“Historicamente quem decide o planejamento é o capital”
24 fevereiro 2019 às 00h00
COMPARTILHAR
Conselheira do CAU-GO diz que entidade diverge dos técnicos responsáveis pela revisão do Plano Diretor, principalmente no adensamento urbano. Ideal seria 300 habitantes por hectare, mas prefeitura quer elevar para mil
O projeto do Executivo de revisão do Plano Diretor de Goiânia é aguardado desde 2017. Para Regina de Faria Brito, integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), ainda não informação do texto que será encaminhado pela prefeitura à Câmara. A conselheira diz que, durante as fases de diagnóstico e elaboração da proposta, os técnicos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) se mostraram muito receptivos às recomendações, questionamentos e sugestões do CAU-GO. “Na revisão do Plano Diretor, a prefeitura abriu espaço e nos recebeu. Receberam os documentos que entregamos, mas não sabemos até que ponto acataram”, observa.
Augusto Diniz – Gostaria de começar com a demora no envio do projeto de revisão do Plano Diretor de Goiânia à Câmara. Muito se especula sobre a proposta, mas pouco se sabe sobre o texto. Como o CAU-GO tem acompanhado a discussão na prefeitura para chegar à proposta da revisão?
Em maio de 2017, fizemos um seminário, através da Comissão Especial de Política Urbana e Ambiental do CAU-GO em parceria com o Ministério Público. Os técnicos da prefeitura participaram. Discutimos amplamente os conceitos sobre plano diretor. Fizemos uma crítica sobre algumas questões do Plano Diretor de 2007. Quando as audiências públicas começaram, apresentamos propostas. Focamos em questões mais problemáticas, como a expansão, mobilidade e densidade urbana. Trouxemos críticas sobre pontos do Plano Diretor de 2007.
Fizemos algumas proposta para nortear a revisão. Quando tivemos acesso à proposta, fizemos outro documento com críticas a alguns pontos. Nesse ínterim, estivemos com os técnicos da prefeitura da Seplanh [Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação], que nos receberam para confrontarmos as posições. Percebemos que alguns pressupostos foram no mesmo caminho, como, por exemplo, a questão da expansão urbana. Defendemos que Goiânia não precisa de expansão.
Como a expansão urbana está hoje estabelecida traz uma série de problemas, como vários loteamentos de Minha Casa, Minha Vida na periferia, o que encarece a instalação da infraestrutura básica de água, energia, esgoto e os equipamentos comunitários. Ao mesmo tempo, vai contra o que estabelece o Estatuto da Cidade, que é uma cidade mais justa que evite a segregação da população. De certa forma, isso foi considerado.
Outras questões observamos que existem diferenças da forma como os técnicos prefeitura avaliam. Vou dar o exemplo da densidade urbana, que é quantas pessoas cabem, por exemplo, em um lote. Os técnicos começaram a propor o Plano Diretor dentro da lógica que concordamos. Só que partimos do pressuposto de que o ideal seria 300 habitantes por hectare. A prefeitura está usando mais de mil. Significa que é possível nas áreas previstas para adensamento ter edifícios muito altos, que chamamos de arranha-céus porque não têm limite de altura. Estipulamos tecnicamente que o ideal seria que isso não ocorresse.
Se hoje o resultado não é muito bom, com o sistema viário e a infraestrutura que já estão com problema, quando existirem vários edifícios dessa forma vamos começar a intensificar os problemas que hoje estão postos. Percebemos posições divergentes entre o CAU-GO e a Prefeitura de Goiânia nesse aspecto. Enviamos um documento com propostas sobre os temas polêmicos, mas até agora não sabemos o que foi ou não considerado no texto final de revisão do Plano Diretor.
Rodrigo Hirose – Ao longo do tempo, outros locais da cidade passam por um processo de verticalização. O Jardim Goiás já passou por isso. As regras foram flexibilizadas para construir os grandes prédios. O poder público tem considerado mais nos últimos anos uma questão de mercado do que a qualidade de vida da cidade?
O que tenho a dizer é que historicamente quem decide o planejamento é o capital. A região do Jardim Goiás não era uma área que deveria ter crescimento. Quando foi aprovada a construção do shopping, mudou toda a história do planejamento, levou-se o eixo da cidade para o Jardim Goiás. Começa-se a doar terra para fazer o Paço Municipal, o que acaba por alterar significativamente o planejamento.
Obviamente a posição do CAU-GO, que é um pressuposto do conselho, é fortalecer a arquitetura e o urbanismo tendo em vista a qualidade de vida. Não somos contrários ao crescimento da cidade. Somos a favor de um crescimento planejado que traga sustentabilidade e qualidade de vida ao município. Uma preocupação que levamos aos técnicos sobre a questão do adensamento é que falar em aumentar a densidade necessita de avaliar se a infraestrutura vai suportar. Sabemos que já há apagão em Goiânia em vários locais. Isso está sendo avaliado?
Observamos que não há um plano de mobilidade, o que é fundamental. É preciso haver um diagnóstico de quantos veículos transitam, qual a política para o transporte coletivo. Os corredores de ônibus previstos no Plano Diretor de 2007. Havia a previsão de implementar 150 quilômetros de corredores exclusivos. Foram efetivados 30 quilômetros. É muito aquém do que havia sido planejado.
O CAU-GO frisa a necessidade de fortalecimento do planejamento urbano como base das decisões. Você tem um sistema que gerencia, mas há uma secretaria que gerencia sem a coordenação devida com outra pasta. Ou leis existentes, mas há falta de fiscalização. Todas essas questões necessitariam de um sistema que tivesse um monitoramento da densidade para efetivamente dizer se a legislação, da forma como está programada, é um instrumento de qualidade de vida ou não. É preciso haver pressupostos técnicos.
Rodrigo Hirose – Hoje o capital suplanta o planejamento?
Não digo que é só em Goiânia. Isso acontece em todos os municípios. Os técnicos vão enviar o projeto de Lei à Câmara. Vamos entrar em uma esfera política. E sabemos que na esfera política muitas alterações são feitas à revelia de todo diagnóstico técnico. O Conselho de Arquitetura e Urbanismo exige que qualquer ação em relação ao urbanismo tenha uma responsabilidade técnica. Alguém tem de assinar a responsabilidade pelo Plano Diretor. Quando chega à Câmara e muitas vezes isso acontece, um vereador altera consubstancialmente as leis urbanas, não só do Plano Diretor, quem é o responsável técnico? Estive com uma promotora uma vez que me disse “não poderiam ser aprovadas”. Se ninguém se responsabilizar por aquilo como que fica?
Rafael Oliveira – No ano passado, houve uma polêmica na Assembleia Legislativa com alteração de terrenos religiosos. Algumas igrejas se instalaram em terrenos que eram residenciais e comerciais e a Assembleia aprovou a modificou o a destinação das áreas para autorizar o funcionamento das igrejas nesses locais. De que forma o CAU-GO pode atuar?
Podemos acompanhar para observar o que vem sendo alterado, ir ao Legislativo, conversar com os parlamentares que atuam nas comissões de urbanismo para fazer um trabalho de convencimento. Existem outras manifestações que podem ocorrer. Se observarmos que fere preceitos legais, podemos denunciar ao Ministério Público, o que é uma prerrogativa do CAU-GO, e propor ações judiciais relacionadas às questões urbanas.
Outro trabalho tão importante quanto a fiscalização é levar a reflexão à cidade. Se você pressupõe que o Plano Diretor precisa ter uma gestão democrática, as audiências públicas são exigidas, a Câmara também terá de fazer audiências. É importante que o CAU-GO cumpra a sua missão de levar o conhecimento técnico sobre esses aspectos à população. Sabemos que, na verdade, as audiências só cumprem uma exigência legal porque a população raramente participa. As pessoas ainda não enxergaram o quanto a vida delas depende dessas leis.
Temos um projeto de fazer cartilhas e mostrar o que é o Plano Diretor e como a legislação afeta na falta de posto de saúde, creche, escola, ônibus, infraestrutura, tempo de deslocamento. Tudo isso tem a ver com a revisão do Plano Diretor. Quando há uma decisão, com a do Plano Diretor de 2007, que aumentou a expansão urbana, a infraestrutura encarece para toda população. Não é só para as pessoas que moram na periferia.
Rafael Oliveira – A sra. disse que há casos em que o CAU-GO pode acionar o Ministério Público. Há casos no Estado? Quantas vezes o MP-GO foi acionado?
Na realidade, até então respondemos a questionamentos do Ministério Público. Há um fato de conhecimento público, que é o do Nexus Shopping & Business, em que houve uma denúncia ao Ministério Público, que solicitou um relatório do CAU. Elaboramos o relatório, que foi aceito. Também fizemos o mesmo em virtude de outras denúncias. Acontece também de recebermos uma denúncia e levarmos ao conhecimento do MP-GO por não ser competência do CAU-GO, por exemplo, dizer à prefeitura o que se pode fazer.
O conselho pode trazer um posicionamento e fazer com que os órgãos públicos reflitam. O CAU-GO não tem poder de interferir na política pública. O conselho fiscaliza o profissional. O que temos feito é levar ao conhecimento público por meio da imprensa. Temos feito uma reflexão sobre os questionamentos de obras e de atuação da gestão pública.
Felipe Cardoso – A sra. colocou a não necessidade de a cidade crescer por meio da expansão urbana. Assim que a prefeitura apresentou a proposta de revisão do Plano Diretor ao CAU-GO foram diagnosticadas mudanças pontuais, apenas nas correções dos mapas. De lá para cá, obtivemos a informação da Seplanh de que pode haver uma transformação de uma área rural em polo de desenvolvimento econômico na região que liga Goiânia a Trindade. Assim que chegar ao conhecimento do CAU-GO de maneira formal, a entidade tende a se manifestar contrária à alteração?
Não vou responder em nome do conselho, porque o CAU-GO representa um órgão colegiado que atua com base no consenso. Teremos de analisar essa situação. Os distritos industriais e polo de desenvolvimento têm uma característica diferente em relação a habitação. Não vou opinar porque não há uma simples análise de um aspecto. É preciso verificar todos os aspectos. Até porque os polos industriais são atrativos para habitação. Por mais que sejam separados, acabam atraindo equipamentos familiares. A tendência é expandir para depois justificar que precisam de uma área de habitação para essas áreas.
Felipe Cardoso – Com a criação do polo de desenvolvimento econômico, passaria a ser autorizada a construção de condomínios horizontais. É o que diz a Seplanh. Diante disso, a sra. acredita que seria uma mudança exclusivamente econômica?
Não. Às vezes a história começa com o proprietário de uma área que cria um fato. No Plano Diretor de Anápolis, nós percebemos que o limite da expansão eram onde estavam as escrituras de proprietários de algumas áreas na cidade. Era algo encomendado. Não cabe ao CAU-GO identificar o porquê. O conselho analisa o fato em si. Se essa questão chegar, vamos avaliar o que for feito estará de acordo com o que discutimos.
Augusto Diniz – A sra. colocou o adensamento por meio da verticalização como uma opção, mas a preocupação é que ocorra de forma desenfreada. Há alguma área da cidade que o CAU-GO detectou no trabalho junto aos técnicos da prefeitura que correm mais risco no projeto de revisão do Plano Diretor?
Nos preocupamos muito com áreas que antigamente não era permitida a expansão, como Setor Oeste, Marista. Fomos contrários à inclusão dessas áreas. Aumentaram várias áreas. Até então eram só eixos, mas isso foi ampliado. O que colocamos muito é o sistema do Plano Diretor em vigor, de 2007, que possibilita a outorga onerosa para construir sobreposta ao direito de construir. Esse mecanismo possibilita alturas sem fim.
Na avaliação do CAU-GO, a outorga onerosa contraria o estabelecimento da densidade. Se possibilita um arranha-céu sem limite, fere a limitação máxima de habitantes por região. Solicitamos que se coloque algum tipo de fator, como já existiu em outros planos, que proíba essa altura sem limite.
Augusto Diniz – A outorga onerosa tem sido usada em Goiânia para burlar a legislação?
Não. É utilizada desde o começo como um instrumento que pode ser usado. Estabelece que a partir de determinada altura o empreendimento tem o valor acrescido da outorga onerosa.
Rodrigo Hirose – Economicamente tem valido a pena. Quanto mais alto o prédio, mais caro é o imóvel.
O que observamos é que tem aumentado a sobreposição à transferência do direito de construir, e que vai continuar o mesmo sistema na revisão do Plano Diretor. Está na moda construir prédio de 30 a 40 andares.
“[Nexus] É como se pegássemos todo Setor Oeste e Setor Marista e colocássemos em um só edifício”
Rodrigo Hirose – Não há um aspecto cultural dos grandes prédios, que as pessoas acham bonito um arranha-céu e relacionam isso a desenvolvimento, crescimento, modernidade.
Sim. E nós não somos contra. O CAU-GO não é contrário, porque desenvolve tecnicamente. O que questionamos é o impacto de certas obras em determinados locais. Você levantou um aspecto que tem de ser considerado. A legislação prevê o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e o Estudo de Impacto de Trânsito (EIT). Questionamos muito a forma como esses instrumentos estão sendo usados. Quem faz os estudos é o empreendedor, que contrata uma empresa e paga para que isso seja feito. Será que o estudo vai ser efetivo?
O Nexus fez outro Estudo de Impacto de Vizinhança depois da denúncia das assinaturas falsificadas. No final incluíram a ação mitigatória: um ponto de ônibus, a urbanização da Praça Latif Sebba e a calçada.
Augusto Diniz – De que forma isso resolveria o impacto na vizinhança?
É óbvio que não resolve. O estudo é peça fundamental na análise do entorno e avaliar se aquela obra é possível de acontecer naquele local. No entanto, da forma como acontece é só para cumprir, como são conduzidas hoje as audiências públicas.
Rodrigo Hirose – Seria o caso de mudar a legislação para que os estudos sejam feitos por instituições independentes do empreendedor, ainda que seja com ônus para quem constrói para que o poder público não assuma esse custo?
Propusemos medida semelhante. Levantamos a hipótese de ser feito pela própria prefeitura, que teria um corpo técnico apto para fazer isso, vinculado a todos os sistemas de dados de planejamento. Também questionamos. A legislação sempre coloca a necessidade do estudo justamente para avaliar qual será o impacto que aquela obra trará para a região. No entanto, acaba não sendo um instrumento eficiente como deveria. Em um caso como o local de construção do Nexus, que precisou de um viaduto em função dos problemas que já existiam na região antes. E que não resolveu o problema, porque tem horas e horas de congestionamento.
O que dizer de um empreendimento que vai atrair 10 mil veículos? Quando o Ministério Público pediu os projetos, não foi considerado o centro de convenções. Apesar de estar nos panfletos de divulgação do Nexus, no projeto não tinha na planta o centro de convenções. No entanto, na audiência apresentaram. Sem o centro de convenções teremos naquele ponto a mesma densidade do Setor Oeste e o Setor Marista juntos. É como se pegássemos todo o Setor Oeste e todo o Setor Marista e colocássemos em um só edifício.
Rodrigo Hirose – Além do Nexus, o que mais está em construção? No Park Lozandes, edifícios residenciais estão em edificação, além de equipamentos públicos, como a Assembleia Legislativa, o Judiciário e Ministério Público têm estrutura na região, está prevista a Catedral Metropolitana. É um bairro que só tem um acesso do trânsito. O CAU-GO identifica outros pontos de Goiânia que correm o mesmo risco?
Percebemos ao longo dos parques que a legislação favoreceu a alta densidade. Colocamos como proposta que em até 100 metros de áreas de preservação de baixa densidade no mínimo para conter os impactos da verticalização que ocorre. A prefeitura não tem condição de fazer os parques, o que vem de parcerias público-privadas (PPPs). Só que as questões ambientais são inegociáveis. Observamos em todos os parque problemas de drenagem e de impacto no meio ambiente em função da verticalização muito próxima à área de preservação. O Jardim Botânico começou a ser discutido e pode ser levado para a mesma vertente.
Precisaríamos ter um sistema de planejamento forte como o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba [Ippuc]. Trata-se de uma autarquia não vinculada à administração até para que possa efetivamente ter independência e transitar no desenvolvimento da sua política pública. É um modelo que funcionou, com um corpo técnico estruturado e com sistema de planejamento eficaz. O gestor acaba por ter de se submeter às questões técnicas.
Augusto Diniz – Vimos na história recente de Goiânia a CEI das Pastinhas na Câmara, que investigou a liberação da construção de edifícios sem a documentação aprovados na prefeitura, o Nexus com a fraude nas assinaturas nos estudos e um prédio praticamente pronto nas proximidades da Praça do Sol em que o projeto de construção foi descumprido em altura, largura e o promotor chegou a pedir à Justiça a demolição de parte da obra. Como tem se resolvido essas situações, nas quais o empreendimento já foi construído e dificilmente será demolido?
Não consegue aqui. Em Brasília, no Lago Sul, diversas casas foram derrubadas construídas em invasões na área de preservação. Temos histórico, em alguns locais, que isso acontece. As denúncias acontecem. Não cabe ao CAU-GO fazer trabalho de investigação. A denúncia é repassada ao Ministério Público por não ser prerrogativa do conselho.
Uma vez recebemos denúncia de um caso em Rio Verde e começamos a ir atrás, investigar se realmente houve construção em área de preservação ambiental. Começamos a pedir para a prefeitura os projetos. Em visita ao Ministério Público, um promotor disse que isso não era atribuição do conselho, que deveria se repassado ao MP.
Se envolver um arquiteto e ficar comprovado, cabe ao CAU-GO um processo ético contra o profissional. A comissão de ética do conselho atua nesses casos, recebe a denúncia, abre o processo ético e define se cabe penalidade ou não, que pode chegar à cassação da carteira profissional.
Tivemos recentemente o caso de um shopping de moda que está em construção na Rua 44. Recebemos uma denúncia que estava sendo construído sem o Uso de Solo, avançando em áreas e que foi iniciada sem alvará de construção. Um empreendimento muito grande. O CAU-GO não é contra o desenvolvimento econômico, desde que esteja pautado nas normas e exigências da legislação pertinente.
Questionamos a prefeitura sobre a questão do uso de solo. Recebemos como resposta a informação de que havia três Uso de Solo de abril do ano passado, mas a atividade de dois dos documentos não tinha ligação com a finalidade da construção. A parte autorizada não tinha EIV, a obra foi iniciada e inaugurada. A prefeitura autuou cinco vezes. São multas altas.
Mas a obra continuou. Nesse ínterim, foi feito um projeto de Lei de legalização, que recebeu emenda do vereador Anselmo Pereira (PSDB) que parece ter sido encomendada pelo empreendimento, porque passou a possibilitar a aprovação. É provável que a partir de agora tenham amparo na nova legislação para ser aprovado.
Mas observamos que não houve poder de polícia. Depois de inaugurado é muito difícil impedir o funcionamento. Em Brasília tiveram coragem de mandar demolir. A regra em Goiânia é a de que quando está construído, ainda mais com um projeto permitindo a legalização, de manter em funcionamento.
Entregamos o documento que recebemos da prefeitura ao Ministério Público, que pode intervir de alguma forma com poder de polícia ou exigindo que o Executivo municipal consiga embargar e impedir a continuação da obra.
Rodrigo Hirose – Há casos de obras em Goiânia que o Estudo de Impacto de Trânsito ou o Estudo de Impacto de Vizinhança chegou a impedir a construção do empreendimento?
Que eu saiba não. Mas não posso afirmar se nunca houve. Na legislação em vigor, que pode vir alterado na revisão do Plano Diretor, o Estudo de Impacto de Trânsito é feito depois de concluída a obra, o que não serve para nada. Isso com certeza deve ser alterado.
Augusto Diniz – A questão que a sra. citou de obras serem fiscalizadas, multas e mesmo assim continuarem lembra muito a situação do incêndio no centro de treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro no dia 8 de fevereiro. Havia um projeto alterado, mas que não previa a obra do alojamento que pegou fogo. Onde a legislação ou a fiscalização podem ter falhado e que reflexo podemos ter em Goiânia nesse caso?
É o momento de refletirmos sobre as tragédias que vimos recentemente: CT do Flamengo e Brumadinho (MG). Observamos que a questão econômica tem mais importância do que a própria vida das pessoas, a prática que temos de burlar as normativas existentes e, ao mesmo tempo, a falta de fiscalização de quem tem o poder de fiscalizar para impedir que tudo isso chegue a um fato consumado e irreversível de tragédia.
Muita coisa poderia ter sido evitada sim. No Rio, as passarelas que caíram são fruto de um sistema em que hoje não precisamos mais do projeto completo para aprovar licitação a partir de uma alteração da legislação federal, o que gera uma perda lastimável. O projeto completo dá a possibilidade de se evitar tragédias assim. Mas ganha-se uma licitação e inicia-se a obra sem projeto. Isso precisa ser repensado.
É preciso que volte a se exigir o projeto completo para autorizar qualquer obra e evitar tragédias. Se não houver fiscalização, não será possível atestar a eficiência técnica da construção. Não há um acompanhamento das obras mais antigas. Percebeu em Brasília e outras cidades casos de queda de viaduto.
Rodrigo Hirose – Não são poucos os especialistas a lembrar que concreto tem prazo de validade. Parte da infraestrutura de Goiânia é antiga. Há pontos da cidade que precisam ser observados com mais cuidado?
Sim. A maioria dos viadutos tem prazo de validade e é preciso haver um acompanhamento. É possível intervir, se houver o acompanhamento, antes de ocorrer a tragédia. As experiências servem para motivar o poder público a fazer algo antes de uma fatalidade. Serve de alerta na hora de elaborar a legislação, que muitas vezes não leva em consideração os riscos, inclusive as questões do meio ambiente, que necessitam de atenção e preservação.
“Como será feita a ampliação da Marginal Botafogo seguindo os mesmos erros que existem?”
Augusto Diniz – A situação da Marginal Botafogo gera que tipo de preocupação?
É preciso que seja feito um diagnóstico mais amplo, não só da Marginal, que foi feita há mais e 40 anos e para um uso diferente do que é verificado hoje. Existe uma sobrecarga, mas não é só do sistema viário em relação à própria estrutura de canalização existente. Há também uma vertente do fundo do vale que capta toda a drenagem daquele setor.
No entanto, as medidas paliativas têm sido feitas sem uma análise maior da região da bacia. O CAU-GO se posiciona totalmente contrário a isso. Como será feita a ampliação da Marginal Botafogo seguindo os mesmos erros que existem? É como se você fosse ao médico, ele olhasse e já prescrevesse a medicação sem um diagnóstico através dos exames. O que pontuamos é que os exames precisam ser feitos.
Felipe Cardoso – Até que ponto as observações e recomendações do CAU-GO têm sido acatadas ou analisadas pela prefeitura?
Na revisão do Plano Diretor, a prefeitura abriu espaço e nos recebeu. Receberam os documentos que entregamos, mas não sabemos até que ponto acataram. Alguns pontos foram alterados no projeto. Imagino que outros pontos não. O corpo técnico nos recebeu todas as vezes que solicitamos.
Sentaram para discutir, colocaram os técnicos à disposição. Temos condição de dialogar. As decisões não estão centralizadas no corpo de planejamento. Funcionam por secretarias ou por gabinetes. Os técnicos também ficam muito preocupados com algumas decisões tomadas ou muitas vezes são pressionados a assinar uma proposta que não é a adequada. Algumas avaliações politicamente não são bem vistas.
Infelizmente ainda não evoluímos ao ponto de entender que não é nada pessoal, mas sim a favor da cidade. Estamos cumprindo o que é estabelecido. O CAU-GO tem de pugnar pela qualidade da arquitetura e do urbanismo do município, da região e do Estado. Mas nem sempre isso é bem visto quando entramos em confronto com a intenção do gestor. Fica o dito pelo não dito.
Se é algo que fere a segurança dos moradores, temos de acompanhar de perto e acionar o Ministério Público ou outro órgão que possa acatar nossos relatórios técnicos.
Augusto Diniz – Em 2017, quando a equipe técnica da Seplanh começou a fazer o diagnóstico do Plano Diretor, foi lançando o site Goiânia do Futuro. A pesquisa dava opções de respostas sobre intervenções na cidade. E uma delas era o Setor Pedro Ludovico e região. Isso causou preocupação até do próprio CAU-GO, que viu a inclusão da palavra “região” junto à opção do bairro como fruto de um interesse em modificar as regras de adensamento no Pedro Ludovico.
Como se isso fosse um direcionamento.
Augusto Diniz – O CAU-GO chegou a estudar especificamente esse ponto?
Especificamente não. Temos preocupações como a do Plano de Mobilidade, que está previsto desde 2007 no Plano Diretor, mas nunca existiu. Pontuamos várias vezes a necessidade de se ter um estudo de origem e destino. É preciso fazer um diagnóstico do que está acontecendo para poder propor com prioridade e de forma mais real dentro do que é necessário.
Augusto Diniz – A equipe da Seplanh deu indícios ou analisou a possibilidade de incluir na revisão a revitalização do Centro?
Sim. A legislação propõe – somos totalmente favoráveis, mas também nos preocupamos com esta parte – o adensamento do Centro. Solicitamos que quando falar em patrimônio não seja apenas no histórico, mas também no patrimônio ambiental. Também a inclusão de construções das décadas de 1930 e 1940 que não têm, em sua maioria, os requisitos para ser tombados, mas que são essenciais.
Quando se estimula o adensamento, o tombamento que é feito não é o do patrimônio histórico, mas o de derrubar mesmo as edificações antigas. Solicitamos que não se rescinda a altura máxima no Centro para evitar o que temos levantado, que é a tendência de construção de arranha-céus em outras áreas da cidade, e ao mesmo tempo reavaliar as regiões. A revitalização precisa existir, mas tem de ser cuidadosa para não trazer mais problemas.
Rodrigo Hirose – Se o projeto de revitalização não for acompanhado de perto pode trazer mais riscos para o patrimônio histórico, ambiental e de identidade visual e simbólica do Centro?
Somos a favor da revitalização do Centro, mas temos essa preocupação. Dentro das propostas e questionamentos que apresentados à equipe da Seplanh, mas não sabemos até que ponto foi aceito. Espero que não tenhamos muitas surpresas.
Rodrigo Hirose – O CAU-GO fala em ampliar o conceito de patrimônio para se chegar ao patrimônio ambiental e não ficar apenas na questão dos imóveis. Isso tem a ver com áreas específicas da cidade? Que áreas seriam essas?
Existe uma questão que são as áreas de proteção. O problema nos parques, com a construção dos edifícios a partir do espaço em que não está mais configurada a área de preservação ambiental, é algo que traz diagnóstico de muitos problemas com relação ao subsolo. Isso será alterado para não mais permitir a alteração do lençol freático. Alguns pontos devem ser contemplados. Mas observamos que se faz necessária uma faixa de transição para realmente garantir a preservação dessas áreas.
O Parque Flamboyant é um exemplo de ontem o problema pode ser facilmente notado. Percebemos que a mata, em função do sombreamento excessivo em função da altura dos prédios, já está ressentida. Precisaria de insolação e formou-se um muro.
Rodrigo Hirose – A vegetação não recebe iluminação natural na quantidade necessária.
Não recebe. Já há uma resposta da própria natureza. Observamos que Goiânia, que já foi a capital com a maior quantidade de vegetação por metro quadrado, teve essa realidade alterada. A exigência do índice de área verde in natura foi modificada. Em muitas áreas da cidade, o subsolo não permite mais árvores e o nosso clima é muito quente e seco na maior parte do ano. O calor só aumenta. E nem sempre isso é levado em consideração na hora de se fazer uma legislação.
Quando apresentamos na proposta de adensamento ideal 300 habitantes por metro quadrado e é incluída a taxa de mil moradores por metro quadrado, será que essa medida leva em conta o calor de Goiânia e o que representa o aumento da verticalização? Isso passa a ser uma caixa de calor. Começa-se a eliminar as áreas de preservação, os fundos de vale, que são o ar condicionado natural, isso repercute, como já teve reflexo, no aumento da temperatura.
Vem a questão da drenagem. A ideia é a de que o poço de recarga, ou a caixa de recarga, supre a falta de uma área permeável natural. Temos técnicos que defendem o contrário, que nada vai substituir a árvore com suas raízes levando a água para o lençol freático. E a árvore, por si só, que vai reduzir o gás carbônico. São questões que precisam ser analisadas. A medida que as leis são estabelecidas, a consequência vem ao longo do tempo. E são consequências irreversíveis.
Augusto Diniz – A ideia de pensar a cidade de forma mais consciente, ainda longe de sustentável, começou a ter políticas públicas tímidas na gestão Paulo Garcia (PT) com a implantação de poucos corredores de ônibus e ciclorrotas, ciclofaixas e ciclovias. O que falta para Goiânia entender que é necessário que se crie uma política de mobilidade?
Falta o Plano de Mobilidade para que se estabeleça prazos, datas e liste ações. Mas também as pessoas têm de se conscientizar que seguir na trajetória de valorização do veículo pessoal, o colapso está muito próximo. Se não investirmos nos corredores e realmente na qualidade do transporte coletivo, que é muito ruim. Quem utiliza sofre muito. Quem tem um carro ou uma moto não vai deixar o veículo em casa para andar em um transporte coletivo tão ruim.
E observamos a Europa com muitas pessoas que não têm carro. Têm uma bicicleta, mas não carro. Isso porque o sistema de transporte público, que é o meio de transporte principal, funciona, com metrô subterrâneo e de superfície. Aqui estamos caminhando a passos de tartaruga. Por mais que haja o diagnóstico de que é preciso reverter a lógica do transporte individual, a frota de automóveis aumenta a um nível insustentável. Não se vê avanços nessa política.
O percentual que foi feito e programado é muito aquém do necessário. Um pouco mais recente, o BRT Norte-Sul, que tinha verba estadual, mas vai começar, só que pelas pontas e não vai passar pelo Centro. Como assim? Como vai ligar a linha se não passar pelo Centro?
Felipe Cardoso – Se o prefeito Iris Rezende (MDB) cumprir o que prometeu, de concretizar a obra pelas pontas e não passar pelo Centro, o BRT tem sentido?
Não tem sentido. Serão trechos desconexos. É rasgar dinheiro público. Contradiz a proposta do Plano Diretor de revitalizar o Centro. Como ter uma proposta de revitalização e não passar o BRT pelo Centro. É uma contradição. Existe um planejamento, mas não tem a coerência necessária para responder a uma política pública de qualidade.
Felipe Cardoso – Iris argumenta que não é possível colocar uma massa de cimento na região central. Até chegou a considerar que o projeto do BRT foi feito de maneira precipitada. De que forma o prefeito poderia cumprir o projeto do BRT na sua integralidade sem danificar a arquitetura e urbanismo do Centro?
Precisaria ser refeito o projeto. De fato não se pode desconsiderar a questão histórica. A Avenida Goiás recebeu um concurso, com projeto para manter suas características. O projeto pode ser alterado. O que não pode é retomar pelas pontas e não concluir porque não concorda. Inclusive isso está errado.
Porque não concorda com o projeto o BRT nunca terá ligação. Então não é BRT, não é um eixo. O ônibus vai fazer o que? Vai até o ponto construído e volta? Não existe isso. Deveria ter revisto o projeto. Isso mostra a prática em vigor de começar as coisas sem planejamento, sem projeto. Isso acaba por ser ineficiente, não soluciona e gasta sem apresentar um resultado eficiente.
Felipe Cardoso – Ouvi de integrantes do CAU-GO que é preciso pensar a obra do BRT além do transporte, mas como algo que vai engrandecer a cidade como um todo. A construção o eixo Norte-Sul vem acompanhada de outros modais de transporte que garantirão mais qualidade de vida aos goianienses?
O que observamos, por exemplo, em Belo Horizonte é uma prática de que qualquer trabalho ligado ao Plano Diretor tem de ser sobreposto ao Plano de Mobilidade. O trabalho em conjunto a mobilidade com o uso de solo e o zoneamento. Levantamos essa questão e a Seplanh disse que isso está sendo trabalhado no projeto de revisão do Plano Diretor de Goiânia.
Mas observamos que, quando se estabeleceram alguns corredores, não existe um diálogo entre um órgão e o outro. Falta realmente um maestro, alguém para coordenar as ações para trazer uma valorização em todos aspectos. Não seria só do eixo em si, mas do entorno e das ações que se fazem em relação ao uso de solo.
“Chegaremos a um ponto em que será necessário tomar atitudes de compartilhamento. Ainda está muito devagar”
Augusto Diniz – Verifica-se que as novas gerações começam a se ligar cada vez menos à posse de bens materiais e valorizar mais o compartilhamento e a prestação de serviços por meio de aplicativos. A lógica dos serviços compartilhados, desde a compra de comida ao transporte individual, ganham cada vez mais adeptos. Isso já é uma realidade em Goiânia ou está mudando aos poucos?
Percebo que isso está mudando aos poucos. Existe agora a proposta do Citybus por meio do aplicativo. Ainda não temos a avaliação, mas é interessante. No modelo anterior, percebeu-se que o Citybus não havia dado a resposta esperada. Se não for por amor será pela dor. Chegaremos a um ponto em que será necessário tomar atitudes de compartilhamento. Ainda está muito devagar. Vamos ter de achar soluções para mudar o rumo dessa história.
Rafael Oliveira – Em Brasília, há duas décadas começou-se a implantar o metrô de superfície na cidade. Em Buenos Aires, há uma ampla rede de metrô subterrâneo com amplo acesso em várias áreas da cidade. É possível que o modelo de transporte público por metrô seja implementado em Goiânia?
A questão ideal seria um metrô subterrâneo. Houve planejamento na década de 1960, depois nos anos 1980, quando foram estabelecidos grandes eixos. Começou como uma cidade planejada, teve outras ações eficientes, o que norteou a possibilidade dos eixos para a possibilidade do metrô de superfície. O custo é muito menor. O metrô subterrâneo facilita uma série de questões por não se modificar a estrutura urbana, mas o custo é muito mais alto.
Se hoje o município não conta com a verba que viria do Estado para um modelo próximo ao metrô de superfície, imagine um subterrâneo. Seria ideal, mas inviabiliza. É preciso ponderar as medidas cabíveis para que se efetive o que é necessário.
Augusto Diniz – Há uma preocupação de o Setor Sul perder sua características de um setor de casas e ganhar um novo projeto de adensamento na revisão do Plano Diretor?
O documento que apresentamos à prefeitura especificou exatamente isso, que se preserve o Setor Sul. Vimos inúmeras vezes propostas de fechar ruas, adulterar o projeto original [cidade-jardim], mas o CAU-GO sempre se posiciona, quando solicitado por legisladores. Quando se discutiu a possibilidade de fechamento do Setor Sul, nos posicionamos contrários.
Augusto Diniz – Como seria esse fechamento?
Há as vias cul-de-sac [beco sem saída]. Queriam fechar essas vias só para os moradores, como se fossem condomínios fechados. Sendo que no Centro há áreas públicas que são abertas. O outro fator é colocar essa área passível de adensamento. Também somos contra porque descaracteriza os critérios de cidade-jardim que foram estabelecidos.
Rodrigo Hirose – Os profissionais da arquitetura e urbanismo se preocupa com o tripé mobilidade, impermeabilidade e densidade na cidade. Por mais que os técnicos se preocupem, vemos Goiânia piorar nos três quesitos. Goiânia ainda tem salvação para não se tornar uma cidade inabitável e inóspita?
Claro que acreditamos. Goiânia tem alguns pressupostos diferentes das demais cidades, que é exatamente a vertente do planejamento. Mas realmente preocupa o fator da legislação começar a permitir justamente o que traria insustentabilidade a alguns pontos ou aumentaria os problemas de mobilidade, congestionamento e falta de suprimento de infraestrutura. Se não houver um monitoramento efetivo de qualquer projeto aprovado que altere uma região da cidade e os dados que foram acrescidos fica complicado. Se for traçado um Plano Diretor que por si só possibilite muito mais do que a lei poderia imaginar, a partir da transferência do direito de construir sobreposta à outorga onerosa, a partir de então perdeu-se o controle.
Lembro que no momento em que foi aprovado o Nexus, havia três solicitações de uso de solo de edifício do mesmo porte na mesma região. Se um vai trazer um problema grave, imagine três ou muito mais. Se não houver alguém monitorando, observando, acompanhando e monitorando, pode se tornar uma situação complicada. Por outro lado, existem cerca de 6 mil construções ilegais. Existe uma prática de construir ilegalmente. A cidade real é muitas vezes a cidade ilegal.
Além do questionamento da legislação, existe também o impacto daquilo que não é fiscalizado e é construído. Construções de até 200 metros quadrados não trazem tanto impacto do que quando são grandes edificações e que trazem um impacto muito maior. Há ainda a consciência da população em relação a essas questões. A transformação vem através da participação do cidadão.
Existe a audiência pública, que acaba não trazendo a população a participar. Percebe-se a presença do empreendedor, dos técnicos da prefeitura e dos interessados. Um ou outro interessado na execução do empreendimento e pouca participação da parcela da população que será afetada pela obra. Quando falamos em necessidade de cartilhas é justamente para mostrar à população que o sofrimento do dia a dia tem a ver com a aprovação dessas leis.
A legislação permitiu a expansão urbana, a construção dos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida muito distantes dos equipamento, infraestrutura e de tudo. Falta o desenvolvimento da cultura, que pode gerar transformação.
Rafael Oliveira – Os Legislativos sempre contam com representantes de diferentes profissões. Há espaço ou bancadas que defendem os interesses dos arquitetos e urbanistas no Congresso, por exemplo?
Em dezembro, houve um seminário legislativo em Brasília promovido pelo CAU-BR no Congresso. É quando são avaliadas todas as propostas legislativas e feitas outras proposituras. Alguns senadores e deputados participaram e deram apoio às causas dos arquitetos e urbanistas. Em Brasília, o trabalho feito é muito próximo com elaboração de relatórios com explicações sobre o que significa cada projeto de Lei.
Em Goiás, o CAU mantém contato com alguns vereadores que sempre questionam o que o conselho pensa sobre um ou outro assunto. Buscamos sempre acompanhar o que vem sendo discutido. Mas percebemos que houve uma diminuição no número de arquitetos eleitos. O arquiteto fica muito no projeto, mas muito pouco na ação política. Ficamos responsáveis pela parte técnica, mas a decisão é política.
Se não atuarmos politicamente, a parte técnica acaba por ficar só na denúncia e na reflexão, mas sem conseguir efetivar as alterações que julgamos necessárias. Conversamos sobre isso, inclusive depois do seminário de dezembro. Trouxe para o CAU-GO a preocupação de que deveríamos nos ocupar mais em ter representantes. Se não há arquitetos eleitos, que consigamos um apoio expressivo. Há vereadores que comungam com nosso pensamento, mas é importante que consigamos ampliar esse apoio. É fundamental.
Augusto Diniz – Como o conselho tem acompanhado as políticas públicas de regularização fundiária em Goiânia e no Estado? São ações eleitoreiras para criar currais eleitorais a partir da entrega de escrituras?
Questionamos muito a questão da regularização fundiária. Em determinados momentos é necessária. Mas há a legislação. Quando se faz uma minuta, como aconteceu recentemente, de regularização de construções ilegais, por exemplo, acaba por ser contemplado quem fez de forma irregular. E quem fez de forma regular, se submeteu a toda a legislação, aos procedimentos demorados, acaba por ser penalizado.
Chega uma lei e aprova de uma forma muito ampla. Não há nada analisado. Começa a liberar recuo, questões básicas para a organização da paisagem e do espaço. Acaba por prejudicar aqueles que fizeram tudo corretamente, mas também o ambiente dos locais onde estão inseridos esses projetos. Existe uma prática de se repetir isso. Vemos como mais uma contradição.
Se discute amplamente o Plano Diretor, o que é melhor para a cidade, o que deve ser feito. E de repente é regularizado o que está irregular. Mais uma vez observamos que falta informação, fiscalização e punição. Por isso chegamos ao ponto de um número altíssimo de obras irregulares. Haveria realmente a necessidade de mudar essa conduta.
E acaba entrando na esfera política muitas vezes, porque acaba por ser uma troca de favores, que envolve um projeto de Lei encomendado. Isso prejudica de várias formas.
Rafael Oliveira – A obra sempre tem a assinatura de um engenheiro civil e de um arquiteto. O CAU-GO tem algum tipo de trabalho conjunto com o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO) na área de fiscalização?
Estamos tentando. Marcamos várias reuniões e o Crea-GO desmarcou para se firmar um convênio. A estrutura do Crea é bem melhor e maior do que a do CAU. Um convênio ajudaria a todo mundo. Até o momento não avançamos. Foi apresentada a proposta. Conseguimos fazer uma reunião no ano passado. Sei que havia a possibilidade de haver uma reunião ainda neste mês para buscar exatamente um caminho conjunto. Vamos torcer para dar certo.
Augusto Diniz – Há uma disputa de conselhos?
O problema é que saímos do Crea. O que está em discussão agora é a Lei do estabelecimento do CAU [Lei Federal número 12.378, de 31 de dezembro de 2010] prevê o projeto de arquitetura e urbanismo apenas para o arquiteto. Agora está em tramitação no Congresso o Projeto de Lei número 9818/2018, do deputado Ricardo Izar (PP-SP), que defende que estamos tentando estabelecer uma reserva de mercado para os arquitetos e urbanistas que prejudicaria os engenheiros e os paisagistas.
Houve no final do ano de 2018 uma audiência pública sobre o PL 9818/2018. Nesse ínterim, entramos com ação, na qual conseguimos decisões favoráveis. Mas um juiz entendeu que não era competência do Judiciário decidir. Há pareceres favoráveis aos arquitetos e urbanistas que entendem não se tratar de reserva de mercado. Na grade curricular, engenheiro tem apenas um semestre de leitura de projeto. No entanto, o engenheiro quer projetar como arquiteto.
E isso acontece. Há prefeituras que informam que cerca 80% dos projetos que entram são assinados por engenheiros. Começou a haver de fato um problema que o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia deveria mediar juntamente com o CAU, mas que não funcionou. Isso acabou não avançando. Em seguida veio o Projeto de Lei, que tenta alterar os parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da nossa Lei. A proposta ainda está sendo analisada. Obviamente, o CAU-BR tem articulado para não chegar ao ponto de perdermos a prerrogativa.
Há um conflito que precisa ser harmonizado. No entanto, em Goiás tentamos não levar em conta essa disputa no Congresso e buscamos firmar um trabalho de parceria, independente da discussão sobre o Projeto de Lei. Mas o Crea também está sofrendo porque todos os engenheiros tecnológicos saíram. Há um indício de que os agrônomos também querem sair. São perdas muitos grandes e isso precisará ser revisto.