Pró-reitor de Pós-Graduação da UFG, Laerte Guimarães avalia que a universidade tem se integrado positivamente às demandas da sociedade e afirma: as instituições são fundamentais para direcionar ações em momentos de crises

Elder Dias e Marcos Aurélio Silva

Mais de 95% da produção científica do Brasil nas bases internacionais devem-se à capacidade de pesquisa das universidades públicas. Embora, nos últimos anos, as instituições de ensino superior tenham se tornado um dos principais alvos de ataques da extrema-direita, que tenta colocar em xeque a produção da academia, a força para o enfrentamento das crises geradas pela pandemia nasceram em sua maioria do conhecimento cientifico produzido nas universidades.

O titular da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) da Universidade Federal de Goiás, Laerte Guimarães Ferreira Júnior, é alguém totalmente dedicado à pesquisa e à educação superior. Aponta há anos que a ciência enfrenta o desprezo das autoridades públicas, mas que, de maneira resiliente, principalmente por meio das universidades, busca contornar cortes em bolsas de pesquisas e os financiamentos para pesquisas. Em entrevista exclusiva aos editores do Jornal Opção, o professor Laerte faz uma análise sobre o cenário atual para produção de conhecimento e sobre como as universidades têm se relacionado com as demandas da sociedade e do setor produtivo.

Elder Dias – Qual o seu balanço que o sr. faz em relação aos avanços da pesquisas e da qualidade dos trabalhos científicos e de pós-graduação no Brasil?
Nosso País tem um sistema de pós-graduação que deveria ser motivo de orgulho de todos os brasileiros. É um sistema reconhecido e respeitado internacionalmente. Temos um sistema que foi construído ao longo dos anos com muito esforço. Capes e CNPq [agências federais de fomento] foram criadas em 1951. Ou seja, é algo que existe há cerca de 70 anos. Mas, de fato, funciona há mais ou menos 50 anos. 

Então, quando se olha para o que o País fez em termos de pesquisa e de pós-graduação nesse pouco tempo, é algo para orgulhar a todos. O que foi feito neste período não é pouca coisa. Produzimos ciência de grandeza e de primeira qualidade. O Brasil hoje se situa entre os 14 países onde mais se publicam pesquisas científicas e produz ciência de qualidade.

Os tempos duros e desafiadores que estamos atravessando me deixam frustrado. Estamos com uma série de políticas equivocadas e uma pouca valorização da ciência e da educação. Estamos colocando em risco e fragilizando um sistema nacional de pesquisa e pós graduação de grandeza, e que é do povo brasileiro.

Esse sistema a que me refiro é grande, e como tudo que é grande, há uma inércia. Parar um fusca é fácil. Mas parar um caminhão é muito difícil. O sistema nacional de pesquisa e pós-graduação é grande e robusto. Com isso, há uma inércia que faz com que, apesar dos cortes que estamos vendo desde 2014, esse sistema continue andando e crescendo. Mas em razão dessa inércia. 

Creio que vamos sentir os efeitos dos muitos descasos com a educação e ciência nacional daqui a dois ou três anos. Vai ter uma espécie de “time lag”. Os efeitos não são sentidos de imediato. Isso me preocupa. Estamos vivendo muitas dificuldades, mas eu diria que não vai ser fácil colocar o sistema para andar novamente. E, em médio prazo, ainda vamos sentir os descasos que têm acontecido. 

“Estamos com uma série de políticas equivocadas para ciência e educação e pouca valorização do setor”

Quando falo dessa minha preocupação, isso diz respeito também a tudo no País. Não quero entrar em questões políticas, mas independente da posição política das pessoas – que eu respeito sempre, desde que sejam razoáveis – eu acho que temos de entender que é algo complexo. Se não olharmos com uma visão mais apurada, vamos repetir alguns erros. Mas é claro que, independentemente da posição política das pessoas, tem algo muito ruim acontecendo. Ora, estamos passando pelo quarto ministro da Saúde no meio de uma pandemia! Estamos em uma crise profunda na educação e estamos com o terceiro ministro chefiando o MEC [Ministério da Educação]. Estamos também na terceira chefia da Capes. É claro que algo grave está acontecendo. 

Elder Dias – Mesmo diante dessas dificuldades apontadas, a sociedade não tem se beneficiado do que é produzido dentro das universidade, sobretudo, nas públicas?
O sistema que nós temos não é trivial. E nós brasileiros devemos nos orgulhar. As coisas não aconteceram por acaso. Temos uma pós-graduação forte no País, que é reconhecida internacionalmente. Temos cientistas respeitados no mundo todo. Isso não é obra do acaso. É obra de políticas públicas acertadas e continuadas, independentemente de governos ou regimes. Na verdade, esse sistema de pesquisa e pós-graduação tem resiliência. Ele foi construído levando em consideração a comunidade acadêmica e científica nacional.

Bandeirante, um dos primeiros aviões fabricados pela Embraer | Foto: Embraer

Esse sistema foi possível porque construímos uma infraestrutura de pesquisa e uma infraestrutura boa, legal e positiva. Temos a Capes, o CNPq, o Finep e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES).

Quando eu vejo aquele avião da Embraer, o KC-390 – um avião militar de carga e moderno – sendo exportado, eu me lembro do primeiro avião da Embraer a ser produzido, o Bandeirante. Esse avião teve sua idealização e criação capitaneada pelo coronel Ozires Silva, um brasileiro com uma grande cabeça, formado no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), uma escola de excelência internacional. Em sequência foi criado o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA), em São José dos Campos.

O que eu quero dizer com isso é que, para surgir uma indústria forte e competitiva internacionalmente, foi preciso investir na educação, num ITA, criar o CTA. É assim que saem do papel e viram realidade sonhos como o avião Bandeirante e os demais que a Embraer criou. As coisas não acontecem por acaso. E, para surgir essa aeronave, foi preciso que surgisse uma pós-graduação, uma formação de quadros de excelência. Além disso, foi preciso financiamento de pesquisa.

O CNPq financia o pesquisador e os projetos de pesquisa. A Capes fomenta a pós-graduação. A Finep financia as grandes infraestruturas de pesquisa e está por trás do projeto do avião Bandeirante. E então veio o BNDES e fez com que aquilo se tornasse uma indústria nacional. Tem uma base e tem um arcabouço institucional.

Elder Dias –  E como está esse “arcabouço” em Goiás?
A UFG é a grande universidade do Estado, mas precisamos de mais universidades. Para nós, da UFG, foi motivo de alegria e esperança a criação das Federais de Jataí e Catalão. Temos a UEG [Universidade Estadual de Goiás], a Uni-Evangélica, também, foi transformada em universidade. Parabéns, precisamos de muitas universidades trabalhando de forma integrada. 

Antes de falar especificamente da UFG, é importante lembrar que cerca de 95% das pesquisas no Brasil são feitas nas universidades públicas. Eu me assusto quando ouço dizer que a universidade custa caro. Se não me engano foi o Brizola [Leonel Brizola, ex-governador do RS e do RJ e um dos maiores líderes políticos do Brasil entre as décadas de 50 e 90] quem falou algo neste sentido: se a universidade custa caro, tente ver quanto custa a ignorância. Ela custa mais caro ainda. Quando vamos olhar friamente os números, o investimento que é feito na universidade pública é muito baixo e barato em relação ao retorno que é dado à sociedade.

Quando se fala em pesquisas sendo desenvolvidas em universidades públicas, elas estão essencialmente ligadas à pós-graduação. Aí a gente vem para a UFG, que se tornou uma universidade de expressão nacional. A UFG tem um protagonismo. Isso tem uma relação grande com o Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais], que foi o processo de expansão das universidades federais. 

A UFG, entre 2008 e 2011, dobrou de tamanho em todos os sentidos. Em área construída, em laboratórios de pesquisas e em número de pesquisadores. Temos hoje cerca de 2 mil doutores na UFG. Temos cerca de 1,4 mil doutores envolvidos no sistema de pós-graduação da UFG. Temos ainda 63 programas de pós-graduação stricto sensu [com mestrados e doutorados]. E, além disso, temos a pós-graduação lato sensu, com as especializações, que é grande também. Temos cerca de 70 cursos de especialização e 34 programas de residência médica, 13 programas de residência multiprofissional na área de saúde. Criamos recentemente o primeiro programa profissional agrário. Temos um sistema de pós-graduação na UFG com cerca de 8 mil alunos.  Esse sistema é pujante.

Pensando na pós-graduação stricto sensu , temos programas em todas as grandes áreas do conhecimento que estão cada vez mais internacionalizados e que trazem contribuição diferencial para a sociedade goiana. 

_________________________________

Íntegra da entrevista com o prof. Laerte Guimarães, pró-reitor de Pós-Graduação da UFG

_________________________________

Um médico um pouco mais experiente aqui em Goiás, muito provavelmente terá sido formado pela UFG. A sociedade goiana cresceu junto com a UFG. Goiás hoje é um Estado que continua tendo como forte de sua economia no agronegócio, mas é um Estado mais industrializado e com economia diversificada. Isso tem muito dedo da universidade pública.

Os nossos mestres e doutores não estão apenas na universidade. Eles também estão trabalhando, por exemplo, nos parques farmacêuticos de Goiás, na indústria automobilística e em muitas outras. Então, a pós-graduação tem um papel em ajudar a sociedade a lidar com problemas cada vez mais complexos. 

A UFG tem um sistema forte e robusto. Se tem uma palavra que define o nosso sistema de pós-graduação, principalmente no que diz respeito ao stricto sensu, eu diria que é a diversidade. Temos programas mais novos, mais consolidados, diferentes áreas do conhecimento e diferentes maneiras de atuar.

“Temos cientistas respeitados no mundo todo. Isso não é obra do acaso. É obra de políticas públicas acertadas e continuadas”

Lançamos o programa ConectaPós. Como o nome sugere, queremos que os programas sejam mais articulados e integrados entre si. Queremos que a pós-graduação se conecte cada vez mais com os diferentes setores da sociedade. Queremos que a UFG esteja mais conectada com governos, com indústrias e com o terceiro setor. Estamos, na verdade, fazendo um esforço de levar a pós-graduação da UFG para dentro das empresas e trazer as empresas para dentro da universidade. 

Marcos Aurélio Silva – Uma das grandes críticas que se ouve em relação à UFG é que toda produção científica que é feita na academia fica restrita à universidade e pouco se relaciona com a comunidade à volta. Estamos em um momento de crises, na saúde, na economia e também no social. Não seria neste momento importante para a universidade e o que ela produz se aproximar da sociedade?
Eu acredito em uma universidade que se justifica a partir da interação com a sociedade. A universidade se nutre das demandas da sociedade e a sociedade também se beneficia com a universidade.  Eu diria que a posição da universidade, como um todo, é cada vez mais próxima da sociedade. Temos, por exemplo, o Parque Tecnológico Samambaia, com empresas residentes e incubadas. Eu diria que a universidade trilha um caminho há alguns anos que é irreversível. A UFG sempre esteve conectada com a sociedade, mas essa conexão, pensando há muito anos, era mais em função dos profissionais que são formados para atuarem na sociedade.

Atualmente, percebemos cada vez com mais clareza que a gente precisa, por exemplo, da indústria, trazendo seus problemas, para que, a partir de então, a UFG se torne mais criativa. Formamos os profissionais para atuar na sociedade. 

Eu diria que que existe, sim, uma aproximação cada vez maior. E essa aproximação é cada vez mais valorizada e cada vez é mais bem compreendida. Existiu resistência dos dois lados. Eu diria que o chamado setor produtivo olhava com certa desconfiança para a universidade. Por exemplo: aos poucos fomos aprendendo a lidar com prazos. A indústria trabalha com conceito de entregas: traz-se um problema e precisa de uma entrega dentro de um prazo. Eu diria que estamos aprendendo a conciliar mais os prazos da pesquisa com as demandas das indústrias. Aos poucos, estamos encontrando equilíbrio e convergência entre o tempo da pesquisa, o tempo da formação de recursos humanos e o tempo das entregas que as empresas, indústrias e governos, que trazem problemas do mundo real, precisam ser atendidos. 

“A universidade se nutre das demandas da sociedade e a sociedade também se beneficia com a universidade”

Claro que existem áreas de conhecimento ou de atuação que conseguem de uma forma mais rápida interagir com as demandas da sociedade. Mas se pensar em ciência básica e aplicada, não há como separar da comunidade. A ciência em algum momento se torna aplicada. Pode demorar 50 anos. Outras áreas do conhecimento tem um tempo de formulação de novos conhecimentos e a aplicação do conhecimento se dá de forma mais rápida. Não há ciência aplicada sem ciência básica.

A universidade tem entendido que é importante buscar a sinergia entre os problemas que são trazidos, por meio da resolução se formar recursos humanos, avançar no conhecimento e também gerar produtos e entregas. Eu vejo com alegria que esse caminho é irreversível. 

Marcos Aurélio Silva – Em um ambiente de pandemia essa sinergia deveria ser maior com a sociedade?
A universidade nunca se omitiu dos grandes temas nacionais. Mas com a pandemia ficou ainda mais evidente que a universidade precisa se envolver com os grandes temas contemporâneos. O que a pandemia mostrou? Que a universidade tem competência e quadros extremamente preparados para responder às demandas mais complexas da sociedade. 

Vamos pegar o exemplo de que, quando a pandemia começou, a universidade foi sendo demandada e nós, de uma hora para outra, pegamos nossos engenheiros mecânicos que trabalhavam com compressores para desenvolver um respirador artificial. Pegamos pesquisadores da Enfermagem e da faculdade de Design de Moda e fomos fabricar EPIs [equipamentos de proteção individual]. Pesquisadores da ecologia matemática se integraram com epidemiologistas e produziram modelos complexos que ajudaram na tomada de decisão por parte do governo estadual.

Pegamos o pessoal do Lapig (Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento), que faz mapas, e em um mês, trabalhando de domingo a domingo, produzimos o portal https://covidgoias.ufg.br que é um dos mais completos em informações e mapas sobre Covid-19. Buscamos o professor Rodrigo Lemos, da Escola de Engenharia  Elétrica, Mecânica e de Computação (EMC), que foi consertar respiradores artificiais. 

Além disso, fizemos os testes para detecção da Covid-19. A professora Gabriela Duarte, do Instituto de Química (IQ) e a professora Rosangela [Hatori Rocha], do ICB [Instituto de Ciências Biológicas], desenvolveram um teste rápido com recursos do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Esses testes estão sendo usados por empresas goianas, por meio de um acordo. Também pegamos o pessoal de pós-graduação em Genética e Biologia Molecular para virar noites processando os testes PCR.

A universidade, que as pessoas questionavam se tínhamos como entregar resultados em tempo demandado, em nenhum momento parou. Vários laboratórios seguiram funcionando, como o Lapig. Tínhamos uma plataforma de desmatamento, usamos todo o conhecimento e durante um mês disponibilizamos todas informações sobre a Covid, desde número de leitos até evolução da doença. 

Houve uma oportunidade da sociedade e vários setores de conhecerem mais a universidade comprometida, moderna e competente. E sabe o que pedimos em troca? Nada. Ninguém chegou para alguma autoridade dizendo que iria desenvolver uma plataforma, mas precisaria de dinheiro. Não houve isso. Nossos especialistas passaram a participar do COE [Centro de Operações de Emergências]. Isso está sendo reconhecido. 

Elder Dias – Como é vivenciar essa entrega de resultados e o reconhecimento da sociedade, em um momento que a universidade vinha sendo alvo de ataques? O sr. já imaginou que teria um ministro da Educação que chamaria seu trabalho de “balbúrdia”?
Isso é extremamente desrespeitoso. Eu trabalho muito. E não entrei na universidade em busca de um emprego. Eu poderia buscar outras opções. Eu sempre quis ser professor universitário. Eu sempre me vi nesta carreira na universidade. E claro que tudo isso é desrespeitoso. Foi kafkiano. 

O interessante é que em 2019 a universidade foi atacada e aparecia na imprensa se defendendo. Eram acusações de plantação de maconha ou de orgias. E nós nos defendendo, com corte de verbas e de bolsas, tudo isso ocorrendo.

De 2020 para cá, a universidade está quase todos os dias na mídia como fonte de pautas positivas. Então, é uma oportunidade que precisamos estar atentos. Houve mudança de percepção e precisamos nos comunicar melhor com a sociedade para que possamos aproveitar esse momento. Está aí uma chance de falarmos de ciência e educação, e assim contribuir para um melhor letramento científico da sociedade. 

Elder Dias –  O que a pandemia impactou na universidade e o que a universidade impactou na pandemia?
Eu sempre digo que a pandemia não tem nada de bom. Ela trouxe dor, perdas e angústias. A pandemia impactou a todos os brasileiros. Estamos todos, de uma forma ou de outra, adoecidos pela pandemia. Mas me chama atenção que os enfrentamentos aos desafios que a pandemia nos impôs, e que vão deixar legados importantes. 

“A pós-graduação tem um papel em ajudar a sociedade a lidar com problemas cada vez mais complexos”

O enfrentamento, especificamente no caso da UFG, mostrou uma universidade muito maior, resiliente e criativa do que a gente imaginava. A universidade teve um impacto positivo no que diz respeito ao enfrentamento da pandemia. 

A pandemia impactou a universidade de forma que de uma hora para outra migramos para um modo de funcionamento remoto. A universidade é grande. É diversa. É complexa. E que bom que ela é assim, pois as maiores do mundo são assim. 

Diferente de uma universidade privada em que uma pessoa dá uma ordem e todos a cumprem, em uma universidade pública, o processo é mais dialógico. Temos uma complexidade, que é a mesma que faz com que a gente pegue um professor de Ecologia [Thiago Rangel, do ICB] que trabalha com colibri, e de repente ele vai fazer modelo matemático em uma pandemia, ela também demanda uma construção de consensos. Isso foi um aprendizado. A gestão atual se pauta pelo diálogo e a partir disso nos adaptamos a situação pandêmica. 

Tivemos de migrar para o ensino remoto emergencial em um processo de construção de consenso. Tínhamos complexidade, por exemplo, com os alunos indígenas. Como que na tribo ele iria acessar uma aula remota? Temos alunos em quilombos. Temos alunos que tiveram que voltar para casa, no interior dos Estados, onde não tem sinal de internet.

Marcos Aurélio Silva –  E a UFG demorou a reagir a essa dificuldade?
Certa vez fui cobrado, dizendo que a UFG demorou para adotar o ensino remoto emergencial. Não demorou. Foi o tempo necessário para que pudéssemos garantir que ninguém iria ficar de fora. Fizemos uma campanha para garantir que todos tivessem equipamento e conexão para acessar a internet e ter aula remota. Isso não é coisa que se resolva em uma semana.

A pandemia impactou a universidade, mas o enfrentamento e a resposta aos desafios nos ajudaram a forjar uma universidade ainda mais forte e ainda mais unida. 

As universidades federais do Brasil cresceram muito durante o Reuni. Foi um momento de bonança econômica. E agora, a universidade está enfrentando os piores tempos e maiores desafios de sua história. Não houve tempo tão desafiador, seja do ponto de vista orçamentário, fiscal ou da situação pandêmica. E as universidades não cruzaram os braços. Foi para frente de combate. Eu diria que a universidade no pós-pandemia terá muitas mudanças, mas mostramos que temos competência.

Não tenho dúvidas que os tempos difíceis vão passar. Os sistemas de Nacional de Pesquisa e Pós-graduação são mais fortes do que esses obstáculos, mas vamos sofrer ainda por um bom tempo. Sinto que muita coisa precisará ser reconstruída, porque ficaram fragilizadas. Por exemplo: a pesquisa tem um orçamento decrescente desde 2015, seja qual for o parâmetro que se pegar. 

É preciso entender que não se faz pós-graduação só com bolsa, precisa também de  laboratórios funcionando. Mas há uma redução do financiamento público para pesquisa e educação, que foi agravado pela pandemia. 

Elder Dias – O sr. tem na pele a experiência para falar da pandemia. Cmo foi passar pela forma grave dessa doença?
Essa doença é assustadora por ser ainda muito desconhecida. É uma doença que é um pouco uma roleta russa. Há pessoas saudáveis morrendo e outras com comorbidades tendo efeitos menos graves. Antes de mais nada, a Covid traz muito medo. 

Eu sempre fui muito agradecido. Eu sempre digo muitas vezes obrigado. E essa doença me fez perceber o quanto eu sou privilegiado. Quando venci a doença, a minha alegria era falar obrigado. Eu fui privilegiado até na doença. Fui cercado de solidariedade. Tive um tratamento médico de excelência. Lembro que tomei um remédio caro para combater os efeitos da Covid e que tive de pagar depois. Paguei com alegria. 

“Há uma oportunidade da sociedade e vários setores de conhecer mais a universidade comprometida, moderna e competente”

Essa doença, infelizmente, tem como grande comorbidade a vulnerabilidade social. Comorbidade mesmo tem o motorista de ônibus que não pode deixar de trabalhar. Quando essa doença começou no Brasil, ela veio com um viajante chegando da Europa, ou seja, começou nas classes mais altas, mas foi muito rapidamente para os menos favorecidos. 

Diziam que a Covid era uma doença que não olha rico ou pobre, ou branco e preto. Errado. Ela olha, sim. Porque as pessoas estão morrendo onde elas são obrigadas a se expor. Essa é uma doença que mostrou de uma forma escancarada o País desigual que temos. 

Eu espero que um dos legados seja uma sociedade mais empática e solidária. Mas às vezes eu me convenço do contrário. Estou vendo pessoas muito egoístas. Temos, depois de muitos anos, pessoas passando fome. Não precisa ler ou fazer grandes experimentos sociológicos e procurar a pobreza. A pobreza está no semáforo. Então nós temos de pensar que a sociedade precisa ser mais solidária e empática. 

Eu sou privilegiado de fazer home office. Uma das pessoas mais otimistas que conheço é o Edward Madureira [reitor da UFG] e estou ficando igual a ele. Não virei “Pollyanna”, mas eu tenho falado para meus colegas que tenho o privilégio de ficar em casa. 

Este País é fantástico. Mas ver a principal potência agrícola tropical do mundo com gente na rua revirando lixo é para se envergonhar. Temos de investir em educação e ciência para que o País realize seu enorme potencial, que é o de ser justo, alegre, criativo e de oportunidades. 

Não existe caminho fora da ciência e fora da educação. Quando essa pandemia começou, um grande cientista brasileiro, Miguel Nicolelis, disse que o País precisaria de R$ 5 bilhões para enfrentá-la. O que é esse dinheiro para o País? Não é nada. Falta grandeza dos gestores públicos. Temos uma pessoa no Ministério da Economia [ministro Paulo Guedes] que na verdade não entende de economia do País. Ele é um gestor de fundo privado. Precisamos de uma pessoa grandiosa e audaciosa. Precisamos de investimento. 

Não podemos colocar em risco o desenvolvimento do País. Temos de encontrar um caminho do meio. A pandemia deve deixar esse aprendizado, pois aqueles que acreditam que o estado mínimo é a solução, não é. Precisamos de um Estado presente. Se não fosse o SUS e a universidade pública, a tragédia dessa pandemia seria muito maior.