Elder Dias e Marcos Aurélio Silva

Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) no Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) desde 1994, José Alexandre Felizola Diniz Filho pode ser considerado hoje uma joia do conhecimento no Estado: é uma das grandes autoridades científicas em sua área no Brasil e tem respeitabilidade internacional.

O biólogo formado na graduação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), fez mestrado e doutorado em Zoologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. Antes mesmo de defender sua tese, já era professor concursado pela federal goiana. Com quase 30 anos de cátedra, ajudou a criar o departamento que hoje integra, a partir do Departamento de Biologia Geral, da mesma forma que fez na pós, onde o Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução se originou do Programa em Biologia e se tornou a grande referência em pesquisa da UFG, com nota 7, a máxima adotada pela Capes. José Alexandre foi também pró-reitor de Pós-Graduação durante a gestão de Orlando Amaral (2014-2018) à frente da instituição.

Professor dos cursos de licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas, ele tem como linha geral de trabalho a Bioestatística, com aplicação de métodos estatísticos e computacionais para questões de ecologia, evolução e conservação da biodiversidade. Não esperava que fosse ter de aplicar sua aptidão técnica para algo fora de sua área: a saúde pública. Com a emergência sanitária da Covid-19, José Alexandre se juntou ao grupo de pesquisadores que ajudou os gestores em Goiás a caminhar de forma menos caótica durante a pandemia. No caso dele, foi um dos responsáveis pelo Grupo de Modelagem que fez projeções para o governo estadual sobre a contaminação e os óbitos, o que causou polêmica, em meio ao drama de lidar com fechamento do comércio, isolamento social e pressão sobre leitos de hospitais.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, concedida em seu gabinete no ICB-5, o professor faz um balanço da experiência com a Covid-19 e analisa o cenário da pesquisa, da ciência e do ensino superior no Brasil e em Goiás.

Elder Dias – Pela UFG, o sr. liderou o grupo de modelagem da Covid-19 em Goiás, que prestou um serviço muito relevante ao governo estadual e à população. Como o sr. vê, hoje, os desafios enfrentados e todo o envolvimento pela questão política em meio a uma emergência sanitária?

Foi uma experiência interessante, superbacana. Nós tínhamos um grupo forte em uma determinada área [modelagem] que nos deixou preparados para executar a tarefa, embora não fosse exatamente a nossa área de atuação de fato, já que era uma modelagem para saúde pública em uma pandemia. Nosso grupo sempre trabalhou bastante com análise estatística, modelagem e simulação. Quando a crise sanitária chegou ao Brasil e tivemos o primeiro fechamento, em meados de março – inclusive, interrompendo as aulas na universidade –, por coincidência um colega, Paulo Scalco, criador do Programa de Pós-Graduação em Economia, que estava trabalhando no governo e sabia que eu trabalhava com modelagem. Então, me convidou para uma reunião que discutiria o que fazer diante da pandemia. Com essas reuniões, em que havia várias pessoas participando, conheci virtualmente a professora Cristiana Toscano, do IPTSP [Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, da UFG], e começou-se a discutir as possibilidades de modelagem. Ao fim, apresentei algumas ideias sobre o que fazíamos em Ecologia e Evolução. Nunca tinha trabalhado com Saúde, mas disse “olha, isso aqui a gente dá conta de fazer”. Nisso, a professora Cristiana, que é da área de Epidemiologia, se interessou e disse para trabalharmos em cima do modelo que eu havia proposto.

Elder Dias – E como foi o começo do trabalho?

Em um primeiro momento, não tínhamos basicamente nenhuma informação, tanto em nível nacional quanto global, então para Goiás a coisa ficava ainda mais complexa. Então, o que estávamos fazendo ali eram projeções com base em modelos mais gerais. À medida que a pandemia foi acontecendo, começamos a acumular informações e, então, já podíamos calibrar os nossos modelos. Ao mesmo tempo, esses modelos foram ficando mais complicado e, naquele momento, convidei meu colega do departamento [de Ecologia] Thiago Rangel, que é o mais especialista para modelos com análises mais sofisticadas. Também foi sempre muito boa a interação com as equipes de saúde, principalmente a Secretaria de Estado de Saúde (SES-GO), e com a Prefeitura de Goiânia. Fomos avançando e criamos um site, em que tínhamos as notas técnicas. A imprensa teve um papel muito importante também na divulgação das informações e, assim, ajudando as pessoas a entenderem. Conversamos bastante com os veículos, como o próprio Jornal Opção.

Naquele primeiro semestre, esta foi a ideia: modelar para fazer projeções e tentar prever o que poderia acontecer, em meio a todas as incertezas daquele início de pandemia. A partir de então, começamos a participar de grupos com outros pesquisadores que estavam fazendo trabalhos semelhantes em outros Estados ou nacionalmente. Percebemos que era algo realmente complicado, porque normalmente as análises em Epidemiologia são feitas de forma retrospectiva: a partir de uma epidemia que ocorreu, há as pesquisas sobre como foi isso. No nosso caso, estávamos fazendo modelos e tentando entender tudo em tempo real – algo como trocar o pneu do carro em movimento. Em meio a tudo isso, ainda surgiu a questão política, o que criou um ambiente complicado em vários níveis.

A partir de agosto ou setembro de 2020, passamos para uma abordagem em que havia o monitoramento do dado real, porque a Secretaria [de Estado de Saúde] já tinha, então, organizado um esquema mais sistemático para obtenção e disponibilização dos dados. Passamos aí a trabalhar mais com a análise dos dados de Goiás, fazendo projeções de curto prazo, porque já tínhamos algo mais empírico para basear. Podíamos pegar dados da semana anterior e comparar, fazendo correções, tudo em meio a muitos erros, atrasos, defasagens e dificuldades de projeção, questões com que fomos aprendendo a lidar, para melhorar o nível das informações.

Esse trabalho de apoio à Secretaria de Saúde continuou até o início de 2022, quando a gente passou a discutir, por exemplo, a reabertura das aulas na UFG, em meio à chegada da ômicron e nova disparada de casos. Agora, temos uma situação muito mais sob controle, depois que as vacinas chegaram a uma grande proporção da população. Creio que estamos em uma condição muito mais confortável.

Elder Dias – E quais os frutos acadêmicos desse trabalho, na prática?

Em meio a tudo isso que acontecia, tínhamos os grupos de pesquisa em paralelo, esse trabalho mais técnico. Agora vão começar a sair a maioria das publicações, poucas tiveram como ser finalizadas em meio ao que a pandemia demandava. A professora Cristiana Toscano, por exemplo, coordena um projeto, com bolsistas e apoio do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e do qual vão aparecer os produtos acadêmicos e científicos. A gente se reúne toda semana para esse projeto de pesquisa sob a coordenação dela.

Efetividade das máscaras foi subestimada no início e seu uso naquele momento poderia ter tido um impacto enorme

Elder Dias – Foram praticamente dois anos trabalhando com autoridades políticas, governadores e prefeitos, que tinham uma responsabilidade imensa nas mãos e um governo federal contrário às medidas de restrição e a favor da abertura do comércio para “salvar a economia”. Como ficou a situação do pesquisador diante dessa situação, tendo de conciliar o que é científico ao político?

Estamos falando do início de 2020 e o que havia era uma série de incertezas naquele cenário. As informações sobre a pandemia eram muito poucas: não tínhamos ideia das formas de transmissão. Veja que até hoje se fala muito em passar álcool nas mãos como forma de prevenir contra a doença, o que na realidade não se revelou tão importante. Por outro lado, a efetividade das máscaras foi subestimada no início e seu uso naquele momento poderia ter tido um impacto enorme. Já o que a gente viu em 2021 e agora em 2022, com a ômicron, foi algo sem precedentes. Isso estava sendo cogitado, mas, por uma série de razões, era mais difícil de ser previsto. De qualquer forma, existia muito claramente o risco de termos novas variantes, e mais agressivas, o que ocorreu. Em 2021, foi o pico da pandemia, quando tivemos uma situação realmente caótica. Em 2022, seria também, mas a gente já tinha vacina.

Marcos Aurélio Silva – A variante ômicron era mesmo mais tênue em relação às anteriores?

É difícil avaliar, justamente porque o cenário já era outro, os efeitos já estavam misturados e seria muito complexo desacoplá-los com dados observacionais. Mas, considerando a velocidade com que ela se transmite, bastaria a gente observar como seria – veja o que ocorreu com a variante gama, de Manaus, que achamos que iria se espalhar pelo mundo todo, mas acabou restrita ao Brasil, foi um pouco para a Europa e depois parou. Até essa dinâmica das variantes nas diversas partes do mundo é uma coisa que até hoje se discute e ninguém entendeu ainda totalmente, é preciso fazer algumas análises. Mas o fato é que, em 2020, havia tanta incerteza e tumulto que nem daria para pensar nessa avaliação científica tão objetiva, até porque não havia informação suficiente. Depois, na segunda metade daquele ano, é que começamos a analisar os dados e ir vendo tudo progressivamente.

Já em 2021, a coisa estourou e, então, era fechar tudo mesmo, isolar as pessoas. E é óbvio, porque ficar em casa diminui o contato entre as pessoas e, consequentemente, também diminui a transmissão. Nem precisa ser uma coisa tão científica assim. Mas veja que, em meio a tudo isso, existiu por parte do governo federal toda uma política contra o isolamento. O desafio sempre foi diminuir ao máximo a circulação sem fazer com que as pessoas tivessem dificuldade ou perdessem o emprego. E aqui temos a questão do auxílio, que deveria ter sido feito de uma forma mais eficiente. No nível federal, não há a menor discussão, a gente lidou muito mal com a pandemia, principalmente por causa do negacionismo, que continua até hoje.

Marcos Aurélio Silva – Mas o Estado de Goiás, em si, lidou bem com a pandemia?

Eu acho que, nesse nível, a gente foi bem, sim. Mesmo com aquelas confusões em 2020, que envolveram inclusive muitas fake news com o professor Thiago [Rangel].

Elder Dias – Nesse sentido, para deixar bem claro: um pesquisador como Thiago, que tem uma grande pesquisa de modelagem com uma espécie de beija-flor, poderia fazer o mesmo adaptando a uma população em meio a uma pandemia?

Claro, na realidade não tem nada a ver uma crítica assim. Foi uma difamação, uma campanha bem nessa linha que infelizmente temos visto estimulada pelo governo, de agressão sem qualquer necessidade. Se o governador estava querendo restringir algumas atividades, sempre foi algo que poderia ser discutido. Agora, se por um lado houve essas agressões, por outro a gente nunca deixou de ter respaldo da Secretaria de Saúde, em termos apoio e de dados.

Claro que temos de entender as medidas de acordo com as políticas de Estado. Eles é que tinham de lidar com isso, nosso papel era fazer as projeções nos cenários possíveis. Não podemos reclamar de que não fomos ouvidos ou de que fomos ignorados, muito pelo contrário. Quando começou a onda da variante gama – que foi a mais agressiva, vinda de Manaus, no início de 2021 –, os números começaram a estourar e o governador [Ronaldo Caiado], em uma de suas falas, disse que “o pessoal da UFG tinha projetado que, se não fizéssemos nada, iria aumentar bastante [o número de mortes] e vimos que já aumentou e passou do número”. Claro, estávamos falando daquele período, mas era o mesmo tipo de situação: se deixar o vírus circulando sem fazer nada, sai tudo do controle. Em 2021, com um vírus mais agressivos e as pessoas já cansadas das medidas de isolamento, mais aquela certa volta da normalidade, tudo ficou mais grave. O próprio governador reconheceu que nossas projeções, consideradas pessimistas, não foram tão fora da realidade, até porque os dados demoravam a chegar. Se for olhar hoje para aqueles dados da época, infelizmente houve muito mais óbitos do que o registrado, porque há uma grande defasagem. Há informações que demoram meses para chegar.

Passamos todo o segundo semestre de 2020 tentando resolver esse problema de como compensar essa defasagem para poder analisar melhor os dados. Quando fizemos as projeções da segunda onda, o trabalho já estava muito mais acurado porque já sabíamos como corrigir a informação e como mostrar essa informação corrigida. Em suma, nesse contexto, a gente teve um bom apoio do Estado.

Estamos numa condição muito mais confortável em relação à pandemia

Elder Dias – O governo Caiado foi sempre receptivo com os pesquisadores, então?

Minha sensação – a gente precisaria fazer uma análise comparativa para fechar questão – é de que, aqui em Goiás, o governo Caiado e a Secretaria da Saúde – a Flúvia [Amorim, superintendente de Epidemiologia], principalmente, sempre nos dando apoio –, bem como o pessoal da Prefeitura de Goiânia, foram muito engajados. É bom relembrar como era difícil fazer testes, agora a gente já está acostumado, compra-se até na farmácia. Mas por muito tempo durante a pandemia a gente ajudou fazendo análises, principalmente com o professor Thiago Rangel, para orientar onde fazer testagens, selecionando os bairros em que havia maior crescimento da contaminação. Tivemos apoio das autoridades, sempre foram acessíveis. De nossa parte, fizemos nossa parte e levávamos as informações para as decisões, que, claro, eram deles.

Quando conversávamos com outros grupos pelo Brasil é que víamos que nossa situação era bem mais confortável, por mais que houvesse aquelas confusões políticas promovidas pelo governo federal, criando esse ambiente de discórdia, enquanto poderia ter tido um papel bem mais pacificador, nesse sentido.

Elder Dias – Em outros Estados isso não foi tão confortável?

Em vários deles a situação foi muito ruim, inclusive sobre a maneira com que os pesquisadores foram ouvidos. É difícil a gente falar isso, mas nossa experiência em Goiás foi muito melhor, tínhamos uma proximidade muito boa com os gestores e os tomadores de decisão, incomparavelmente mais confortável do que em outros Estados. Eles é que estavam pedindo informação e ajuda para a gente, o que não aconteceu em muitos lugares.

Elder Dias – Tem algum exemplo de Estado em que a coisa tenha sido realmente pior?

Isso teria de ser visto com mais calma, mas no Sul do País houve muitos conflitos com os pesquisadores. Em Santa Catarina, pelo que me lembro, houve problemas. O fato é que em Goiás sempre tivemos uma boa interação, tanto com a Secretaria da Saúde estadual como com a municipal [de Goiânia].

É difícil pensar em combate ao negacionismo quando isso virou política de governo

Marcos Aurélio Silva – Qual é a sensação do pesquisador diante do negacionismo? É de certa impotência?

Acho que talvez a palavra seja frustração. Diante do negacionismo, a gente fica com esse sentimento. Tem uma discussão enorme sobre isso, não só em relação à pandemia, mas também sobre todas as outras coisas. Por exemplo, eu trabalho com biologia evolutiva e aí temos um problema de confusão entre religião e ciência. Temos esses problemas tradicionalmente, mas isso foi piorando muito no Brasil, como no mundo todo. Só que no Brasil a gente não viu essa onda negacionista chegando tanto. A pandemia escancarou isso, deixou tudo mais claro. Confesso que não tinha ideia do tamanho do problema que temos em termos de negacionismo. Mais: nos últimos anos, o negacionismo foi incentivado pelo próprio governo. Sempre defendemos, por mais ingênuo que possa parecer, de que as pessoas têm de ir para a escola, ser educadas, com um bom ensino fundamental e médio, com professores engajados etc. Por outro lado, sabemos que há um monte de problemas nisso, a começar pela questão salarial, de valorização dos professores. Mas o que vimos nos últimos anos foi o combate explícito ao próprio ofício de professor. Sempre tivemos a questão de valorizar o professor, mas isso se dava num aspecto salarial, de carreira. De repente, tivemos de ter de valorizar o professor como professor. Até onde eu me lembro, nunca existiu essa coisa de o professor ser uma figura marginalizada em si, como passou a ser. Não existia uma imagem do professor. Falar em doutrinação, isso não existia. E a situação começou a deteriorar muito rápido, um fenômeno que é global, e que está ligado a questões políticas e econômicas em grande escala.

Outra área que trabalhamos bastante em nosso grupo e em nosso laboratório é a questão das mudanças climáticas. Temos o negacionismo nessa área também e é como que tudo chegasse de uma vez. Esses problemas estão aí, no Brasil e em Goiás, como no mundo todo. E temos de lidar com esses desafios de uma maneira como não pensávamos antes. Mas temos de continuar tentando, pensar em estratégias, sem ser ingênuos de achar que, fazendo uma coisinha aqui ou ali, vamos resolver tudo. O problema é numa escala muito maior e precisamos estar conscientes de que precisamos fazer alguns movimentos. A própria UFG precisaria fazer isso e estamos insistindo nisso, de uma coisa mais institucional. Só que, neste momento, é muito difícil, porque as próprias instituições estão em uma situação complicada, por causa da situação política no Brasil. É muito difícil pensar em combate ao negacionismo quando isso virou uma política de governo. Imagina para uma pessoa em uma cidade distante, ouvindo determinada declaração errada no rádio ou vendo na TV, não tem como não ficar confusa, vai ficar em dúvida mesmo. É muito complicado, porque cria uma série de informações conflitantes. Para a sociedade como um todo, é muito difícil depurar a informação, de entender certos conceitos científicos básicos, como incertezas e cenários.

Elder Dias – Sem contar que o negacionismo sempre traz uma solução simples – ou melhor, simplista – ou explicação fácil…

Claro, traz uma solução fácil, com respostas prontas. A ciência não funciona assim, é incerta, tem suas dificuldades. As pessoas não sabem lidar com isso e é aí que o negacionismo e a pseudociência se aproveitam dessas “fragilidades” presumíveis da ciência – não são exatamente fragilidades, mas ter incertezas, lidar com o erro e aprender com ele são o que faz a ciência ser algo legal e avançar – para então apontar “veja só, os cientistas não sabem” e apresentar uma solução fácil que, em longo prazo, não vai funcionar. Pelo contrário, cria-se uma série de problemas. Veja, por exemplo, a questão do movimento antivacina, uma coisa que nunca existiu no Brasil, embora a gente soubesse de sua ocorrência nos Estados Unidos e na Europa, mas de nós era algo distante, sempre fomos um país de referência nisso.

Elder Dias – O Brasil sempre teve uma cultura vacinal.

Sempre, ninguém nunca havia questionado nada, sempre houve campanhas muito bem-sucedidas. Se a pandemia tivesse ocorrido com outro contexto político no Brasil, teríamos sido um dos primeiros países a vacinar em massa, com eficiência brutal. Até onde eu saiba, nossa infraestrutura já estava totalmente pronta, ao contrário de outros lugares.

Elder Dias – Houve um atraso de cerca de 45 dias desde a primeira vacina aplicada no mundo, no Reino Unido, até o início da vacinação no Brasil. Isso pode ter causado um impacto realmente de mais mortes? Há essa projeção?

O professor Pedro Hallal [da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)] foi um dos que fizeram essa projeção. Toda essa polêmica ocorreu quando estava chegando a variante delta e com a pandemia acelerando de novo. Existem essas estimativas. Só que essa defasagem de 45 dias poderia ter acontecido por uma questão burocrática, por exemplo, mas não foi. Foi, ao contrário, algo proposital. O movimento negacionista não se dá apenas nesse “gap”, na verdade, isso continua.

Marcos Aurélio Silva – Qual a relação que podemos estabelecer entre mudanças climáticas e futuras pandemias? O cenário é realmente muito mais propenso a novas ocorrências?

Em nosso projeto principal no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução, o INCT [Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia], há várias pessoas trabalhando com isso, em estudos de maior escala pensando nessas associações entre ocupação humana, desmatamento, perda de áreas naturais, mudança climática e surgimento de novas pandemias. Essas coisas estão relacionadas. A perspectiva, infelizmente, é de que tenhamos novas emergências de outras pandemias. Claro, temos incertezas, possibilidades etc., mas essas coisas estão aumentando de frequência. Alguns dizem que sempre houve contato de pessoas com organismos que são repositórios – como os morcegos, nos casos de doenças respiratórias. Só que a escala era muito local, o contato era restrito, e às vezes acontecia o que chamamos de “spill-over” (de o vírus se adaptar para um novo hospedeiro). Isso aconteceu várias vezes, mesmo dentro das linhagens dos coronavírus, sem ganhar a proporção de pandemia, às vezes nem mesmo uma epidemia. Ocorre, porém, que a probabilidade de algo virar pandemia e tomar a proporção de um Sars-CoV-2 [o vírus da Covid-19] está aumentando. Isso está muito associado com mudanças climáticas e perda de habitat.