Comandante-geral faz avaliação de seu trabalho à frente da corporação e aponta ganhos, da questão salarial ao desempenho dos colégios ligados à PM

CEL. SILVIO BENEDITO ALVES
Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

O coronel Silvio Benedito Alves é comandante-geral da Polícia Militar desde março de 2013 e não espera nem ser questionado para dizer como se sente na função. “Amo o que faço. Se pudesse, ficaria por mais dez anos como comandante. Não é um peso, é uma alegria”, resume. Filho de soldado, ele se orgulha de promover uma aproximação entre praças e oficiais.

Em sua gestão, a PM goiana viu o aumento dos grupos especializados, com o reforço da Rotam e a criação do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Várias políticas estão sendo adotadas para melhorar o atendimento à população, com maior incentivo ao policiamento comunitário.

Em entrevista ao Jornal Opção, Silvio Benedito fala da ascensão dos colégios militares e das dificuldades impostas pela legislação penal, se diz a favor da redução da maioridade penal e pede a criação do Ministério da Segurança Pública. E alerta: “Vivemos em um país onde a impunidade impera. As pessoas precisam ter certeza de que pagarão pelo erro que porventura cometerem.”

Euler de França Belém — As escolas militares são modelo, tanto que há uma grande disputa para ingresso nelas. O programa “Profissão Repórter”, da TV Globo, mostrou um preconceito entre os intelectuais, mas isso é algo generalizado em relação a essas escolas e aos próprios militares, que são acusados de antidemocratas sem que as pessoas os examinem do ponto de vista democrático. Como a Polícia Militar analisa a questão dos colégios militares? Vai levar mais unidades para o interior, já que todo município quer ter uma? E qual é o segredo do sucesso dessas escolas?
Os colégios militares nasceram de uma necessidade não nossa, mas da sociedade. O Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos tinha sido tomado por traficantes, marginais, que não deixavam os alunos assistirem às aulas. Eles invadiam e depredavam o prédio da escola. A primeira unidade foi concebida para atender aos filhos de militares. Num segundo momento, percebemos que dava para ser 50% para filhos de não militares. Instituiu-se uma seleção e, depois o Ministério Público fez um TAC [Termo de Ajuste de Conduta] para sorteios de vagas. O colégio militar dá condições para o filho da diarista concorrer em igualdade com o filho do empresário, em qualquer vestibular. E minha preocupação é de forjarmos cidadãos. Em momento algum queremos que os alunos virem policiais militares, a não ser os vocacionados e que tenham interesse. Queremos que saiam dali homens e mulheres de bem.

A educação transforma o ser humano. Sou exemplo vivo disso: filho de um soldado, engraxei sapatos, vendi picolé, fiz fretes na feira da Vila Brasília. Hoje tenho quatro pós-graduações, estou fazendo mestrado e sou professor da Uni-Anhanguera, no curso de Gestão em Segurança Pública. Foi a educação que me fez chegar ao maior cargo da corporação.

Pensam que estamos lá para ensinar a fazer continência e a marchar. Não é isso. Ensinamos boas maneiras, o que é certo e o que é errado, a fugir dos traficantes. Mas não queremos que os pais coloquem os filhos sob nossa tutela, para que fiquemos responsáveis por toda a formação. Não, os pais têm de estar juntos, e o conselho de pais lá é muito presente. As taxas, por exemplo, uma contribuição voluntária, quem faz seu controle é o conselho de pais, não são os diretores dos colégios militares.

A prova inconteste de que está dando certo é que, no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] de 2013, o 1º lugar do Brasil foi um garoto do Colégio Militar Hugo de Carvalho Ramos, que tirou 800 pontos. O nome dele é Gustavo Henrique Pereira da Silva, filho de um sargento nosso. Foi classificado em três universidades brasileiras para o curso de Medicina. Foram oferecidas a ele a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a USP [Universidade de São Paulo], e ele escolheu a UFG. Isso nos orgulhou muito, porque mostra que o caminho está certo. As notas do Ideb [Índice de Desen­volvimento da Educação Básica] de Goiás, hoje o 1º lugar no ensino médio, se devem muito também à parceria entre a Secretaria de Estado da Educação, a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar. Nossas notas foram muito boas. Temos alunos cuja média é 10, simplesmente 10. É fato que percebemos certo preconceito das próprias escolas particulares, que ganham muito dinheiro e estão perdendo alunos. Muitos saíram de escolas particulares, em que pagavam caro e estão em nossos colégios pagando contribuição de 50 reais mensais.

Quero aqui esclarecer sobre o kit fardamento ou kit uniforme: quando o aluno não tem condição de pagar, o próprio colégio doa, pegamos o uniforme de alunos que estão saindo, como doação voluntária. Outra questão: não fazemos propaganda, são as famílias que nos procuram. Para ter ideia, agora tínhamos 4 mil vagas e foram mais de 10 mil inscritos. É de forma espontânea que as pessoas vão atrás dos colégios militares. Tínhamos 4 mil alunos e fomos para 19,8 mil. Antes do meu comando, havia seis colégios; o governador determinou o aumento e hoje são 18 funcionando, com previsão de chegar a 25. Queremos aumentar em quantidade sem perder qualidade.

Elder Dias — Mesmo com mais unidades, a qualidade está mantida?
Sim, o governo fez uma jogada interessante. Convocamos oficiais e praças com formação pedagógica que estavam na reserva e os convidamos a trabalhar, com uma gratificação. O governador quer que em 2015 os colégios tenham diretoria só em nível de capitães e com policiais da reserva. Queremos manter o maior número de policiais nas ruas.

Marcos Nunes Carreiro — Como funciona a relação dos colégios militares com os professores? Eles são civis?
O professor é civil e vem da Secretaria da Educação. Quando assumimos a direção de uma escola, ele já está na unidade e tem interesse em continuar, porque, aí sim, percebe que haverá disciplina, organização, metodologia. Ele deixa de ser um professor que era maltratado e ameaçado para ser respeitado. Minha família sabe o que é isso, minha mãe foi professora, minha irmã é professora e eu sou professor. No colégio militar, o professor entra na sala e o aluno mais velho se levanta e faz a apresentação dele. Não tem nada demais nisso, pois é o professor que vai nos ensinar e nos dar oportunidade de mudar de vida, tem de ser respeitado. No Brasil, o professor é xingado. Isso está errado, claro! (enfático) Aí é que está nosso diferencial. De qualquer forma, os professores que não se adaptam a nossa forma de escola, como são concursados do Estado, podem procurar outro lugar, eles têm liberdade para sair.

Elder Dias — E tem tido alguma rejeição nesse sentido?
A maioria dos professores pede é para ficar, não querem sair de nossas escolas. Eles aprendem a lidar conosco e a amar essa forma de lidar com os alunos. No fim do ano passado ganhamos o 2º lugar da Olimpíada de Matemática na Índia e vi o amor dos professores, lutando para conseguir condições de viajar com os alunos, pagando as próprias passagens para estar juntos. Vi brilho no olho do professor, porque, quando o aluno vence, ele também se vê vencedor. Portanto, não temos dificuldades com os professores.

Elder Dias — Geralmente os professores da área de licenciatura têm uma tendência de esquerda. Não há dificuldade de adaptação com as regras do militarismo?
Trabalhamos com professores que cuidam de crianças. Os que vão dar aula para graduação ou pós-graduação é que são mais questionadores.

Elder Dias — A expansão dos colégios militares é vista de forma positiva pela população, o que evidencia que a sociedade anseia por mais disciplina. E ela está sinalizando isso também quando enche de votos nomes da segurança pública para o Legislativo? Afinal, o delegado Waldir Soares (PSDB) foi fenômeno para a Câmara dos Deputados, para onde se reelegeu o também delegado João Campos (PSDB); na Assembleia, a delegada Adriana Accorsi (PT) foi a 2ª mais votada. O sr. nota isso também?
Sim, e isso foi no Brasil todo. Aumentou muito na Câmara e no Senado o número de policiais. É um grito da sociedade sobre a questão da segurança, que inverteu o tripé de necessidades da população, ultrapassando saúde e educação. Todos querem ter pessoas da área da segurança no poder político. Por isso, sua pergunta é pertinente: foi realmente um recado para o País de que a segurança não vai bem. O Brasil tem Ministério da Pesca, mas não tem Ministério da Segurança Pública. Fui ao Canadá em 2003, um país de violência mínima, e lá já havia esse ministério que aqui não tem. Não tem e nem sei se será criado. Precisamos rever essa situação em um país onde a impunidade impera. As pessoas precisam ter certeza de que pagarão pelo erro que porventura cometerem.

Outra anomalia é nosso Código Penal, que é de 1940. Muitas vezes o policial está ainda na delegacia com alguém pego cometendo crime e já estão fazendo o relaxamento do flagrante. Isso é muito preocupante. Já chegamos ao cúmulo de prender a mesma pessoa 26 vezes. Estamos fazendo “resserviço”, prendendo sempre os mesmos indivíduos.
Em viagem à Colômbia, perguntei a um juiz criminal de Medellín qual era a pena que ele aplicava a um homicida. Ele respondeu que eram 25 anos em regime fechado. Aqui, não: são de 8 a 12 anos, mas o condenado fica de um ano a um ano e meio na cadeia, não mais. Isso não é punição. Nosso bem maior é a vida. Um homicídio acaba com uma família, as penas têm de ser mais duras. Temos de rever essa questão da maioridade.

Elder Dias — O sr. é a favor da redução da maioridade penal?
Sou a favor e tem de ser logo. Toda quadrilha tem um menor para assumir os crimes, porque sabem que o tempo máximo é de três anos de internação — não se pode nem falar em prisão. Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é baseado no Direito da Criança italiano, onde não há os mesmos problemas daqui. Nossos filhos são criados muitas vezes por uma terceira pessoa, que não dará formações necessárias sobre caráter, sobre boas maneiras.

galeriaElder Dias — O ECA não tem aplicabilidade na vida real, é isso?
Sim. O ECA é bem intencionado, mas não atende à prática. Um menino de 14 anos que cometer homicídio estará livre aos 17 e sem antecedentes criminais quando sair. Será réu primário.

Marcos Nunes Carreiro — Uma das grandes críticas à redução da maioridade é que os presídios estão já superlotados. Outra é de formar escolas do crime, misturando esses delinquentes aos adultos. Como o sr. vê esses aspectos?
Nosso sistema carcerário está falido. Temos 540 mil presos e temos mais 200 mil mandados de prisão em aberto, sem ter onde colocar essas pessoas. O superávit primário do Brasil é retido, nunca é usado na construção de presídios dignos e centros para menores. Realmente não se pode misturar adultos e adolescentes. Alguns juristas dizem que três anos fechado é muito, mas a discussão nem tem de ser esta. Precisamos nos perguntar é: lá estão estudando? Têm condições de salubridade? Estão de fato se recuperando?

Frederico Vitor — No Brasil temos polícias de ciclo incompleto, ao contrário do Chile, de Portugal e de muitos outros países. Por que aqui não temos essa política de segurança com ciclo completo?
Uma pergunta muito boa. Eu sou completamente a favor da polícia de ciclo completo, assim como nosso secretário de Segurança Pública, dr. Joaquim Mesquita. Essa história de duas metades da mesma laranja — com uma polícia prendendo, mas não podendo investigar ou vice-versa — já está “démodé”. As melhores polícias — como a alemã, a inglesa, a canadense, e mesmo a colombiana — são de ciclo completo.

Infelizmente, está no Congresso um projeto, a PEC 51 [proposta de emenda constitucional], que trata da desmilitarização. Querem criar uma polícia única e civil, não de Estado, mas de governo. Polícia tem de ser de Estado, seja quem estiver no poder. Represento o Conselho Nacional de Comandantes-Gerais no Centro-Oeste e defendo esta posição: a pessoa não quer saber se estou de terno ou de farda, com estrela no ombro, ela quer é chegar a uma repartição pública e ser bem atendida. Se chama o 190, fazem um registro que hoje não tem valor algum, vira arquivo. Com uma polícia de ciclo completo, a própria PM, por exemplo, registraria a ocorrência, investigaria e mandaria ao Ministério Público. Hoje, o promotor pega o trabalho do delegado e inicia tudo de novo. O serviço é caro e acaba sendo desperdiçado. Não é preciso ter uma polícia única, mas bastaria cada uma ter ciclo completo.

Agora, falam em desmilitarização. Mas na França, a Guarda Nacional é fardada, hierarquizada, e faz todo o ciclo completo. Será que só tirar o nome “militar” vai reduzir os crimes no Brasil? É esse o problema? Será que não temos de ver a questão do Código Penal, a legislação processual, a ressocialização etc.?

Elder Dias — Passamos por uma ditadura de 21 anos no Brasil e parece ter ficado um pós-trauma. Isso fica muito evidente, por exemplo, na questão da desvalorização dos símbolos pátrios — como o Hino, a bandeira nacional —, que teriam de ser dissociados do militarismo, mas, pelo contrário, passaram a ser algo relacionado à ditadura.
Isto é interessante: achamos bonito que nos Estados Unidos toda casa tenha a bandeira americana e que eles mandem seus filhos para combater nas guerras contra o terrorismo. Mas no Brasil achamos feio cantar o hino, realizar o culto aos símbolos, sobretudo nosso símbolo maior, que é a bandeira nacional. Os jogadores da seleção brasileira ficam mascando chiclete, na hora do Hino, não sabem a letra. Falam das regras do militarismo, mas Dunga [técnico da seleção brasileira] impôs regras: nada de boné na hora do almoço, nada de fone de ouvido, nada de chinelo, têm de vestir agasalho e uniforme. Isso não tira nada do ser humano; só mostra organização. Cultuar nossos símbolos é muito importante.

Elder Dias — A rejeição ao militarismo, como com a PEC 51, mostra que o brasileiro ainda não aprendeu a lidar com essa questão. Por outro lado, temos pessoas que querem a volta dos militares ao poder, que dizem que “na ditadura era melhor”. Como o sr. vê esse tipo de pensamento? O sr., como militar, queria voltar ao poder?
(risos) Costumo dizer que não posso falar de 1964, pois nasci só em 1966. Sou um democrata por natureza. Acredito na liberdade de pensamento, de cultos, de poder exercer as profissões. Nada ditatorial vai resolver o problema do Brasil. Não é por aí e nem os militares das Forças Armadas querem isso. Nossa democracia, apesar de nova, tem sido perene. O que queremos são condições mínimas de igualdade e convivência, de qualidade de ensino e formação, de investimento nas famílias. O militarismo teve sua importância, como as grandes siderúrgicas, as grandes hidrelétricas…

Frederico Vitor — A Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica], também…
Muito bem lembrado, uma empresa que hoje é referência mundial. Agora, temos de viver o momento da democracia. Mas não podemos misturar democracia com anarquia. As manifestações de junho de 2013 foram um exemplo. Em Goiás, a PM recebeu até referência do jornal francês “Le Monde”, pois, enquanto falavam que iríamos agredir manifestantes, distribuímos 10 mil flores brancas. Isso demonstrou que estávamos com o espírito desarmado. Quem foi manifestar de forma ordeira, tratamos bem. Agora, quem quis invadir a Assembleia, quebrar o Paço e atirar pedras em policiais ou em jornalistas, como ocorreu no Rio, a esses aplicamos o rigor da lei. É preciso entender isso, a lei é feita para todos.

Elder Dias — Em sua gestão, o sr. a Rotam voltou a crescer e, agora, está sendo implantado o Bope. Como será essa interação?

Frederico Vitor — Para complementar a pergunta: além do Bope, teremos nessa expansão das tropas de elite, também novas instalações?
Sim. Pedimos, inclusive, aos deputados [federal] João Campos (PSDB) e Lincoln Tejota [deputado estadual, PSD] que nos deem emendas parlamentares para uma nova sede do Bope, que é uma tropa aquartelada, para ocorrências de grande vulto — sequestros, assaltos a banco, explosão de artefatos, entre outras. Se eu continuar no comando, investirei muito nisso e no aumento do efetivo do Bope. Na Rotam, isso foi emblemático: quando assumi, a tropa tinha 5 equipes, que trabalhavam no período diurno. Hoje, temos 20, saindo de 50 para 180 homens sob meu comando. A Rotam hoje bate recordes de abordagens, prisões e apreensões. É uma tropa muito forte, juntamente com o COD [Comando de Operação de Divisas]. Goiás não é um Estado fronteiriço, mas somos o 2º do ranking nacional em apreensão de drogas. Só perdemos para o Mato Grosso do Sul. Entre 2012 e 2014, foram 25 toneladas de drogas apreendidas.

“Trabalhamos no sentido de humanizar a polícia”

Coronel Silvio Benedito em entrevista ao Jornal Opção: "A capacidade não está na estrela ou no posto, mas na pessoa" / Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Coronel Silvio Benedito em entrevista ao Jornal Opção: “A capacidade não está na estrela ou no posto, mas na pessoa” / Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor — Em uma entrevista concedida pelo sr. à época da formatura da Rotam e do anúncio do Bope, foi anunciada a compra de um blindado.
Sim, até abril deve chegar um carro blindado. O mesmo que é usado pela Swat americana. A marca do veículo é Lenco Armored e o modelo, Bearcat G3. Lá no Rio de Janeiro chamam de “caveirão”. Aqui veremos o nome que vamos dar.

Marcos Nunes Carreiro — O que vai diferenciar o Bope das demais polícias especializadas de Goiás? Até pouco tempo, por exemplo, a Rotam era vista como o “Bope de Goiás”.
A Rotam é a sigla para “Rondas Táticas Metropolitanas”. Está na rua, não é aquartelada. O Bope é uma tropa de elite que fica treinando, com todo o tipo de equipamento e armamento, para situações reais. Eles enfrentam qualquer tipo de catástrofe e ocorrência de extrema necessidade. Nessa tropa, nós temos “snipers” [atiradores de elite], negociadores — um de nossos oficiais foi aos Estados Unidos fazer o curso de negociação —, vários praças treinaram com o Bope do Rio. Ou seja, já têm doutrina, conhecimento, são altamente preparados. Uma tropa que não precisa ser muito grande. Hoje, contamos com 86 homens e mulheres. E, interessante, os dois primeiros lugares no curso antibomba foram de mulheres, uma tenente e uma soldado.

Frederico Vitor — Então, o Bope estaria preparado para situações como a que vimos em Sydney [ataque a um café em ação com reféns que durou 16 horas e deixou três mortos], há duas semanas.
Sim. Também estariam preparados para a situação do assalto aos carros-fortes na BR-153. São homens que treinam 24 horas para situações de risco extremo.

Elder Dias — Em Goiás, o Bope já foi acionado para que operações?
Principalmente situações onde houve explosão de caixas eletrônicos — muitas vezes, os artefatos ficam lá. E também já foi usado para ocorrências com reféns.

Elder Dias — O tamanho do efetivo é interessante, mas, às vezes, a qualidade é se torna importante. Um homem bem treinado vale mais do que muitos sem treinamento. A PM teria condições de treinar mais seus grupos especializados, já que não têm, no momento, condições de aumentar o efetivo?
Quando assumi o comando, a tropa do Choque estava envelhecida, alguns com 30 anos de atividade; a Cavalaria estava com dificuldades; o Graer [Grupo de Radiopatrulha Aérea] estava precisando de reforço de efetivo; o Giro, também. Fiz dois cursos para o Giro e estou abrindo outro. O que fiz? Peguei os 1,1 mil recém-formados, com sangue novo e sem vícios, e distribuí quem tinha perfil para as tropas especializadas. Ou seja, foram policiais novos que já pegaram a doutrina de especializadas.

Criei também o Batalhão de Eventos, uma iniciativa pioneira no Brasil. Quando Paul McCartney veio a Goiânia, nos elogiou muito, pois temos policiais nesse batalhão que falam três ou quatro idiomas. Quando a seleção brasileira jogou em Goiânia, também fomos muito elogiados pelos técnicos Felipão e Carlos Alberto Parreira, pelo tratamento que demos à seleção. Não precisou sequer da Polícia Federal, quem cuidou da segurança foi esse batalhão. O Bope também é uma tropa que não havia aqui. Sempre fui um oficial de rua, desde tenente. Minha carreira se deu muito em Aparecida de Goiânia, mas eu fui fundador da Cioe [Companhia Independente de Operações Especiais], que hoje é a Rotam. Lá eu fui comandante do agrupamento aéreo, do Gate [Grupo de Ações Táticas Especialista], que era o GAS [Grupo Anti-Sequestro]. Fui comandante do Pelotão de Canil. Hoje, temos curso para o homem que trata diretamente do canil. O policial soldado vai para Rio de Janeiro ou São Paulo treinar com o seu próprio cão. Estou mandando um policial e seu cão agora para os Estado Unidos. Vão passar um ano lá.

Elder Dias — Essas especializações não viram ganho financeiro efetivo aos policiais. Não falta ter algo nesse sentido para incentivar a especialização?
Quando fundei o Cioe, foi a primeira vez que usamos farda preta e passamos a ganhar 40% a mais. Isso causou desgaste diante do restante da tropa. Diziam “ora, a bala entra no meu peito também, e só porque a farda é diferente lá ganham mais?”. Então, sabiamente, o governo acabou com isso. Quem está nas especializadas é porque gosta dessa adrenalina 24 horas. É vocação.

Quero fazer uma observação: em Goiás, dois policiais em qualquer viatura entram em qualquer lugar, diferentemente de vários outros Estados, onde a Polícia Militar não entra, não sobe morros nem vai a algumas favelas. Aqui, não. Bandido aqui em Goiás nunca teve nome nem faz carreira, porque a Polícia Militar de Goiás é dura, embora legalista. E não precisa ser Rotam nem o Batalhão de Choque. Quando nos encontramos em congressos das PMs as instituições coirmãs sempre fazem referência à qualidade de nosso trabalho.

Elder Dias — Como já falamos, a questão segurança pública impulsionou muitos candidatos nessas eleições. O sr. tem alguma pretensão política ou vontade de se candidatar?
No momento meu único desejo é ser comandante-geral da PM. Sou jovem ainda e tenho condições de produzir muito. Sou homem tarimbado, com mais de 30 anos de serviço prestado à segurança pública. Não corro de desafios, nunca temi nenhum. Se no futuro Deus permitir e se houver uma composição, se o governador Marconi Perillo disser que é preciso andar por este caminho, vou caminhar por esse desiderato. Ninguém é candidato de si mesmo. Quero deixar claro que quero ser comandante. Gosto de comandar e amo o que faço. Se pudesse trabalhar por mais dez anos como comandante faria isso com o maior prazer, com a maior alegria.

Elder Dias — A cada dia que passa fica mais evidente que o policiamento comunitário ganha mais importância. Como o sr. está fazendo esse trabalho?
Essa é a minha grande marca, falo isso desde 1996, quando era capitão. A PM não é a palmatória do mundo e não vai resolver o problema da criminalidade sozinha. Ela tem que estar com a sociedade. É o morador que sabe que o filho da vizinha está furtando varal para comprar droga. É a sociedade que sabe se a escola precisa da presença da PM e em que horário. A polícia comunitária dá a oportunidade de recebermos críticas para prestarmos melhor nossos serviços. A PM é uma prestadora de serviço e o nosso cliente é a sociedade.
A polícia comunitária desmitifica aquela ideia de ter uma viatura para cada esquina e um soldado para cada casa. Não há como. Isso não existe nem aqui nem na Inglaterra nem no Canadá não há isso em lugar nenhum do mundo. A sociedade também tem que fazer sua parte. Até hoje casais de namorados insistem em ficar em locais ermos. Até hoje as pessoas saem às compras com bolsas nas costas e celulares nos bolsos de trás. Nossa premissa é ouvir sugestões e informações.

Uma coisa que tenho feito muito é humanizar a polícia. Humanizá-la na tratativa entre policiais e praças, que era muito distante — sou filho de soldado, conheço os dois lados. E humanizar, também, esse tratamento entre sociedade e polícia, porque se dizia a um menininho, quando um policial passava, “cala a boca, senão a polícia te pega”; ele crescia pensando que policial é bruto, truculento. Isso não é verdade. Todo soldado, a partir de 2005, tem curso superior. Portanto, temos de mostrar para a sociedade que a polícia é humana, embora dura e legalista contra o crime e o criminoso. Temos de reduzir esse afastamento entre oficiais e praças; de forma pioneira, meu assessor de imprensa hoje é um cabo, Rafael Cardoso, que era soldado. Historicamente, todo assessor de comunicação era um oficial. A capacidade não está na estrela, não está no posto, está na pessoa. Nós quebramos esse paradigma.

Elder Dias — A polícia comunitária têm promovido grupos de vizinhos por meio do WhatsApp. Isso tem funcionado?
Nos criamos o programa Vizinho Amigo, no qual um vizinho vigia a casa do outro via WhatsApp. Já prendemos várias pessoas dessa forma. Foi uma ideia do major Marcos de Bastos, da 27ª Com­panhia Independente, da região noroeste, e do tenente-coronel Luiz Antônio Raiza, comandante do 13° Batalhão. Acontecia que, quando uma pessoa viajava, o Correios lotava a caixa de correspondências, ou a luz ficava acesa durante o dia. O bandido passava e via que naquela casa não havia ninguém. Hoje, com o WhatsApp, se passa alguém com atitude suspeita na rua, o vizinho já manda no grupo com as características da pessoa; a polícia, então, vai checar. Com isso, temos evitado muitos furtos a residências.
Com a criação da chamada de emergência, acabaram os roubos a farmácias e joalherias. Isso foi ideia do major Jorge Luiz Marreiros, comandante da 37ª CIPM [Com­panhia Independente da Polícia Militar], que, inclusive, ganhou o melhor prêmio da polícia comunitária. Ele inventou algo semelhante a uma “chamada de pânico” via celular, para pessoas que trabalham em galerias e joalherias. Quando alguém aciona a tecla, já recebemos o código como assalto. Imediatamente, a Rotam, o Graer e o Giro se deslocam.

Frederico Vitor — Qual balanço o sr. faz da experiência com o Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual (Simve)?
Muito positivo. O deputado João Campos fez um projeto para levar o Simve aos demais Estados. Quem está nesse grupo são homens egressos das Forças Armadas, muito preparados, dessa Brigada de Operações Especiais do Exército que hoje está em Goiânia, que veio do Rio de Janeiro. Temos paraquedistas, militares altamente preparados. Já entram na PM com formação militar, conhecem de hierarquia e disciplina. Temos ajustes, já pedimos ao governador para que pudessem mudar alguns itens da lei, e essas mudanças estão sendo feitas, já se encontram na Casa Civil.

Hoje há clamor público para que não retirem esses homens da rua. Nós os lançamos no ano passado nesta mesma época, com policiamento ostensivo em centros comerciais no esquema de ronda de quarteirão, com policiais em motocicletas, nos moldes do modelo que nós trouxemos da Colômbia. Eles fazem a ronda com coletes verdes, ficaram conhecidos como “verdinhos”. Na realidade é um modelo que vi em Medellín e Bogotá. A cor da farda não nos ajuda para sermos identificados, daí a necessidade do colete, com capacete e moto plotados de verde. Esses policiais são referenciais. Nós não mais ouvimos falar de assalto a comércios, porque estão nas ruas prestando um trabalho de qualidade.

Muitos falam que houve problemas com esses temporários. Mas são seres humanos, policiais efetivos também erram. É um percentual ínfimo de erros para mais de 2 mil homens. Trata-se de um modelo inovador. A sociedade paga impostos, não interessa quem está servindo, ela quer é ser bem servida.

Sou defensor da Polícia comunitária. Agora mesmo fizemos um trabalho maravilhoso, ao adotar uma escola com 189 alunos. Além de darmos presente, adotamos essas crianças para passar a ceia de Natal conosco, nas nossas casas, do soldado ao coronel, de forma voluntária. Vamos fazer isso com mais escolas e mais crianças. Queremos mostrar para a sociedade que a polícia veio do seio dela. Não somos diferenciados, somos pais e filhos, o que fazemos é prestar um serviço diferenciado. Foi muito emocionante, como comandante me senti muito realizado.

Marcos Nunes Carneiro — O sr. falou sobre algumas mudanças no Simve, e quais seriam elas?Queremos tirar essa ideia de bolsa e passar a ser subsídio. A questão do INSS deles vai passar para o Goiasprev. São mudanças mais no âmbito administrativo.

Marcos Nunes Carreiro — O sr. já disse uma vez que tentaram impor o estigma de “Baixada Fluminense de Goiás” a Aparecida de Goiânia. Por que isso acontecia e o que foi feito para deixar de acontecer?
Aparecida de Goiânia era considerada cidade-dormitório, onde não havia empregos nem escolas de qualidade. Havia sérias carências na parte social. No decorrer dos anos, foram surgindo assentamentos habitacionais formados por trabalhadores da região Nordeste, que formaram os setores Tiradentes, Independência Mansões e Madre Germana. Chegavam sem a mínima infraestrutura e a marginalidade aproveitou para tomar conta. Revertemos esse problema com um trabalho em conjunto. Não foi só ação de polícia, tivemos também a participação de administradores, lideranças e empresários.

Também foram criados os distritos agroindustriais e industriais, dando condições de trabalho, infraestrutura e emprego. As pessoas passaram a amar a cidade. Cheguei a ouvir que tinham vergonha de emplacar carros com o nome de Aparecida, diziam que desvalorizava o veículo. Hoje as pessoas tem orgulho de emplacar seus carros com essa placa.

Quando era tenente, a PM agia de forma muito forte com marginais de outros Estados, para que não “crescessem” em Aparecida. Conseguimos prender um criminoso do Maranhão, de nome Reginaldo, autor de 68 homicídios, o qual chegou a liderar rebeliões em presídios de seu Estado. Ele chegava a matar integrantes de seu próprio bando apenas para mostrar força. Nós o prendemos com sua quadrilha de 19 elementos, que agiam na área do Independência Mansões e do Tiradentes. Saqueavam residências e forçavam as pessoas a se mudarem. A PM foi dura, conseguimos prender todos os integrantes e acabamos com aquele ambiente de insegurança. Participei dessas prisões pessoalmente, quando era comandante do 8ª Batalhão de Polícia Militar.

Muitas vezes, em setores como Cidade Livre e Colina Azul, era comum denominar espaços públicos com palavras alusivas ao crime. Ouvia muito, no rádio das viaturas, pedidos para deslocamento até a “Praça da Maconha”. Como comandante, proibi aquilo. “Praça da Maconha”? Não, o correto é praça do bairro Cidade Livre. Eram essas coisas que potencializavam o estigma de Aparecida para ser chamada de “Baixada Fluminense” de Goiás. Não aceitamos isso. Sou morador lá há 40 anos, defendo e amo aquela cidade. Somente fui escolhido como comandante-geral graças ao trabalho junto aos oficiais e praças da cidade. Conseguimos reduzir em 30% todo tipo de criminalidade, não só em Aparecida, mas em toda a região metropolitana de Goiânia. Por questão técnica, de bater meta e baixar a criminalidade, o governador e o secretário de Segurança Pública escolheram meu nome para comandar nossa PM, algo que me orgulha, um filho de soldado que chegou ao Comando-geral da corporação, algo único no Brasil.

Elder Dias — Quanto à carreira do policial, como ela está estruturada, hoje? O que o PM precisa fazer para progredir? Como ele tem se motivado?
Uma das primeiras medidas que nós pedimos ao governador Marconi e ele aprovou foi quanto ao plano de cargos e salários e aos planos de carreira dos praças e dos oficiais. Quando entrei no comando, um soldado ficava de 20 a 23 anos até ir a cabo. Mudando o interstício, que era de sete anos, reduzi para cinco. O de cabo para terceiro sargento era de quatro anos, passei para três. E começamos a fazer reconhecimento de atos de bravura de policiais que arriscam sua vida. Vários foram promovidos.

Outra coisa muito importante foi o reconhecimento, pelo Estado, dos policiais que trabalhavam na tragédia do césio. Já tinham passado 26 anos e, para muitos, isso estava prescrito. O governador fez uma lei para promover até os policiais que já estavam aposentados. Foi um reconhecimento maravilhoso, quase 200 policiais envolvidos com o césio. Por último —– que está na nossa folha de dezembro —–, o governo nos deu uma reposição salarial. Recebemos um aumento real de 18,5% e, até 2017, esse aumento chegará a 64%. Nenhuma instituição federal ou qualquer outra do país teve um reconhecimento deste. Minha esposa trabalha na Caixa Econômica Federal e ela teve um aumento real de 8% ao ano. Nós tivemos, de uma vez só, 18% e chegaremos a 64%.

Estão catalogadas mais de 10 mil promoções, que o governador fez; um plano de carreira que chega muito mais rápido às promoções, uma reposição de trabalho, um reconhecimento. As condições de trabalho, quanto a nossa frota, em menos de quatro anos, já foi trocada três vezes; são viaturas zero-quilômetro, de motor 1.4, com células que dão dignidade para a pessoa que está sendo transportada. Muitas vezes, o PM transportava alguém no porta-malas da viatura e depois era denunciado, processado por tortura e abuso de poder. Agora, não mais. Temos até ar-condicionado. Nosso armamento melhorou, com pistolas ponto 40 e coletes. Fardamento não nos falta, repassado por nossa Fundação Tiradentes. Estamos vivendo, nesses 30 anos em que eu estou na corporação, o melhor momento da Polícia Militar.