Aline Bouhid, Ítalo Wolff e Marcos Aurélio silva

A opinião pública tem se ocupado em discutir e buscar dimensionar como será a relação do governo do presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva (PT), com os militares. A aposta do professor e doutor em história  das relações internacionais

Carlo Patti, é de que o petista possui capacidade de diálogo mesmo com as alas mais radicais das forças armadas, tendendo a neutralizar atritos na gestão que se iniciará em 2023. 

O professor Carlo Patti é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG), que completou 10 anos neste mês, e atua em pesquisas sobre a história do programa nuclear brasileiro, tema que é tratado pelo alto comando militar e de autoridades civis. É dai que vem o conhecimento sobre a relação entre as forças armadas e o governo federal.  “Creio que a relação no próximo governo seja equilibrada. Não acho que os militares devam sair de tudo, mas serem limitados em cargos do governo”, aponta. 

Em entrevista ao Jornal Opção, o professor, que possui publicações que relatam a trajetória do Brasil na questão nuclear, explicou como o País tem buscado se posicionar quanto a política armamentista e como o governo de Lula pode reatar relações da política externa que se deterioraram nos últimos anos. 

Marcos Aurélio Silva –  O sr. adquiriu renome na academia e para além dela, pesquisando um tema que é pouco conhecido da sociedade brasileira, que é a trajetória do Brasil na questão nuclear. O que tem de singular em seus estudos?
Minhas pesquisas em geral são sobre a política externa brasileira, quanto a segurança internacional e da história das relações internacionais em geral. Atuo, sobretudo, com fontes primárias, ou seja, faço pesquisas de arquivos.

Meus livros estão baseados em arquivos de oito países diferentes. Foi necessário fazer uma pesquisa em várias línguas para ter o quadro mais completo sobre o Brasil. Para entender esse País, foi necessário entender como os outros países estavam vendo o Brasil, para assim visualizar melhor essa história que sempre foi contada de maneira parcial e sem ter todas as fontes disponíveis.

Marcos Aurélio Silva – Suas pesquisas sobre o programa nuclear brasileiro resultou na publicação de dois livros. Quais são eles?
Tenho dois. Um é o livro que saiu entre 2014 e 2015, publicado pela Fundação Getúlio Vargas, onde trabalhei até 2013. Ela é uma coletânea de entrevistas com figuras marcantes da história nuclear brasileira, entre eles, políticos, militares, diplomatas e cientistas. 

Depois tem um segundo livro, publicado em dezembro de 2021, pela  Johns Hopkins University Press, sendo uma das principais editoras acadêmicas do mundo. Esta obra fala sobre a história do programa nuclear Brasileiro. O livro se chama Brazil in the Global Nuclear Order, 1945-2018, onde de fato apresento minhas pesquisas de doutorado e pós-doutorado sobre a história do programa nuclear e suas motivações.

“Há 10 anos achávamos que no Brasil
não existia eleitorado de direita”

Neste último livro, trato sobre o fato do Brasil nunca ter tido uma bomba, se o País teve, em algum momento, essa ideia, qual a capacidade atual e qual foi o posicionamento brasileiro entre aqueles que tem o regime de não proliferarão nuclear.

Fazendo um gancho com as pesquisas futuras, nos próximos meses faremos um evento na UFG, sendo um seminário grande sobre a posição do programa nuclear brasileiro e tratando de forma específica o impacto nessa posição, o acidente radiológico em Goiânia – Césio-137. Minha presença na cidade não é causal, porque de fato tem uma razão que é a importância do acidente radiológico, o principal no mundo em âmbito civil. Esse é um dos desdobramentos das pesquisas. 

Marcos Aurélio Silva – Como esses livros foram recebidos pela crítica internacional?
O livro Brazil in the Global Nuclear Order, 1945-2018, foi muito bem recebido pela crítica, tanto no Brasil como no exterior. Houve bastante repercussão em resenhas que apareceram em importantes revistas internacionais. Isso ocorre porque o caso do Brasil, neste âmbito específico nuclear, é muito importante sobretudo para entender quais são as razões do projeto que tem hoje. Refiro-me a construir e ter uma frota de submarinos com propulsão nuclear.

Essa publicação é importante para entender como um País considerado em desenvolvimento, e agora um País emergente, pode se situar no contexto internacional. O Brasil é um dos países com aspiração – e terá ainda mais agora com o governo Lula – de ocupar um dos acentos permanentes nas Nações Unidas. Somos aspirantes a essa vaga por não termos bombas atômicas, mas com capacidade para te-las. O Brasil é um dos países com histórico pacífico, mas com tecnologias e capacidade para ter bombas atômicas. 

Ítalo Wolff – O Brasil, em 1950, tinha apoio suficiente para começar a produzir um programa nuclear. Porque o País decidiu não fazê-lo?
Primeiro por razões internas. O País desde a década de 50 passou por várias transformações políticas. A principal, e mais evidente, era a mudança de um regime democrático para um autoritário, além das várias crises financeiras. Isso não garantia a continuidade de um programa nuclear. Também eramos um País rural que começou a se industrializar de maneira maciça na segunda metade da década de 50 e 60. Naquela época a energia nuclear representava um dos motores da modernidade, mas o Brasil não tinha os recursos materiais, humanos (não havia um setor cientifico no Brasil, naquela época eram apenas 3 universidades de médio porte) e faltava decisão política.

Mesmo assim havia nos setores mais nacionalistas um forte enfase da necessidade de energia nuclear, fosse para finalidade pacíficas ou para artefato para razões de segurança. Mas o Brasil, na década de 50 até a década de 80, deu grandes passos para frente e conseguiu montar um setor nuclear em 1987, como fruto de um projeto que surgiu em 1979. O Brasil conseguiu alcançar um resultado importante, que foi o de dominar as fases mais importantes do combustível nuclear, ou seja, a capacidade de criar o combustível que fosse útil tanto para finalidade pacificas quanto militares. 

Tínhamos a tecnologia de enriquecimento e dominávamos as tecnologias para processamento de material radiado. Ou seja, o combustível que já tinha sido utilizado, mas no momento que se faz a reconversão ele se transforma em plutônio. O plutônio e urânio enriquecido são materiais úteis para construir uma bomba atômica.

Na década de 80 o Brasil chegou a esse ponto, havia uma usina de produção de energia elétrica nuclear. Mas a decisão, apesar dessa capacidade alcançada por meio de pesquisas militares e centro de pesquisas civis sem nenhum tipo de controle internacional, levaram o Brasil a questionar: vamos ter uma bomba atômica ou não? Pelo que sabemos hoje, o Brasil abriu mão disso. Houve razões internacionais e internas que impediram de haver um artefato nuclear no Brasil. 

O que houve, pelo que sabemos até hoje, foi uma proposta apresentada em 1984, no âmbito do Conselho de Segurança Nacional do governo militar, ou seja, com o último presidente militar –  João Figueiredo. Foi uma proposta feita pelo ministro da aeronáutica, que a época argumentou que se tinha o material que permitia produzir um artefato nuclear, se podia ir em frente com o projeto e demonstrar para sociedade brasileira qual era um dos principais frutos dos 20 anos de regime militar, ou seja, fazer uma bomba.

A ideia era que esse artefato, caso tivesse sido construído, poderia ter sido explodido no dia 15 de março de 1985. Exatamente no dia de transição para o governo democrático. Essa era a data prevista para que Tancredo e depois José Sarney ocupasse a presidência.

Essa proposta não foi aceita. Foi colocada em um canto, por razões internas, já que estávamos em um período de redemocratização. Há também razões internacionais, pois isso iria desgastar muito as relações de Brasil com os EUA. Também vivíamos um período muito positivo com a Argentina – a partir de 1980 criava-se uma parceria que iria se aprofundar depois no âmbito nuclear, em um sistema de controle mútuo, além do Mercosul. 

Ítalo Wolff – Então a política externa foi decisiva para a posição que o Brasil tomou naquele período?
Ficou claro que desenvolver um artefato nuclear teria um impacto muito negativo para o Brasil. Essas são as razões que impediram o avanço da ideia. Também há de se avaliar que faltava uma ameaça ao Brasil. Normalmente se pensa que a Argentina foi uma grande ameaça, mas, na verdade, essa ameaça nunca existiu. Assim, o conflito que poderia incentivar a criação da bomba nuclear não aconteceu, como ocorre, por  exemplo, entre Índia e Paquistão, ou Índia e China –  lá temos três países com armas nucleares. 

São poucos países que possuem armas nucleares, mas as razões pelo quais o Brasil não tem e resolveu abdicar foi a redemocratização e a falta de uma ameaça externa.

Ítalo Wolff –  Mas como que isso culminou com a assinatura do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1998?
Foi uma decisão histórica aderir ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Só para se ter uma ideia, esse mesmo tratado foi negociado com o Brasil na década de 60, mas foi decidido por não assinar e ratificar  esse documento. Isso porque o tratado iria impedir o País de ter armas nucleares, assim como, tomar decisões no âmbito cientifico e tecnológico.

O Brasil sempre viu esse tratado como algo discriminatório, ou seja, criava-se duas categorias de países: aqueles que podem ter armas nucleares e não tem obrigação de abrir mão delas – cinco países estão nesse grupo: China, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética que agora é Rússia. E do outro lado está os demais países que decidem abrir mão das armas. Abrindo mão, desiste-se também de todos os processos para chegar a essa arma, ou seja, as tecnologias, como as que o Brasil alcançou sem a presença de controle externo.

Neste sentido, na década de 80, posterior a Guerra Fria, e da globalização e hegemonia dos EUA, o Brasil passa a refletir sobre aderir ao tratado, e acaba assinando sem ter grandes custos. Isso ocorreu porque o País tinha e manteve todas as tecnologias úteis caso algum dia seja necessário produzir armas atômicas ou tecnologia de alta ponta para combustível nuclear, como dos submarinos.

Em 98, toda bancada do parlamento brasileiro criticou a assinatura do tratado. Eles viam como uma forma de entreguismo. Na verdade, na minha leitura, essa decisão foi acertada, porque permitiu ao Brasil ter maiores credenciais no sistema internacional e de fato foi feito sem grandes custos. O Brasil não renunciou a nada. Já tínhamos assinado outros tratados e faltava isso para se inserir no regime internacional.

Aline Bouhid –  Mas há no Congresso um abaixo assinado para que o Brasil retrocedesse na assinatura do tratado. Como o sr. enxerga isso?
É uma dessas pesquisas feitas com a população para que o Brasil recuasse em relação à assinatura do tratado e para que o País tivesse liberdade para ter armas nucleares. Ou seja, abandonar uma posição pacifica e convergente com os interesses do sistema internacional, para ter novamente um posicionamento alheio a comunidade internacional. 

O que está por trás disso é a equação: se não temos armas nucleares, não temos prestígio internacional. Essa é uma posição que era defendida pelo falecido deputado federal Eneias Carneiro, em anos passados. Mas foi defendida também pelo antigo vice-presidente José Alencar, por algumas figuras de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores e, por último, pelo filho do presidente Jair Bolsonaro, o Eduardo Bolsonaro.

Mas em todos esses casos há um esquecimento de como foi a estratégia brasileira. O Brasil tem a capacidade de fazer algo sem ter uma postura agressiva. O que quero dizer é que o Brasil hoje pode ter uma arma nuclear, mas não quer.

“O armamento nuclear é um
fetiche dos nacionalistas”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos entrevistados para meu livro, me disse: eu não quis desmantelar o programa nuclear brasileiro, embora pudesse fazê-lo. Mas caso a gente precise um dia, o Brasil tem a possibilidade de fazer algo. Ou seja, se a gente se encontrar em condições de insegurança adversa, o Brasil pode construir um artefato atômico e ter uma capacidade de evitar que outro País viesse nos atacar. Essa é a lógica que está por trás da decisão.

Nesse mesmo contexto, o Brasil decidiu em não dar passos atrás. Além de tudo, o Brasil foi, até 2018, um dos países que propunham o Tratado de Proibição de Armas Nucleares. Toda essa retórica de voltar atrás no tratado vai contra os interesses brasileiros, que sempre foi um dos apoiadores do desarmamento nuclear. 

Aline Bouhid –  Mas em que pé está esse abaixo assinado em nosso Congresso?

Alcançou as assinaturas necessárias, mas não é algo que pode atingir alguma seriedade. Acredito que, sobretudo com o novo governo, essa agenda será colocada de lado.

Marcos Aurélio Silva – Como essa posição adotada pelo Brasil em relação ao tratado é interpretada por outros países?

É importante pensar que a posição do Brasil sobre o armamento nuclear dá ainda mais credenciais para se tornar um País que, no lugar de ameaçar os demais, pede para que esse pesadelo – e refiro a presença de arsenais nucleares que podem acabar com a humanidade –  seja destruído. Temos que pensar que há vários problemas de insegurança. Há insegurança climática, alimentar, na saúde e o problema nuclear, que pode ser resolvido e que está ligado a alta periculosidade de exterminar a humanidade caso ocorra uma guerra nuclear.

Com armas tão sofisticadas como agora, precisa-se de poucos artefatos nucleares para acabar com a humanidade. Essa é uma das preocupações que existem desde o começo da era nuclear. Neste sentido o Brasil tem ou teve essa preocupação grande: estamos em um Tratado de Não Proliferação Nuclear e deveria levar ao desarmamento total. Mas os grandes países nuclearmente armados não abrem mão desse instrumento. Ou seja, temos que criar outras formas jurídicas e legais para esses países sejam ainda mais compelidos em abrir mão das armas.

Houve um esforço, que o Brasil fez junto com a sociedade civil, se colocando como membro de comunidades e atores que foram contra o armamento nuclear. Temos uma recente pesquisa na Europa, em que, mesmo para os jovens nascidos depois do período de Guerra Fria, eles consideram as armas como uma das principais ameaças para as vidas. Estamos pensando em algo que de fato poderia ser eliminado. 

Marcos Aurélio Silva – A questão nuclear ela é sempre tratada com um viés militar. No atual governo de Jair Bolsonaro os militares estiveram muito presente. E venceu as eleições um governo de esquerda, que assumirá em janeiro. O que muda nas ambições nucleares do Brasil nesta troca de governo?
Acho que não vai mudar muito. Um dos grandes objetivos do governo do PT, sobretudo a segunda gestão de Lula, foi retomar o projeto do submarino nuclear. É algo antigo, criado na década de 70, que o governo do PT decidiu retomar. Também foi retomada a conclusão da terceira usina nuclear do Brasil. Ou seja, todos essas grandes aproximações entre militares e políticos não começou com Bolsonaro. Os interesses militares estiveram na base de alguns grandes projetos do Lula.

Acredito que na área nuclear ou de defesa em geral, essa relação vai continuar. O que vai muda de maneira séria será uma enxugada nos ministérios em relação à presença de militares. Provavelmente o ministro da Defesa será um civil. Esse é um grande desafio criado em 1998 quando o ministério foi criado. Precisa de civis que pensem a estratégia brasileira e as forças armadas. Isso ficou claro em outra instituição também criada pelo governo Lula, o Instituto Pandiá Calógeras (IPC), que tem que pensar o papel da defesa brasileira no mundo. Nesse sentido, acadêmicos também foram envolvidos. Esse instituto deveria ser um think things das Forças Armadas, onde pesquisadores civis, assim como acontece no mundo agora, pensam a defesa nacional. 

A ideia é levar os militares para as próprias atribuições, no âmbito da defesa. Ou seja, ter uma relação que seja equilibrada, sem que os militares estejam em áreas que não sejam próprias deles. Não acho que os militares devam sair de tudo, mas serem limitadas essas presenças. 

Marcos Aurélio Silva – O sr. percebe que existe uma espécie de fetiche da direita e seu eleitorado com o armamento nuclear?
Não sei se da direita. Isso é algo que intriga no Brasil. De maneira geral, podemos ver isso em muitos países. O armamento nuclear é um fetiche dos nacionalistas. O que acontece é que no Brasil a bancada nacionalista é transversal, vai da direita a esquerda. Então essa bancada, na totalidade, defende a necessidade de bancar a soberania nacional e isso passa pela capacidade defensiva. O Brasil tem enormes dificuldades na defesa nacional.

É daí que vem essa retórica de armas nucleares e dos submarinos nucleares. Esse projeto faz parte daquele conceito de Amazônia azul. É a necessidade de proteger as 200 milhas náuticas (321,87 km) como território brasileiro. Como a Amazônia tem que estar preservada contra a interferência dos demais países, assim as 200 milhas, ricas em minérios e outro recursos, tem que ser defendida da exploração externa. A ideia é construir uma espécie de muralha e evitar as penetrações externas. Isso se faria por meio dos submarinos nucleares, por ser um elemento surpresa, pois ele pode estar no fundo no mar sem ser detectado, podendo agir em qualquer momento, sem que o eventual inimigo possa saber. 

Essa ideia da Amazônia azul não é exclusiva da direita, nem mesmo do surgimento da nova direita no Brasil – falo desta que está nas portas dos quartéis agora. Há 10 anos achávamos que no Brasil não existia eleitorado de direita. Nessa retórica militarista tem raízes que são próprias de outros governos. Eu acredito que todo esses temas voltarão a ser transversais e não exclusivos da direita.

Penso que se a direita conhecesse melhor todos os setores da defesa brasileira, haveria uma percepção de quando os avanços foram feitos, que foram de 2000 até 2013. Falo da compra de caças para Força Aérea Brasileira (FAB) e a  possibilidade de aquisição de tecnologias, além da questão do submarino nuclear e a possibilidade de envolvimento maior na ciência e tecnologia. 

Agora precisaremos entender qual é o orçamento para finalizar esses projetos. Claramente os recursos devem ir mais para os desafios sociais, esse é o tema atual. Acredito que haverá uma simpatia com o setor militar. Lula tem capacidade de dialogar muito bem com os militares e diplomatas. Acredito que haverá uma recomposição. Lembrando que boa parte dos militares que hoje apoiam Bolsonaro, estavam na ativa durante o governo Lula. 

Marcos Aurélio Silva – Como que a direita brasileira conseguiu construir um eleitorado de direita em tão pouco tempo?
São algumas análises. Esse é um grande tema. Saber de onde surgiu esse eleitorado se pode colocar do ponto de vista global. Vimos uma certa desconfiança da política no mundo. Fala-se muito em populismo, mas tenho dificuldade em usar esse termo, pois se cria uma nova política fruto da oposição a política tradicional. 

Para explicar o caso do Brasil temos que voltar a 2013, para aquelas que foram as grandes manifestações do passe livre. Não foram manifestações de direita, mas foram manifestações contra o sistema político. De lá para cá a coisa degringolou. Se criou um forte sentimento antipetista contrários aos partidos tradicionais, mas se focou atenção apenas contra o PT. Esqueceram-se de que boa parte dos partidos que constituíram a base governista de Bolsonaro, faziam parde desse sistema. 

A direita foi vista como principal alternativa e como uma âncora de salvação em um contexto dominado por partidos tradicionais. Viram também a figura de Bolsonaro como uma liderança nova, que foi criada nas redes sociais e pouco entendidas pelos analistas políticos, que não acreditavam na eleição dele. Precisamos sempre fazer uma autocrítica forte, como cientistas políticos e analistas da política nacional e internacional. Bolsonaro em 2018 era algo pouco crível. 

Temos que ver que, pelo ponto de vista global, Trump foi eleito presidente dos EUA em 2016, contra todas as perspectivas. Houve a Brexit, na Grã-Bretanha, que era algo pouco percebido e foi um gesto leviano por parte do governo britânico em convocar o referendo naquele determinado momento. Também, na Itália, tem o surgimento de partidos contrários ao establishment politico, que agora se qualifica mais a esquerda. É mais um sentimento de antipolítica que conseguiu se identificar na direita e aglutinou uma série de elementos como as informações falsas e  anticientificismo. Isso somado a retórica contra o governo Lula e contra o governo Dilma. O processo de impeachment da presidente Dilma foi algo que levou a ascensão da direita. Creio que 30% do eleitorado, que é muito forte, está ligado a isso.

Isso é algo que precisa ser entendido. Não pode ser subavaliado, pois foi esse olhar menos atento que levou ao resultado tão forte nas urnas em 2018, e tão forte agora em 2022. O eleitorado brasileiro esteve dividido em dois. 

Aline Bouhid  – Falando sobre do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP), da UFG, que completa 10 anos. O sr. consegue mensurar o que houve de evolução?
Tenho a honra de ser o coordenador do curso que recebeu nota 4 na avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Essa avaliação é sobre o período de 2017 a 2020. Então como coordenador tive que submeter toda produção do programa, que anteriormente tinha nota 3.

Estamos falando de um programa novo. São apenas 10 anos, que se iniciou em um momento importante, mas ainda é recente. O PPGCP surgiu por iniciativa dos professores de Ciência Política da UFG. E esse corpo docente conseguiu se expandir no contexto do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). A UFG provavelmente está entre as mais beneficiadas, pois duplicou o tamanho físico e também conseguiu aumentar muito os cursos de graduação, além de expandir o corpo docente.

“A direita foi vista como alternativa
em um contexto dominado
por partidos tradicionais”

Em 2011 a professora Denise Paiva, decana do curso de Ciências Políticas da UFG, decidiu com muita sabedoria montar uma proposta de cursos voltadas para políticas públicas. Trata-se de uma área que já era trabalhada pelos docentes no nível de graduação, mas também tinha de abordar o comportamento eleitoral na perceptiva comparada. O programa nasceu assim e já recebeu uma ótima avaliação – nota 4. Tinha perceptiva e poderia ir para uma  nota 5, sendo um programa de excelência desde o começo. Houve problemas, como sempre há em academias, e na primeira avaliação de 2016 a nota foi rebaixada para 3.

Resolvemos adotar uma estratégia para consolidar o programa. Primeiro começaram a fazer parte do programa os docentes da área de relações internacionais. Com novos pesquisadores e com várias formações fortaleceu a maior qualidade. Criamos uma área de concentração em relações internacionais dentro do programa a partir de 2018. O PPGCP é configurado de forma que tem uma área de ciências políticas, ou seja, de estudos contemporâneos. E outra chamada de relações internacionais. Juntando as forças, tivemos publicações de qualidade, continuamos a garantir uma formação dos discentes em pouco tempo, em média 24 meses, e estimulou a formação dos discentes para garantir a produção – seja publicação de artigos ou participar de congressos. 

Assim, na última avaliação recebemos a nota 4, por conta de uma produção excelente do ponto de vista intelectual. Essa produção foi feita com artigos publicados em grandes revistas brasileiras e no exterior. Conseguimos publicar nos altos estratos. Além disso, conseguimos publicar livros no exterior. É algo muito difícil. 

Ítalo Wolff –  Mais quais são os impactos dessas pesquisas que foram formatadas dentro do PPGCP?
Elas não se limitam a publicações ou no âmbito estritamente acadêmico. Toda pesquisa pode ter um impacto nas políticas públicas. O programa está dividido nessas áreas de concentração e tem quatro linhas  pesquisas. Três delas são vinculadas a áreas de estudos políticos contemporâneos. Uma delas se chama Instituições e Comportamento Político na Perspectiva Comparada. Nesta área os pesquisadores conseguiram publicar artigos importantes para entender a qualidade da democracia na América Latina. No âmbito das políticas públicas, um dos carros-chefes é entender a importância da saúde pública como tema de política e como sugerir políticas públicas mais eficientes/eficazes. Hoje temos um pesquisador que é um dos principais para entender o valor político da inteligência artificial – o professor Fernando Figueiras.

Há também, no âmbito da econômica política, estudos particularmente importantes para entender a sociologia fiscal, ou seja, o impacto da taxação para a população brasileira. Todas as pesquisas têm impactos para a sociedade civil. 

Marcos Aurélio Silva – Há sempre uma pergunta quando tratamos das produções que há nas universidades, que é como ela reflete na comunidade externa a academia. O que o sr. percebe em relação a isso?
Há as atividades de extensão que são direcionadas para comunidade externa. São ações que tem a ver com a possibilidade de formação de público geral ou formação de alunos para ter uma formação mais prática. Temos um curso de extensão, por exemplo, o Projeto Politizar. Esse é levado a frente por uma das docentes do programa que forma possíveis políticos ou analistas do futuro.

Temos outra frente que se ocupa das políticas migratórias. Goiás e Goiânia são polos importantes de recepção de imigrantes. Nesse grupo é pensando no tipo de política pública que pode ser implementado. Isso é algo que entra no impacto com a comunidade.