Presidente do Conselho Regional de Medicina de Goias (Cremego) lamenta que a prestação do atendimento de saúde não seja a principal preocupação da SMS

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Sem saber como gerir, sem habilidade para administrar e sem qualquer condição de fazer as unidades de saúde do município funcionarem de forma minimamente digna. As críticas são muitas e alertam para a inoperância da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em Goiânia num momento em que a capital enfrenta um surto de gripe H1N1 com a falta até de máscaras nos Cais e maternidades.

Quem define a situação como absurda e preocupante é o presidente do Conselho Regional de Medicinal do Estado de Goiás (Cremego), o oftalmologista Leonardo Mariano Reis, ao diz que a secretária Fátima Mrué (SMS) parou de receber a entidade ou de ouvir às recomendações e alertas feitos pela instituição. “Não é possível se gastar alguns milhões em um programa de computador sendo que você não tem medicações básicas nas unidades de saúde.”

Cezar Santos – Gostaria que o sr. fizesse uma avaliação da situação da saúde pública em Goiânia. O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) tem recebido reclamações de profissionais e entidades?
São inúmeras as reclamações recebidas diariamente por parte dos médicos e dos demais profissionais de saúde. Por parte também da população que liga ao Conselho Regional de Medicina para tirar dúvidas e apontar irregularidades. O Cremego é um pivô de reclamações, principalmente da rede municipal de saúde. Mas também recebemos apontamentos oriundos das outras unidades como as filantrópicas, particulares e as que são gerenciadas pelo Estado. Nesta semana mesmo recebi uma reclamação de falta de condições e superlotação da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes. Isso é corrente e incessante.

Marcelo Mariano – O que o Cre­mego pode fazer para mudar essa situação?
O Cremego tem o poder de fiscalizar as unidades públicas. As nossas fiscalizações têm sido rotineiras. Notificamos as diretorias das unidades nos estabelecimentos de saúde a cerca das não conformidades, notificamos o gestor público nos casos pertinentes e damos um prazo para a correção das não conformidades. Em alguns casos nós até instauramos um processo de interdição das unidades. Isso tem sido frequente. Em março, nós instauramos três processos de interdição ética.

E quando isso acontece, o gestor público corre imediatamente ao Conselho para fazer um termo de ajustamento de conduta (TAC). Mas não só isso. Nós temos tentado levar aos representantes do Executivo municipal e estadual, prefeito, governador e secretários, os nossos pleitos, petições, para que a população e o profissional médico sejam resguardados no seu local de trabalho.

Augusto Diniz – Tanto a população quanto os médicos têm tido problemas na saúde em Goiânia quanto ao funcionamento e adequação de contratos. Como o sr. tem visto a situação em que se encontram as unidades municipais de saúde da capital?
É uma situação precária, caótica, com uma gestão desastrosa do ponto de vista dos recursos humanos e de abastecimento de insumos. Isso tem repercutido obviamente na assistência do povo. Infelizmente, a população que chega às unidades públicas não tem um atendimento adequado, não tem resolutividade na sua situação patológica. E isso acaba levando a um círculo vicioso.

Quanto pior fica a unidade pior fica o paciente. Você não consegue dar vazão a esse paciente, não consegue resolver o problema dele, seja através de cirurgia ou por meio de um exame complementar. A saúde vai ficando cada vez mais onerosa. Acudir um paciente no início da sua doença tem um preço. Quando essa situação se complica e ele precisa de uma cirurgia de emergência ou de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) o custo é outro, infinitamente maior.

Marcelo Mariano – A má gestão é o principal problema da saúde em Goiânia ou há outras questões envolvidas?
A má gestão é o principal problema porque o recurso sempre será pouco. Por mais que um município invista em saúde, por mais que o Estado invista em saúde, esse recurso constitucional é insuficiente. Porque não há limite legal que prevê o que o Poder Público deve socorrer. O Poder Público deve socorrer tudo. A saúde é integral e universal. Os governos têm de dar tudo para todos os cidadãos. E isso é financeiramente impossível.

Você precisa priorizar algumas áreas da assistência em desfavor de questões burocráticas. Não é possível, por exemplo, se gastar alguns milhões em um programa de computador sendo que você não tem medicações básicas na unidade de saúde. Não é possível você privilegiar um determinado funcionário da burocracia investindo em formação desnecessária quando você não tem um profissional bem remunerado lá na ponta. É preciso priorizar aquilo que é primordial: a assistência. A finalidade da Secretaria Municipal de Saúde é a assistência, e não o meio. Essa gestão privilegia mais a gestão meio do que a gestão da assistência, a gestão fim.

Cezar Santos – O sr. se refere a um caso específico em que a secretária municipal de Saúde, Fátima Mrué, autorizou curso de pós-graduação a duas funcionárias?
Exatamente. Entre outras coisas. E um gasto de mais de R$ 4 milhões em um programa de computador que é no mínimo supérfluo, porque o Ministério da Saúde já oferece um programa de regulação gratuitamente para todos os municípios, que é o SisReg, o Sistema Nacional de Regulação. Eu nunca compreendi gastar com informática quando o próprio Ministério da Saúde fornece esse sistema sem custo.

Cezar Santos – O Cremego tem recebido denúncias ou evidências de desvio de recursos ou casos de corrupção na saúde municipal?
Não recebemos esse tipo de denúncia. Mas verificamos esse tipo de incoerência e não conformidade. Mas o Ministério Público deve receber muitas denúncias, assim como a Câmara. Motivo pelo qual há uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) instaurada. Nestas questões, o Cremego não é o receptor desse tipo de denúncia, mas estamos acompanhando as investigações do Minis­tério Público e da CEI instalada na Câmara.

Cezar Santos – No fim de março, houve um caso que ganhou repercussão nacional. Uma paciente com crise renal foi a uma unidade do município e ao invés de ser atendida foi algemada e maltratada.

Augusto Diniz – Como o sr. vê esse tipo de situação, quando uma pessoa chega a uma unidade de saúde na busca por atendimento e no lugar é conduzida para a delegacia após suspeita de ter sido vítima de agressão?
Isso é um absurdo. É uma situação vergonhosa para a gestão municipal. Infelizmente não é objeto de a­puração ou sindicância pelo Cre­me­go. Essa paciente nem chegou ao mé­dico. Mas é preciso tomar as medidas cabíveis e até em nível policial. Essa paciente possivelmente estava em uma situação de sofrimento e fragilidade, o que requer tratamento com urbanismo e humanismo.

Yago Sales – A justificativa da Guarda Civil Metropolitana (GCM) para agir desta forma neste e em outros casos é a de que a demora no atendimento, pelo fato de a unidade funcionar com poucos médicos, tem causado revolta. O sr. se recorda de caso parecido?
Eu me recordo de um caso concreto em que um advogado agrediu fisicamente um médico no Cais Cândida de Morais. Isso acontece e é lamentável, porque o profissional está na unidade para prestar atendimento e muitas vezes o acompanhante, na sua angústia e nervosismo, acaba perdendo a paciência e agride o profissional que está no plantão trabalhando com um ambiente superlotado. Às vezes a demora não acontece por responsabilidade do médico, mas por superlotação da unidade e da gestão que não contrata o número suficiente de profissionais para poder atender a demanda da unidade.

Presidente do Cremego, Leonardo Mariano Reis observa que momento de surto de H1N1 requer mais cuidado

Yago Sales – O Cremego já se reuniu com o prefeito ou a secretária municipal de Saúde para tentar resolver o problema?
Nos reunimos com a secretária várias vezes e notificamos. Mas recentemente não temos sido recebidos ou ela não atende as nossas convocações.

Augusto Diniz – Como o sr. en­xerga a situação de a saúde municipal ser alvo de investigação no Legislativo, a secretária ser criticada por muitos dos vereadores, inclusive parlamentares da base, e a prefeitura pedir tempo e paciência com a titular da pasta. O momento é de se ter tranquilidade e aguardar?
É um absurdo se colocar uma pessoa na gestão que não tem conhecimento, não tem experiência e não tem habilidade para conduzir a coisa pública. Vão se passar os quatro anos e a secretária ainda não terá aprendido estas habilidades e conhecimentos de gestão pública, sobretudo na área de Sistema Único de Saúde (SUS). Infelizmente a secretária é alvo de investigação, parece fingir que não é com ela e transfere o problema, a culpa, a responsabilidade sempre para outro, como se ela não estivesse no cargo há 1 ano e 3 meses.

Marcelo Mariano – Pode se dizer que, pelo menos a curto prazo, a retirada da secretária do cargo seria a melhor alternativa.
Acredito que isso não irá acontecer. Acho que ela vai passar os quatro anos aprendendo.

Yago Sales – O problema é que muitas vezes a secretária desmente os servidores. Médicos têm procurado o sr. para relatar esses problemas?
Sim. E na maior desfaçatez, Fátima finge que não é com ela e coloca que o abastecimento está normalizado, a assistência está plena e não há nenhum problema na rede municipal de saúde.

Yago Sales – Pedi para funcionários a relação do que falta nas unidades. Há casos, como no Cais Campinas, em que faltam máscaras. E a secretária diz que as máscaras estão disponíveis para todo o mês de abril.
Em algumas situações, inclusive, chegamos ao prefeito e levamos documentos e a secretária disse que não estava sabendo. E nós mostramos a cópia do ofício do recebido. A secretária fica naquela cara de tacho, mas faz de conta que não é com ela.

Marcelo Mariano – No entendimento do Cremego, há um nome ideal para assumir a pasta?
Não há um nome ideal. Acredito que para assumir a Secretaria Municipal de Saúde a pessoa precisa ter muita coragem. Será difícil encontrar alguém com essa coragem para assumir na situação tão precária, insustentável e de difícil controle.

Yago Sales – O que precariza a condição da saúde municipal?
A assistência. A rede própria não tem assistência e a secretária também destruiu a rede conveniada de assistência. Hoje não existe na rede própria assistência. E onde essa assistência existia, que é a rede conveniada, a secretária acabou com a rede que fazia cirurgia, exames, procedimentos ambulatoriais.

Yago Sales – Porque Goiânia não tem um hospital municipal.
Não tem hospital. Quem vai fazer uma cirurgia ginecológica, urológica, ortopédica, abdominal ou qualquer outra é a rede conveniada. E essa rede foi destruída, praticamente escanteada.

Cezar Santos – Tem como explicar a situação de uma forma mais clara? Essa destruição se deu com a suspensão dos convênios?
Primeiro pela redução do valor pago pelos procedimentos. Segundo pelo próprio represamento por contenção de despesa. Hoje nem a secretária quer enviar cirurgia para a rede conveniada por contenção de despesas. E nem a rede tem interesse em fazer por conta na redução de honorários.

Yago Sales – Na prática, isso está matando pessoas?
Certamente.

Yago Sales – Muitas vidas poderiam estar sendo salvas e não conseguem sobreviver pela precarização do sistema público de saúde e das conveniadas?
Pessoas que poderiam ter seus problemas resolvidos – uma pedra na vesícula, nos rins, uma hérnia, hemorragia uterina –, com cirurgias teoricamente simples acabam evoluindo para casos de insuficiência renal, hemorragia aguda, obstrução do canal do colédoco. Isso acaba complicando o quadro do paciente, que vai para uma UTI para fazer uma cirurgia de emergência e vai morrer.

Augusto Diniz – Havia um ponto que a gestão da saúde municipal chegou a dizer que tinha sido corrigido que é a questão dos antigos chequinhos para marcação de exames e cirurgias. Mas o que se vê é que as pessoas continuam a não conseguir marcar do mesmo jeito.
Veja. Essa burocracia é o menos importante. Não adianta você ter o papel do chequinho ou o local para tirar o chequinho, se você não tem o prestador que faz o serviço. Não resolve. Você pode pôr máquina de chequinho em Goiânia inteira. Mas se você não tiver o prestador que faz o exame, ou seja, se você não privilegiar a assistência ao invés da burocracia da máquina impressora de chequinho ou de programa gerenciador de chequinho isso pouco importa.

Cezar Santos – O paciente fica com o chequinho na mão.
E não tem onde fazer o exame. Que saída é essa?

Augusto Diniz – Há casos de pacientes com dois, três, quatro, cinco comprovantes para fazer o mesmo exame, mas que não conseguem aquele serviço médico.
E não vai fazer. Vai ter o papel, mas não vai fazer, porque não há o número de prestadores suficiente ou nem existe o prestador mais porque ele já pediu o descredenciamento e não tem mais interesse de fazer aquele exame ou cirurgia.

Augusto Diniz – No meio de tudo isso, Goiânia volta a enfrentar a possibilidade de um surto de H1N1, agravado com a morte de um médico com suspeita de que a causa tenha sido a doença.
Clinicamente é confirmado. Nós já sabíamos que ele estava com H1N1. Eu já tinha conversado com uma colega que labora no mesmo estabelecimento. Perguntei qual era a chance de sobrevivência e a resposta foi a de que seria complicado esse colega resistir à doença. O quadro era bastante grave. Somada a essa precariedade, a esse caos na assistência, vem a epidemia de H1N1 com tudo, e a dengue, que é endêmica, mas que terá um aumento do número de casos, também letais, porque um novo vírus está circulando. Fora as outras doenças que estão ressurgindo, como a tuberculose, a hanseníase, a meningite, a sífilis. Doenças que estavam controladas, mas que já são constatados casos ressurgindo.

Marcelo Mariano – Já se pode falar em surto de H1N1 em Goiânia?
Não tenha dúvida. De Influenza A, H1N1, H3N2, são várias cepas que estão circulando.
Marcelo Mariano – Há levantamento de casos comprovados?
Comprovados sorologicamente e reconhecidos pela Secretaria Esta­dual de Saúde. São pelo menos 60 ca­sos confirmados com quatro mortes.

Augusto Diniz – Como o paciente vai chegar às unidades municipais e conseguir tratamento em meio a essa realidade?
As pessoas vão encontrar unidades superlotadas. Infelizmente as vacinas ainda não foram disponibilizadas. Não há ambiente para isolamento, ou seja, o paciente vai chegar à unidade e vai contaminar mais pessoas. Realmente nós estamos vivendo uma situação de preocupação.

Augusto Diniz – Era de se esperar uma situação em que médicos precisam ir a canais de TV explicar como se usar uma máscara quando falta o material nas unidades de saúde?
A maioria das unidades do município não tem máscaras. Se você for às maternidades, onde se atendem gestantes, recém-nascidos – uma população extremamente vulnerável –, não tem nada de EPI (Equi­pa­mento de Proteção Individual). Se chegar alguém e contamina essas pessoas, o resultado pode ser desastroso.

Yago Sales – No Cais do Bairro Goiá, os consultórios precisaram ser usados para isolar pessoas com suspeita de H1N1.
Soube disso antes de vir conceder esta entrevista. É uma medida de medicina de guerra.

Cezar Santos – Na gestão passada de Goiânia, os problemas surpreenderam muito na área da saúde porque o prefeito era um médico. O sr. diria que os problemas pioraram daquela administração para a atual?
Eu não tenho dúvida. Tem piorado a cada gestão. E seguramente na próxima gestão vai piorar mais.

Cezar Santos – O sr. é tão pessimista a ponto de acreditar que é um problema sem solução?
Do jeito que se encontra a tentativa de conduzir os problemas vai resultar na piora para quem assumir a saúde municipal em 2021.

Augusto Diniz – Qual é a mudança inicial administrativa que deveria ser tomada para mudar essa ideia de como gerir a saúde?
Privilegiar a assistência. Pri­vilegiar quem trabalha. Enquanto não estiver privilegiando quem trabalha não vai ter assistência.

Marcelo Mariano – Quais medidas que a pessoa deve tomar para se prevenir do H1N1?
A higienização das mãos é sempre importante. Qualquer ambiente, não só o nosocomial (unidade de saúde), pode estar contaminado. A assepsia com álcool, a lavagem rotineira das mãos é importante para evitar o contato. E em ambientes sabidamente infectados, o uso das máscaras adequadas para evitar o contato respiratório.

Augusto Diniz – O que é possível fazer paliativamente para evitar o aumento do número de casos?
É preciso que as famílias tenham muito cuidado com H1N1, evitar o contágio entre si, evitar ambientes de superlotação e tumulto. Se puder tratar em casa é melhor. Apenas nos casos que já têm uma insuficiência respiratória ir para o hospital. Mas se puder tratar em casa essa gripe é melhor. E é sempre bom alertar o risco de dengue. Todos os ambientes térreos que eu vou hoje têm o mosquito aedis aegypti. É bom sempre tomar cuidado, principalmente durante o dia. Tenha sempre um veneno para matar os mosquitos.

E na parte externa, nas calçadas e nos quintais, evitar recolher lixo ou deixar água parada que possa promover o desenvolvimento de mais mosquitos. Mas principalmente durante o dia aquele mosquito que fica zanzando na nossa perna, aquilo é um aedes aegypti, por isso é importante usar um veneno ou raquete para matar todos os mosquitos no ambiente doméstico.

Augusto Diniz – Que tipo de tratamento básico é esse que o sr. diz que pode ser feito em casa para H1N1 ou qualquer outro vírus de gripe?
Muito repouso, muita hidratação e os remédios sintomáticos para dor, coriza e questão alérgica que vem concomitante com as gripes.

Augusto Diniz – Há algum risco de automedicação ou uso de remédio inadequado?
Risco de automedicação sempre existe. Via de regra, os pacientes têm o costume de usar um remédio para dor. Se não há um histórico de reação alérgica ou um efeito colateral idiossincrásico (característico, particular ou próprio de alguém), ele pode fazer uso dessa medicação que já tem costume. A hidratação, o repouso e o remédio sintomático são as melhores medidas a serem tomadas. Principalmente o repouso. Em caso de agravamento, já com insuficiência respiratória ou gripe, procurar um médico para fazer a internação se for o caso.