Titular da Seduce diz que está convencida de que as organizações sociais serão um sucesso e melhorarão tanto a vida de professores como a de alunos da rede estadual 

Secretária Raquel Teixeira durante entrevista | Foto: André Costa/ Jornal Opção

Desde que assumiu a Secretaria do Estado da Educação, da Cultura e do Esporte (Seduce), no começo de 2015, Raquel Teixeira tem tido várias pautas importantes, polêmicas ou as duas coisas juntas – como é natural de sua área. Mas nenhuma a tem envolvido tanto como a transformação da gestão da rede estadual de ensino básico do atual modelo para o sistema de organizações sociais (OSs).

Não por acaso, o foco principal desta entrevista ao Jornal Opção é esse tema. Raquel confessa que tinha suas restrições à aplicabilidade das OSs com as particularidades da legislação brasileira, mas afirma que foi convencida pelo desenvolvimento do modelo que hoje está apresentado. Até o fim do ano, a intenção é de que pelo menos cinco macrorregiões e 170 unidades estejam atendidas. A secretária fala também sobre a reforma do ensino médio, recentemente aprovada pelo governo federal, e sobre as questões da cultura no Estado.

Cezar Santos – Como está hoje a questão da implementação das OSs [organizações sociais] na educação?
Euler de França Belém – Parece que a Justiça embargou o processo das OSs em Anápolis. Mas por que não implantar o sistema em outros municípios?
Nos próximos 10 ou 15 dias deve sair uma chamada para Águas Lindas e outra para Luziânia. Os projetos já estão prontos, mas, durante um período, esperamos que fosse resolvido o entrave de Anápolis. Porém, resolvemos publicar essa chamada para a região do Entorno do Distrito Federal.

Cezar Santos – O que houve mesmo com o caso de Anápolis?
Uma promotora entrou com uma liminar que foi acatada pela Justiça.

Euler de França Belém – Qual foi o argumento usado para a liminar?
Vários. O primeiro foi que a OS acaba com a gestão democrática nas escolas; outro, que a OS usaria o Fundeb [Fundo de Desenvol­vimento da Educação Básica] de forma errada; terceiro, que um contrato de 12 anos seria muito longo; e também que a OS seria inidônea. Basta um olhar um pouco mais cuidadoso sobre o projeto para perceber que não tem nada disso.

Nesses dois anos debruçados sobre esse trabalho, conseguimos construir um modelo de organização social com o que há de melhor no mundo, nas escolas “charter” [modelo aplicado nos EUA] e nas “academies” da Inglaterra, com a legislação brasileira. A LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] fala em gestão democrática e mais uma série de coisas. Isso nos difere das charters e das academies, mas adaptamos o modelo de forma com que os diretores sejam eleitos pela comunidade – o que é norma da LDB, assim como a autonomia do conselho escolar, que assim permanece, com CNPJ próprio e recebendo recursos diretamente do Ministério da Educação, quando for o caso. Ou seja, essa acusação não procede, o projeto de OS de gestão compartilhada em Goiás prevê a manutenção da gestão democrática nas escolas.

Uma suposta aplicação equivocada do Fundeb também não se sustenta porque, como está claro no projeto, a OS vai abrir três contas conjuntas com a Secretaria da Educação: uma só com recursos do Fundeb; outra, com os recursos da Educação; e uma terceira com os recursos do Tesouro Estadual e da vinculação dos 25% [porcentual previsto pela Constituição para aplicação na área da educação pelos Estados]. Cada conta será acionada para pagar aquilo que for pertinente de acordo com cada origem de recurso.

Cezar Santos – E quanto aos 12 anos de contrato, tido como um período muito longo?
Essa preocupação sobre a duração do contrato não se sustenta também, porque a Lei Estadual sobre as OSs exige isto: um contrato de três anos renovável até o máximo de 12 anos. No nosso, somos mais exigentes até que a própria lei prevê, já que é um contrato inicial de três anos, mas passível de cancelamento a qualquer momento, caso seja verificado que a OS não esteja correspondendo ao previsto no edital.

Euler de França Belém – E sobre a desconfiança em relação à OS vencedora?
Cabe a quem faz a acusação provar qualquer inidoneidade em relação à entidade. Eu, particularmente, gosto muito da orientação pedagógica da OS que ganhou o edital. Ela é coordenada por um professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que foi professor de educação básica e cuja mãe também foi professora a vida inteira. Ele hoje é professor universitário, mas apaixonado pela educação básica e com uma visão muito pertinente sobre escola. Não nos cabe qualquer ressalva por parte da secretaria, pelo contrário, estamos com bastante confiança nesse grupo vencedor. Esperamos que, no julgamento do agravo, essa liminar seja suspensa.

Augusto Diniz – Ainda sobre as OSs, o processo começou a ser em 2015. Até o fim do mandato falta apenas um ano e dez meses para implantar o projeto. Haverá tempo suficiente?
Sim. No primeiro ano, em 2015, ainda estávamos em um processo de busca de modelo. Como já disse, é um modelo inédito, sem similar no Brasil, que foi adaptado por nós de outros países para a LDB. No início de 2016, aí então tínhamos nos preparado completamente para esse processo. Fizemos um primeiro chamamento, mas as OSs que se apresentaram não corresponderam tecnicamente às demandas. A grande dificuldade para uma OS na área da educação – ao contrário do que ocorre na saúde, por exemplo – é que não existe nenhuma no setor no Brasil. E um dos argumentos que o Ministério Público usa é este: de que são OSs muito recentes, sem experiência. É verdade, mas isso não pode ser impeditivo de se tentar algo positivo, até porque são grupos recentemente construídos como OSs, mas composto por pessoas com larga vivência na educação.

A OS de Anápolis, por exemplo, tem todo seu projeto pedagógico conduzido por um professor da Universidade Federal de Santa Catarina, que já atuou na educação básica e que foi de conselhos de educação. Ou seja, tem vasta trajetória na educação, só que, como OS, tem existência recente.

Euler de França Belém – E por que o primeiro chamamento não foi bem-sucedido?
No primeiro chamamento, consideramos que não correspondiam ao que a secretaria pensava. Então, não houve vencedor. Entre aquele período e o chamamento de número 3, oferecemos formação para as OSs. As quase 30 instituições qualificadas em educação já foram convidadas para dois seminários com o Banco Mundial, que esteve aqui e fez evento aberto para quem quisesse participar. Convidamos todas as OSs qualificadas para o setor da educação em Goiás e em torno de 25 participaram. A qualidade do projeto delas realmente mudou no terceiro chamamento, porque entenderam o que um contrato de gestão por organização social e qual seu papel.

Em um primeiro momento, havia ficado uma situação de procurar se a gestão por OSs era constitucional ou não. É algo que o Supremo Tribunal Federal já decidiu: o governo tem a discricionariedade de oferecer o serviço público como achar melhor. As pessoas costumam fazer confusão entre o que é público é o que é estatal. O que é público? A escola é aberta a todos, sem discriminação de qualquer nível – raça, cor, gênero ou seja o que for; tem de ser transparente e é “vigiada”, digamos assim, pelos órgãos controladores da aplicação dos recursos públicos; e a qualidade dos serviços, esperamos, será melhor.

Raquel Teixeira diz que muitos avanços foram promovidos desde 1999: “O índice de evasão escolar, que era de 30% a 40%, hoje está na faixa de 4% a 5%” | Foto: André Costa

Cezar Santos – É realmente um rumo novo para a gestão?
Creio que encontramos uma forma de governança que é mais avançada. O que temos na secretaria? Definimos as políticas, as implementa e as avalia. Ou seja, hoje o mesmo órgão faz todo o ciclo. Só que regras básicas de administração mostram que esse não é o caminho. Assim, com as OSs na educação vamos continuar definindo as políticas, alguém as executa – ou seja, segue sendo público, mas não estatal na operacionalização – e a secretaria, novamente, avalia e cobra resultados.

Montamos na secretaria um núcleo de avaliação e monitoramento com pessoas hoje altamente qualificadas, que fizeram cursos e outros aprimoramentos. Temos essa parceria com o Banco Mundial, que é muito importante. Além de o projeto ter a chancela, há a oportunidade de qualificação. Nossa equipe foi aos Estados Unidos e à Ingla­ter­ra, para entender o funcionamento das charter schools e das academies. Vimos como funciona todo o sistema, bem como a fiscalização. Na Inglaterra, na parte de inspeção e fiscalização das escolas, o presidente do Ofsted [sigla para Office for Standards in Education, ou Es­critório de Padrões na Educação, em português] é mais importante do que o ministro da Educa­ção. Esse presidente do Ofsted despacha diretamente com a rainha, é indicado por ela. O ministério define as políticas e suas me­tas e precisa apresentar os re­sultados ao serviço de inspeção.

Euler de França Belém – E a sra. considera que realmente haverá um ganho para a educação?
Estamos muito bem preparados e qualificados e temos a certeza de que será bom para os alunos – aliás, para eles e para os professores. Por quê? O professor que é concursado mantém todos os seus direitos, ninguém será prejudicado. Já o professor que é temporário terá um contrato muito melhor. Como secretária, eu falo abertamente que o contrato que temos para os temporários é uma vergonha, muito precário, não tenho por que não dizer isso. Mas é uma lei, de 2012, que não posso mudar. Por esse contrato, o professor pode ser demitido a qualquer momento e não recebe o piso salarial.

Cezar Santos – É mesmo muito precário…
Muito precário. As OSs vão fazer um processo seletivo e quem hoje está nas escolas poderá participar. A partir de então, vai contratar os atuais temporários pelo regime da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], com todos os direitos trabalhistas garantidos – 13º salário, FGTS etc. Pela regra da Seduce, é preciso haver pelo menos o piso correspondente ao nível do profissional. Assim, quem tem graduação vai começar com o mínimo de R$ 2,8 mil, coisa que o temporário não tem hoje. E nada impede que a OS crie uma carreira via CLT que pode ser extremamente positiva. Há um certo receio da parte dos professores em geral de que, se não for por concurso, não existe uma carreira de prestígio. Isso é um equívoco. Basta pegar alguns exemplos: Embrapa, Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc., todas com prestígio e bons salários, alguns até altos. Ou seja, há salvação fora do concurso público, inclusive para o magistério. Por isso vejo que será muito melhor para os professores temporários.

Augusto Diniz – E por que será melhor também para o estudante?
Primeiramente, porque vão sobrar recursos para investimentos que hoje o Estado não tem como fazer. Vamos passar às OSs exatamente o mesmo quantitativo que temos gastado hoje com as escolas. As 23 unidades de Anápolis custam atualmente R$ 351 por aluno. É o que vamos passar às organizações sociais, nem um tostão a mais.

Euler de França Belém – Falam que vai ficar mais caro…
Zero de mais caro (enfática). Basta acessar a internet para entender isso, olhar o que se gasta hoje com educação. Aliás, vai achar que se gasta mais hoje do que se gastará. Se fizer essa avaliação “grosso modo”, com a conta do que o Estado gasto pelo número de alunos que tem, chegaremos à média de R$ 388 por aluno. Mas estamos fazendo essa conta por microrregião. Em Aná­polis, se gastam R$ 351, abaixo da média. E é isso que vamos repassar.

Euler de França Belém – E como vocês imaginam que as OSs vão dar conta de administrar esses recursos?
Estamos calculando em torno de 30% de economia somente com água e energia. Para ter ideia, eu recebi da diretoria financeira uma conta de água de uma escola que tinha o mesmo valor da soma das contas de água do bairro inteiro. Quando a diretora foi chamada disse “ih, até esqueci de falar, mas faz três anos que está assim, os canos vazam demais”. Há um desperdício desses porque a escola não paga diretamente à Saneago, é a secretaria centralizada. Ou seja, esse valor desperdiçado fica diluído no todo. E há desperdício com tudo – água, energia, merenda etc.

Cezar Santos – E onde a OS vai ganhar dinheiro?
Hoje, cada diretor recebe o dinheiro e compra individualmente o que a escola precisa – material de expediente, inclusive. E a escola geralmente paga mais caro, porque quem vende sabe que pode demorar a receber. Já a OS vai ter o dinheiro na mão e, ao invés de comprar material de expediente para uma escola, vai fazer isso para muitas e poder trabalhar com escala, podendo fazer uma negociação antecipada de preços.

Um diretor gasta, na forma com que a gestão acontece hoje, 97% de seu tempo resolvendo problemas como uma descarga que deu problema, uma infiltração na parece, uma obra na quadra de esportes. O Brasil é o único lugar do mundo em que diretor faz as duas funções, administrativa e pedagógica. O diretor deveria estudar para ajudar o aluno aprender. Sem se preocupar com a administração, vai focar no processo de ensino-aprendizagem, vai poder assistir às aulas de seus professores e acompanhar o desempenho das turmas. E a OS vai ajudar o diretor nisso. Por exemplo, se uma criança está com problema de aprendizagem e ela tem uma família de nível socioeconômico elevado, o pai pode contratar um professor particular. Só que no Estado ainda não existe isso, mas a OS vai poder fazer. O diretor ou a diretora pode conversar e requerer um professor para dar um mês de aula. Essa flexibilidade a OS pode ter, o Estado, não.

Tenho certeza de que, quando a gestão por OSs entrar em operação, os alunos vão sentir o benefício. Desde que prometeu um computador por aluno, o governador Marconi Perillo nunca conseguiu efetivar o compromisso por causa dos recursos que travam as licitações. Por meio das OSs há um processo mais direto que vai dar uma qualidade de prestação de serviços e de equipamentos sem precedentes.

Governador Marconi Perillo e a secretária Raquel Teixeira em missão na Europa | Foto: Marcos Villas Boas

Cezar Santos – No ano letivo de 2017, quantas escolas estarão sob a regência das OSs no Estado?
Já era para ter começado nessas 23 escolas em janeiro, e estávamos com um chamamento para outras 27. Ficamos até agora aguardando esse resultado e estamos finalizando o segundo mês do ano. Vamos fazer imediatamente a implantação em Águas Lindas e Luziânia. Estamos com um chamamento bastante adiantado para Goiânia e o entorno da capital. Creio que consigamos cobrir este ano cinco macrorregiões e 170 unidades, com certeza.

Marcos Nunes Carreiro – Com o regime CLT, é provável que os professores temporários terão aumento salarial…
Não é provável, é certeza.

Marcos Nunes Carreiro – Mas como hoje o Estado, que não consegue arcar com esse aumento salarial, vai conseguir por meio da gestão por OSs?
Inicialmente, para fazer um ajuste salarial para os temporários do Estado todo, teria de mudar a lei e isso implicaria um número muito grande de pessoas. A OS trabalhará com um número menor de pessoas e certamente conseguirá economizar para pagá-los melhor.

Marcos Nunes Carreiro – Vai haver uma redução do número de professores temporários, em princípio?
Estamos contando com uma otimização. Quando comecei a estudar a situação do sistema educacional hoje, eu entrava em uma escola do interior e via, por exemplo, um 6º ano A matutino com 10 alunos e um 6º ano B com 8. Eu ligava para a diretora e perguntava por que não juntava as turmas. Geralmente a resposta vinha com justificativa em relação à rotina dos pais, mas o que havia mesmo era que, se unisse as duas turmas, teria dispensa de professores temporários. A OS não vai permitir esse tipo de coisa, obviamente. Haverá ganho de otimização de espaço e de pessoal, o que é positivo, porque as pessoas precisam começar a entender que, com menos gente, é possível melhorar o salário.

Euler de França Belém – A sra. passava a impressão de ter restrições às OSs nas escolas públicas. Isso procede?
Eu tinha muito receio e até hoje isso acontece, porque ainda temos um número pequeno de boas OSs. Eu temia primeiramente que não houvesse instituições gabaritadas para a gestão; em segundo lugar, não era um modelo que existisse no Brasil, em­bora eu conhecesse as escolas charter e experiências na Europa – todo país do mundo tem pelo menos de 10% a 30% de governança des­se tipo, embora não em 100% da rede; outro ponto é que eu conheço a legislação brasileira e não via como conciliar a gestão democrática com a escola charter, em que o diretor é indicado e tem autonomia para fazer o que quiser.

Com o tempo, fui vendo a possibilidade de ajuste. Fui conquistada a partir do momento em que vi que temos de conciliar o que há de mais bonito na escola – que é a gestão democrática, a relação do aluno com o professor, o processo de ensino-aprendizagem etc. – com uma governança que facilita o trabalho pedagógico. Até então eu não vislumbrava isso. Tenho muito orgulho do modelo que criamos, pois tem muita participação dos professores. Temos um documento sobre a governança na escola, com a convivência da OS com a diretoria da escola – afinal, quem seria a autoridade? Pois os próprios diretores da rede, em seminários e reuniões, fizeram um documento para mim, sugerindo como seria essa governança. É uma questão hoje pacificada na rede.

Sou muito sincera e transparente e digo que minha responsabilidade maior é com o aluno, com o professor e com a escola. Tenho um compromisso de vida e não passaria uma escola para uma OS se não tivesse a certeza de que a experiência nova seria melhor. Lá atrás, eu confesso que não tinha essa certeza, pois não imaginava como conceberíamos esse modelo. Agora, vejo que é um modelo que vem para ficar. O Banco Mundial não se interessou por ele à toa. Goiás não tem empréstimo com a instituição, não há dinheiro envolvido, mas eles se propuseram a fazer por uma questão simples: acreditam no modelo que nosso Estado concebeu e sentem que têm um “case” para apresentar não só a outros Estados, mas também em outros países – a Ásia e a África estão procurando modelos, porque existe um problema de governança. Há uma demanda por serviços públicos muito grande nos países emergentes.

Augusto Diniz – Por que isso ocorre?
Quando fiz ensino médio, apenas 10% da população chegava nesse nível. Hoje, tanto no Brasil como nos outros emergentes, só não é 100% porque alguns são reprovados ou abandonam, mas a oportunidade é para todos. Essa demanda universalizada – graças a Deus, porque indica que houve uma democratização das oportunidades – tem um custo que os orçamentos não conseguem cobrir, a não ser com uma gestão séria, eficiente e produtiva. A escola vai ter de aprender a fazer isso.

O conselho escolar é uma questão. Tem autonomia, com CNPJ próprio e recebendo recursos do MEC [Mi­nis­tério da Educação]. Quando eu fui ao MEC, à época – lembrando que o mi­nistério acompanhou etapa por etapa esse nosso projeto –, conversei com o coordenador dos conselhos escolares falou que seria muito bom ter a OS na escola, para ajudar os conselhos a se profissionalizar, principalmente no que diz respeito à prestação de contas.
Um exemplo que ele me deu, em 2015, foi de que qualquer escola teria como captar do MEC, por meio do conselho, de R$ 400 mil a R$ 500 mil por ano, mas a escola que conseguiu mais tinha chegado a apenas R$ 50 mil. Isso ocorre porque as escolas não sabem buscar recursos, ficam inadimplentes, não conseguem prestar contas. Então, até para isso a presença das OSs será positiva.

Euler de França Belém – A sra. acredita que, quando as primeiras OSs forem implantadas, vai acontecer o mesmo que hoje ocorre com os colégios militares, uma procura intensa da sociedade?
Claro, tenho certeza. As escolas geridas por OS vão virar objeto de desejo (risos).

Augusto Diniz – A desconfiança inicial de que as OSs poderiam ser uma forma de privatização do ensino não partiu exatamente desse desconhecimento do modelo? A FGV [Fundação Getúlio Vargas] chegou a ser procurada pelo governo para consultorias.
A FGV foi importante para nos aju­dar a montar o modelo e até a quebrar essa visão de que a OS seria inconstitucional. Hoje acho que essa etapa está superada. O que seria privatização? A entrega da escola para um grupo privado que fosse cobrar mensalidade e tivesse lucro com aquilo. A gestão das OSs na saúde mostrou isso, que não houve privatização: ninguém atendido paga um tostão sequer. É isso que caracteriza o serviço público: a não cobrança, o caráter gratuito, e ser aberto para todos.

Falam ainda em terceirização, o que também refuto. Uma empresa de higiene ou limpeza não tem nada a ver com um órgão como a Seduce. Não há convergência de interesses, então é apenas uma prestação de serviços. Na OS, não: o conceito é de uma parceria, quase um convênio, porque a OS tem interesse na educação, tem metas a atingir e quer contribuir no processo. O que tenho visto é que a maioria delas quer ir além e dar uma contribuição à educação pública, até mesmo por marketing ou outra coisa.

Eu trabalhei por um tempo na Fundação Jaime Câmara, sem fins lucrativos, e percebi a desconfiança que há de que alguém vai ganhar dinheiro com o terceiro setor. Ora, a empresa – Itaú, Lehman etc. – ganha dinheiro na atividade empresarial dela e tem uma atividade sem fins lucrativos, via terceiro setor, que é o desejo de seus donos de contribuir com a sociedade. Então, a ideia da OS é de terceirização, mas de parceria mesmo, de lutar para a escola melhorar. Só que isso ainda não é bem entendido.

Euler de França Belém – Em outros Estados, talvez por conta da crise, está havendo a volta de parte dos alunos da classe média para a escola pública. Esse fenômeno é registrado também em Goiás?
Sim. Não saberia dizer qual o porcentual, porque só agora vamos fechar de vez a janela das matrículas, mas esse fenômeno está confirmado: a classe média está retornando para a escola pública, seja pela questão financeira, seja pelo ensino estar se firmando novamente. O 6º lugar do curso de Medicina na UFG, no ano passado, foi de um menino que estudou em um colégio estadual do Jardim América da 6ª série ao 3º ano do ensino médio. Este ano, um aluno de nossa rede, de Águas Lindas, tirou o 1º lugar do curso de Engenharia Mecatrônica na Universidade de Brasília (UnB), com uma nota no Enem que poderia escolher qualquer curso no Brasil inteiro. Claro, são casos isolados, mas importantes.

Euler de França Belém – Nesses 18 anos em que esse grupo está no poder, percebe-se que a educação no Estado deu um verdadeiro salto de qualidade?
Sem dúvida. Eu estava aqui em 1999, quando só 32% dos professores tinham curso superior. Hoje são 100% e todos financiados pelo próprio Estado, por meio da Licenciatura Parcelada na UEG [Universidade Estadual de Goiás], que criamos em 2000. Um salto qualitativo muito grande. O índice de evasão escolar, que era de 30% a 40%, hoje está na faixa de 4% a 5%. Continuamos com muitas dificuldades, mas o nível de escolaridade da população em geral hoje é muito maior.

Euler de França Belém – Quando o Bolsa Família foi implantando no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), tinha a ver com a frequência escolar. Depois, nos governos do PT isso acabou, ao que consta. Como a sra. viu isso?
Foi lamentável, porque essas políticas compensatórias só têm sentido se houver contrapartida. Então, o Bolsa Família precisava dessa contrapartida. Ultimamente, esse retorno foi retomado, por causa das muitas críticas e da intensa reclamação. Mas ocorre que os mecanismos de fiscalização são muito pouco eficientes. Em Goiás e em Brasília, com o Salário Escola e o Bolsa Família, respectivamente, essa fiscalização era melhor. Isso precisa existir.

“Reforma do ensino médio precisava acontecer”

Cezar Santos – O que a sra. pode dizer da reforma do ensino médio, recentemente aprovada?
A crítica que se faz à reforma do ensino médio é completamente descabida. Ela era necessária e tinha mesmo de acontecer. Atacaram a forma – por ter sido feita por medida provisória (MP) – e não o conteúdo. Mas por que o ministro Mendonça Filho (DEM-PB) resolveu proceder assim? Porque havia um projeto de lei tramitando na Câmara desde 2013, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), tratando da matéria. A MP foi praticamente uma cópia do projeto que foi discutido de 2013 a 2016, com sindicatos, universidades e com a sociedade em geral. Mas, se não fosse por MP, não teríamos sancionado a lei ainda, por conta de não ter como pôr na pauta um tema assim em uma conjuntura como a atual.

Euler de França Belém – Mas o que essa reforma vai poder melhorar?
Se compararmos as notas do ensino médio de 1997 às de 2015, veremos que as de 1997 são melhores, em português e matemática. O resultado do sistema que temos é que apenas 10% dos alunos que concluem o ensino médio sabem o que deveriam saber em matemática – isso contando escola pública e privada juntas, somente na pública são 8%. Da mesma forma, apenas 14% sabem o que deveriam saber em português. A Prova Brasil classifica três tipos de desempenho: baixo, adequado e alto. Apenas 0,8% tem nível alto em matemática e 50% de quem entra no 1º ano do ensino médio não conclui os três anos. Não pode ser bom um ensino assim. E uma pesquisa sobre evasão escolar – de Marcelo Neri, economista e ex-presidente do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] revela que 43% abandona o ensino médio por desmotivação intrínseca. Ou seja, o aluno não vê sentido naquilo que faz ali. Ele abandona o ensino médio porque fazer 13 disciplinas obrigatórias, iguais para todos os alunos, é desanimador. Não é um curso que responda ao que o aluno precisa. Então, a primeira coisa de que o ensino médio precisa é de flexibilidade. Essas 13 disciplinas obrigatórias para todas as profissões é uma jabuticaba que só existe aqui e que já está provado que não deu certo.

Augusto Diniz – Como será essa flexibilidade?
No primeiro ano e meio, o foco será em língua portuguesa, matemática e inglês. Por quê? Língua portuguesa e matemática não são apenas disciplinas, mas ferramentas de vida. Quem domina leitura, escrita, cálculos etc. está preparado para fazer qualquer coisa na vida, tem o famoso pensamento lógico e crítico – é o que se consegue com português e matemática. E por que o inglês? Porque hoje o Brasil está isolado do mundo por não ter uma população com capacidade de falar inglês. Das 200 melhores universidades, nenhuma é brasileira. A USP [Universidade de São Paulo] e a Unicamp [Univer­sidade Estadual de Campinas] já integraram essa lista, mas foram sendo excluídas por falta de internacionalização. Nenhuma tem curso oferecido em inglês e o que caracteriza o dinamismo intelectual hoje é a pesquisa conjunta, a troca, a coletividade. E o inglês é a língua intelectual. Em 1987, fiz um pós-doutorado na França, na École des Hautes Études, tradicionalíssima – em inglês. Minha filha está na Holanda, fazendo mestrado, e nunca teve uma aula que não fosse em inglês.

Euler de França Belém – O inglês é o esperanto que deu certo.
Sim, é a língua acadêmica, intelectual e dos negócios. E se o Brasil não jogar pesado, dando oportunidade e direito à população de falar inglês, vamos continuar excluídos.

Euler de França Belém – E quanto às demais disciplinas?
Esse será o espaço em que o aluno poderá escolher ter disciplinas que contribuam para sua formação profissional. Dizer que com 15 anos ele não saberá o que fazer não é verdadeiro, já que no mundo inteiro o procedimento é esse. O Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] é o instrumento de avaliação e comparação entre os sistemas educacionais do mundo e mede o desempenho de língua, matemática e ciências com alunos de 15 anos, porque não dá para comparar depois disso, é o limite de disciplinas em comum.

Por isso, com a reforma, o aluno passa a ter, já a partir do 1º ano, cinco itinerários diferentes: linguagens, matemática, ciências sociais, ciências da natureza e formação profissional. Essa última é algo fantástico, porque hoje o aluno faz 2,4 mil horas do ensino médio propedêutico, esse das 13 disciplinas, sem aprender praticamente nada, para depois fazer as disciplinas profissionalizantes. Agora, já poderá fazer desde o 1º ano uma disciplina chamada Pro­jeto de Vida – que já estamos im­plantando em 41 escolas de Goiás.

Augusto Diniz – O que é esse Projeto de Vida?
Um aluno pode querer ser médico, professor ou técnico em edificação. De forma orientada, vai se discutir o que ele quer na vida. Ele pode querer ser técnico, sem que se descarte que, no futuro, ele faça engenharia. No ensino médio, vai escolher as disciplinas que o ajudarão a ser um bom técnico em edificação. Outro dado importante e preocupante é que só 18% dos jovens de 18 a 24 anos fazem curso superior. Ou seja, 82% deles ficaram sem concluir o ensino fundamental ou sem concluir o ensino médio. Isso é um porcentual da juventude que vai para o mercado sem a devida qualificação e, pior, fica à mercê da criminalidade. O que nos países avançados é uma rotina – ensino médio, depois faculdade, depois emprego formal – aqui é exceção. Por aqui temos como rotina o emprego informal, o desemprego, a inatividade e a criminalidade. Está errado. Isso é perverso com os jovens e com o Brasil, que fica com baixa produtividade e tem gastos altos com políticas assistencialistas e com o combate às drogas.

Euler de França Belém – Por que a nota de Goiás no Ideb caiu?
Na verdade, nossa nota não caiu, foi a de Pernambuco que subiu. Continuamos com 3,8, enquanto os pernambucanos avançaram para 3,85. Goiás não saiu do patamar de 2013.

Marcos Nunes Carreiro – E qual a razão do avanço de Pernambuco?
Foi o investimento maciço em escolas de tempo integral, algo que a reforma também traz – o estímulo à educação em tempo integral. Pernambuco hoje tem 45% de suas escolas de ensino médio em regime integral. Para ter ideia, Goiás tem 3% apenas. De 625 unidades de ensino médio, tínhamos 21 com tempo integral, agora avançamos para 41.

Pernambuco fez a aposta no regime integral e saiu lá de baixo para cima no ranking do Ideb. Mostrou resultado, mas não é satisfatório tem 3,8 como nota. Eles estão ruins, nós estamos também, o Brasil inteiro. Basta pensar que apenas 0,8% dos alunos alcançam alto desempenho.

Euler de França Belém – Ao todo são quantas escolas em tempo integral?
São ao todo 176 escolas, mas apenas 41 no ensino médio, as demais estão com o fundamental.

Euler de França Belém – Dizem que as notas do Ideb poderiam ser maquiadas. Isso pode existir mesmo?
Isso é ficção. A prova é dada pelo MEC. O que foi mecanismo passível de manipulação? Primeiramente, o porcentual de alunos que participam. Algumas escolas privadas fizeram o seguinte criaram turmas para as avaliações nacionais (Enem, Ideb etc.) e selecionavam os melhores. Todo teste pode sofrer maquiagem e isso é um risco no mundo inteiro. O Ideb é um conjunto de dois índices: a nota e o fluxo, que é o porcentual de alunos aprovados. Se for mal-intencionado e quiser mexer no fluxo, há mecanismos também. Acho que isso já foi feito, mas estamos avançando e vendo que isso não vale a pena. Melhor investir no aprendizado do aluno.

Euler de França Belém – Conte mais sobre o “Aprender Mais”, publicação da Seduce que serve como material complementar.
Primeiramente, não é um livro que substitua o livro didático. As pesquisas mostram que muitas das dificuldades que o aluno tem vêm de problemas com a didática. Imagine que o professor chegue à sala e escreva, no canto do quadro-negro, que o tema é poema como gênero textual. Ao fazer seu planejamento, o professor precisa saber o que espera do aluno com aquele conteúdo. Isso é um trabalho difícil, e o “Aprender Mais” é um apoio, oferecido ao educador que quiser usá-lo, não é obrigatório. O livro serve para monitorar as expectativas de aprendizagem que devem ser atendidas para aquela unidade.

Por que é importante que o professor se familiarize com esse material? Porque a época de decorar para passar acabou, não existe mais. Os testes – Prova Brasil, Prova Goiás, Ideb, Enem etc. – cada vez mais testam a capacidade de o aluno saber usar os conhecimentos que absorveu dos conteúdos em situações específicas. Ou seja, fazer generalizações, formular hipóteses, fazer análises, ter senso lógico, tudo isso é muito difícil vivenciar em sala de aula. O que esse material faz é ajudar o professor a saber o que esperar do aluno, quais os descritores que ele tem de desenvolver, quais atividades encaminhar. O professor vai ganhar tempo e ter uma capacitação, uma formação continuada. Hoje a gente sabe que essa formação é muito melhor quando feita no “chão da escola”, para os problemas da sala de aula. É muito interessante que ele faça um curso fora, mas é outro objetivo. Esse material permite tudo isso, cobre lacunas prévias e não avança no conteúdo sem dar o conhecimento anterior necessário.

Euler de França Belém – E esse material já foi distribuído?
Sim, foram caminhões e caminhões. A receptividade foi ótima, teve festa entre alunos e professores, ficaram felizes, realmente.

Euler de França Belém – Houve uma polêmica sobre as subsecretarias. Vários municípios protestaram contra a redução delas. Como ficou isso?
Em 2015, a Secretaria da Fazenda (Sefaz), com Ana Carla Abrão à frente, contratou a consultoria da empresa Falconi, para fazer um estudo de otimização da máquina estadual. Uma das primeiras coisas detectadas foi o excesso de regionais no Estado. Em média, no Brasil, há uma regional para cada 70 ou 80 escolas. Em média, Goiás tinha uma regional para cada 25 escolas. Tínhamos o 3º pior lugar e a consultoria viu nisso um foco de eventual desperdício. Desde então, apesar de Ana Carla cobrar uma posição, a decisão foi sendo protelada, porque se imaginava realmente uma reação política contra a medida de redução.

No fim do ano passado, os governadores fizeram o compromisso com o plano de austeridade. Então, o governador Marconi me chamou para que procedêssemos a implantação das sugestões da Falconi. Chegamos ao número de 15 subsecretarias por critérios puramente técnicos, levando em consideração número de alunos e de escolas, a distribuição geográfica, acessibilidade e a própria situação econômica do município. Cruzando os dados, estabelecemos essas 15 cidades. Somente o governador e eu conhecíamos quais eram e, obviamente, ele teve em aberto a opção de fazer algum ajuste político naquele momento, mas escolheu o critério técnico.

A partir daí, houve uma reação política e o governador pediu para que eu fizesse um estudo técnico também para essa situação. Chegamos à conclusão de propor um novo modelo, que já está com a Casa Civil e deve seguir para a Assembleia Legislativa logo após o carnaval. Com essa proposta, acho que vamos sair muito fortalecidos, porque caminha muito para a profissionalização e o caráter técnico nas regionais. Não dá para fazer política nos termos antigos com educação. É o futuro do País que está em jogo e vemos o que temos hoje.

Cezar Santos – Que programa de educação infantil é esse que o Estado está desenvolvendo?
O principal programa do governo Marconi Perillo é o Goiás Mais Competitivo e Inovador. Um dos projetos dentro desse programa é sobre educação infantil, que seria uma responsabilidade dos municípios, em tese. Ocorre que a educação em qualquer nível deve ser assunto de todos os gestores – afinal, estamos tratando do capital humano que fará o País avançar.

Mas qual é a situação da educação infantil em Goiás hoje? No ranking da oferta de vagas em creches, estamos em 22º lugar; se for um ranking de pré-escola, estamos em 19º lugar. Ou seja, para um Goiás que quer ser competitivo e inovador, a gente não está bem. E por que esse nível seria importante? Porque todas as pesquisas mostram que o investimento em educação infantil é o mais importante que existe. É a partir daí que se estabelece a desigualdade no Brasil. Uma criança de 2 anos, de uma família rica, que vai para a escolinha e brinca com massinha, desenvolve habilidade motora e trabalha com quadrados, círculos, cores, números etc. terá habilidades cognitivas que a favorecerão no processo de aprendizagem. Já uma criança pobre que fica em casa quando for para a escola já terá um nível de defasagem cognitiva muito grande em relação àquela outra criança.

Cezar Santos – Isso causa muita diferença?
Para ter ideia, há um trabalho muito interessante com número de palavras. Uma criança de 4 anos de família rica e que tenha acesso a escolinha e seja estimulada com historinhas à noite, vai ter ouvido, com essa idade, cerca de 40 milhões de palavras; uma criança de classe média, com atendimento médio, em torno de 26 milhões de palavras; uma criança que fique em creche assistencial, no estilo “depósito”, vai ter ouvido a metade disso, 13 milhões.

É possível hoje calcular o desempenho da criança no 4º ano do ensino fundamental, pelo nível de vocabulário e linguístico que ela tem. Para ver a importância da educação infantil, já foi provado que, para cada dólar investido nela, há o retorno de 7,16 dólares de retorno. Há um experimento famoso em Michigan que acompanhou 123 crianças durante mais de 20 anos, a partir da pré-escola até os 27 anos. E tinham um grupo de referência que não teve pré-escola. Aos 27 anos, qual era o resultado? Aqueles que tinham tido pré-escola, possuíam maior nível de escolaridade, maior renda, maior estabilidade no trabalho, mais casa própria e menor índice de dependência química e de prisões.

Cezar Santos – Isso é interessante.
Por isso, o Estado está de olho nesse retorno: quem investe em educação infantil, terá no futuro que investir menos em políticas compensatórias. O governador entendeu que, para Goiás ser competitivo, precisava apostar nisso. Selecionamos dez municípios que juntos são responsáveis por 60% da demanda abaixo da necessária para creche e 65% abaixo da necessária para a pré-escola. O governador chamou esses dez prefeitos até o Palácio e todos entraram nesse projeto. Conversamos todos com o ministro da Edu­ca­ção. O que será feito: independentemente desses 10 municípios, há 39 em Goiás que não tem creche, tem zero de oferta para educação infantil. Então, o governo tomou a decisão de construir uma creche em cada um desses municípios. Depois da creche construída há ob­viamente o problema da manutenção. A legislação hoje tem vá­rios equívocos, desde o projeto ar­quitetônico oferecido, que custa R$ 4 milhões. Não precisamos disso. Outra questão é a exigência de pedagogo para estar nas creches. Isso encarece o processo. Uma unidade custa R$ 2,5 mil por criança e o prefeito recebe R$ 351 do Fundeb [Fundo para o Desenvol­vi­mento da Educação Básica]. O resto as prefeituras têm de complementar e, por isso, os gestores nem procuram. O ministro já pediu es­tudos de alternativas, o que já há. No Rio Grande do Sul, que mais atende à demanda, faz uma política de convênios, não tem creche própria. Brasília tem um dos maiores programas de voucher para educação infantil no Brasil, há 54 mil crianças matriculadas dessa forma, em creches onde sobraram vagas. O governo de Brasília cobra a vaga na creche por R$ 451, em vez de investir R$ 2,5 mil por vaga.

Cezar Santos – O governador Marconi Perillo vai entregar essas creches ainda no mandato dele?
Sim, está acertado e ele já deu ordem para sua entrega.

Cezar Santos – E como é o investimento do Estado em relação à educação nos municípios?
Educação é igual futebol no Brasil, todo mundo acha que entender (risos), mas tem muita coisa equivocada. Por exemplo, todos acham que o Fundeb é di­nheiro que vem do governo federal, mas não tem um tostão da União no fundo. Quem o sustenta é o Estado, mas nem os prefeitos sabiam disso. Quando mostrei a eles os números de 2016, ficaram surpresos. No ano passado, o Estado entrou com R$ 2,790 bilhões, dos quais usamos R$ 1,9 bilhão em nossas escolas. O restante, R$ 870 milhões, foi a contribuição do Estado para os municípios. É um fundo contábil que redistribui os recursos de acordo com o número de alunos. A União só entra quando o Estado não atinge sozinho o nível per capita do custo do aluno, o que só ocorre no Norte-Nordeste.

Marcos Nunes Carreiro – Em Hidrolândia, há escolas da rede municipal que têm o 6º ano municipal, que deveria estar com a rede estadual. A Seduce tem esse mapeamento?
Sim. O município pode ter esse nível de ensino, não há nada contra. A LDB fala que a educação infantil é responsabilidade exclusiva do município e o ensino médio é, da mesma forma, atribuição do Estado. Sobre o ensino fundamental, a responsabilidade é compartilhada entre Estado e município. Não há uma regra sobre como isso deva ocorrer. No Ceará, por exemplo, o Estado não tem nenhuma turma de ensino fundamental, lá a rede estadual só oferece o ensino médio.

Aqui em Goiás, resolvemos da seguinte forma: o município fica encarregado do 1º ao 5º ano e o Estado do 6º ao 9º ano. Não é nem pela questão dos custos – porque a 2ª fase é muito mais cara –, mas pelo foco no nível de escolaridade. Nos primeiros anos, ainda há a figura da “tia”; a partir do 6º ano, há já um pré-adolescente, com disciplinas específicas e um professor para cada matéria. Mas não há obrigatoriedade: o Estado ainda tem 40 mil alunos de 1º a 5º ano. Eu gostaria de mu­ni­ci­palizar esses alunos, mas os prefeitos não se acham em condição de assumir isso agora. É preciso ter parceria e relativizar as cobranças.

Secretária Raquel Teixeira durante entrevista ao Jornal Opção | Foto: André Costa

“Começamos 2017 sem dívida na área da cultura”

Euler de França Belém – Como está a situação hoje da Lei Goyazes e do Fundo de Cultura?
Eu creio que não haja reclamações atualmente, isso é uma etapa vencida. Na cultura, teve uma coisa que nunca tinha ocorrido: começamos 2017 sem nenhuma dívida, tudo estava absolutamente pago. Estamos trabalhando com os recursos para este ano.

Euler de França Belém – Para que finalidade é a Lei Goyazes?
É a versão goiana da Lei Rouanet, ou seja, é de incentivo fiscal e precisa captar o que a empresa pagaria de ICMS para a Fazenda é canalizado para projetos culturais. O Fundo de Cultura é diferente, são recursos maiores, do Estado, a fundo perdido, que têm editais separados – para música, patrimônio, audiovisual etc. Há também um fundo só para municípios, para incentivá-los. Em 2015, quando assumi, os critérios estavam pouco definidos. O grande trabalho foi fazer uma plataforma para que o processo fosse todo digital. O nível de dificuldade era de outra natureza, porque tinha produtor cultural e artista que não sabia lidar com computador.

Temos hoje pareceristas externos, que são convocados e tudo corre de forma anônima, o que é importante para um julgamento imparcial. O que há ainda há de reclamação é a alegação de que um parecerista externo não conhece Goiás e o trabalho desenvolvido aqui e faria, assim, uma avaliação inadequada. O que ocorre, porém, é que há uma demanda muito grande, como nunca houve, mas queremos fazer os ajustes necessários. Continuamos abertos a receber os artistas.

Euler de França Belém – Procede que o Fica [Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, realizado anualmente na cidade de Goiás] ficou esvaziado?
O que poderia ser chamado de esvaziamento? Talvez o fato de termos acabado com os shows de nomes nacionais. O Fica não foi criado para receber shows de artistas nacionais. O foco está claro: é o audiovisual e a questão ambiental. Ocorre que as pessoas estavam indo para lá para ver show. Houve um desvirtuamento da concepção original do Fica, o que resgatamos agora.

Euler de França Belém – E para 2017, como está o Fica?
O edital voltou esta semana da Controladoria-Geral do Estado (CGE) com algumas considerações, mas está pronto.

Euler de França Belém – Como está a situação da biblioteca do Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON)? Ela vai sair mesmo do papel?
Pode ter certeza de que vai sair. A biblioteca terá acervo adquirido com recursos do Detran. Haverá um investimento em livros da ordem de R$ 2,5 milhões, para um acervo de 60 mil exemplares, sendo dois exemplares de cada título. No total, o valor da biblioteca será de R$ 5,5 milhões.

Euler de França Belém – É verdade que o local da biblioteca não suporta um peso grande, porque o prédio poderia cair?
Isso é mito (enfática). A decisão de não ocupar o segundo piso com a biblioteca não tem nada a ver com a fundação e a estrutura, mas com a necessidade de uma biblioteca virtual hoje em dia. É bom saber que lá não é uma biblioteca geral, mas de arte, de cultura, com livros específicos. Em 2015, a primeira coisa que eu fiz foi chamar o grupo da UFG que trabalhava com a seleção dos livros. Conversei com os professores e havia uma equipe montada. A Se­cre­taria de Cultura, naquele momento, não tinha recursos para a biblioteca. Os livros custam R$ 5 milhões e o pró­prio prédio precisou de R$ 9 milhões, que vão sair agora, para uma reforma.

Cezar Santos – E qual é o problema do CCON?
É o mesmo de qualquer obra de Os­car Niemeyer. Não há saída de emergência, não tem segurança, uma série de exigências que a legislação atual requer, mas que os herdeiros não permitem que sejam feitas. De­pois do acidente da boate Kiss [tragédia ocorrida em 2013, em Santa Ma­ria (RS)], o Corpo de Bombeiros não abre mão de nada, ficou muito mais rigoroso. Então temos o rigor dos bombeiros de um lado e a intransigência da família Niemeyer de outro.

Euler de França Belém – Mas a família não está acima da Justiça.
Agora conseguimos o acerto e a reforma vai sair, em cerca de três meses.

Euler de França Belém – É verdade que há muitas infiltrações no prédio?
Essa reforma vai resolver os problemas. Há infiltrações, que não podem ser nem muitas nem poucas, têm de ser nenhuma, pois é um prédio de obras de arte nas galerias, um acervo que não pode ter qualquer tipo de infiltração.

Euler de França Belém – E o cinema?
A sala vai ficar pronta agora e já tem o vencedor da licitação, que foi o grupo Lumière.

Marcos Nunes Carreiro – Em relação às bibliotecas em geral no Estado, quanto a Seduce investe, em termos de compra de livros?
Temos o Centro Cultural Marieta Telles Machado, cuja biblioteca atende bem o público que a procura. É bem frequentada e as pessoas usam bastante o espaço. Com toda a restrição financeira por que passamos, conseguimos adquirir livros bons, uma coleção que vai para 150 bibliotecas escolares, as quais estamos selecionando agora. Ano passado foram R$ 200 milhões só para reformas de escolas. Tivemos uma plataforma digital, o Goiás 360, que foi premiada internacionalmente e criamos o material “Aprender Mais”; criamos também a Avaliação Diagnóstica Amostral (ADA), que nos mantém bem no Ideb e nos fez avançar muito na área pedagógica.

Euler de França Belém – Por que a Cia. Quasar, que deu tão certo na iniciativa privada, virou estatal?
A companhia iria fechar, chegaram a encerrar as atividades. Houve um apelo ao governador e finalmente chegamos à conclusão de que uma saída para não deixar com que o fechamento acontecesse seria entender a Quasar como vemos a Filarmônica. Como riqueza cultural, é uma ótima referência ter uma orquestra e um corpo de dança do Estado.

Euler de França Belém – Como essa situação será resolvida legalmente com o Estado?
A própria Quasar está constituindo uma OS para entrar na disputa do edital para um corpo de dança. Pode até não ganhar, já que vamos fazer um chamamento de OS para a orquestra e para o corpo de dança. Mas creio que terão tudo para ganhar, pela experiência e pelo conhecimento que têm, só que haverá um procedimento formal e legal.

Euler de França Belém – E sobre a Orquestra Filarmônica, como está a questão?
Eu gostaria de já ter resolvido isso, mas os caminhos burocráticos são complexos. Mas já podemos publicar o chamamento para a OS da Filarmônica.

Euler de França Belém – E o Tenpo [Mostra Nacional de Teatro de Porangatu], como está?
Tivemos a mostra em 2015. No ano passado, não houve, mas ela volta este ano.

Euler de França Belém – Como está a revitalização da Praça Cívica?
O projeto teve várias etapas. A primeira foi passar todos os prédios para a Seduce, proibindo atividades administrativas. A PGE [Procuradoria-Geral do Estado] ainda está lá, mas já providenciando a mudança. A reforma vai começar pela antiga Chefatura, depois a PGE, depois o próprio Palácio das Esmeraldas, o Centro Cultural Marieta Telles e o Museu Zoroastro Artiaga, além do TCE [Tribunal de Contas do Estado]. Todos vão passar por revitalização, restauro e musealização, um processo novo, de recheio de cada um daqueles museus. O projeto vai custar em torno de R$ 83 milhões e vai haver uma passarela unindo esses prédios todos. Em cada um haverá algo: cinema, biblioteca, exposição de arte, área gourmet, restaurante etc. Será um espaço cultural, musical, gastronômico. Vai revitalizar o Centro. Vamos criar um circuito, a ponto de se tornar atração turística. As pessoas vão curtir o conteúdo que haverá nos museus da Praça Cívica.

Marcos Nunes Carreiro – O Cine Cultura entra também nessa obra?
Com certeza, vai ser reformado e modernizado. Todos os projetos são bem modernos e estão disponíveis em catálogo no MIS [Museu da Imagem e do Som].

Euler de França Belém – A Vila Cultural está funcionando bem?
Muito bem. Se você for lá agora, verá uma exposição comemorativa. Mas queremos intensificar as atividades na Vila Cultural.