“A burguesia nos odeia, mas a classe média nos apoia”

21 julho 2022 às 16h03

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A campanha eleitoral de 2022 ressuscitou o ‘exército vermelho’ do PT. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está criando centenas de comitês populares em defesa da eleição do petista e já anunciou a retomada das ações pela reforma agrária. Aliado histórico de Luiz Inácio Lula da Silva, o economista João Pedro Stedile, fundador e membro da direção nacional do MST, tem atuado no lançamento de candidaturas de nomes ligados à esquerda, visando fortalecer o projeto petista. Em Goiânia, na última semana, ele lançou Valdir do MST, para deputado federal.
A estratégia de Stedile reflete em grande parte uma preocupação interna do PT: focar na ampliação da bancada federal, que hoje possui 53 deputados. Em entrevista ao Jornal Opção, o líder do MST confirma está comprometido com campanha de Lula e aponta que o movimento conta com o apoio da classe média, enquanto a chamada “burguesia”, está dividida.
Marcos Aurélio Silva – O senhor veio a Goiânia para o lançamento da candidatura Valdir do MST, pelo PT. Qual o planejamento do movimento MST para participação nas eleições de 2022?
O movimento ao longo de sua trajetória ele sempre procurou nos períodos eleitorais apoiar os candidatos de esquerda. E assim é em todos os estados. Sempre apoiamos parlamentares de esquerda que defendem os interesses da classe trabalhadora. No entanto, este ano, e diante da crise econômica, política e social do país, e também da necessidade de encontrarmos novos grupos, tomamos a decisão de, a depender da vontade política de nossos parceiros e vocação de dirigentes, estamos lançando candidaturas de dirigentes do MST.
Então não são candidaturas próprias, são dirigentes do MST que foram deslocados de função e são candidatos por partidos de esquerda. A maioria do PT, como é o caso do Valdir, aqui em Goiás. É uma forma de nós contribuirmos para renovação da política e sobre tudo para eleição do Lula.
Marcos Aurélio Silva – Há outros candidatos do MST em outros Estados. O senhor tem em mente quantos?
Em todos os estados nós temos os candidatos do MST. É pelo menos um. Mas em geral tem dois para federal e três para estaduais. Mas tem estados que além desse apoio de companheiros que temos confiança, há os dirigentes do MST que foram deslocados para a tarefa, conforme o Valdir aqui em Goiás.
Marcos Aurélio Silva – Qual o grau de comprometimento do movimento com a campanha de Lula?
A candidatura do Lula neste ano é muito parecida com a de 89, da qual eu tive o privilégio de participar. São dois momentos de crise e de definir os rumos do país. Não é só uma questão partidária ou de esquerda. Em 89 era a disputa contra o neoliberalismo. E agora o país de joelhos com a crise social e política.
“Nunca vendemos tanto boné como agora”
Nós nos comprometemos com o Lula porque somos parceiros históricos. Não é porque agora que gostamos do Lula. A vida do MST é ligada a esse movimento. Somos primos da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT. Somos frutos do mesmo movimento da classe trabalhadora. Não é uma questão de siglas. Naquele período contra a ditadura, em 78 e 79, até o ano de 89, se gerou no Brasil o reacenso da luta de massas. E as organizações tinham sido destroçadas pela ditadura Militar empresarial. Quando acontece o reacenso a classe constrói novos instrumentos para elas se organizar. Foi assim que nasceu a CUT e o PT. Nós somos a última semente dessa mesma árvore. O MST é fruto do mesmo processo histórico social da classe trabalhadora brasileira.
Agora, mas recentemente, fruto da crise econômica e das perseguições da lava-Jato, que nos impuseram o golpe contra a Dilma Roussef, o governo nefasto do Michel Temer e a prisão do Lula. Tudo isso fez com que o MST se envolvesse mais na luta política. Não era uma luta do MST, era da classe trabalhadora.
Veja que a reforma agrária está bloqueada. Então como que se desbloqueia o tema da reforma agrária? Só na política. Só se mudar o governo. Ai o MST se envolveu contra o golpe do da Dilma. Envolvemo-nos na luta em defesa de Lula. Chegamos a fazer uma greve de fome na frente do STF. Eu acompanhei naquela época. Fomos vitoriosos. Fomos os únicos que conseguimos falar com 9 ministros do STF. Ninguém conseguia falar, foi a greve de fome que abriu a tranca do STF.
Quando Lula foi preso nós organizamos a vigília em Curitiba. Note como são momentos históricos e a classe que decide. O Lula quando saiu da prisão de Curitiba, ele já saiu como candidato. Candidato de quem? Dá classe. Agora que os demais partidos estão decidindo. Mas para nós não fomos uma decisão partidária no sentido clássico. Por isso que temos que entender que momento que estamos vivendo hoje, do ponto de vista histórico, é muito parecido com o movimento de 79 e 89.
Marcos Aurélio Silva – O senhor não acredita que as lideranças e partidos da direita estão mobilizados pelo projeto de reeleição de Jair Bolsonaro (PL), da mesma forma que os movimentos de esquerda estão organizados pelo projeto de Lula?
De forma alguma. Sempre revindicamos como método de análise o olhar do comportamento das classes, não dos partidos e das lideranças. Quando eclodiu a crise econômica gravíssima, foi em 2014, foi crise capitalista que derrubou a Dilma Rousseff. Porquê? A burguesia, diante do agravamento da crise tomou a decisão: vamos trocar o governo para nós termos controles dos recursos públicos do tesouro nacional, jogando todo o peso da crise nas costas da classe trabalhadora. Tirando os direitos trabalhistas, previdenciários, as verbas da educação e saúde.
A burguesia estava unida para tirar Dilma, sustentar o Temer, prender o Lula e para eleger o Bolsonaro. O Bolsonaro não tem força própria. Ele é fruto da crise burguesa. O que mudou agora? A burguesia está divida. Porque ela se dividiu? Eles se conhecem por nome e sobrenome. Conseguiriam se reunir em um jantar. São 200 grandes empresas que controlam a economia. Ela se dividiu, porque apesar deles terem cometido todos esses atropelos, institucionais inclusive, a crise se agravou. Só aumentou a crise econômica, social e do desemprego. Inclusive, 28 mil indústrias, segundo o IBGE, fecharam as portas do período do golpe contra a Dilma até o momento. A burguesia ficou estarrecida porque fizeram tudo isso e não serviu pra nada. Ao contrário, se aprofundou a crise e isolou mais o país. É aí que a burguesia se dividiu.
Uma parte da burguesia decidiu ficar com Bolsonaro – essa é mais oportunista. E outra faixa que sonhava com a terceira via, colocaram as fichas, mas não viabilizaram – porque os partidos da direita não souberam expressar a vontade da sua classe. Uma parte da burguesia está com Lula, justamente porque eles percebem que a essa altura do campeonato não há outra força social que consiga tirar o país da crise que não seja ele. Uma parte, cada vez mais expressiva, do PIB nacional estão apoiando o Lula. É muito emblemática o Lula ter ido almoçar na Fiesp.
Elder Dias – Ultimamente, o MST é uma organização que não tem “aparecido” para a opinião pública, a não ser pela detratação ideológica por parte de adversários. Porque o movimento está tão “sumido”?
Eu não concordo com essa avaliação. O MST sofreu muito desde o golpe contra a Dilma. Até agora a reforma agrária está paralisada. Não houve mais assentamentos, cortaram todas verbas de fortalecimento da agricultura familiar, a política de assistência técnica… tudo isso foi cortado. Nós sofremos com as políticas públicas porque o verdadeiro objetivo dos governos Temer e Bolsonaro era destruir o MST. Eles diziam explicitamente. Não era nos derrotar, era nos exterminar.
“O MST é fruto do mesmo processo histórico social da classe trabalhadora brasileira”
Essa foi a política deles, e nós ficamos sem reação. Ninguém vai ocupar terra porque o MST manda. Eles ocupam porque precisam de terra. E as famílias têm juízo. Eles analisam: se eu for lá ocupar, eu vou conquistar? Não. Então foi aí que nossa base também retraiu. Mas todas as classes se retraíram. A classe percebe que a correlação de forças é desproporcional.
Neste cenário a decisão do MST foi de produzir alimento, começando pelos dirigentes. Vamos produzir e distribuir para população. Aí, todo o movimento passou a fazer produção de alimentos e entregar na periferia. Temos pesquisas. Institutos amigos nossos perguntaram. Nunca na história do MST ele esteve tão bem avaliado pela população. Nunca vendemos tanto boné como agora. Antigamente quando via alguém usando o boné pela rua eu corria lá, porque certamente era alguém que eu conhecia. Agora não. eu chego perto e a pessoa não me conhece e eu o conheço. O MST está muito bem.
A burguesia nos odeia, mas a classe média que antes tolerava, agora nos apoia. Eu estou cansado de ir em congressos de juízes, de jornalistas e professores universitários. Antes eles não nos convidavam. São setores que representam a classe média. A classe trabalhadora nos adora. Na crise fomos os únicos que chegamos até eles. O MST nunca foi tão querido pela sociedade brasileira como agora.
Elder Dias – O MST foi destaque, anos atrás, por produções de alta qualidade e também quantidade, como a de arroz orgânico. Como isso está hoje?
O movimento se orgulha de ter sido pioneiro na produção do arroz orgânico. É o alimento diário do brasileiro. A safra deste ano foi recorde. Colhemos 600 mil sacas de arroz orgânico. Estamos com silos entupidos. Está muito boa. Foi um período de 10 ou 15 anos em que nós disputamos até com as universidades. Antes aparecia na sociedade que produção agroecológica era individual e tinha certa ideia de que era boa, mas não alimentava o povo. Estamos dizendo que não é verdade. Estamos produzindo 600 mil sacas de arroz. Dá para alimentar o povo e temos esse compromisso de alimentar o povo com comida sem veneno.
A pandemia de Covid-19 nos trouxe essa reflexão. Agora estamos migrando para outras áreas, como o feijão orgânico, o café e ganhamos medalha do melhor suco orgânico de uva das Américas. A novidade é que agora estamos migrando para ampliar essa experiência para outros grãos, como a soja e o milho.
Como agronegócio domina essa produção, nós olhávamos meio que de lado para esse tipo de plantação. Agora ocorre o oposto. Começamos a ampliar as áreas de soja e de milho orgânico. Notem como Deus existe e nem todo burgues é burro: Em São Paulo fizemos uma parceria com um grande empresário que está implantando o maior de projeto de ovos orgânicos da América Latina. Esse tipo de produção é criar galinha caipira solta. O segredo do ovo orgânico está na ração. E esse empresário foi procurar o MST e fizemos uma parceria. Ele antecipa um crédito para produzirmos milho e soja. Toda produção é passada para ele.
Estamos felizes com nossas experiências de produção.
Elder Dias – Como um governo que classifica o MST como organização terrorista afeta o ânimo da militância do movimento?
De maneira alguma. Somos vítimas dessa acusação que jogou na cadeia o Vadir injustamente. Uns estúpidos, irracionais do poder judiciário de Goiás levantaram essa tese de que o MST seria grupo terrorista. Foi o único estado do Brasil onde houve essa acusação. Nós corrigimos essa acusação inapropriada no Supremo Tribuna de Justiça.
Há muitos outros governantes brasileiros que poderiam ser acusados de terrorista por crimes diretos ou indiretos que cometeram. Para começar, os 670 mil brasileiros que morreram de covid. Que toda ciência diz que pelo menos 70% poderíamos ter salvo se o governo Bolsonaro tivesse comprado a vacina em agosto, e não em janeiro e fevereiro. Terrorismo é matar pessoa. Essa conta não é do MST.
Cilas Gontijo – Recentemente o senhor disse ao Diário da Causa Operária que, a decisão do STF, em desfavor do Partido da Causa Operária, é uma arbitrariedade, no qual o ministro Alexandre de Moraes, inclui o PCO, no inquérito das fake news. E que, o senhor apoia o partido na luta pela liberdade de expressão. Os questionamentos do PCO, não são os mesmos do presidente Bolsonaro? Então o senhor apoia o presidente nessa questão?
É uma linha muito tênue. Todos tem o direito de expressar a opinião. É um direito democrático. Mas não se tem o direito de usar meios de comunicação para acusar ou vender mentiras. É tênue em razão disso. Depende do julgamento Se acusam alguém, tem que ir ao poder judiciário, não pode ser pela imprensa.
As mentiras, alguém tem que julgar se é mentira ou não. Juntamo-nos ao STF do sentido de que tem que haver uma normatização, mas garantindo o direito de expressão A nuvem de confusão é causada por isso. Muitos direitistas usam do direito de liberdade de expressão para difundir mentiras e acusações. Até hoje eles chamam o Lula de presidiário. Então poderíamos acusar o Bolsonaro de bandido já que ele foi expulso do exército, e não são expulsas pessoas de bem. Mas esse é um problema dele com o exército.
Vai ser uma batalha dura daqui para frente. De fato, com o desenvolvimento da tecnologia e das redes sociais, acaba democratizando um instrumento que qualquer um diz o que quer. Acho que em algum momento, em próximos governos, o Congresso precisa legislar sobre esse tema, para normatizara o uso dos meios de comunicação sem ferir o direito de livre expressão, coibindo as fake news, mentiras e acusações falsas.