Marcela Rodrigues: “A PF está se aproximando da sociedade e enfatizando provas científicas”
07 abril 2024 às 00h01
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Marcela Rodrigues de Siqueira Vicente é superintendente regional da Polícia Federal (PF) no Estado de Goiás desde fevereiro de 2023. Antes disso, dedicou 14 à corporação como delegada, cargo em que transitou por todas as áreas: inteligência, corregedoria, combate a crimes previdenciários, combate à distribuição de pornografia infantil, crimes eleitorais, trabalho escravo, e outras. Foi ainda funcionária do Tribunal de Justiça e do Ministério Público Federal.
Primeira mulher a ocupar o cargo desde 1965, Marcela Vicente fala sobre sua trajetória profissional. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção concedida na semana em que a Polícia Federal completou 80 anos, Marcela Rodrigues lembra que a data foi acompanhada de mudanças nas diretrizes da corporação, denominada PF80. O momento, diz ela, é de dar mais transparência à PF, reforçar a autonomia funcional das equipes investigativas e o robustecimento do material probatório.
Aline Bouhid — Gostaria de saber um pouco mais sobre sua história.
Em minha família, todos são da área do direito. Antes de entrar na Polícia Federal, trabalhei no Tribunal de Justiça como escrevente judiciário concursada, e depois trabalhei no Ministério Público Federal, também concursada. Assim que o Ministério Público Federal de Rio Verde foi inaugurado, fui trabalhar lá. Retornei para Goiânia quando fui aprovada no concurso de 2004.
Na época, ficávamos seis meses na academia de polícia de Brasília, e a escolha das vagas seguia a ordem da classificação na academia. Na época, eu queria ir para Araguaína, Tocantins, porque meu irmão é promotor de justiça lá. A pessoa que ficou uma posição acima de mim escolheu ir para Araguaína e eu não soube para onde ir. Na academia, eu não tinha internet para pesquisar. Uma delegada colega de academia me disse “peça para ir à Imperatriz, no Maranhão, é ótimo, você vai adorar” e eu acatei [risos].
Eu não sabia nada sobre Imperatriz. Como Marabá, na época, a cidade era longe. Uma região muito isolada, a 600 quilômetros das capitais mais próximas, Palmas, Belém ou São Luís. Mas, no final das contas, foi uma escola para mim, um aprendizado muito enriquecedor. Fui sozinha, na época eu não tinha filhos e meu marido é promotor aqui, então ele não pôde ir.
É extremamente desafiador ser uma mulher, sozinha, policial em Imperatriz do Maranhão. Mas aprendi muito. Neste período, engravidei e meu filho nasceu com um problema de saúde para o qual Imperatriz não oferecia tratamento. Para buscar tratamento para ele, vim para Goiânia. Desde 2010 tenho trabalhado como delegada aqui. Fui convidada para ser superintendente da PF em outros estados, mas por questões pessoais, recusei.
Transitei em todas as áreas dentro da Polícia Federal: inteligência, corregedoria, combate a crimes previdenciários, combate à distribuição de pornografia infantil, crimes eleitorais, trabalho escravo, e outras. Em 2020, assumi como superintendente interina por um período curto. Fui pra área acadêmica, fiz um mestrado e pretendia dar aulas. Em 2023, entretanto, fui convidada para assumir a superintendência de Goiás, o que foi uma surpresa muito boa.
Italo Wolff — Ser de Goiás e ter trabalhado nesta superintendência por 14 anos é uma vantagem?
Isso otimiza muito a gestão. Aqui, sei quem é quem, qual a afinidade de cada policial. Conheço os procedimentos. Paralelamente a isso, trabalhei no Ministério Público Federal e trabalhei no Judiciário, então o acesso às instituições é mais fácil. Eles conhecem o meu trabalho, eu conheço o deles. São relações institucionais, cujas diretrizes vêm do Ministério da Justiça, e já funcionam muito bem em Goiás.
Aline Bouhid — Neste ano, a Polícia Federal completa 80 anos. Qual a programação da instituição para esse marco?
Não se trata apenas de comemorar o aniversário de 80 anos da corporação. Chegamos a uma fase de transformação organizacional, denominado PF80, com mudanças em algumas diretrizes. Uma das mudanças é a proximidade com o público em geral. Temos a tarefa de comunicar nosso trabalho para a sociedade conhecer melhor a PF e dar uma maior transparência às atividades da Polícia Federal.
Historicamente, a PF sempre se manteve distante, é uma polícia investigativa, mas não ostensiva. Em regra, a ostensividade só existe no momento de deflagração das operações, ou de alguns grupos especiais, como Comando de Operações Táticas (COT) ou Grupo de Pronta Intervenção (GPI). Agora, há uma diretriz em nível nacional para aproximação da força com jornalistas e público em geral.
Além disso, há mudanças em três pilares muito fundamentais, que são autonomia funcional da equipe investigativa, a responsabilização e o maior robustecimento do material probatório. Isso significa uma qualificação mais técnica do material produzido nas investigações, seja em âmbito pericial, de papiloscopia, de depoimentos e outros.
Algo que perdura é a impessoalidade das investigações. Isso é muito caro para nós. Não se vê imagens de investigados sendo divulgados pela Polícia Federal, isso é uma cultura nossa que cada vez mais é prestigiada. O acompanhamento da advocacia defensiva continua sendo uma conduta exigida. Observa-se em todas as polícias que essa instrução diminui a chance de erros e de pessoalização das investigações.
Podemos falar então que as provas científicas têm peso cada vez maior nos processos. É um fortalecimento da qualificação do nosso trabalho.
Pedro Moura — Enquanto Flávio Dino estava como ministro da Justiça, dois projetos foram lançados para combater o crime organizado, principalmente as grandes facções criminosas. Esses programas estão tendo êxito de fato?
O primeiro programa lançado por Flávio Dino foi a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco), que significou uma união de esforços entre as diferentes forças policiais para a apuração dos principais crimes cometidos pelas facções e organizações criminosas. É um programa direcionado para a atuação desses grupos e, dentro desse escopo, temos todas as polícias: militar, civil, penal, federal, estadual e rodoviária federal. Houve uma integração de todas as forças em um esforço direcionado para o combate ao crime organizado.
A Fico não significa apenas que as polícias passam a trabalhar juntas. Existe uma destinação de verbas, inclusive para operacionalização dessa força integrada. Em alguns estados, já existia de uma forma embrionária e sem formalização, a iniciativa de cooperar. Em outros estados foi necessário formalizar a colaboração. Em Goiás, já havia acordo de cooperação, que foi reformulado para a inclusão das polícias penais em nível nacional. Agora, há possibilidade de pagar diárias para outras forças policiais, porque essa verba vem carimbada para a força integrada.
Além disso, cinco estados foram selecionados, dentre os quais Goiás, para o combate a crimes violentos. Em dezembro de 2023, houve uma grande operação por meio desse projeto, quando todas as polícias foram para dentro do prédio da Polícia Federal, onde a deflagração foi originada, para combater criminosos ligados ao Comando Vermelho (CV).
Esses dois projetos instituídos enquanto o Flávio Dino estava como ministro perduram. O novo ministro Ricardo Lewandowski assumiu e o que nos restou demonstrado é que a diretriz permanece sendo o trabalho em cooperação e a integração das forças policiais. No ano passado, tivemos quase 500 mandados de prisão cumpridos em Goiás a partir dessa força integrada.
É importante destacar que, apesar de estar sediada dentro do prédio da Polícia Federal, a Ficco não se destina à investigação de crimes de atribuição da PF. No caso dos doces envenenados, por exemplo, cooperamos com a quebra das senhas de celulares investigados, mas não era um crime de atribuição de nossa atribuição, trata-se de uma colaboração permanente para tratar de crimes violentos, bem como os crimes que tratam de facções criminosas.
Pedro Moura — Nós acompanhamos o trabalho de outras superintendências da PF no Brasil. Percebemos que a superintendência de Goiás tem um número de operações maior do que a média dos estados. Ao que se deve esse fato?
A quantidade de operações depende muito do perfil do superintendente. Eu gosto muito de operação policial. Meus colegas sabem disso, eu participo, ajudo e apoio as operações. Isso se deve ao desenvolvimento da minha tese de mestrado. Estudei a eficácia das forças policiais, tentando responder às questões: o que faz uma instituição eficaz? Quais as métricas podemos usar para medir essa eficácia?
Para responder a essas questões, é comum que se recorra ao número de mandados cumpridos. Mas, em meu mestrado, verifiquei que esse não é o melhor indicador. Entendo que a resolutividade dos inquéritos afere melhor a eficiência. Os mandados cumpridos, quando não resultam em justa causa para apuração, significam uma violação do direito do outro de não ser investigado indevidamente por denúncias vazias. Além disso, movimenta a máquina policial para investigar inquéritos que não rendem resultados.
Para aumentar a resolutividade dos inquéritos, é necessário diminuir o número de investigações, o que possibilita um trabalho mais aprofundado. Uma operação policial está associada a investigações mais concretas. Isso, por sua vez, se deve a estarmos em um ambiente em que os policiais têm segurança e os procedimentos são mais robustos.
Mas o superintendente é só início. Eu brinco que, se você vai a um lugar onde todos estão dançando, você logo está dançando também. Quer dizer, a eficiência do superintendente contamina os outros agentes. São operações muito sólidas, muito técnicas. Eu aprecio o esforço de toda a corporação, porque acredito que a atividade finalística da Polícia Federal é a investigação.
Italo Wolff — O que há de novo na gestão nacional?
Na gestão de Andrei Rodrigues, nove dos 27 superintendentes estaduais da PF são mulheres, o que é inédito. A imensa maioria sempre foi de homens. Temos duas diretoras mulheres, o que também é inédito. Agora, temos superintendentes de seu próprio estado, o que nunca houve antes; isso facilita os procedimentos, como expliquei.
Desde 1965, em Goiás, a primeira mulher fui eu, em 2020. É claro que existiram delegadas capacitadas nesse intervalo, prontas para assumir, mas encontraram alguma barreira no caminho. Não reputo minha gestão a mim mesma, mas às mulheres que vieram antes e abriram caminho para que minha nomeação acontecesse. E eu desejo que outras ainda venham a assumir essa gestão, porque mulheres trazem um novo olhar para essa instituição que já tem 80 anos.
Não acredito que a solução sejam cotas, eu acho que a trilha de carreira deve indicar quem alcança os postos de chefia. Mas existe uma invisibilidade. Isso não é apenas um problema nacional, é mundial. Igualdade de gênero é o objetivo número cinco da Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Vemos essa discrepância também nos tribunais, não é um problema específico da polícia. No caso da polícia, a questão fica muito evidente porque o percentual feminino na polícia é diminuto; só 18% dos policiais são mulheres. E aí você me pergunta: é porque existe dificuldade de acesso? Não. Há falta de interesse das mulheres em escalar a hierarquia.
Antigamente pensávamos que os exames físicos eram o problema, mas na Academia Nacional de Polícia percebemos que o percentual de mulheres aprovadas na primeira fase é o mesmo que vai até o final. Ou seja, as mulheres passam da etapa em que o físico é exigido, mas deixam de adentrar nos quadros da polícia por outra questão.
Talvez o problema seja a exigência de mudar de estado constantemente. Talvez seja o aspecto de a operação policial obrigar a agente a viajar com frequência, o que dificulta a vida familiar. Não sabemos. O certo é que o policial federal tem de gostar muito de sua profissão, porque a questão remuneratória não é atrativa e as frequentes mudanças são uma dificuldade.
Italo Wolff — Como funciona a cooperação internacional entre as superintendências da PF e outros países?
Já atuei como representante da Interpol em Goiás. Hoje, a Polícia Federal se encontra em 20 países, nas adidâncias. Dentro da Polícia Federal em Goiás, existe um núcleo de cooperação internacional. No ano passado, fizemos um seminário para demonstrar a órgãos parceiros, Judiciário e Ministério Público, como a Polícia Federal pode cooperar internacionalmente.
Existe a cooperação jurídica e a cooperação policial. Um caso muito emblemático de 2023 foi o das goianas que foram presas na Alemanha. Realizamos a Operação Efeito Colateral a fim de prender a quadrilha responsável pelo esquema internacional de tráfico de drogas, responsável por levar para a cadeia as goianas Jeanne Paollini e Kátyna Baía.
Neste ano, fizemos uma operação em parceria com duas agências dos Estados Unidos para combater o tráfico de armas. O armamento estava sendo enviado em containers para goianos que moram nos Estados Unidos e que têm green card. O crime está cada vez mais atualizado e cada vez mais qualificado, a polícia precisa acompanhar. Então, essa cooperação internacional tem sido frequente, não apenas para investigações nossas, mas também para as da Polícia Civil.
A PF precisa ser demandada. Não posso adentrar na investigação de outras polícias e inserir algo na Difusão Vermelha (Red Notice, notícia da existência de um alerta que possibilita a prisão da pessoa que se encontra em país estrangeiro e contra a qual existe mandado de prisão expedido por autoridade brasileira). Essas agências internacionais precisam nos provocar, e fazemos o papel de elo de ligação entre as forças policiais brasileiras e as forças de outros países.
É também inédito desta gestão que um brasileiro, Valdecy Urquiza, diretor de Cooperação Internacional da PF, tenha se apresentado como candidato à Secretaria Geral da Interpol, um órgão internacional. O Brasil nunca tinha tido esse protagonismo.
Italo Wolff — Como funciona o sigilo das operações para os agentes da própria PF?
Entendo que esse é um dos pontos fortes da Polícia Federal. Eu, como superintendente, não tenho acesso às investigações. Se você me perguntar agora, eu não sei te dizer quem são os alvos. Isso é ótimo, porque blinda o gestor, blinda a equipe, e dá isenção para as investigações. Como gestora, para aprovar as operações de antemão, tenho acesso antecipado à data, área, número de mandados expedidos — informações gerais. Eu brinco que, se um delegado representar contra minha mãe, só saberei no dia da operação.
Esse sigilo funciona para todos os agentes. Dessa forma, informações não vazam. A equipe se reúne, cada policial recebe sua pasta e só abre para descobrir seu alvo e local na hora do cumprimento. A equipe investigativa tem as informações, mas não se comunica com quem vai cumprir os mandados. A corregedoria recebe a notícia crime e encaminha o inquérito, depois disso, o corregedor não tem mais acesso ao inquérito. Isso é fundamental para preservar a autonomia da equipe investigativa.
Aline Bouhid — Qual é a área em que a PF atua mais intensamente em Goiás?
Temos atuado intensamente na área do trabalho escravo. Goiás ficou em segundo lugar no país em números de resgates de pessoas em trabalho degradante. Anteriormente, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pedia apoio para a Polícia Federal para fazer o apoio de escolta para suas equipes. Agora, a PF dá apoio na parte investigativa.
Colocamos nossas próprias equipes investigativas para apurar junto, como parte do esforço para melhorar a qualidade do material probatório. Se investigamos trabalho em condição degradante, a definição de “degradante” não pode ser subjetiva. Vamos juntos com o MPT fazer provas periciais para testar a qualidade da água oferecida aos trabalhadores, por exemplo.
Também temos dado muita atenção à hipótese criminal do tráfico internacional. No estado de Goiás, tivemos a apreensão de sete aeronaves em 2023. A deflagração é só a parte ostensiva, mas as investigações perduram.
Italo Wolff — A rede de distribuição internacional de drogas está mapeada? Goiás está nesse percurso?
Cada vez mais, a Polícia Federal trabalha com inteligência para mapear esse iter criminis. A Ficco é fundamental para montar esse quebra-cabeças. Como o sistema da Polícia Civil é diferente do da Polícia Federal, até um passado recente as forças não compartilhavam tantas informações. Com o programa de integração, cada instituição vem com suas peças para conseguirmos juntos montar esse quebra-cabeça.
Antes, tínhamos conhecimento de elementos isolados do tráfico internacional. Agora, conseguimos filtrar e direcionar investigações de uma forma mais abrangente, abordando aspectos que antes ignorávamos.
Em Goiás, o que ficou demonstrado foi a importância do modal aéreo para a distribuição das drogas. Pistas de pouso clandestinas estão sendo construídas em grandes fazendas, com investimento milionário das facções criminosas. Os donos às vezes nem sabem dessa atividade em suas propriedades rurais.
Goiás, por estar no centro do Brasil, é importante para a logística do tráfico, tanto o interestadual quanto o internacional, mas nossa atuação tem sido muito forte. O delegado Bruno Gama é chefe da Delegacia de Repressão a Drogas da PF em Goiás há mais de dez anos e possui muita experiência na área.
Ton Paulo — Os governos de turno sempre criticam a relação do governo anterior com a PF. Sabemos que a Polícia Federal é uma polícia judiciária da União, e não de governos. Como a senhora enxerga as alegações de que a PF tem sido instrumentalizada para perseguir opositores, ou para agir conforme interesses de governantes?
Eu era superintendente em 2020, no governo Bolsonaro (PL), e agora estou como superintendente no governo Lula (PT), em 2023. Sou uma prova viva da autonomia da PF. Falo com muita propriedade que a Polícia Federal é técnica, não se pauta por governos, e essa qualidade tem sido cada vez mais incentivada. Os policiais são encorajados a fazer cursos de mestrado e se especializar, justamente para sair do personalismo e se tornarem cada vez mais técnicos.
A Polícia Federal atualmente passa por um processo de transformação organizacional, PF80. Nessa mudança de diretrizes, a impessoalidade é cada vez mais valorizada. Quem ousar ser pessoal vai ser responsabilizado. Além disso, a polícia é um sacerdócio, é uma vocação. Atualmente, ser policial federal é trabalho de remuneração desvalorizada, se ganha menos do que a Polícia Civil em vários estados.
Em Goiás, o efetivo da Polícia Federal é diminuto. Em todo o país, são 15 mil policiais. Para que a corporação funcione, os policiais precisam ser realmente comprometidos, amar o que fazem, estar alinhados com os valores da PF, incluindo a independência dos governos de turno.
Italo Wolff — O déficit de pessoal é muito grande? Como a PF pretende dar conta da nova tarefa de fiscalizar os caçadores, atiradores e colecionadores de armas (CACs)?
Já há um déficit. É difícil estimar quantos agentes, pois as atribuições estão sendo aumentadas. Fiscalizar CACs é uma demanda gigantesca, que não pode ser resolvida nem com aumento do efetivo — e até agora não foi anunciado aumento algum do efetivo.
Existem dois sistemas: o da Polícia Federal, responsável pela concessão de porte e posse de arma, e o do Exército, responsável pelo registro das armas dos CACs. Está prevista para 2025 a vinda de todo o banco de dados do Exército, bem como a atribuição de processar toda essa informação para a Polícia Administrativa da Polícia Federal.
A demanda vai explodir, porque o número de processos em Goiás é elevadíssimo. É cultural, o goiano é fascinado por armas; é assustador. Algumas pessoas têm centenas de armas — e cada arma significa munição, cano, gatilho, partes que precisamos monitorar. Ainda não sabemos como isso vai ser operacionalizado. Precisa acontecer mediante alguma parceria, pois a PF não tem efetivo.
Pedro Moura — Como delegada e superintendente da PF, qual o maior desafio que a senhora enfrenta?
Pessoalmente, acho que o maior desafio é manter a equipe motivada. Motivada a trabalhar, motivada a se manter inabalada por partidarismos e governos. Enquanto instituição, um grande desafio da PF é a comunicação. Não por menos, no PF80, vários setores foram mobilizados para dar entrevistas à imprensa. Não queremos centralizar a corporação na figura do gestor, mas comunicar como instituição. A instituição é maior do que nós.
Italo Wolff — Qual o maior desejo da instituição hoje?
Sem dúvidas, o maior desejo da instituição hoje é uma lei de segurança orgânica. A Polícia Civil de Goiás conquistou sua lei de segurança orgânica em 2022. A Polícia Federal ainda não tem. Isso significa que a escolha de diretores e superintendentes não está normatizada.
O ex-presidente Bolsonaro trocou o diretor da Polícia Federal quatro vezes. O novo gestor, se quiser, pode mudar os 27 superintendentes, que por sua vez podem mudar os que estão abaixo. Em Goiás, há o superintendente e duas delegacias, em Anápolis e Jataí. Abaixo de mim, há o meu substituto, o corregedor. Uma troca de todas essas equipes leva muito tempo e contraria o planejamento estratégico que o Ministério da Justiça elaborou para a PF.
Nós temos um planejamento operacional, que explica como atingir todas as metas durante o ano. Trocar todos os atores significa planejar tudo de novo. Essa incerteza é muito ruim para a instituição. Os agentes substituídos não sofrem retaliações, mas a instituição sofre.
Ton Paulo — A lei de segurança orgânica da PF já está tramitando no Congresso?
Não. A PF sempre esteve muito afastada dos parlamentares. Nunca houve formalização de diálogo com outras instituições. Nos conscientizar das necessidades da instituição e lutar por melhorias é novo para nós.