“Eleitores querem políticas populistas, mas é preciso um projeto de longo prazo”

30 setembro 2018 às 00h00

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Everaldo Leite da Silva estima o tão sonhado equilíbrio fiscal nas contas públicas brasileiras para, no mínimo, 2023 e somente após medidas firmes de austeridade governamental

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), o economista Everaldo Leite da Silva, que atuou no Conselho de Desenvolvimento de Goiás entre 2011 e 2014, afirma que, no campo das exportações, o Brasil precisa decidir se quer ser competitivo no mercado mundial para encaminhar atitudes coerentes com a de países em desenvolvimento.
Everaldo apontou a redução da taxa de juros de acesso ao crédito a pessoa jurídica e física como forma de tornar os produtos internos mais baratos ao consumidor final. Mas, para chegar a esse nível de oferta, o governo precisa profissionalizar os beneficiários de programas assistenciais a inseri-los no mercado de trabalho e reduzir os números de pessoas assistidas por tais projetos de transferência de renda.
Para Everaldo, a verdadeira liberdade individual acontecerá quando um cidadão não depender financeiramente do estado. O brasileiro precisa se livrar do engodo político que atrasa a autorregulação do livre comércio.
Neste momento, o que o eleitor quer que não está sendo debatido?
O eleitor quer é que Brasil dê conta de sair da crise, mas existe uma necessidade que vai além disso. Nesta eleição, o eleitor tem uma demanda de curto prazo e a política e a economia precisam dar conta de atendê-la. Mas é necessário que o Brasil tenha um projeto de longo prazo que dê referência no que o país precisa avançar. Se o país avançar a longo prazo sem nenhum rumo, qualquer lugar que chegar está bom ou não chega a nenhum lugar.
É preciso avançar para aumentar a produtividade, melhorar o capital humano, melhorar a qualidade de vida das pessoas com obras infraestruturais, melhorar a qualidade dos serviços prestados à população, que é uma demanda emergencial também. É preciso casar essas demandas urgentes com as de longo prazo, como por exemplo, a oferta de empregos. Temos quase 13 milhões de desempregados e vários outros em situação de ocupação, que serve para o momento, mas nada definitivo.
A demanda por emprego precisa ser resolvida emergencialmente. As pessoas precisam consumir diariamente, gastar água e energia, consumir alimentos, e isso precisa ser financiado por essas pessoas. Como o cidadão financia isso? Por meio de salário. E, no longo prazo, é preciso ter esperança de crescimento da economia, crescimento da poupança, crescimento do papel brasileiro na relação de importação e exportação. O Brasil precisa estar dentro desse modelo de globalização vigente no mundo e precisa ser competitivo para vender ao exterior e ter excedente em função disso. O eleitor foca no curto prazo com as necessidades de emprego e consumo para projetar o seu futuro.
Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o presidente Michel Temer (MDB) prometeu um Brasil de reformas e crescimento econômico. Quais foram os erros desse governo para não conseguir entregar essas promessas?
Temos que começar o raciocínio antes do impeachment. O governo Dilma foi baseado em gastos públicos muito fortes com a intenção de promover o crescimento, mas um crescimento baseado em ativismo fiscal. Gastou-se muito com Copa do Mundo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vários programas sociais e outros. Além disso, colocou as famílias brasileiras em situação de endividamento. Ela fez com que a Caixa Econômica produzisse crédito barato baseado no Tesouro Nacional e isso se transformou nas famosas pedaladas fiscais. Um grande erro. Ela tentou segurar acréscimo no preço de energia elétrica e combustíveis, o que resultou numa grande inflação. Esses preços não podem ser segurados. Eles estão atrelados ao mercado normal, que define os preços.
Essas medidas geraram um grave impacto econômico. O Brasil entrou em uma crise que ele mesmo produziu. Essa falácia da crise internacional só atingiu o Brasil. Ela começou em 2007 e vários países foram atingidos. Mas a crise vivida hoje foi produzida pelo Brasil por decisões anteriores. O governo Temer tentou fazer com que os desdobramentos dessa crise fossem barrados de alguma maneira. E ele não conseguiu tempo hábil para fazer o País crescer. De uma forma, ele segurou o frenesi dos problemas econômicos que foram surgindo com o governo Dilma. Essa crise não vai acabar tão cedo. Não podemos pensar que, a partir de 2019, após as eleições, o Brasil vai se transformar em outro porque temos um novo presidente. Quando o Ciro Gomes [candidato a presidente pelo PDT] aponta um número de 63 milhões de endividados, é uma situação séria. Não que as ideias dele sejam boas, mas os dados são graves.
A proposta do Ciro Gomes de tirar os endividados do SPC [Serviço de Proteção ao Crédito] é viável?
O projeto é viável. Mas ele não assegura que as pessoas não vão se endividar novamente nem assegura que as pessoas vão pagar essa dívida. Ele quer pegar as dívidas das empresas privadas e transferir aos bancos públicos.
Não geraria outra crise?
A pergunta é: e se essas pessoas deixarem de pagar? A sociedade vai ser novamente financiadora de dívidas por meio do Tesouro Nacional. Agora, não são mais dívidas de empresas, mas de pessoas físicas.
Existe regulamentação para o governo assumir as dívidas de pessoas físicas?
A máquina pública vai ter que baixar portarias para criar um arcabouço técnico e legal para isso ocorrer. Até pode acontecer, mas os desdobramentos são imponderáveis. Ninguém pode afirmar que esse tipo de medida vai colocar o País no rumo do crescimento. A ideia é criar um potencial novo de crédito, que já foi feito pela Dilma e levou o Brasil ao que estamos vivendo. Ele quer fazer de novo? Quer dobrar a aposta para dobrar a crise no futuro? É o que pode acontecer.
Alguns candidatos à Presidência têm falado em aumentar a tributação na renda e diminuir no consumo. Como avalia essa proposta?
Esse é o tipo de taxação progressiva. As pessoas que ganham mais contribuem mais com os impostos. É uma ideia importante. Mas, para ela acontecer, é preciso uma reforma tributária. Essa reforma de tributos é preciso atender a alguns aspectos, como descentralizar a receita do governo federal aos municípios. O que acontece hoje é uma concentração muito grande na União e as pessoas, que moram nos municípios, que recebem uma fatia menor. Esses municípios ficam dependendo de transferência do governo federal que, nem sempre, supre as necessidades locais. Algumas dessas transferências servem apenas para pagar salário de vereador, prefeito e assessores. É uma discussão mais complexa de prioridades. Essas pequenas cidades, com 10 mil habitantes, por exemplo, precisam mais de uma Câmara Municipal do que um posto de saúde com médicos atendendo? São questões que deveriam ser colocadas dentro desse pacote que seria uma reforma tributária e fiscal.
Quase metade das receitas dos estados é usada no pagamento de servidores. O custo não é muito alto?
Hoje temos quase 11 milhões de servidores públicos no Brasil e se tem uma receita pública dos tributos que representa 40% do PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil. Para exemplificar: a cada R$ 100 produzidos no Brasil por ano, R$ 40 são do setor público. E mesmo assim não conseguem entregar um serviço público que corresponda à demanda das pessoas. Uma parcela desses 40% vai para pagar a Previdência, que ainda é incompetente e precisa de financiamento. Em 2017, foram R$ 270 bilhões em déficit, dividido entre R$ 170 bilhões do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] e R$ 100 bilhões do servidor público federal. Tem alguma coisa errada. Por que temos 11 milhões de servidores públicos e não se consegue atender à demanda da sociedade? Por que boa parte desse dinheiro arrecadado é gasto com servidor público, dívida de Previdência e juros de dívida pública?
Os altos salários do Judiciário são pesados aos cofres públicos?
A questão do Judiciário é mais moral. Eles ganham bem e têm vários penduricalhos que ultrapassam muito o teto constitucional. É mais um problema moral do que no gasto total do governo. O Judiciário é só um dos problemas. Se reduzir o gasto do Judiciário, não vai resolver os problemas do gasto público.
O governo precisa gerir melhor ou economizar mais?
É um problema de gestão e institucional. A nossa Constituição Federal garantiu direitos demais às pessoas. Em cima disso, é preciso fazer vários gastos assistencialistas e previdenciários, que geraram um grande problema. É preciso enxugar esses gastos em função desses direitos, infelizmente. O dinheiro não brota na terra. A esquerda criou a ideia de que o Brasil é um país rico, mas o povo é pobre e que isso se resolve apenas com vontade política. Cada direito desse gera um gasto e o setor público fica numa situação difícil de cumprir com todos esses direitos.
Mas os candidatos insistem em proteger a economia e manter direitos.
Atualmente, é preciso criar um mercado mais livre. Depende muito de algumas reformas, que chamamos de microeconômicas, para criar situações onde o negócio seja mais fluído, tanto internamente como externamente. Algumas questões têm que ser simplificadas, como os impostos, para que haja negócios mais fáceis com ideia mais automática do que significa o custo tributário no negócio. Toda transação gera custo e quanto mais claro e menor for esse custo, mais fácil será para fazer transações. Para se abrir e fechar empresas gera muitos custos e essas dificuldades precisam ser resolvidas. No sentido mais liberal possível, que o mercado corresponda mais com o jogo de oferta e demanda do que em relação ao que governo acredita que seja o melhor para o mercado.
Por exemplo, o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] é usado para garantir que uma ou duas empresas sejam bem-sucedidas, o que é um grande erro. O mercado é quem decide quem deve ser bem sucedido, quem faz melhor e quem não faz. O governo não pode incentivar a JBS, o Eike Batista, a Odebrecht. O mercado existe para fazer isso. Aí os recursos do BNDES devem ser usados para atender ao mercado e não algumas empresas ou alguns setores do mercado. Atualmente, Ciro Gomes e Fernando Haddad [candidato do PT à Presidência], dessa linha pós-keynesiana, que seja heterodoxo, acreditam que o País precisa financiar só algumas áreas. Mas o mercado não pensa assim. Alguns estão sendo privilegiados em detrimento de todo o mercado.
O Congresso Nacional não quer fazer as Reformas Tributária e da Previdência, que são tidas como emergenciais por economistas.
Existem decisões que precisam ser tomadas urgentemente. Se o país quer se tornar competitivo, se quer se desenvolver economicamente. Acredito que o Brasil é subdesenvolvido, pura e simplesmente. Essa ideia de país em desenvolvimento é folclore. O Brasil precisa decidir se quer ser protagonista no mundo. Em termos de área territorial, o País é imenso, mas o protagonismo mundial é nanico. O PIB do Brasil não chega a 2% do que é produzido mundialmente. Essas reformas precisam ser feitas, independentemente de o Congresso querer ou não. Essas reformas são importantes ao Brasil no médio e longo prazo para que nos tornemos competitivos e tenhamos uma maior produtividade. Precisamos ter aumento de renda entre os trabalhadores e consequentemente ter aumento de dinheiro na poupança.
Com esse aumento de poupança, o País pode reduzir juros naturalmente, como nos países desenvolvidos. Na verdade, assim acontece no planeta normalmente, mas não no Brasil. A taxa de juros normal no mundo inteiro não é igual a essa que vivemos. O custo de qualquer coisa no Brasil é bem mais alto. Os preços chegam muito mais altos aos brasileiros do que no resto do mundo. Isso é falta de competitividade e de produtividade, de ter uma taxa de juros menor, de ter acesso ao crédito de forma normal, sem exploração. Todas essas combinações levarão o País ao que chamamos de crescimento sustentável.
Os economistas fazem alguma estimativa de quando o Brasil atingiria esse nível de crescimento sustentável?
Vai demorar. O País ainda está amarrado a forças retrógradas. Além de tudo, temos uma atraso de nível estrutural, a nível de educação. Isso acabou sendo terreno fértil para ideias neodesenvolvimentistas de que o Estado tem que ser grande e paternalista para gerar a tal justiça social que tanto falam. Mas a justiça social só vem de um lugar: da independência das pessoas. Vamos chegar nesse nível quando o País tomar atitudes que o levem a ele. É preciso acabar com essa crendice de que precisamos de políticos que defendam o Estado grande para resolver a vida das pessoas. O Estado não resolve nada na vida de ninguém. O Bolsa Família, por exemplo, é um programa assistencialista para pessoas de muito baixa renda que não conseguem sair dessa condição. Em Goiás, há o programa Renda Cidadã. Os governos federal e estadual têm projetos de capacitação profissional, como o Pronatec. Eu pergunto: por que esses beneficiários não são o público principal para participar dessa capacitação profissional? Elas estão nesse programa de transferência de renda e deveriam, necessariamente, estar num programa de capacitação para sair da transferência de renda. Não existe articulação de um programa com o outro. Só precisa provar que tem filho na escola, cartão de vacinação das crianças e outros aspectos. Mas o que devia provar é que o cidadão está em busca de sair daquela situação de miséria. O que os governos dizem? ‘Estamos aumentando o Bolsa Família’, como se fosse motivo de orgulho. O motivo de orgulho deveria ser: ‘estamos reduzindo o Bolsa Família porque as pessoas estão se profissionalizando, se colocando no mercado e saindo do programa’. Esse é o drama. Não se pode só criar assistencialismo. O processo precisa levar as pessoas a saírem daquela situação e não precisarem mais do programa.
O candidato Jair Bolsonaro [PSL] disse conseguir resolver o déficit fiscal do governo em um ano. Ciro Gomes, em dois. É possível?
Impossível. É promessa vazia de campanha. Para equilibrar o déficit nominal, é preciso, no mínimo, uns quatro anos de grande esforço fiscal. Mas a tendência desse tipo de político mais flexível em relação a gastos público não é fazer esforço fiscal. Não sei quanto ao Jair Bolsonaro, mas o Ciro Gomes é desse tipo de político e ele estaria fazendo um estelionato eleitoral. É dizer que vai cumprir algo que não vai cumprir. A tendência de partidos de esquerda é flexibilizar o gasto público. Eles têm essa crença de que o dinheiro público gera desenvolvimento. Os governos Lula e Dilma seguiram nesse caminho. Mas o problema é que depois tem que pagar a conta e nós chegamos a esse momento.
Como avalia o candidato Henrique Meirelles? Ele também economista.
Acho ele um ótimo candidato. É um grande técnico e conhece bastante das contas públicas. Agora ele deixou de ser somente técnico e passou a ser político. Como político, ele conseguiria criar políticas públicas que não vão contra essas regras de uso do dinheiro público. O problema do Meirelles é ser candidato por um partido muito queimado. O governo Temer é o grande entrave ao Meirelles. O que ele diz não é chamativo em relação ao que as pessoas querem imediatamente da política. O drama hoje é que os eleitores querem políticas populistas. Elas querem mais assistencialismo, mais bolsas, mais IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] zero, mais condições para comprar e tirar o nome do SPC. A sociedade de modo geral, num curto prazo, tem essas preferências de curto prazo.
Como avalia as propostas dos candidatos para a economia de Goiás?
Em relação às campanhas, o que tenho visto é que o modelo do PSDB dos últimos 20 anos já foi absorvido pela sociedade. Eles não veem os incentivos fiscais como um benefício diferencial. Se compararmos esses 20 anos de governo tucano com os governos anteriores do MDB, há um contraste muito grande. O MDB foi bem inferior e atrasado. O PSDB foi mais prospectivo em relação à economia. O problema do candidato do governo é não ter uma característica inovadora. O Marconi Perillo tinha essas características em 1998 e colocou em prática no seu governo. Ninguém vê mais o Vapt Vupt como inovação, ninguém olha para o Crer [Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo] como inovação, apesar de ter sido inovação quando lançado. A UEG [Universidade Estadual de Goiás] foi criação de Marconi Perillo, mas está aí há muito tempo e ninguém liga mais. José Eliton, para ser competitivo, precisa dessa marca de inovação. Mas ele se mostra somente com ideias de manter o legado do PSDB. O legado não é o que as pessoas estão querendo. Nesse sentido, o Ronaldo Caiado conseguiu trazer para a imagem dele a ideia de que ele é o transformador. Agora, Ronaldo Caiado é novidade? Não é. Ele é uma pessoa de tradição familiar dentro da política muito anterior ao que conhecemos hoje de política. Mas ele trouxe essa ideia de força. Em relação a Daniel Vilela, não tenho nada para falar porque ele é irrelevante. É como se ele fosse um Cabo Daciolo. Ele até tem mais votos que o Daciolo, proporcionalmente, mas é a mesma coisa.
Em relação ao PT?
Completamente irrelevantes. Não tenho nem o que dizer.
Agora, o que o estado realmente precisa na área econômica?
Não podemos contar com essa ideia de incentivos fiscais eternamente. Eles foram importantes e são importantes. Atraiu-se, durante muito tempo, empresas para diversificar a indústria no estado. Isso foi bom. O problema é quando se atrai empresas que não tem mercado consumidor. Empresas do ramo automobilístico, por exemplo, não tem mercado fornecedor nem consumidor em Goiás. Essas empresas estão aqui somente pelos incentivos fiscais. A partir do momento que elas perderem os incentivos fiscais, elas vão embora. Os centros de distribuição, nem tanto. Eles vem pela localidade, que para eles é muito importante.