“Maior problema da segurança pública no País está da porta do presídio para dentro”
27 janeiro 2019 às 00h00
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Secretário diz que de nada adianta fortalecer o combate à criminalidade nas ruas se a organização das ações violentas continuar a funcionar livremente nas penitenciárias
Rodney Miranda pode ser um nome não tão conhecido em Goiás, mas ocupou a mesma pasta que assumiu no Estado em Pernambuco e Espírito Santo. O novo titular da Secretaria Estadual de Segurança Pública foi prefeito de Vila Velha (ES) e também responsável por elaborar o texto do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Chega com a tarefa de acabar com o policial de terceira categoria, com salário menor do que os outros integrantes da PM goiana em fase inicial como servidores, integrar as polícias e reestruturar o sistema prisional do Estado.
Caso a discussão travada no Supremo Tribunal Federal dê a Rodney o mandato de deputado federal pelo PRB do Espírito Santo – hoje na condição de suplente -, afirma que sua intenção é permanecer em Goiás e ajudar o governador Ronaldo Caiado a melhorar a situação da segurança pública no Estado. “Caso haja o entendimento e eu seja considerado eleito eu assumo num dia e volto porque quero completar esta missão.”
Augusto Diniz – O sr. já está ambientado a Goiânia?
Sou de Brasília. Trabalhei muito no Entorno do Distrito Federal pela Polícia Federal quando fui chefe de repressão a entorpecentes por muito tempo. Fui agente e delegado da Polícia Civil de Brasília, por isso tinha um contato direto com a polícia goiana. Conheço boa parte dos municípios de Goiás, principalmente a região do Entorno e mais próxima a Posse [Nordeste goiano], perto da Bahia. Já fiz bastante operação naquela região. Estou muito contente. Tanto que trouxe minha família. Não consigo fazer as coisas pela metade. Não deixaria metade do meu coração e metade lá, metade da minha cabeça aqui e metade lá. Para ficar focado na missão que o governador me passou.
Danin Junior – Quem escolheu o nome Rodney?
Segundo meu saudoso pai e minha mãe, que graças a Deus ainda está com a gente, foi em um livrinho de nome. Não teve nenhuma inspiração. Coisa bem comum de um casal jovem que resolveu dar um nome diferente para o filho. Lá no Espírito Santo “Rodnêy” ou “Ródney”, sempre confundem, aqui também de vez em quando costumam confundir a pronúncia – “Ródney” seria a correta, segundo o secretário. Eu acabo respondendo por qualquer uma das duas formas sem dificuldade.
Danin Junior – E como se deu o nome Rodney para a equipe do governador Ronaldo Caiado (DEM)?
Meu saudoso pai, Heitor Miranda, era agente da Polícia Federal aposentado e sempre admirou o senador Ronaldo Caiado. Pela postura, retidão, história. Eu passei também a admirá-lo. Fui presidente do Democratas por muitos anos no Espírito Santo. Às vezes participava de eventos, mas nunca tive muita proximidade com Caiado. Na convenção em que o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) se lançou candidato a presidente da Câmara foi uma das últimas que participei – depois acabei saindo do partido -, estava com um amigo que é amigo em comum do governador.
Comentei com esse amigo que admiro o então senador, conversei com Caiado algumas vezes, mas nada muito próximo. Ele disse “vem aqui, vou te apresentar, é muito meu amigo”. Me apresentou, estava Caiado e Dona Gracinha. Meu amigo me apresentou como ex-delegado da Polícia Federal, que fui secretário e uma das pessoas que entende mais da questão de segurança pública que ele conhecia no Brasil. Disse que meu amigo estava exagerando um pouco. Caiado disse que precisava falar comigo. Dona Gracinha pegou meu contato.
Um mês depois me ligaram. Fiz a proposta de governo da segurança pública, da qual fiquei encarregado. Meu nome foi registrado no TRE. Posteriormente fui cuidar da minha vida. Estava trabalhando com consultoria e Caiado me chamou para trabalhar na transição. Comecei a trabalhar na transição, estava combinado com a empresa que estava me custeando que eu trabalharia nos primeiros cem dias se fosse o caso de o governador querer a continuidade do nosso trabalho. Acabou meu contrato, o governador me chamou e eu aceitei pela admiração que tenho por Caiado, por gostar de Goiânia, por gostar de Goiás e por achar que meu momento no Espírito Santo estava mais do que consolidado. O que tinha de falar lá eu já fiz.
Augusto Diniz – Antes de ser nomeado secretário de Segurança Pública em Goiás, além de ter sido prefeito de Vila Velha (ES), o sr. foi secretário da mesma pasta no Espírito Santo e Pernambuco?
Fui prefeito de Vila Velha, secretário de Segurança Pública do Espírito Santo e Pernambuco. O último cargo público que exerci foi em 2017 como secretário de Defesa Social. Fui deputado estadual por dois anos antes de ser prefeito. Na eleição de 2018 participei. Sou primeiro suplente de deputado federal da minha coligação no Espírito Santo [PR/PRB/PSL], mas sem pretensão nenhum de assumir.
Estou entre os 26 que estão debatendo a questão do quociente eleitoral no Supremo Tribunal Federal. Caiado está ciente disso e o presidente do partido que estou hoje também [PRB]. Caso haja o entendimento e eu seja considerado eleito eu assumo num dia e volto porque quero completar esta missão.
Augusto Diniz – Que tipo de experiência e casos que foram aplicados na segurança pública dos dois Estados que o sr. pretende trazer para Goiás?
Primeiro algumas constatações na minha carreira nos Estados. Sou um dos fundadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ajudei a construir o Pacto Pela Vida, do ex-governador Eduardo Campos [1965-2014], e também construí o texto do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Venho agregando conhecimento e experiência, que é uma das coisas que queremos trazer para Goiás.
Uma das coisas que constatei é que para se estruturar o sistema de segurança pública é preciso estrutura concomitantemente o sistema prisional. Se você não consertar o sistema prisional você não consegue ser vitorioso no controle à violência. Venho falando isso há muito tempo. O ex-ministro Raul Jungmann [Defesa] uma frase que eu sempre falava para ele. O maior problema da segurança pública no País está da porta do presídio para dentro. E não para fora.
Antigamente pensávamos que presídio era escola de crime. A pessoa entrava bonzinho, mais ou menos e saía péssimo. Entrava menos perigoso e saía mais perigoso. Hoje, os presídios, em regra, no Brasil são quarteis generais de crime. Infelizmente são pouquíssimas as exceções. É o QG, de onde saem os planejamentos e as ações mais violentas e virulentas que nós temos hoje nas ruas do Brasil. Vide o que está acontecendo no Ceará hoje.
Augusto Diniz – A situação do Ceará traz alguma preocupação sobre a atuação das facções criminosas em Goiás? Há informações de que a Polícia Civil teria conhecimento da chegada de outras facções criminosas ao Estado além das duas mais conhecidas.
O que a sociedade tem de entender é que toda vez que formos apertando na rua e no sistema prisional, o que tem de ser feito nas duas frentes, com inteligência e planejamento pode ter reação. É quando precisamos estar preparados para reagir. Cheguei na Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo no final de 2002, início de 2003, na equipe do ex-governador Paulo Hartung (MDB).
No Espírito Santo, o crime organizado contaminava quase todos os Poderes. Uma coisa maluca.
Danin Junior – Estava uma verdadeira convulsão.
Mataram o juiz Alexandre Martins de Castro Filho, um amigo meu. No mesmo dia tentaram me matar. Está tudo registrado em processo. Eu e o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos, parceiro do Alexandre Martins, escrevemos um livro junto com Luiz Eduardo Soares, do Rio [“Espírito Santo”. Editora Objetiva, 2009]. Estava tudo sucateado, três folha de pagamento atrasadas. Sem diminuir a condição das finanças do Estado de Goiás, mas uma situação muito pior no Espírito Santo.
Viemos fazendo todo o dever de casa. Reestruturamos as polícias, completamos os efetivos, investimos em tecnologia, perícia e os índices de criminalidade subindo e descendo. Concomitantemente, uma outra secretaria vinha fazendo o trabalho no sistema prisional. Eu tinha 1,9 mil servidores na Polícia Civil quando cheguei, de administrativo a delegado, passando por perito, médico legista, auxiliar de necrópsia. E tínhamos mais de 2 mil presos em delegacia. Não tinha sequer um policial por preso.
Conseguimos reverter. Fizemos o dever de casa, melhoramos muito a eficiência das polícias, tempo de resposta, visibilidade, mas os números, principalmente de homicídios, permaneciam no alto. Tinha mês que aparecíamos em quinto lugar no Brasil, em outro pulava para segundo, havia meses que o Estado figurava na primeira posição em homicídios. Cheguei para o governador e disse “o ritmo da Secretaria de Justiça é diferente do meu”. Tem problema é preciso mandar a PM, as delegacias superlotadas comprometem a Polícia Civil. “O sr. me arruma recurso para construir presídio?”
O governador topou. Tinha recurso. Na época, com R$ 300 milhões em dinheiro do Estado. Construí duas unidades prisionais no final de 2009 e consegui esvaziar as delegacias. Em 2010, os índices de criminalidade começaram a cair e não pararam mais porque nós decretamos o controle do sistema prisional. Isso é constatação.
Danin Junior – A maior solução é a abertura de vagas no sistema prisional?
Não só a abertura de vagas, mas também uma reestruturação interna de disciplina de funcionamento das unidades. Não adianta só botar muro, grade e não ter um trabalho de manuseio de separação dos presos por periculosidade, especialmente conseguindo isolar as lideranças. No pacote do Susp, fiz uma proposta ao deputado Rodrigo Maia de mudança no sistema de progressão de regime.
O sistema de progressão de regime no Brasil hoje é ridículo. É garantista ao extremo. Qualquer preso sabe que se tiver um comportamento mais ou menos cumpre um sexto da pena. Vai para o semiaberto, que é pôr o pé na rua e não voltar mais. Um pouquinho mais, com um comportamento muito mais ou menos, um terço. Um condenado a 30 anos tem consciência que daqui dez anos está com a fatura dele resolvida com a sociedade.
Isso cria um sentimento de impunidade muito grande para aqueles presos. Sugeri ao presidente que se acabe com o regime aberto, que é o mesmo que dizer que com menos tempo a pena está resolvida. Isso é um desrespeito à sociedade. Disse ao presidente que precisamos substituir o regime aberto por penas alternativas, tornozeleira, por alguma obrigação, desde que o comportamento fosse bom. Isso para crimes mais leves.
Para crimes mais graves, minha sugestão foi a de acabar o regime aberto, depois de cumprir três quartos da pena progressão para o semiaberto com tornozeleira e com emprego garantido. Líder de facção puxaria para a sentença o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que hoje é incidente de pena. Hoje se a pessoa cometer um delito grave vai para o RDD. Propus que seja de um ano a metade da pena no RDD, até para o preso entender como funciona o jogo.
Governador Ronaldo Caiado chegou para mim e perguntou se eu queria ficar com o sistema prisional ou que ele montasse outra secretaria, que a inclinação era por montar outra secretaria. Respondi que, neste momento de vulnerabilidade, é melhor ficar na Segurança Pública. Se os problemas vão cair no meu colo, como caem… Na madrugada de quarta-feira, 22, tivemos um princípio de rebelião e conseguimos controlar. Me dê condição de montar um ritmo de resolução do problema. E vou dar um ritmo para os dois lados.
O fator fundamental da inteligência é inteligência como produção de conhecimento. Muita gente pensa que inteligência é só escuta telefônica. Escuta telefônica é um meio. Temos vários outros processos de produção de conhecimento que têm uma estrutura boa, excelentes profissionais, que precisa apenas de uma reorganizada para que o trabalho seja feito de forma um pouco mais integrada – sistema prisional, Polícia Civil, Polícia Militar e Secretaria de Segurança Pública.
Vamos criar uma superintendência só de combate à corrupção e ao crime organizado. Isso eu fiz no Espírito Santo, criei um núcleo ligado à secretaria. Aqui será uma superintendência, com estrutura enxuta para coordenar e dar apoio a operações importantes. Não é uma nova polícia, é uma estrutura de apoio e coordenação, principalmente aquelas operações que necessitam o envolvimento de mais homens. Será responsável pela interlocução direta com o Ministério Público, Judiciário, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal dentro do trabalho de cada um.
Outra coisa: policial na rua. Eu e o governador Caiado temos muito isso. Policial que está na ativa tem de trabalhar na rua ou em atividade-fim, como, por exemplo, inteligência. Temos policiais em funções administrativas, cedidos para outros órgãos, em atividade-meio, que podem ser substituídos. Atividade-meio só por policial. Estou com um Projeto de Lei pronto para apresentar ao governador para tentar recrutar reformados, começando pelos praças – soldado, cabo, subtenente.
A ideia é substituir. Um exemplo é o operador de rádio. Por que tem de ser um combatente, um policial? Tem de ser um policial porque falará no rádio da polícia com um policial que está na rua. Mas pode ser um policial da reserva. Temos um grupo bom que já foi identificado. Uma guarda de quartel precisa de um policial combatente levantando e abaixando cancela? Mas é uma área de segurança, precisa de policial, alguém armado.
Primeiro vamos fazer o dever de casa, com 26 dias, conseguimos, tanto a Academia da Polícia Militar quanto a Secretaria de Segurança Pública, disponibilizar 200 policiais para o comandante geral da PM. Isso é quase um batalhão. Só um esforço nesse início. Acredito que podemos avançar, de acordo com nosso cálculo inicial, com os aposentados, cerca de 1 mil que estejam espelhados por órgãos do Executivo, Judiciário, Ministério Público, alguns em prefeituras, que podemos utilizar.
Tínhamos o caso de uma delegada que era chefe de gabinete. E eu precisando de delegado na rua. Estamos trabalhando precariamente, mas estamos trabalhando.
“Hoje no nosso País quem tem direito e garantia é criminoso”
Augusto Diniz – O sr. citou a preocupação que tem com a situação dos presídios em Goiás. Há números do tamanho da superlotação hoje?
Não temos os números. Temos um estimativa de que precisamos de pelo menos 10 mil vagas hoje. Nós temos pouco mais de 20 mil presos no sistema. Então teríamos cerca de 50% do necessário. Mas é preciso reorganizar. Há unidade que está sobrando vaga. E tem unidade que não há mais onde colocar presos.
É a mesma situação do efetivo. Só saberei o quanto precisarei a mais quando tiver o diagnóstico de que todos estão sendo utilizados de maneira correta. Se você pegar o mapa de Goiás, colocar as manchas criminais e botar o mapa do efetivo, é possível ver que há distorções. São anos e anos de alocação política de efetivo.
A informação que tive é de que foi alocação política. Quem era próximo ao governador ou ao governo conseguia mais. Tem áreas que têm o índice baixo de violência com efetivo alto. Há áreas com índice de violência alto e efetivo baixo. Se o governador me perguntar quantos homens eu preciso hoje, eu pediria alguns dias para ter essa conta. Hoje, se tivesse condição, eu não teria como dizer.
Quando já tiver colocado os pouco mais de mil homens na rua, quando estiver reorganizado, saberei o que preciso. Vou tecnicamente mostrar para o governador “preciso deste, deste e deste”. E quando for possível vamos fazer concurso.
Augusto Diniz – Quando o governador estendeu o convite para que o sr. continuasse na equipe como secretário, houve um pedido de determinados tipos de crime que deveriam ser mais combatidos?
Isso eu já estava discutindo com o governador porque ajudei a elaborar o programa. Vinha construindo isso junto com Caiado. Logicamente o governador me mostrou o diagnóstico e me mostrou a necessidade. Em cima das necessidades, eu vinha trabalhando tanto na elaboração do programa de governo quanto na transição. Não assumi no dia 2 no escuro. Já tinha traçado na transição o perfil dos coronéis, dos delegados, até para dar algumas opções de escolha para o governador e o futuro secretário.
Rafael Oliveira – O presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem falado em parceria público-privada (PPP) para o sistema prisional. O Estado acaba de decretar calamidade financeira e o sr. diz que são necessárias mais 10 mil vagas nas cadeias.
Custa dinheiro. Primeiro vamos reorganizar. Depois ir atrás do governo federal em busca de dinheiro. Essa parceria funciona? Funciona. Temos presídio privatizado no Espírito Santo. Agora é caro. É muito caro. Deixei de ser secretário há oito anos. Na época, o custo médio do preso no sistema prisional era em torno de R$ 2 mil. Acredito que esteja em R$ 3 mil a R$ 3,5 mil por mês. O do sistema privatizado era quase R$ 3 mil por mês. Deve estar em R$ 4 mil. E funciona.
Sou favorável à terceirização. Sou favorável a fazer parcerias em todas as áreas. O governo tem de ser muito mais fiscalizador e pagador, não gestor. O Congresso nos deve quais são as carreiras de Estado, e a partir disso poder terceirizar o que for. Nos quatro anos em que fui prefeito, a gestão investida de 29% a 31% do orçamento em educação. Sempre extrapolava os 25% obrigatórios.
O investimento por aluno era de R$ 5 mil por ano. Há uma inversão. Estamos pagando R$ 3 mil por mês. Em Goiás deve estar R$ 2 mil a R$ 2 mil e pouco. Se computarmos salário de servidor, combustível. E estamos investindo R$ 5 mil por ano em aluno. Tudo isso tem de ser colocado. Não estou aqui pregando política de encarceramento, mas temos de endurecer as leis.
Danin Junior – Soluções que foram apresentadas no período de campanha na disputa nacional como colocar os presos para trabalhar é perfumaria?
É necessidade. Tem de ter. Vai ter barreira de todos os jeitos. Uma sugestão que dei na comissão que tinha ministro do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e que depois o deputado Rodrigo Maia fez. Tem o instituto da remissão. Para cada três dias trabalhados um dia a menos de pena. Por que não fazemos uma remissão ao inverso? A cada três dias não trabalhados um dia a mais de pena. Não posso obrigar a pessoa a trabalhar, não posso botar uma bola de ferro nele e mandar quebrar pedra, como faziam antigamente nos Estados Unidos. Mas posso obrigar o preso que não quer trabalhar a ficar mais tempo detido.
Isso ajudaria a minimizar esse déficit que temos hoje no sistema. O preso trabalharia para se manter, para ter roupa lavada e tudo mais. São ideias que precisam ser levadas ao ministro Sergio Moro. Me comprometi com o governador de elaborar um pacote de sugestões para levar ao presidente e contribuir. Hoje no nosso País quem tem direito e garantia é criminoso.
Nós temos deveres e obrigações. E nós somos a maior parte da população. A sociedade está invertida. Nós temos de ter instrumentos de garantias da sociedade. Nós só temos instrumentos de garantia para criminoso.
Felipe Cardoso – Segundo o Mapa da Violência de 2015, o Espírito Santo estava na primeira colocação no ranking de feminicídio no País e Goiás em terceiro. Em 2017, Goiás passou para a segunda colocação e o Espírito Santo na primeira colocação. O que o sr. pretende fazer para reduzir esses números?
Faz oito anos que não sou secretário do Espírito Santo. Outro dia me perguntaram sobre a greve da Polícia Militar de dois anos atrás e eu nem era secretário de nada. Quando era secretário, montei a primeira casa albergue do Estado em parceria com o fórum de mulheres, que me procuraram e disseram que lutavam pela casa albergue há dez anos. Arrumei dinheiro com o governo federal, montei a casa albergue, comecei a administrar e um dia soube que todos os menores ali instalados estava sob a minha tutela.
A Secretaria de Justiça estava bem estruturada, resolvi passar a casa albergue para estrutura dessa pasta. Foi conversar com o fórum de mulheres e não deixar. “De jeito nenhum. Enquanto o sr. foi secretário quem vai cuidar é o sr..” Estabeleci um link de confiança com essas mulheres.
É preciso ter uma interlocução. Não é um crime que se resolve com policiamento. É um crime que ocorre, em regra, na esfera privada do casal. É um crime que a participação maior da polícia é na repressão: investigar, prender e até ser rigoroso para que o elemento desanime de cometer o crime. Há uma questão de cultura na sociedade brasileira que é vergonhoso. Vamos ter de trabalhar a mudança de cultura. Não é assunto só de polícia, Justiça, Ministério Público ou sistema prisional.
Temos de trazer para o debate a sociedade civil organizada. Há várias entidades e órgãos que têm feito bons trabalhos tanto de acolhimento quanto de conscientização por parte dos homens. Em Pernambuco tinha uma delegada, Gleide Ângelo, que me apresentou um projeto e incentivamos que é fazer a Escola de Homens. Brincávamos que era a Escolinha do Professor Raimundo. A delegada conseguiu parceria com a Justiça e os homens eram obrigados a ir se cometessem crime de feminicídio, para ver palestras de conscientização. E foi diminuindo.
No Espírito Santo tem uma juíza da Infância, que trabalhei com ela quando estive na prefeitura, e conseguimos diminuir 97% os conflitos nas escolas. É algo que podemos adaptar à questão das mulheres. É uma pareceria. Também no Espírito Santo, um desembargador criou um sistema de botão de pânico e colocou as guardas municipais para atender.
Temos boas iniciativas sendo implementadas em outros estados como tentativa de prevenir o feminicídio. Mas teremos de entrar no debate para acabar com essas covardias.
Danin Junior – O Judiciário tem apostado muito em grupos de apoio.
A juíza que citei atua com mediação de conflitos e Justiça restaurativa, que é algo que eu acredito muito. O nome dela é Patrícia Neves, está fazendo trabalho para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conversei com a juíza para implantarmos algo em Goiás nesse sentido de mediação de conflitos. Porque os casos começam com ameaça, lesão corporal, tentativa e homicídio. O caminho é esse na maioria dos crimes. Fiz um estudo interno no Espírito Santos, sem publicar, e verifiquei que 60% dos crimes de homicídio tinham crime precedente: lesão corporal, ameaça ou vias de fato.
“O que estou sentindo mais falta é de uma maior integração dos sistemas”
Danin Junior – O sr. falou há pouco sobre a importância do uso de inteligência. Goiás está preparado, tem estrutura e recursos humanos? Como está a situação de conclusão das investigações?
Aqui em Goiás a taxa é baixa. A primeira informação que tive é que não chega a 50% os homicídios elucidados. A taxa do Brasil é vergonhosa, não chega a 10%. No Espírito Santo, chegamos a 75%. Hoje um delegado da Polícia Civil me disse que caiu para 48%. É a segunda melhor do Brasil. Perde só para o Brasília, que tem a vantagem de ter número bem menor de homicídios e tem mais estrutura. Temos de dobrar a taxa.
Em Goiás, temos excelentes profissionais. Um exemplo foi a prisão da quadrilha que explodia caixas eletrônicos. Temos uma inteligência que está funcionando, um mapeamento bem adiantado e sistema de informática bem estruturado. Há alguns convênios que tentarei reabrir para reforçar ainda mais a questão de equipamentos. Temos profissionais.
O que estou sentindo mais falta é de uma maior integração dos sistemas. Uma velocidade maior dessa informação. É preciso romper algumas barreiras. Em determinados setores da polícia há aquela questão do “eu sou o dono da informação eu tenho o poder”. Isso não existe. Fazer bom uso da informação é que te dá o poder. E poder perante o adversário que é o criminoso.
Na terça-feira, 22, destaquei muito isso quando fizemos a apresentação dos presos. Se não usarmos integração, inteligência – coloquei um h no meio – e humildade, não vamos conseguir avançar. Não há disputa. Tem alvo para todo mundo. Como não há disputa com o Ministério Público também. Recebi uma visita do Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado] e garanti que vamos trabalhar juntos. Não tem esse tipo de vaidade comigo. O negócio é focar no mesmo adversário.
E o policial que comete crime? O policial que comete crime vai ser tratado do mesmo jeito que o médico que comete crime, o líder espiritual que comete crime. Passou para o outro lado esquece.
Augusto Diniz – Sobre o feminicídio, uma das justificativas usadas pelo presidente Jair Bolsonaro durante a campanha para facilitar a posse de arma de foto e depois discutir o porte era que a mulher, ao ser vítima de violência sexual não adiantaria de nada mostrar o papel da lei e que seria preferível ela ter uma arma para poder reagir. Como que o sr. vê a busca pela melhoria na segurança pública aliada à flexibilização da posse de arma de fogo?
A flexibilização na verdade é o cumprimento do referendo de 2005. Eu ouvi, enquanto secretário de Segurança Pública, de um ministro a declaração “vocês decidiram pela flexibilização do porte de arma, só de sacanagem nós vamos endurecer a legislação”. Olha o raciocínio! Botaram um monte de requisito para se ter uma arma. E no final, ainda deixava na prerrogativa do superintendente da Polícia Federal decidir se deveria dar a posse ou o porte.
Augusto Diniz – O sr. acredita que o decreto deixou mais claro quais são os pontos na avaliação se a pessoa tem necessidade ou não de ter arma de foto?
Eu iria um pouquinho mais longe, inclusive com o porte. Cumpriu com todos os requisitos – idoneidade, habilidade, avaliação psicológica – é um ato vinculado. Demonstrou realmente a necessidade de usar arma, você tem de ter seu porte. Não sou eu delegado que vou decidir. A orientação no Brasil todo para todos os superintendentes era negar. Quem precisa ter tem de ter. Não se pode abrir mão. Não vamos conseguir colocar policia em cada esquina nem com cada cidadão. Nunca.
Danin Junior – Em propriedades rurais afastadas.
Fiz um trabalho sobre isso também. Precisa. Mas você tem de ter conhecimento de que a arma serve para matar. E você vai estar sujeito como qualquer outro se fizer mau uso. Não pode ser algo desenfreado: sou maior de 18 anos, vou lá e compro minha arma. Mas não pode ser algo impossível. Área rural é um bom exemplo.
Danin Junior – Muitos policiais dizem que 70% dos crimes violentos tem ligação com o tráfico de drogas. Existe uma epidemia? Isso ultrapassa a ação da segurança pública?
Em 2006, um ano fatídico, o Congresso Nacional, por iniciativa do Executivo, votou a nova lei antidroga [Lei número 11.343/2006]. A novidade que a Lei trouxe foi a despenalização do uso. As pessoas falam em liberação, mas hoje está liberado. Quem é pego hoje com droga para consumo não acontece nada. No máximo vai fazer um termo circunstanciado, vai ficar menos tempo na delegacia do que o policial que o levou, por isso que os policiais nem se preocupam. Vai fazer um compromisso, se for chamado, o juiz vai determinar que a pessoa vá voluntariamente a um serviço de atendimento.
Talvez eu tenha sido uma das primeiras pessoas a falar em epidemia do crack. O crack vai virar uma epidemia. E virou. No Espírito Santo, antigamente era uma cracolândia em Vitória no bairro Ilha do Príncipe. Era onde ficavam concentrados os problemas. Hoje nós temos uma cracolândia em cada rua, em cada marquise mal iluminada e tem um grupinho consumindo droga tranquilamente. É um processo de epidemia que vem se formando por conta da frouxidão da nossa legislação e de uma percepção equivocada que nós temos de alcançar uma vanguarda que, mesmo os países que alcançaram, ainda estão lutando contra. 60% a 70% dos crimes ocorrem por causa do tráfico e do uso.
Se o cidadão está cometendo uma agressão à sociedade com o uso, ele tem de sair com uma pena. Não falo em encarceramento. Pelo menos prestar serviço, internação compulsória. Poderíamos trabalhar nesse sentido. Talvez com a mudança de postura do atual governo e a formatação do novo Congresso comecemos a trabalhar assim e esquecer isso de liberação das drogas. Ainda não temos uma sociedade amadurecida para pensar nisso. As pessoas que estão levantando isso são no mínimo irresponsáveis.
Por que liberar só maconha? Para combater o tráfico. Mas por que só maconha? Não tem tráfico de cocaína? Não tem tráfico de pasta base? Então libera tudo. Lembra o que era o cigarro na década de 1980? Era relacionado a sucesso, patrocinava eventos esportivos, era moda. O cigarro nos últimos 30 anos vem sofrendo um processo de criminalização. Proibições, proibições, proibições, fotografia e não sei o que mais. Por quê? Porque faz mal. E a maconha? Faz bem para a saúde? Vai explodir o já precário Sistema Único de Saúde pública do Brasil.
Augusto Diniz – O governador, durante a campanha, disse que acabaria com o policial militar de terceira categoria. A secretária da Fazenda, Cristiane Schmidt, garantiu que mesmo na crise financeira do Estado seria possível resolver esse problema. Como o sr. vê essa situação?
Uma expressão que o governador usa e que estamos utilizando juntos: injustiça funcional. O governador está corrigindo uma injustiça funcional. O mesmo policial que está na rua enfrentando o crime e está ganhando R$ 3 mil, o outro do lado dele está ganhando R$ 1,5 mil. Foi uma agressão, não só ao policial militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e sistema prisional, que tem uma parcela pequena, mas tem também.
A folha de pagamento do Estado está em aproximadamente R$ 1,6 bilhão. O impacto disso é um pouco mais de R$ 10 milhões. Trouxe uma motivação muito grande aos policiais e deu um crédito muito grande ao governo perante a polícia de um modo geral. Porque não eram só os que estavam recebendo, eram os outros que estavam ajudando. Tirou das costas de todo mundo. Ouvi isso dos comandantes.
Tem a folha salarial atrasada. Primeiro: não é nossa. É do governo passado. Enfrentei isso no Espírito Santo. Não folha atrasada, mas muitas dívidas. O problema está sendo enfrentado da maneira que podemos. Acredito que o governador consiga normalizar essa questão junto com a secretária e toda equipe rapidamente.
A Segurança Pública é um avião em cruzeiro. Você não pode aterrizar, consertar o que está fazendo e subir. Se você imbicar para baixo ele vai cair. É preciso manter o bico no mínimo em paralelo com o chão se não para cima. Nossa ideia é imbicar para cima, mesmo com dificuldade.
Augusto Diniz – Só para esclarecer. O projeto foi enviado para a Assembleia.
Agora é aguardar os deputados debaterem a proposta. Tem repercussão financeira, precisa passar por lei. Deve entrar na Lei Orçamentária Anual. Aprovando paga. A ideia é acabar com a terceira classe.