Segunda Parte: Kajuru garante que Marconi tentou mas não conseguiu comprar linha editorial da Rádio K
19 setembro 2022 às 10h47
COMPARTILHAR
Esta é a segunda parte da entrevista feita com senador Jorge Kajuru (Podemos). Confira também a primeira parte da conversa.
Kajuru afirma que, numa tentativa de “censura prévia”, Marconi sugeriu que a Rádio K, ao receber uma denúncia, no lugar de publicá-la em primeira mão, entrasse em contato com o governo.
O senador diz que, como não aceitou dinheiro público, começou a ser perseguido. Ele relata que sua ex-mulher, uma jornalista, foi estuprada. A Rádio K sofreu um “cerco financeiro”.
O que posso dizer é que a minha ex-mulher foi estuprada. Quem mandou estuprá-la? Todos sabem. É ou não é um caso gravíssimo? Jorge Kajuru
Euler de França Belém — Em 1998, há quase 22 anos, o então deputado federal Marconi Perillo (PSDB) foi candidato a governador de Goiás, disputando com Iris Rezende (MDB), que era o líder nas pesquisas de intenção de votos. Na época um jornalista, Jorge Kajuru, foi muito importante para a vitória do tucano. Era o dono e figura central da Rádio K, que movimentava a cidade. Passada a eleição, sua participação na vitória não foi reconhecida?
Algumas partes do que vou falar, nunca falei para ninguém. Até porque a imprensa goiana nunca quis me entrevistar sobre isso. É a primeira vez que um jornal me pergunta sobre isso e me deixa falar com independência.
Em 1998, fui cobrir a Copa do Mundo da França para a Rádio K do Brasil. Uma cobertura histórica. A K foi reconhecida pela imprensa, como a revista “Veja” e o jornal francês “Le Figaro”, como a rádio com maior equipe de profissionais. Participavam de nossa programação “craques” como Casagrande, Galvão Bueno, Arnaldo César Coelho e Tostão. Enquanto estávamos lá, o deputado federal Ronaldo Caiado me ligou. Era meu amigo antigo, antes mesmo de disputar a Presidência da República contra Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989. Certa feita, salvou minha vida. O pai de Alessandra, ex-mulher do então jogador de futebol Túlio Maravilha, queria me matar. Armado, apareceu na casa do narrador esportivo Edson Rodrigues. Entrou na garagem gritando que me mataria. Eu estava na sala, com a Alessandra. Em pânico, indaguei a ela o que deveria fazer. Disse que deveríamos ligar para Ronaldo Caiado. Ao chegar à casa de Edson Rodrigues, Ronaldo Caiado disse: “Se você quer matar Kajuru, a partir de hoje terá de tentar na minha casa, pois ele irá morar comigo”. Fui morar na casa de Ronaldo e Gracinha Caiado. O pai da Alessandra era diretor da União Democrática Ruralista (UDR) e Ronaldo Caiado era o presidente nacional da entidade. A minha amizade pelo governador era e é forte, acima de quaisquer questiúnculas políticas.
PH Mota — Mas o que exatamente Ronaldo Caiado queria falar com o sr.?
Eu estava em Paris, a caminho de Ozoir-la-Ferrière, onde a Seleção Brasileira treinava diariamente e a Rádio K cobria a equipe 24 horas, quando Ronaldo me disse por telefone: “Irmão, estou precisando de você. Sei que você não apoia Iris Rezende, e a Rádio K, por ser independente, é fundamental. Queremos que você abrace a campanha do meu candidato”. Perguntei qual era o candidato e ele me contou que era Marconi Perillo. Eu disse: “Não conheço o político, mas só ouço falar mal dele. Diziam que nunca havia trabalhado e, portanto, nem tinha carteira-assinada. Diziam que era “cumim” — o auxiliar dos garçons no bar Canindé, do pai dele. Contavam que era um péssimo “cumim”, que deixava cair as garrafas e que o pai dava tapas nele.
Marconi foi considerado o sexto governador mais rico do Brasil. De acordo com a revista ‘Exame”, da Editora Abril, o ex-governador tinha rebanho de bovinos, equinos e bubalinos. Só uma fazenda dele em Goiás custava R$ 8 milhões. — Jorge Kajuru
Marcos Aurélio Silva — O sr. aceitou, então, colaborar na tentativa de derrotar Iris Rezende?
Quando critiquei Marconi, Caiado disse: “Vamos parar com isso. Nós precisamos derrotar Iris”. Fiz o compromisso com Caiado, ao vivo na Rádio K, e abracei a campanha de Marconi. Mas impus uma condição: não subiria no palanque e não participaria de eventos — continuaria trabalhando na minha rádio o dia todo. Martiniano Cavalcante era apresentador da rádio.
Euler de França Belém — Como foi a campanha?
O primeiro debate entre Iris Rezende, que era senador, e Marconi, na Rádio K, foi mediado pelo jornalista Juca Kfouri — que era um dos meus melhores amigos. Pegou fogo. Um jornalista do Jornal Opção, José Maria e Silva [hoje mora no Estado de São Paulo], estava lá, pois atuava como ombudsman da rádio. Comecei a perceber que a imprensa, notadamente o Grupo Jaime Câmara, publicava, várias vezes, pesquisas de intenção de voto que colocavam Iris Rezende como líder absoluto, com a possibilidade de vencer no primeiro turno. Marconi aparecia com 6%.
Cilas Gontijo — O que o sr. fez?
Pedi ao jornalista Altair Tavares, que trabalhava comigo, que preparasse uma pesquisa decente da Rádio K. Eu disse: “Vamos para as ruas de Goiânia e de algumas cidades do interior”. Montamos uma equipe de pesquisadores e levantamos os dados. Conclusão: a um mês das eleições, estava tudo empatado. O jornal “O Popular” persistia com o “anúncio” de que Iris iria ganhar no primeiro turno e sugerindo que Marconi estava “humilhado”. O livro “Dossiê K”, de minha autoria, conta toda a história.
Cilas Gontijo — O que mais o sr. fez para ajudar Marconi Perillo?
Carlos Montenegro, presidente do Ibope [o instituto deu lugar ao Ipec], iria conceder uma entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em São Paulo. Liguei para Juca Kfouri e pedi que lhe perguntasse o que estava acontecendo em Goiás, pois as pesquisas eram “estranhas”, não podiam ser verdadeiras. Montenegro disse, de maneira surpreendente: “Foi muito boa essa pergunta. Em Goiás aconteceu o seguinte: a afiliada da TV Globo [TV Anhanguera] encomendou cinco pesquisas para nós. Fizemos a primeira — seis meses atrás. Eles pararam, não fizeram a segunda e as demais. E estão fazendo uma coisa horrorosa”. Foram as palavras do Montenegro. O pesquisador disse mais: “Eu pediria à população de Goiás que fosse lá para a porta da afiliada da Globo e cobrasse essa coisa feia. Porque nós não fizemos mais pesquisas”.
Juca Kfouri disse a Montenegro que uma pesquisa da Rádio K mostrava Iris e Marconi empatados. O pesquisador disse: “Eu acredito. Tínhamos mais cinco rodadas de pesquisas e não fizemos”.
R$ 7 milhões de reais tinham sido sacados da Caixego [a extinta Caixa Econômica do Estado de Goiás]. O escândalo ficou conhecido como Caso Caixego. Fizemos a denúncia e aí veio a virada de vez. Terminou o primeiro turno com empate técnico. Marconi ganhou no segundo turno. — Jorge Kajuru
Euler de França Belém — Que posição adotou ao saber da informação de Montenegro?
Denunciei o fato na Rádio K. A política pegou fogo. Coloquei a fala de Juca perguntando e a resposta de Montenegro. O diretor de Jornalismo do Grupo Jaime Câmara [na época, Organização Jaime Câmara], Domiciano de Faria, ficou chateado comigo. José Mário da Cunha, sócio da agência de publicidade OM&B, era amigo do jornalista Jackson Abrão [então apresentador da TV Anhanguera], também ficou agastado. Mas sabia que eu não estava mentindo. Eu insisti que estava acontecendo uma “sacanagem”.
Cilas Gontijo — Como se deu a descoberta do Caso Caixego?
Uma semana depois, faltando 15 dias para a eleição, cai na minha mão uma denúncia. Uma pessoa me procurou e me deu as provas de que R$ 7 milhões de reais tinham sido sacados da Caixego [a extinta Caixa Econômica do Estado de Goiás] para serem usados na campanha do MDB para o governo. O escândalo ficou conhecido como Caso Caixego. Fizemos a denúncia e aí veio a virada de vez. Terminou o primeiro turno com empate técnico. Marconi ganhou no segundo turno.
PH Mota — Marconi ficou grato ao sr.?
Marconi agradeceu e atribuiu sua primeira vitória para governador, em 1998, à Rádio K. Chamou a emissora de “trincheira da independência”. Disse que a rádio fez um trabalho importante, colocando em risca a sua existência. Porque fiz um desafio: “Se alguém provar que nossa pesquisa, que aponta empate técnico entre Iris e Marconi, está errada, eu entrego a Rádio K, para quem quiser, na Praça Cívica”.
Euler de França Belém — Quando e por que se decepcionou com o gestor e político Marconi Perillo?
Não me decepcionei sozinho. Pergunte para Ronaldo Caiado e entenderá a verdade. Um mês depois da vitória no segundo turno, Marconi marcou um café da manhã na minha casa. Chegou acompanhado do então promotor Demóstenes Torres, do jornalista Edson Ferrari, do publicitário e marqueteiro Luiz Felipe Gabriel e do empresário Sandoval Moreira. A jornalista Isabela Pinheiro, então minha mulher, preparou o café da manhã. Com receio de alguma “merda”, coloquei um gravador debaixo da mesa e avisei Ronaldo Caiado, que pediu para avisá-lo a respeito da conversa.
Euler de França Belém — Como foi a conversa?
Marconi me disse: “Kajuru, preciso de um favor seu. Peguei um governo totalmente ‘falido’. Vou precisar de quatro anos de trégua. Toda denúncia que chegar à sua rádio, e sei que chega a toda hora, me faça um favor: entregue-a para mim. Vou apurá-la e, depois, te aviso. Para não ter desgaste para o meu governo”. Respondi: “Peraí, governador. Tenho muito tempo de carreira profissional, em Goiás e no país. O que está me pedindo é censura prévia. Vamos fazer assim: faço a denúncia, o sr. apura e, a partir do momento em que punir os responsáveis, vou lhe cumprimentar na rádio. É muito melhor assim do que a gente fazer uma coisa escondida”.
Cilas Gontijo — O que Marconi respondeu?
Marconi disse: “Kajuru, você precisa entender o que vai acontecer comigo. Pode ocorrer ‘corrupção’? Evidentemente”. Eu respondi que, caso acontecesse, ele deveria tomar as providências. Só isso.
PH Mota — A conversa foi encerrada assim, pacificamente?
Marconi disse: “Vamos mudar de assunto. Mas à frente a gente conversa. Quero ser justo com a Rádio K pelo trabalho independente que fez. Proponho um valor de 150 mil reais por mês em publicidade”. Era um dinheirão.
Euler de França Belém — Mas comentam que você pediu 400 mil reais.
Se pedi 400 reais, quero que Deus me cegue e me dê a pior doença do mundo. Só tenho um olho, e com 12% de visão. O fato é que não vendi a linha editorial da Rádio K para Marconi Perillo. Fiquei ao lado do ouvinte, que exigia independência.
Euler de França Belém — Trata-se de uma lenda?
Mais do que uma lenda, é uma mentira deslavada. Vale lembrar que gravei a conversa. Se eu pedisse 400 mil reais, ficaria desmoralizado. A Rádio K havia declarado, em editorial, em 1998, que não aceitaria mais publicidade dos governos federal, estadual e municipais. Não poderia mudar o que havia sido divulgado em editorial, feito por mim. Fiz um compromisso público com os ouvintes, que me aplaudiram. Numa reunião com Ronaldo Caiado, Gracinha Caiado, Jorcelino Braga [empresário e marqueteiro], Marcelo Rezende [jornalista, falecido] e Edminho Pinheiro [empresário], Marconi admitiu que havia sido “infeliz” na conversa anterior. Quando Marconi foi conversar comigo, na primeira tentativa de acabar a “briga” com a Rádio K, após um ano de governo, pedi para ele falar, na frente de todo mundo, o seguinte: “Diga que o sr. prometeu 150 mil reais para a Rádio K, e não 400 mil reais. Fala para todo mundo, diga o que é verdade e o que é mentira, governador”. Ele respondeu: “É mentira. Você nunca me pediu nada. O único jornalista que nunca me pediu nada foi você”.
Marcos Aurélio Silva — A conversa se encerrou aí?
Marconi acrescentou: “Eu sou muito parecido com você”. Por que?, perguntei. Sua resposta: “Porque não gosto de dinheiro, Kajuru. E você também não gosta de dinheiro. Nos meus dois bolsos não têm nenhum centavo”. Nesse momento, a Gracinha Caiado quase passou “mal” e saiu da reunião. Percebendo que era mentira pura, Ronaldo Caiado e Jorcelino Braga ficaram constrangidos. Ninguém na história de Goiás mostrou que gosta tanto de dinheiro quanto Marconi Perillo. Ele ama dinheiro. Basta ver a vida dele e puxar o seu currículo.
Cilas Gontijo — Por que o sr. diz isto?
Em 2015, a revista “Exame” levantou a ‘capivara” [puxar a folha corrida, isto é, consultar a ficha de antecedentes de alguém] de todos os governadores. Marconi foi considerado o sexto governador mais rico do Brasil. De acordo com a publicação da Editora Abril, ele tinha rebanho de bovinos, equinos e bubalinos. Só uma fazenda dele em Goiás custava R$ 8 milhões. Em 2022, como candidato a senador, ele apresentou uma declaração de patrimônio de 7,3 milhões de reais. Estou detalhando a história porque é a primeira vez que me dão o direito de apresentar os fatos.
Cilas Gontijo — Por que, afinal, o sr. e Marconi Perillo brigaram e se tornaram inimigos?
Marconi Perillo ficou chateado porque, desde o primeiro dia de seu governo, a partir de 1999, eu gravava suas promessas de campanha. Uma vinheta da rádio dizia: “Prometeu, cumpriu/prometeu, não cumpriu”. A rádio colocava uma gravação com a voz dele prometendo que, no primeiro dia governo, iria reduzir um imposto de 15% para 5%. Entrevistei o secretário da Fazenda, Jales Fontoura [atual suplente de Perillo], que ficou enrolando. Depois, o auxiliar do governador disse: “Kajuru, ele não vai fazer isso. Esquece. Isso foi promessa de campanha”. Então, toda promessa que havia feito e não cumpria era divulgada na rádio — o que começou a desgastar a imagem de Marconi.
Marcos Aurélio Silva — Aconteceram outros problemas entre os srs.?
Com três meses de governo, Marconi loteou cargos em Aparecida de Goiânia, sob o comando de Sérgio Cardoso [hoje conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios], seu cunhado. O governador ficou “bravo” porque a rádio denunciou. Mandei a denúncia para o jornalista Vladimir Netto, filho da jornalista Miriam Leitão, da Globo. Ele trabalhava na revista “Veja” e saiu uma página a respeito do assunto.
Cilas Gontijo — Como foi a reação de Marconi?
Marconi deu uma coletiva à imprensa para expor o que havia feito durante o trimestre. Mas não imaginava que eu iria, como representante da Rádio K. Fiz a primeira pergunta: “O que aconteceu em Aparecida de Goiânia, motivo de reportagem nacional da ‘Veja’, é verdade. Foi informado que seu cunhado trabalha no Palácio Pedro Ludovico numa sala ao lado da sua”. A resposta do governador: “O que é isso, Kajuru. Respeito demais você e sua rádio. Isso não é verdade”. Eu disse: “Vamos verificar a sala agora?” Marconi disse que, depois do término da coletiva, iríamos à sala, ou seja, para mostrar que Sérgio Cardoso “não” trabalhava lá. Mas claro que avisou a assessoria para “desarmar” a sala para mostrar que não tinha ninguém lá. Sérgio Cardoso estava lá durante a entrevista.
PH Mota — A crise continuou?
A bomba seguinte saiu na capa da “Veja” com o título de “Evita goiana”. O subtítulo informava: “Valéria Ops Perillo”. A reportagem, que saiu na “Veja” de abril de 1999, foi escrita por Vladimir Netto [hoje na TV Globo]. O repórter esteve em Goiânia e falou com Marconi e Valéria Perillo, então primeira-dama. A revista registrou que era a primeira vez no mundo que uma primeira-dama recebia salário. O salário era maior do que o do governador, que era de 14 mil reais. O repórter da “Veja” inquire: “Por que a sra. tem que ter este salário?” Ela explicou: “Como meu marido cuida do povo, eu tenho de ficar aqui sozinha cuidando das minhas filhas. Então eu acho justo ter esse salário”. A “chamada” da “Veja” foi assim: “É o primeiro caso de maternidade remunerada no Brasil”.
Cilas Gontijo — A denúncia havia sido divulgada em primeira mão pela Rádio?
Sim. Marconi ficou uma “arara” comigo e começou a me mover processos em série. Chegou a fechar a rádio por 12 vezes. Na última, pela 13ª vez, se deu a cassação da rádio. O fato se deu em agosto de 2002. Eu já estava em São Paulo, na Rede TV.
PH Mota — As relações ficaram estremecidas para sempre?
Fui o primeiro homem público, na área de comunicação, a não ter nenhuma relação com Marconi. Desafio o ex-governador a apontar qualquer relacionamento comigo. Tudo que contei é 100% verdade.
Cilas Gontijo — E ocorreu algum problema pessoal entre o sr. e Marconi Perillo?
O que posso dizer é que a minha ex-mulher foi estuprada. Quem mandou estuprá-la? Todos sabem. É ou não é um caso gravíssimo?