“Considerando dados de hoje, o risco de racionamento é zero”
22 setembro 2019 às 00h00
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Secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável explica que queda na vazão de água do Rio Meia Ponte tem sido acompanhada e enfrentada desde o começo do ano
Quando a captação na bacia que abastece a Região Metropolitana chegou a pouco mais de 1,4 mil litros por segundo, muitos diziam que o plano da Saneago impedir que faltasse água em nove cidades era algo inevitável. De acordo com a titular da Semad, Andréa Vulcanis, a mudança no relacionamento dos fiscais com o produtor rural, que deixou de ser visto como um vilão, possibilitou que as normas ambientais fossem obedecidas e o número de autuações caísse. O diálogo teria sido primordial para que houvesse a compreensão de que a redução na capacidade de captação no leito da bacia era necessária, assim com o uso dos reservatórios.
Augusto Diniz – Como foi o primeiro contato com os produtores rurais para discutir a vazão de água da bacia hidrográfica do Rio Meia Ponte para informa-los que as outorgas teriam sua autorização diária de retirada de água reduzida em 50%?
Foi muito tranquilo. Mas tem um histórico. Quando iniciamos em janeiro, a minha orientação para as equipes de recursos hídricos foi “acabou a era da perseguição ao produtor rural”. Temos de fazer um diálogo, uma mediação. Não acredito em conflito. O acirramento da dinâmica que veio ao longo dos anos, meio ambiente contra agronegócio, é perverso, não traz resultados efetivos ou solução.
Entendi isso depois de lições aprendidas. Já cheguei a pensar de forma diferente no passado. Vimos que isso não produziu nenhum benefício para o meio ambiente. Nossa orientação foi completamente diferente. Fizemos todo um planejamento estruturado para que houvesse uma ampla mediação e negociação de interesses na bacia. Isso tem surtido um efeito significativo. Muito diferente do que já vi em qualquer outro lugar do Brasil.
Iniciamos logo no começo do ano, estruturamos internamente as equipes. As equipes não entendiam, achavam que isso não funcionaria, como reuniões, mediação, diálogo. Muito pelo contrário. Tivemos reuniões em todos os municípios. Entre março e abril o ambiente era de muita crise e conflito. As pessoas muito tensionadas. Fui a uma reunião em Inhumas, tinha mais de 250 pessoas, os produtores rurais muito tensos. Estavam nervosos com a situação. “Vamos enfrentar isso de novo. É multa, embargo, apreensão, lacre de bomba.”
Fui dialogando e explicando que tudo que seria feito teria antes uma apresentação e que eles teriam a oportunidade de discutir conosco, sobretudo ser antecipados quanto às ações da secretaria. Surtiu um efeito incrível. Neste momento, temos mais de 530 propriedades fiscalizadas, 22 autos de infração. Há efetivamente um cumprimento. Não é porque determinamos “não pune ninguém”. Muito pelo contrário. Quem estiver irregular tem de ser punido.
Estive com as equipes de fiscalização porque havia relato de que estariam desanimados. Os fiscais vão a campo e não encontram irregularidade. E esse é o objetivo de fiscalizar. Manter presença e não precisar ter que punir. Porque a fiscalização pode ocorrer de outra forma e isso tem sido muito interessante. Tanto é que estamos mantendo a vazão do rio dentro de uma regularidade.
Rodrigo Hirose – Na perspectiva de se aproximar mais do produtor ao invés do embate, o governo tem conversado sobre os reservatórios particulares. Quais são os resultados dessa ação? Quantos reservatórios o governo pode utilizar?
Já tínhamos feito todo o estudo de potencial de uso da água reservada. Mais de 70 reservatórios com espelho d’água acima de dois hectares. Um número significativo. Foi deixado para uma última estratégia. No plano de ação, esta possibilidade estava definida. Quando o rio abaixou muito a vazão repentinamente, no primeiro final de semana depois do calor mais forte, identificamos que era a hora de disparar essa estratégia.
Fez muito efeito. A vazão do rio retornou para níveis mais razoáveis, em torno de 2 mil litros por segundo. Já abrimos dois reservatórios com pleno consenso do produtor rural. O primeiro relatou que a presença do governador e do nosso pedido a ele para que fizesse a liberação voluntária foi um resgate da história. Esse produtor já havia sido punido em momentos anteriores, forçado a fazer a abertura do reservatório sem diálogo. E que a nova forma de proceder teria sido um resgate e que sempre que for assim ele estará à disposição para compor todas as necessidades e estratégias.
Entendemos que assim é mais fácil e menos doloroso. Quando pensamos a médio e longo prazo, que precisamos daquele produtor cuidando da muda que será plantada, da cerca que pode cair, da formiga que comerá a muda, não tem como ser com acirramento de conflito. Precisamos é mediar e buscar uma justiça e uma paz social que nos permita fazer um esforço conjunto e coletivo.
Augusto Diniz – O início do uso dos reservatórios se deu quando a vazão de água chegou a pouco mais de 1,4 mil litros por segundo, no nível crítico 4. Como foi feito o mapeamento dos reservatórios? Quantos foram detectados?
O mapeamento foi feito por imagem de satélite sobre os espelhos d’água. Detectamos pouco mais de 400 reservatórios. Mas destes, 70 com espelho d’água de dois hectares, ou seja, tem um volume maior e mais significativo. Abrir pequenos reservatórios é trabalhoso e a área disponível é pouca. Separamos os 70 com todas as coordenadas geográficas, fomos ao Cadastro Ambiental Rural e identificamos quem eram os proprietários.
Baixamos todos contatos e fizemos uma programação. Sempre temos cinco reservatórios à frente. De modo que abrimos um e temos mais cinco com os produtores contatados, os acordos e negociações realizados. À medida que se faz necessário, abrimos outro reservatório e damos sequência a essa ação que é bem estruturada e planejada. Porque em uma situação crítica, se não chover no próximo mês, e tivermos de abrir em um único dia mais de um reservatório, está tudo planejado para que não tenhamos nenhum susto.
Rodrigo Hirose – Como está o aproveitamento da Estação de Tratamento de Água do Sistema Produtor Mauro Borges?
A rede de distribuição não foi feita. Embora haja disponibilidade hídrica, a outorga para Saneago é de 6 mil litros por segundo. Só estão sendo utilizado 2 mil litros por segundo. E dos 2 mil, 800 litros vão para a interligação dos sistemas junto ao Meia Ponte. A rede de distribuição só atinge uma parte da cidade. Os estudos e licitações que estão em andamento para que haja uma maior distribuição que interligue os dois sistemas.
Os dois sistemas são quase que isolados hoje, salvo a interligação de 800 litros por segundo que ocorre por meio da adutora. Para o abastecimento de Goiânia, a solução deve acontecer com alguma celeridade. Se não para o ano que vem, porque depende das licitações e das obras, para o próximo isso deve estar resolvido. Temos de lembrar que o Meia Ponte não abastece só Goiânia, é um rio essencial para todos os nove municípios da região.
E os produtores rurais relatam que ano a ano há uma redução no volume de água dos afluentes e do próprio rio. E isso impacta a economia local, impacta a produção rural e o êxodo rural que isso pode ocasionar. A pobreza que vem em seguida com desocupações e com subutilizações do território por falta de água é uma realidade. Sobrevoei a região. Está muito degradada. Muita pastagem abandonada. Muita área que poderia produzir muito mais riqueza e que não produz devido à ocupação que aconteceu. Não vejo que há culpados. É um modelo de ocupação que precisa ser revisto.
“Minha orientação foi ‘acabou a era da perseguição ao produtor rural'”
Augusto Diniz – Há pouco mais de uma semana, quando a vazão da água no Meia Ponte chegou a um nível mais crítico, que mais seis cidades poderiam ser incluídas pela Saneago no plano de racionamento. Com o uso dos reservatórios, é possível dizer que está descartada a necessidade de se usar o plano?
O comportamento da natureza nós não temos como prever. Da onde vem a água quando não tem chuva? Dos reservatórios subterrâneos. Vem do lençol freático, dos aquíferos. Não temos dados diagnósticos para medição de aquífero. Não sabemos exatamente como está. Estamos vendo com muita evidência que está diminuindo a vazão. Os nossos estoques subterrâneos estão diminuindo.
Quanto? Não sabemos. Não existem dados de diagnóstico ou medição. Portanto não temos como dizer que vai continuar tendo água até quando. Não temos nem como dizer se só com os reservatórios resolve. Não tivemos um evento crítico nesta magnitude para saber se só com a água reservada isso se resolveria se eventualmente houvesse uma severa redução dos estoques subterrâneos.
Como não há dados, não há informação sobre isso, não temos como antecipar. Dizer que está completamente descartado o racionamento eu não posso. Posso dizer que até o dia de hoje está tudo sob controle. E se as coisas permanecerem assim não vamos entrar no nível crítico 4.
Rodrigo Hirose – Na atual perspectiva, no acompanhamento da evolução da vazão, de zero a dez qual é a chance de termos necessidade do rodízio?
Se considerarmos o dado de hoje, é zero. Não entra em racionamento se continuar assim. Estabilizamos no dia 13 de agosto até 7 de setembro em 2,8 mil litros por segundo. Agora estamos na casa dos 2 mil, com uma estabilização nos últimos dias depois que os barramentos foram abertos. Se conseguirmos manter a estabilidade em até 1,6 mil a 1,5 mil litros por segundo…
Vamos entender os números. 1,1 mil é o que a Saneago capta hoje com uma bomba mais os 800 litros que vêm do Mauro Borges. Em torno de 2 mil litros por segundo. Com isso, é possível abastecer a cidade com tranquilidade se o consumo não for muito incrementado. O que precisa de disponibilidade? 1,1 mil de captação da Saneago e mais, no mínimo, 300 a 400 litros de vazão remanescente para o rio não morrer do ponto de captação para baixo.
Do ponto de captação para baixo tem estação de tratamento de esgoto, onde começa a surgir odor. O mínimo para ficar mais ou menos equilibrado são os 1,5 mil litros por segundo, que é o nível crítico 4. Abaixo disso a situação fica realmente muito crítica.
Augusto Diniz – Era uma medida adequada o pedido do Ministério Público para que a captação por meio das outorgas fosse zerada?
Vou ser bem clara. Era absolutamente desnecessária e fora de propósito. No momento em que a ação foi ajuizada, estávamos com a vazão equilibrada em torno de 1,8 mil litros por segundo na média. Tínhamos picos de 3,4 mil, 3,5 mil litros por segundo, às vezes um pouco a menos. Se a Saneago capta 1,1 mil e chega no ponto de captação 2,8 mil, temos 1,7 mil litros por segundo a mais que passam do ponto de captação.
A água desce e vai embora. Não tem como reservar. Retirar a outorga para sobrar ainda mais e virar vazão remanescente é um completo despropósito, porque se interrompe a economia na região, a Saneago não vai captar. Não tem necessidade, a Saneago tem mantido até hoje com uma bomba ligada em razão do Mauro Borges. Do ponto de vista de segurança hídrica, a medida era e continua a ser completamente desnecessária.
Hoje, com os 2 mil litros por segundo – a Saneago capta 1,1 mil e sobram 900 litros. São 900 litros que vão rio abaixo em direção ao mar e não tem como reservar. A medida era totalmente fora de propósito. Tanto é que o juiz não concedeu a liminar.
Augusto Diniz – É possível que a Saneago faça reservatórios próprios ao longo do leito do Rio Meia Ponte?
Isso é possível de se fazer. É uma das alternativas. A Saneago não pretende abandonar o sistema Meia Ponte em momento algum, ainda que o Mauro Borges seja capaz de abastecer a cidade como um todo quando houver a interligação do sistema. Mas isso envolve uma série de estudos e avaliações de custo-benefício que precisam ser feitos. Em qualquer cidade é quase que impossível de se pensar em um único reservatório. Se esse reservatório contamina, a cidade fica sem um plano B até se reabastecer.
Estudam-se alternativas. A Saneago está desenvolvendo um estudo hidrológico para verificar quais entre todas as alternativas são as mais viáveis, se é fazer reservação no Meia Ponte, se é buscar uma captação mais distante em outra bacia. Será avaliado o custo-benefício para verificar quanto será preciso fazer de investimento. Quando fala em reservatório estamos discutindo desapropriação, área de inundação e uma série de situações que precisa ser dimensionada. A promessa é que até o final do ano o estudo esteja concluído. A tomada de decisão vem em seguida.
“Este ano a realidade foi outra. Mais seca, com mais tempo de estiagem”
Augusto Diniz – O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte fazia alertas desde o período chuvoso de que chegaríamos ao segundo semestre com problemas no abastecimento de água na Região Metropolitana. Como a Secretaria de Meio Ambiente se relaciona e trabalha as informações fornecidas pelo comitê?
O comitê é uma instância democrática de gestão da bacia, mas a Secretaria de Meio Ambiente é a secretaria executiva do comitê, ou seja, somos instâncias absolutamente interligadas. Nossas equipes estão dentro do comitê, promovem todos os debates, fazem toda a sustentação técnica e teórica da matéria para o comitê.
Nem vejo como duas instâncias separadas, embora institucionalmente assim pareça. Mas é fato que todas as ações do comitê são fomentadas e gerenciadas pela secretaria, que faz parte. Os alertas, antes do comitê, vieram dos nossos estudos hidrológicos. Já havíamos feito uma estatística, detectamos no primeiro dia de trabalho. A equipe de recursos hídricos trouxeram o problema do Meia Ponte como uma realidade para este ano, uma realidade que iria acontecer.
Apresentamos os dados, identificando a situação pluviométrica, das previsões de recarga de fluxo hídrico. A crise está estabelecida. Tanto que em março o governador editou o decreto de alerta hídrico. Já sabíamos que a situação estaria desta forma. O que não teríamos como prever era uma estiagem tão longa. No ano passado, no dia 15 de setembro já estava chovendo e com chuva de 35 milímetros, que é um volume bastante significativo em agosto.
Este ano a realidade climática foi outra. Mais seca, mais tempo de estiagem. Mas a situação só está sob controle neste momento porque desde o início já sabíamos e estabelecemos todas as medidas necessárias para fazer a contenção.
Rodrigo Hirose – Nos últimos anos, o volume de chuva tem ficado abaixo da média do Estado. A perspectiva para 2019 é que isso se repita, já que a estiagem passou de quatro meses em Goiânia, superando o mesmo período do ano passado?
É uma tendência que temos verificado nos últimos cinco anos. Os dados estatísticos mostram uma redução do volume médio de chuvas. Previsão do tempo é uma coisa que nós não temos segurança absoluta sobre o que vai acontecer este ano. Cada ano é um ano. Pode ser que se repita um ano hidrológico ruim, pode ser que melhore um pouco. Mas tem alguns fatos que precisam ser bem esclarecidos.
Como manteríamos uma segurança hídrica do Meia Ponte? Não basta só chover, ter uma quantidade de chuva, mas essa chuva precisa infiltrar e recarregar os aquíferos. Quando passamos cinco anos com uma carga menor ano a ano do que o anterior, precisamos de um volume muito significativo de chuva para fazer a recarga. A chuva precisa cair, infiltrar no solo e atingir o lençol freático.
Aqui chamam de invernada. Passavam 15 a 20 dias chovendo pouco, mas todo dia caia aquela chuva mais fina. Aquilo permite que o lençol encharque e a água infiltra cada vez mais e os aquíferos são recarregados. Essa realidade climática mudou completamente. A invernada praticamente não acontece mais. A chuva cai torrencialmente, não tem tempo de infiltrar. Escorre para o rio e vai embora.
O nosso solo, por estar ainda comprometido do ponto de vista de vegetação nativa, porque a raiz das árvores ajuda a transportar essa água para o lençol freático. O desmatamento na bacia é evidente, o que torna esse transporte dificultado. E há a questão adicional da compactação do solo nas áreas de pastagem. Onde tem pastagem degradada a chuva cai e não consegue infiltrar. É uma água que escorre e vai embora.
Isso tudo é uma dinâmica ambiental grandiosa, da perspectiva da funcionalidade de cada elemento da natureza, como que as chuvas se comportam naquele solo que está exposto ou que tem uma cobertura de vegetação nativa. Como essa dinâmica está acontecendo e qual é a dinâmica dos nossos aquíferos? Não temos estudos para saber como esses aquíferos estão. Isso é uma realidade.
Ainda que chova muito, qual é a capacidade real dos aquíferos de receber essa chuva? Quando é uma tempestade não dá tempo. O solo encharca por cima. Ou às vezes nem consegue encharcar porque está muito compactado em cima, a água escorre e vai embora. Isso ainda depende de muito estudo e diagnóstico.
Mas no momento em que falamos da evidência da degradação da bacia, temos de correr para recuperá-la com os poucos recursos que temos e pensar em adquirir mais recursos para pesquisas. Estas discussões nacionais sobre os cortes de recursos para pesquisas impactam, inclusive, soluções de médio e longo prazo para situações tão críticas como as do Meia Ponte e do Araguaia.
“Não sabemos como está o ar de Goiânia. Não temos medição”
Rodrigo Hirose – Desde 2010, a Região Metropolitana de Goiânia ganhou cerca de 450 mil habitantes em oito anos. É praticamente anexar uma nova Aparecida de Goiânia na região. Qual impacto que esse inchaço populacional tem na crise hídrica?
O impacto ocorre em dois momentos. Primeiro no consumo maior de água. Precisa cada vez mais água disponível para mais pessoas. Precisa produzir mais água na bacia e o alto da bacia precisa ter água disponível para garantir cada vez mais pessoas consumindo essa água.
Em um segundo momento, toda a região da Grande Goiânia fica impermeabilizada. O que acontece no alto da bacia com a impermeabilização pelo uso inadequado do solo, aqui ocorre pela impermeabilização urbana. Isso impacta o rio daqui para baixo. O rio segue, tem outras regiões que banha. É uma dinâmica extremamente complicada do ponto de vista de gestão de recursos hídricos.
A dinâmica de uso dos solos é algo que temos controle. Precisamos evitar a ação impermeabilizadora nas cidades, com normas de uso e ocupação do solo que garantam que o terreno não esteja impermeabilizado para receber a chuva, abastecer os aquíferos. O rio segue a vida dele e vai alimentar outras bacias para baixo. As notícias dão conta de problemas hídricos em boa parte do Centro-Oeste, no Nordeste e no Sudeste. Há notícias de situações bastante graves em Minas Gerais também.
A bacia corre para lá, a água que deveria chegar não chega. É um efeito cascata que ocorre. É um esforço coletivo. Não podemos pensar só a dinâmica da cidade de Goiânia e da Região Metropolitana. A dinâmica hídrica é nacional.
Augusto Diniz – A Saneago tem investido em campanhas de conscientização da população. Qual a dificuldade em tentar mudar os hábitos da população em um período seco, quando o consumo aumenta principalmente pelo calor e a baixa umidade do ar?
Essa uma das nossas maiores dificuldades. Não tem Estado brasileiro que consiga mudar o hábito do cidadão se ele precisa fazer um esforço de conscientização. Não conseguimos fiscalizar esse uso de forma alguma. É essencialmente cultural. Eu ia para a escola quando era criança e pensava que um dia faltaria água. E hoje estamos fazendo gestão de escassez hídrica.
Mudança cultural precisa começar desde criancinha. Sabemos que fazer mudança cultural em adulto é muito difícil, mas é necessário. Temos de trabalhar com a ideia do conceito positivo de como produzir água. Como fazemos para com que essa água retorne?
Saímos recentemente com uma equipe de fiscalização e fomos a uma fazenda em Inhumas. O gerente relatou que no ano passado foi notificado porque não tinha as outorgas, as nascentes estavam ocupadas com gado. A partir das notificações, o replantio das áreas, com cercamento, foi feito. A água que não corria mais no terreno dele no período de seca passou a correr do ano passado para este ano. Bastou fazer o cercamento das nascentes e da área de preservação permanente.
Ele disse “nós só fizemos porque fomos demandados pela Secretaria de Meio Ambiente, agora vimos o quanto é importante a ação de voltar a correr água nos períodos de estiagem”. É uma consciência que terá de ocorrer de como o setor urbano consegue contribuir com o setor rural para produzir água. Precisamos pensar numa dinâmica de riqueza de produção. Porque a uma mudança de cultura é absolutamente necessária, mas é muito difícil de implementar para uma população adulta.
Todas as campanhas têm de ser repetidas. É igual como foi com o cigarro, anos e anos fazendo campanha de conscientização contra o fumo. Mas ainda existem fumantes. É uma dinâmica de longuíssimo prazo, uma política pública que tem de continuar a ocorrer. Mas prefiro trabalhar com a hipótese de produção de água. Como fazemos? Com esforços conjuntos para produzir mais água.
Augusto Diniz – Há uma preocupação muito grande, até pela vitrine mundial que existe, que é a importância das chuvas que vem da região amazônica com o aumento do desmatamento ilegal e o aumento das queimadas, a maioria delas criminosa que tem aumentado na região. Mas ao mesmo tempo acabamos esquecendo de outro bioma que é sacrificado que é o cerrado, berço das águas. O que fazer para tentar diminuir esses inicios de incêndios criminosos, seja culposo ou criminosos?
Trabalho de conscientização, as vezes é um descuido, sem ser proposital, como o escapamento do veículo que estava soltando uma faísca porque não estava bem regulado e acabou provocando um incêndio. Como faz para a pessoa tomar consciência? É um esforço cultural que precisa mudar para garantir segurança, esse ano as queimadas estão gravíssimas, são danos não só ao meio ambiente, mas também patrimoniais. Tiveram fazendas onde queimaram 2 mil cabeças de gado, queimou cerca, galpão, construídos com muito investimento e sacrifício e de repente, num dia só, tudo isso desaparece. Neste caso do incêndio começou na fazenda de um vizinho e passou para o outro. As pessoas precisam tomar consciência das ações que elas tomam. O ser humano perdeu o contexto de mundo, ele olha muito a dinâmica dele, igual o caso da carcaça do boi que foi queimado, o homem não teve noção de um contexto maior, que aquilo causaria um efeito muito maior. Precisamos rever nossa civilidade, e pensar mais no coletivo, essa é a principal mudança que precisa acontecer no Brasil. As pessoas precisam cumprir leis, normas.
Rodrigo Hirose – Os conceitos passam por mudanças na forma como a gente produz e consome?
Sem dúvida nenhuma. As pessoas abrem a torneira e sai agua, ninguém sabe o esforço para aquela água estar naquela torneira. Uma pessoa joga o saco de lixo fora e o caminhão recolhe e a pessoa nem sabe para onde vai, se desconecta da realidade. A nossa pegada humana está danosa, isso precisa de consciência e educação. Tudo passa por como a gente se posiciona na vida. As crianças acham que o leite vem dentro da caixinha. A gente está perdendo essa noção de realidade urbana. Precisamos reconectar com a nossa terra e a nossa existência.
“Como manteríamos uma segurança hídrica no Meia Ponte? não basta só chover”
Augusto Diniz – A escassez de água tem afetado o Estado de forma geral, apesar de lembrarmos mais da Região Metropolitana, Tivemos recentemente, na hora do almoço, aquela fumaça que mudou a cor o céu. Já dá para dizer o impacto ambiental que as queimadas têm provocado?
Esse é outro problema que temos que encarar. Goiás não tem política pública implantada de qualidade do ar. Não sabemos como está o ar de Goiânia. Não tem aparelho de medição na cidade. A dinâmica na qualidade do ar acontece por queimadas, mas também é influenciada pelos escapamentos dos veículos, por indústrias e não temos uma política pública implantada. Temos legislações, mas não foram implementadas executivamente.
Essa é uma situação que a gente estuda para implantação do Plano de Controle a Poluição Veicular, já estabelecido em resolução do Conama há muitos anos e Goiás está com todos os prazos estourados, não enfrentou essa política até o momento. Estamos identificando em Goiás quais as localidades terão equipamentos de monitoramento da qualidade do ar. O efeito é muito severo sobre a saúde humana. A poluição onera demais o custo do Sistema Único de Saúde. São Paulo avançou muito detectando essas realidade e Goiás nem pensou nisso ainda. Precisamos implantar definitivamente, tem que verificar onde esses equipamentos serão instalados, ter dinâmicas de alertas para a população, uma série que precisa acontecer para manter a qualidade do ar que é tão importante quanto a qualidade da água.
Rodrigo Hirose – A senhora comentou numa entrevista que foi discutido numa reunião a implantação de uma taxa pelo uso do produto ao invés da distribuição. O governador se posicionou contrário a criação de novas taxas. A senhora pensa que essa taxa, mesmo com o governador sendo contrário, é viável?
Essa reunião foi da instalação do comitê permanente de monitoramento da crise hídrica, não do enfrentamento que se faz todo ano, mas solucionar o problema com busca de solução. Várias propostas foram colocadas na mesa e uma delas foi a discussão para saber de onde vem o orçamento para financeiro a revitalização da bacia, os custos são caros para esse processo todo. Comprar sementes, controlar formiga, manutenção de cerca e reestruturação de terra, tudo é investimento, é custo. A discussão começou a identificar quem fica com o que. Os municípios estão em situação financeira grave. Apesar de ser uma discussão política, precisa também ser uma discussão da sociedade. Ela precisa parar para pensar como vai produzir água. A lei de recursos hídricos, tanto a lei federal quanto a estadual, prevê a cobrança pelo uso da água. Os usuários da água bruta têm obrigação legal de fazer a cobrança, muitos estados iniciaram essa política. E esse orçamento deve voltar diretamente para a bacia. Ou vamos continuar encarando crise ano após ano ou vamos partir para uma solução.
A solução depende de investimento. Cidades como Nova Iorque implantaram tarifa social, com custo baixo, de cerca de três dólares na conta para formar um fundo para revitalizar a bacia e a cidade, agora, tem segurança plena. Com faz essa discussão no Brasil nesse momento? Há compromisso do governador de não onerar mais o cidadão, estou de acordo com ele, precisamos refletir sobre os custos do estado e como a máquina pública pode ser menos onerosa, mas tem ao mesmo tempo um desafio grande aqui para encarar soluções de longo prazo.
Augusto Diniz – em janeiro, a senhora disse que um grande trabalho da secretaria era reduzir a quantidade de papel e a falta de informatização das informações. Como está essa situação hoje?
Avançamos em muita coisa. Em 9 meses não deu tempo de fazer todas as coisas, tem um tempo natural de maturação. Estamos discutindo um sistema de outorga no momento. A partir da semana que vem devemos implantar um sistema informatizado. Isso agiliza vários aspectos sobre a agilidade dos atos autorizativos da secretaria. No caso do licenciamento ambiental fizemos a modelagem do licenciamento e vamos lançar as normas, da validade e da publicação dele para fechar a modelação do sistema.
Por exemplo, chega um processo de licença ambiental com um parecer favorável ao licenciamento, mas quando vai procurar a outorga, ela foi indeferida por indisponibilidade de recursos hídricos. Essa falta de cruzamento de informação gera impacto significativo. Você tramitou o processo por anos sem saber que teve outorga indeferida para o mesmo empreendimento na mesa secretaria. Isso gera impacto administrativo e financeiro. Queremos eliminar papel no menor espaço de tempo. As outorgas a gente já eliminam no mês que vem. Do licenciamento ainda está em modelação porque é mais complexo.
Augusto Diniz – Dá para ter noção do tamanho da demanda reprimida de outorga e licença?
Outorga tem 6 mil processos, nesse momento analisamos os pedidos de 2016. São três anos de fila. Agora esperamos que essa fila ande mais rápido porque o sistema analisa e a gente só homologa. Da forma como estamos modelando não tem nenhuma no Brasil. No ano que vem teremos o melhor sistema de licenciamento e outorga em Goiás.
“Mudança cultural precisa começar desde criancinha. Sabemos que fazer isso com adulto é muito difícil, mas é necessário”
Rodrigo Hirose – A secretaria fez levantamento das barragens. Qual foi o diagnóstico? A partir dele quais a ações serão tomadas?
Não havia segurança pública sobre barragens e estamos avançando nesse tema com política púbica de campo. Nosso sistema tem uma diferença em relação ao demais do brasil porque ele classifica o risco das barragens já no primeiro cadastro. O agricultor responde 17 perguntas no sistema e na última já tem a classificação da barragem. O sistema avisa quais estudos precisam ser entregues, se precisar entregar algum. Temos recebido queixas porque onera o produtor. Mas a gente explica que da mesma forma que um dono de um carro precisa manter ele em dia para rodar, o dono da barragem também precisa manter a sua em dia. Há ainda resistência, mas é um processo que deve ter consequência. Os Estados têm obrigação de controlar. Para isso estamos treinando as equipes de fiscalização das barragens. Na semana que vem, as equipes vão para o rio Araguaia para ensinarem os produtores a fazerem o cadastro das suas barragens. Mas tudo está bem avançado.
Augusto Diniz – O Popular fez uma matéria sobre a possibilidade de a inciativa privada investir na estruturação no Parque do Morro da Serrinha. Como está essa discussão?
Ela começou há alguns meses. No começo do ano havia vários processos de orçamentos que precisavam ser solicitados a Secretaria da Economia. Em deles era o projeto para montar o parque da Serrinha, algo em torno de R$ 4 milhões. Na difícil situação financeira do Estado decidimos não avançar com esse projeto porque não tem dinheiro para fazer. Recentemente recebi uma intenção da iniciativa privada em apurar os projetos, tem vontade da secretaria de Cultura também de atuar em conjunto com outros órgãos. Por enquanto está em estudo.
Augusto Diniz – A sra. tocou no assunto da questão financeira e corte de gastos. Boa parte de outras secretarias deixou a estrutura da Secretaria de Meio Ambiente. O que é essa nova secretaria?
As ações de cidades e infraestruturas e assuntos metropolitanos são pequenas e localizadas. A gestão é de pequenos projetos de infraestrutura. Tinha o projeto do parque da Serrinha, mas o que é esse projeto em relação ao estado de Goiás. São projetos pequenos, mas ainda que mostrasse necessidade e efetividade para ser implantado, precisa ser estudado a fundo.
Diante desse contexto precisávamos reestruturar a secretaria porquê da forma como as políticas de Estado aconteciam, acabavam sendo irrisórias. Meio ambiente não pode parar, a dinâmica é grande. Conversei com o governador para ampliar essa área de Meio Ambiente e fiz todo o demonstrativo para ele e a estrutura de Goiás, atualmente, é a mais enxuta em relação aos demais órgãos no Brasil. Em Minas Gerais, por exemplo, tem 1.800 servidores, e Goiás tem 82. Essa carreira é muito enxuta.
Augusto Diniz – O ideal é que a secretaria tenha quantos fiscais?
Para se fazer uma política efetiva e séria é preciso um efetivo bem maior. No mínimo triplicar a força de trabalho que a gente tem hoje.
Augusto Diniz – Por isso a secretaria começou a fazer convênios com as prefeituras?
Diante do nosso baixo quadro de pessoal e sem poder fazer concurso, tivemos a ideia de usar os analistas municipais. O estado vai capacitar esses servidores municipais concursados para receber, em contrapartida, a força de trabalho para ajudar a superar esse passivo nosso. O trabalho começa dia 24 de setembro. É um esforço bem cooperado. Esperamos ter sucesso, mas não temos noção de como vamos receber esses analistas por não saber como eles vão chegar ou saber em quanto tempo eles vão produzir resultados.
Augusto Diniz – Como está a discussão do ICMS ecológico?
Recebemos o ICMS ecológico como uma Lei e um Decreto. Mas é preciso mudar a legislação porque as redações de Decretos em Goiás são muito ruins. Detectamos que muitos municípios são deficitários, não têm pessoal para ler e entender uma norma, por exemplo. Acontece de servidores municipais digitalizarem um papel em branco no meio do processo de inscrição do ICMS, como a se a gente não fosse olhar. Então existe essa deficiência que dificulta que os municípios realizem ações de política ambiental e isso reflete no ICMS.
Na hora que estabelecemos os critérios para receber o ICMS ambiental, a maioria não consegue concluir o processo. Neste ano foram 170 inscritos e só 40 passaram na primeira etapa de pontuação mínima. Esse ano o Estado vai fazer essa discussão. Vamos receber os municípios para conversar e ajustar o processo de forma mais justa para todos, levando em consideração essas deficiências.
Augusto Diniz – Da forma como está estabelecido atualmente, como o município recebe o ICMS?
Tem três faixas de recebimento conforme a pontuação do município: 3%, 1,75% e 0,75%. São essas três alíquotas. Funciona como um bolo do ICMS total, que é dividido aos municípios que estão habilitados a receber. Para se habilitar tem dois requisitos: ter reservatório manancial no município ou manter reserva ecológica dividida com município vizinho.
Euler de França Belém – O Rio Araguaia é recuperável ou será uma questão que ainda se arrastará por muitos anos?
O Rio Araguaia é recuperável. Acredito que tecnicamente tudo é possível. O desafio do Araguaia é gigantesco. A bacia é muito grande. Em números absolutos, do Alto do Araguaia, que está no objeto do Juntos Pelo Araguaia, tem 2,7 milhões de hectares só do lado de Goiás. A bacia do Alto Meia Ponte tem 170 mil hectares. Veja que é uma bacia grandiosa e estamos falando só das cabeceiras.
Como é um rio de planície, a realidade do Araguaia é muito difícil. Além de ser muito grande, é muito oneroso o processo de recuperação. Temos dados que são bastante chocantes. A Universidade Federal de Goiás (UFG) detecta em torno de 200 mil toneladas de sedimento por dia sendo carreadas para o rio nos períodos de chuva. A situação é grandiosa em todas as perspectivas: do ponto de vista do dano ambiental, do desafio e das dimensões que existem do Araguaia só do lado de Goiás, sem considerar Mato Grosso, o Médio e Baixo Araguaia.
Tudo é possível e viável. Precisamos dar o primeiro passo. Juntos Pelo Araguaia é um projeto que tem toda viabilidade e já está em elaboração do projeto executivo. Temos equipes de professores financiados por recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional. Estamos dando os passos que precisam ser dados. Sabemos que é um desafio de longuíssimo prazo. E é importante fazer para que aquele patrimônio, mais do que ambiental, hídrico e cultural de Goiás possa continuar a existir.
Euler de França Belém – No século XIX, um mineiro que foi governador de São Paulo e de Goiás – falava-se presidente -, chamado Couto Magalhães, transportou um barco nas costas trazido da Inglaterra e navegou no Rio Araguaia. Na primeira vez, sofreu um naufrágio e quase morreu. É possível pensar em navegação no Araguaia?
Nas condições atuais, em razão de todo aporte de sedimento no rio, o Araguaia tem ficado cada vez mais com a lâmina d’água mais curta e mais largo. O rio está perdendo a navegabilidade em razão de todo processo erosivo. Sobrevoei a região e vemos muita degradação. O Cerrado tem uma característica muito típica. A vegetação do Cerrado tem mais raiz do que a parte externa. Essas raízes que seguram o solo, que é um solo mais frágil e arenoso, permite a água infiltrar até os aquíferos, os lençóis freáticos.
É uma realidade. O desmatamento em Goiás nessas regiões é muito grandioso. E isso tem impactos severos. E a natureza demora a reagir. Com quem eu converso diz “há 20 anos, quando eu era criança, o rio cobria a minha cabeça” ou “tínhamos um córrego no fundo da fazenda”. Agora dizem que não cobre o pé e no período mais crítico o rio interrompe. Essa é a realidade de ocupação e uso do solo no Cerrado, que é muito frágil. Isso sempre foi dito. Trabalho com meio ambiente há mais de 20 anos e sempre ouvi que o Cerrado tem uma situação que é diferente.
No Paraná, a situação climática, de solo, é muito diferente. Em Goiás, a realidade da sensibilidade do uso e ocupação do solo precisa ser repensada. Se não for redimensionada com uma nova proposta a relação do homem com o solo no Cerrado, a tendência é haver uma situação muito mais grave.
“Mesmo que eu, enquanto Estado, faça uma ação, promova o replantio, é o produtor que fará a gestão ao longo do tempo”
Euler de França Belém – A sra. é leitora do Dalton Trevisan?
Sim. A minha mãe, que tem 85 anos, me lembrou disso ontem. Quando eu era criança passava uma propaganda lá em Curitiba (PR) do bicho do Paraná. E o Dalton Trevisan era um bicho do Paraná. Ainda criança eu dizia para a minha mãe “vou ler o Dalton e conhecer porque um dia também quero ser bicho do Paraná”. E eu me lembro dos livros do Dalton que li.
Euler de França Belém – A sra. leu o livro do Michel Sanches Neto sobre o Dalton Trevisan (“Chá das Cinco Com o Vampiro”. 2010, Companhia das Letras)?
Esse eu não li.
Augusto Diniz – A sra. citou que o Juntos Pelo Araguaia está na fase de elaboração do projeto executivo. Em que ponto está essa etapa?
O projeto executivo envolve dois momentos. O primeiro é de estudo de áreas prioritárias, onde daquele universo de mais 2 milhões de hectares as intervenções são primordiais para garantir a segurança hídrica, onde serão feitos os replantios, o manejo de solo de forma mais adequada, as curvas de nível. Isso está sendo estudado e definido.
O projeto se propôs a fazer 5 mil hectares do lado de Goiás e 5 mil hectares do lado do Mato Grosso. Mas onde fazer esses 5 mil hectares em um universo de 2 milhões? O estudo de áreas prioritárias dentro do projeto executivo envolve a seleção das áreas. A Universidade Federal de Viçosa (UFV) já tinha desenvolvido uma metodologia e que está sendo adaptada para a região do Rio Araguaia. O projeto executivo vai detalhar onde, qual a estrutura metodológica.
Do ponto de vista metodológico, todos os estudos que vem sendo feitos pelas universidades, inclusive pela UFG, são necessários para poupar tempo e investimento em pesquisa. As pesquisas já existem e dão indicativos muito claros de quais são as intervenções que têm de ser feitas.
Rodrigo Hirose – Na prática, o que será feito?
Será feita a recuperação de solo, o que inclui terraceamento, barraginhas, as curvas de nível para garantir que o solo seja estabilizado. As erosões são muitas. Só no município de Mineiros são 6 mil voçorocas detectadas. Haverá intervenções às vezes de engenharia, intervenções de recuperação, de replantio. Faz-se o replantio como uma estratégia de recuperação. Além do reflorestamento das áreas que foram identificadas como prioritárias.
São ações que envolvem diretamente os produtores rurais, os proprietários. Eles precisam autorizar os acessos às propriedades, se envolver no engajamento, para permitir que as intervenções venham a ocorrer. Inclusive, com a própria obrigação e parceria que precisam, uma vez que a obrigação de manter as áreas de reservas permanentes é do próprio produtor, do proprietário rural.
O projeto envolve mobilização, regularização ambiental do ponto de vista do PRA [Programa de Regularização Ambiental] e do CAR [Cadastro Ambiental Rural], os replantios, a assistência técnica para identificar os locais, como se faz a curva de nível. São basicamente duas propostas: segurar a terra onde ela tem de ficar, no lugar dela, e replantar as beiras de rio e as áreas recarga.
Rodrigo Hirose – É necessária alguma restrição do acesso humano ao rio? O uso intensivo das práticas turísticas precisa ser mais bem regulado?
Até estive lá este ano para entender melhor essa dinâmica. Vimos que alguns acampamentos são bastante sustentáveis na ocupação, na coleta do lixo. A parte de esgoto ainda é uma das partes mais críticas. São abertas valas. O local em que os acampamentos se estabelecem é o leito do rio nos períodos de cheia. Isso é algo que precisa ser um pouco melhor pensado. Acreditamos até na dinâmica de contaminação.
Naquele momento, as análises de água deram uma ótima qualidade. Estamos repetindo, assim que voltarem as chuvas, para verificar se aquele material todo é capaz de causar algum dano. Tudo isso precisa ser revisitado. Lembrando que a quantidade de praias fica cada vez maior e é resultado de uma degradação ambiental. O que parece, de um lado, muito belo, muito bonito, também tem o efeito de ser o sedimento. Essa terra não deveria estar dentro da água. Mas é a realidade que encontramos.
Rodrigo Hirose – A política de cota zero para pesca no rio é suficiente ou precisa avançar mais?
É preciso avançar em cota zero. Era uma política já implantada, que nós reeditamos. Não existem estudos sobre diagnóstico de recursos pesqueiros na região. Os estudos são muito escassos sobre o assunto. Há um mês estivemos com a Fapeg [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás] junto com a UFG para tentar identificar novas pesquisas que possam mapear melhor o diagnóstico sobre o ambiente aquático no Araguaia e de todas as nossas bacias. Temos poucos estudos.
Na hora de reeditar, não tínhamos estatística para saber se é uma política que foi de sucesso ou não do ponto de vista biológico, das espécies. Como pegamos o Estado em uma situação na qual a Secretaria de Meio Ambiente estava muito desarticulada, muito desestruturada, tudo isso faz parte das coisas que precisam ser feitas. O desafio ambiental em Goiás é gigantesco.
Augusto Diniz – O anúncio do programa foi feito em uma das margens do Rio Araguaia com a presença do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Chamou a atenção o fato de os discursos terem focado muito no produtor rural. Isso preocupa ao pensar na elaboração do programa ou os discursos não importam, mas sim a inclusão do produtor rural é o que interessa?
Neste caso, acreditamos, sobretudo, que o sucesso deste projeto assim como qualquer projeto de revitalização de bacias não é possível de existir sem o engajamento do produtor rural. Vimos ao longo dos anos a política de comando e controle, que é determinar a obrigação, fiscalizar se há o cumprimento, com aplicação de multa se a obrigação não é cumprida e aplica um embargo à atividade. É uma política que definitivamente não produziu resultados. A degradação está aí, estamos vendo.
No caso da revitalização de bacias, os cases de sucesso no Brasil só foram possíveis graças às iniciativas que promoveram um engajamento, uma conscientização e uma aproximação com o produtor rural. Porque o produtor que se coloca contra, o Estado definitivamente não consegue alcança-lo por meio de fiscalização. É impossível, é inviável. Temos hoje na secretaria 12 fiscais. Imaginem o que é isso para alcançar um Estado com este tamanho.
É o produtor rural que cuida da planta. Mesmo que eu, enquanto Estado, faça uma ação, promova o replantio, é o produtor que fará a gestão ao longo do tempo. Se o produtor não estiver engajado pensando que a cerca caiu e ele precisa recuperar aquilo para o gado não invadir, não matar a planta que foi plantada, se intervirá da forma adequada com uso de equipamentos para garantir a manutenção das curvas de nível ou fará a manutenção das barraginhas para garantir que o gado não vá até a beira d’água, mas que beba água em lugares mais adequados, o sucesso do programa não acontece.
O programa é caro, os investimentos são caros. E sem o engajamento do produtor rural, entendemos que é recurso desperdiçado se não houver uma conscientização muito próxima. Mais do que ser um discurso, é o que acreditamos ser a única solução para o sucesso do programa.