenhum incidente, nada de agressividade. Nosso encontro regional em Catalão foi alvo de uma mobilização de bolsonaristas na internet, queriam atacar o evento. Mas foi vergonhoso, pensaram talvez em fazer um enfrentamento a nossa militância, mas não havia nem dez pessoas para isso lá na porta. Costumo dizer que precisamos estar atentos e sem cair nas provocações. Nosso foco é debater o Brasil, debater Goiás, falar o que vamos fazer na Assembleia Legislativa, no Congresso, enfim, falar o que Lula vai fazer para reconstruir o Brasil.
Lula está muito preocupado com a situação. Pela última pesquisa da FGV [Fundação Getúlio Vargas], temos 1,7 milhão de pessoas abaixo da linha da pobreza. Não temos uma rede de assistência social forte para ajudar essas pessoas a atravessar esse momento de crise, nem por parte do governo federal nem do governo estadual. Sou mulher, sou mãe e sei o que está sendo chegar ao supermercado e, com o dinheiro com que a gente enchia o carrinho na época do presidente Lula, hoje sair com três ou quatro sacolinhas na mão. Converso com as mulheres da periferia, que estão desempregadas… elas são as que mais sofrem com este momento de agravamento da crise econômica e do enfraquecimento da democracia.
Nós, mulheres, sempre somos as mais prejudicadas. Se a saúde não funciona, somos mais prejudicadas; se a educação não funciona, da mesma forma; se a empresa vai mandar embora, a primeira linha de corte vai para as mulheres. Vejo nos relatos das mulheres o quanto está difícil atravessar este momento. O que queremos debater na política são os projetos que queremos levar para a Assembleia Legislativa, para o governo federal, para o governo de Goiás, de modo que essa população que hoje está em situação de vulnerabilidade possa voltar a comer com dignidade, três vezes ao dia. Que as pessoas possam juntar os amigos novamente para fazer o churrasco no fim de semana.
Em uma visita recente que eu fiz ao Nordeste goiano, um senhor chamado Antônio chegou até mim e me disse: “Ô, dona Kátia, na época do Lula eu fazia fumaça porque queimava uma carninha com meus filhos; hoje estou fazendo fumaça porque tive de voltar para o fogareiro, não dou conta mais de comprar o gás de cozinha. Então, é muito grave o que estamos vivendo e não cabe a nós entrarmos nas brigas em que o bolsonarismo quer nos colocar. Cabe a nós apresentarmos projetos e propostas, dialogar com a sociedade que quer tirar Goiás e o Brasil desta crise.
Independentemente do momento, já houve, na história do PT, uma militância muito mais aguerrida, como nas primeiras campanhas de Lula à Presidência. Após a permanência no poder durante muito tempo, a sensação que se tem é que essa militância ficou acomodada, ou mesmo intimidada. A militância petista vai para a rua mostrar sua força desta vez ou é uma coisa que realmente mudou?
Não é à toa que o PT resistiu a tudo isso que ocorreu nos últimos anos. Isso se deveu exatamente a essa militância aguerrida que, mesmo diante de todos os ataques, enfrentou tudo de cabeça erguida e mostrou que tínhamos razão. Sofremos todo tipo de afronta e de insulto, mas no fim conseguimos provar. A Justiça anulou os processos de Lula, mas é bom lembrar que, lá atrás, disseram que era preciso tirar Dilma da Presidência para melhorar a economia. Só que com ela, no último ano em que ela governou efetivamente, que foi 2014, tínhamos apenas 4,8% de desempregados, era quase pleno emprego. Antes da pandemia, já tínhamos 12% de desempregados, depois da pandemia isso explodiu de vez. A gente sente isso hoje de forma muito severa. Veio o desemprego, a precarização do trabalho, mas nossa militância continuou aguerrida, fazendo a defesa do partido.
O que sinto é que há uma modificação da forma de militar: a militância digital ganhou uma certa preponderância, há também a transição geracional que estamos vivendo, com os militantes mais antigos dando espaço aos mais novos. Filiamos, só neste ano, 1,3 mil pessoas, 305 só em Goiânia. O que sinto é que há uma militância pujante no PT e muita gente de fora tomando consciência que está vindo para ser militante também, aqueles que até então eram simpatizantes e agora querem entrar no Partido dos Trabalhadores. Por onde eu vá, é difícil sair da cidade sem fazer uma ficha de filiação, porque as pessoas estão cada vez mais conscientes da importância da atuação política. Tivemos um momento de negação muito forte da política e dos políticos. Isso interessa a alguém e, com toda a certeza, não é ao povo. Quem está negando a política quer que o cidadão fique em casa sem observar o que os políticos estão fazendo. Se quisermos qualificar a política isso será com as pessoas tomando consciência de participar da política, porque é a partir dos partidos que elegemos vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e o presidente da República.
Nós queremos fazer isso de forma dialogada, participativa. Mas o que estamos vendo hoje aí é um retrocesso da participação e da transparência. O orçamento secreto, se fosse algo correto, não precisaria ser secreto.
O grande problema por que o Brasil passa – a carestia e a volta ao mapa da fome – é também o grande trunfo que Lula carrega desde seu primeiro mandato. Ele é uma esperança para um número imenso de pessoas, por conta do que ele fez como presidente. Só que os momentos são diferentes: o mundo vive um pós-pandemia, uma guerra na Europa de futuro ainda incerto e no Brasil, com Lula eleito, teríamos o pós-Bolsonaro, um problema quase tão grave quanto os outros. Voltando ao poder, como será, para Lula e para o PT, lidar com esse momento diferente? O PT vai ter de se abrir mais ao diálogo? Vai ter de focar menos nas próprias pautas e buscar uma frente mais ampla? Como a sra. prevê que isso vá acontecer?
A primeira coisa é que temos consciência disso. Tenho conversado bastante com o presidente Lula e não temos dúvida: vamos pegar um Brasil mais fragilizado, em uma crise muito maior do que a que encontramos em 2003. Em compensação, teremos um presidente da República que já saberá os caminhos a trilhar para reconstruir essas políticas públicas. Lula sabe o que quer fazer para gerar emprego e renda, para distribuir renda a quem está em situação de vulnerabilidade e para garantir que as pessoas tenham três refeições por dia. Controlar o preço dos combustíveis também é uma deliberação.
Lula tem dito: o problema não é o Brasil, mas quem está governando o Brasil. Nossa crise não é por causa da guerra ou da pandemia. Antes da pandemia, já estávamos com o desemprego lá em cima. Nossa crise é a linha econômica adotada desde o golpe contra a presidenta Dilma, primeiramente pela direita e agora acelerada pela extrema-direita. Portanto, ele sabe o que fazer, mas também sabe que precisa ter base no Congresso e apoio dos Estados. Então, a primeira medida que ele acena para fazer é reunir os governadores de todos os Estados e os prefeitos para que, em conjunto, se crie uma coalizão para tirar o Brasil desta crise. Junto a isso, é preciso ter, no Congresso e nos parlamentos estaduais, quem o ajude a implementar essas políticas. Para voltar o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família, a política de enfrentamento da mulher, para tudo isso é preciso ter representantes nas Casas. Lula tem essa consciência e a própria federação já é um gesto nesse rumo, sair da atuação só pelo partido para uma atuação em bloco. As decisões já não são mais do PT, mas também do PCdoB e do PV. Isso, com outras federações, como a de PSOL-Rede, e ampliando para outros partidos, como Solidariedade e PSB, que não estão em federação mas já serão aliados no Congresso. O desafio maior agora é construir essa base de sustentação.
O eleitor brasileiro costuma ser muito conservador no voto para o Legislativo. Desde a redemocratização, é o Centrão quem domina o Congresso. O sistema de negociações entre Executivo e Legislativo vem degringolando há muito tempo, desde Eduardo Cunha [ex-deputado e ex-presidente da Câmara dos Deputados preso por corrupção, responsável maior pelo impeachment de Dilma Rousseff], e agora, com Arthur Lira [pP-AL, presidente da Câmara dos Deputados], atingiu um patamar surreal. Com o Orçamento na mão, Lira é o presidente de fato do País e tem grandes chances de ser reeleito presidente da Câmara. Como negociar com esse tipo de situação?
Por isso é preciso jogar toda a energia no time do Lula. Ou seja, é preciso mostrar essa necessidade para as pessoas. Sinto que a coisa caminha nesse rumo, sinto isso nas ruas, nas pesquisas internas que temos. A população está atenta e sabe que não basta eleger Lula. Hoje temos a bancada da bíblia, a bancada da bala, a bancada do boi. Mas, cadê as bancadas da educação, da saúde, do meio ambiente, da ciência? Nosso desafio será convencer quem vota em Lula fazer a “chapa batida”, ou seja, votar em quem Lula apoiar para governador, para senador, para deputados e deputadas. Esse será o caminho para combater esse tipo de atuação política que, na verdade, destrói as políticas públicas.
“Vou trabalhar diuturnamente para que já vençamos as eleições em primeiro turno”
Para formar essa base de sustentação a um eventual governo Lula, dá para contar com votos que não sejam da esquerda ou da centro-esquerda? Isto é, pode-se pensar na colaboração da chamada “direita sensata”, se ela existe?
Essa será uma necessidade não de Lula, mas do Brasil. Tem muita gente de direita que entende o momento de fragilidade de nossa democracia. A senadora Simone Tebet [MDB-MS, pré-candidata à Presidência], por exemplo, tem uma dívida com o País: ela apoiou Aécio [Neves (PSDB), deputado, ex-senador e candidato a presidente derrotado em 2014], Michel Temer [MDB, ex-presidente entre 2016 e 2018] e Bolsonaro. Ou seja, todos aqueles que ajudaram a fragilizar a democracia. É legítimo que todos os partidos lancem suas candidaturas no primeiro turno, mas uma ponderação neste momento, de uma eleição atípica, em que temos as instituições eleitorais sendo atacadas, seria importante ter a percepção de que precisamos evitar surpresas num eventual segundo turno. Vou trabalhar diuturnamente para que já vençamos as eleições em primeiro turno. É a forma mais concreta de fortalecer a democracia hoje, na minha opinião.
A sra. ainda acredita em uma reconciliação entre Lula e Ciro Gomes [pré-candidato a presidente pelo PDT]?
Lula não tem problemas com Ciro. Ciro é quem precisa resolver seus problemas internos, não só com Lula, mas com as pessoas com quem articula.
Mas o PDT é um partido importante para uma aliança e o PT parece estar dialogando com sua direção, apesar de Ciro…
Sim, temos um bom diálogo. Aqui em Goiás, converso com o George [Morais, presidente estadual do PDT], com a Flávia [Morais, deputada federal pelo PDT]. O que precisa ser solucionado são esses rompantes de Ciro, o que ele próprio precisa resolver. Ele tem de decidir de que lado ele vai querer jogar. Não vai ter oportunidade de ir para Paris já no primeiro turno, vai ter de assumir a responsabilidade do que fará desde agora.
Há milhares de militares no governo Bolsonaro, ocupando cargos civis. A sra. acredita que há alguma manobra para gerar confusão no período das eleições, ou, no pior dos cenários, uma ruptura?
Acho difícil, porque, na verdade, quem está politizando tudo isso é uma cúpula, não são as instituições que estão saindo do eixo – por exemplo, no caso das Forças Armadas. Apesar de criarem tumulto e instabilidade política, uma ruptura total é algo muito difícil de fazer, por mais que estejamos em um enfrentamento muito contundente. Nossas instituições têm tentado garantir a estabilidade política. Quero acreditar, então, que seja mais barulho do que condição real de impor uma ruptura à democracia.