Profissional de perfil técnico, com vasta experiência em saúde pública e coordenador de projetos de sucesso em gestão hospitalar, o médico intensivista Rasivel dos Reis Santos Júnior está à frente da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) desde janeiro de 2024. Neste mês em que fecha o balanço do primeiro semestre no comando da pasta, Rasível dos Reis tem muitos resultados para apresentar.

Os principais esforços do secretário foram no sentido de cumprir a regionalização da saúde, promessa do governador Ronaldo Caiado (UB) para a área. No início de sua gestão, leitos de terapia intensiva existiam apenas em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis. Hoje, estão espalhados em todas as regiões, e 85% dos pacientes internados estão dentro de sua própria macrorregião de origem.

Nesta entrevista ao Jornal Opção, o secretário fala sobre outras marcas da gestão na saúde: a entrega do Cora, hospital oncológico e pediátrico; as seis policlínicas; a adoção de um modelo disruptivo para incentivar os atendimentos eficazes e rápidos na medicina de emergência.

Italo Wolff — Qual balanço o senhor faz de seu período à frente da Secretaria Estadual de Saúde? Quais foram as principais realizações da pasta?

Temos trabalhado muito para atender ao pedido do governador Ronaldo Caiado (UB) de regionalizar a saúde. Entendo que essa é uma das principais formas de promover a equidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Temos realizado muitas oficinas, reuniões, workshops com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) nas cinco macrorregiões do Estado.

Para atingir o objetivo de regionalizar a saúde, nosso desafio é vencer o modelo federativo brasileiro, que leva os serviços até o nível municipal, mas sem garantir escala ou qualidade. A princípio, municipalizar o atendimento parece bom, mas 80% dos municípios de Goiás têm menos de 20 mil habitantes, e, quando se pensa em serviços de saúde, alguns serviços demandam volume. Ou seja: alguns habitantes de cidades pequenas precisam de atendimento de alta complexidade, mas esses municípios não possuem estrutura para sustentar hospitais de alta complexidade. 

A regionalização da saúde segue duas lógicas, basicamente. Alguns serviços são sensíveis à distância — a atenção primária tem de estar no quarteirão de casa. Outros precisam de volume para ter qualidade — como neurocirurgias, cirurgias cardíacas, oncologia. No Estado de Goiás, estamos rearranjando os serviços pensando em macro regiões e convencendo as estruturas municipais a assumirem suas vocações regionais.

Rasivel dos Reis cede entrevista aos jornalistas Italo Wolff, Ton Paulo e Guilherme de Andrade | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Em sua opinião, qual seria um arranjo mais ideal para a distribuição dos serviços de saúde?

Temos buscado esse modelo em diálogo com os hospitais municipais, por exemplo. Falamos: “Vocês precisam atender os municípios por direito, e esses municípios precisam cooperar com o  Samu”. O Samu é um excelente exemplo, porque é municipal, mas está distribuído no Estado, regionalizado. 

Em Goiânia, existe uma crise tremenda no Samu, que tem pouquíssimas ambulâncias e mal atende chamadas. Por quê? Não é apenas Goiânia que está errada, é a lógica que construiu este modelo que está errada. Não estou defendendo a forma como Goiânia está gerindo o Samu, mas quero acrescentar que o sistema também está errado. No atual modelo, o Samu não  conta com aporte de recursos financeiros de outros municípios, então as ambulâncias de Goiânia param e deixam de buscar pacientes da região e trazer para os hospitais de Goiânia.

Isso poderia ser solucionado com cooperação. A estrutura de Goiânia foi montada levando em consideração a população do Estado. A Capital tem de atender outros municípios, por necessidade. É a necessidade da pessoa que importa, não é de onde ela mora. 

Quando o governador assumiu e determinou a regionalização da saúde, só havia leitos de terapia intensiva em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis. Hoje, temos leitos espalhados em todas as regiões. Neste semestre, um dos resultados que temos para apresentar é o fato de que 85% dos pacientes internados estão dentro da própria macro região. Isso significa economia, eficiência, mais conforto para o cidadão e sua família, e é um sinal de que o sistema está muito melhor estruturado.

Rasivel dos Reis: “85% dos pacientes internados estão dentro da própria região. Isso significa economia, eficiência, conforto, e é um sinal de que o sistema está melhor estruturado” | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Ton Paulo — O número de transferências para Goiânia caiu com esse sistema de descentralização?

Sim. Hoje, Catalão, São Luís de Montes Belos, Jaraguá, Pirenópolis, Rio Verde e outros conseguem absorver pacientes — Itumbiara e Uruaçu inclusive contam com estrutura de tratamento oncológico. Nada disso existia antes da determinação de regionalização dada por Ronaldo Caiado. Na oncologia, o Estado só tinha o Araújo Jorge, que é filantrópico, e o Hospital das Clínicas, que é federal. Não existia nenhuma estrutura estadual para fazer esse tipo de atendimento.

Italo Wolff — No ordenamento mais clássico do sistema de saúde, os municípios cuidam da baixa complexidade, enquanto estados e União seriam responsáveis por atendimentos de média e alta complexidade. Como acontece esse convencimento para que os municípios, que têm menos recursos, participem também dos hospitais com oncologia e outras especialidades complexas?

Hoje, na lógica de financiamento que está posta no sistema de saúde, os municípios teriam de arcar com 15% dos custos. Eles fazem um grande esforço para isso. O que o Estado tem feito é dar apoio no investimento, inclusive com ações de assistência. 

Goiás inaugurou oito hospitais desde o início da gestão Ronaldo Caiado, contando com a ampliação do hospital de Águas Lindas, que foi três vezes aumentado. Vamos construir o CORA, Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás. Então, quando desenhamos a rede, a estrutura e o suporte estão dados, bem como os incentivos para os municípios.

Outra parte importante diz respeito a dar finalidade melhor a uma estrutura que já existe. Há 203 hospitais municipais e filantrópicos distribuídos pelo Estado. São mais de quatro mil leitos. Mas boa parte destes tem taxas de ocupação sempre muito abaixo de 30% (e boa parte destes internados deveriam estar em atendimento ambulatorial ou atenção primária). Ou seja, são hospitais que deveriam pertencer a uma estrutura de mais alto adensamento tecnológico, de maior complexidade. Precisamos identificar o que estes hospitais realmente conseguem fazer bem e adequá-los.

Nesta readequação, existe inclusive a possibilidade de financiamento do Ministério da Saúde, tanto para o SAMU quanto para as estruturas municipais, que atendam a região. É uma forma de a União incentivar o atendimento “de porta aberta”. Entre o que o secretário acha que está acontecendo no hospital e o que de fato está acontecendo, existe um abismo. Por isso, nesse sistema de governança, fazemos reuniões mensais com o comitê gestor, formado pelos prestadores da saúde, para discutir o fluxo dos pacientes dentro daquela tipologia hospitalar.

“Incentivamos os atendimentos: O dinheiro acompanha o paciente. Nosso modelo é disruptivo. Em geral, o hospital faz o que quer sem olhar muito a necessidade da população”, diz Rasivel dos Reis | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Este não é o procedimento padrão em outros estados?

Não. Nosso modelo é disruptivo. Em geral, cada hospital faz o que quer sem olhar muito a necessidade da região, a necessidade da população. Invertemos a lógica com a Comissão Intergestores Bipartite (Cib) e Comissão Intergestores Tripartite (Cit) para induzir a qualidade do sistema. O dinheiro acompanha o paciente: pegamos hospitais que supostamente atendem tudo para monitorar se realmente atendem a ortopedia, o infarto. Os recursos vão para os hospitais onde o doente está sendo atendido, em vez de serem transferidos em função da estrutura dos hospitais. 

Neste sentido, o Samu começa a ser compreendido como um indutor da rede, porque leva os pacientes para o atendimento, e com ele os recursos. É uma forma de valorizar o Samu e fortalecer a rede — se todos os pacientes forem transferidos para um polo, isso não é rede. É preciso estimular os hospitais regionais a atenderem; um ponto só não faz rede. 

Ton Paulo — Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre as policlínicas, que são uma vitrine para a saúde do Estado.

São seis policlínicas funcionando hoje em Goiás nas seguintes cidades: Posse, Goianésia, Quirinópolis, Formosa, Goiás e São Luís de Montes Belos. Temos policlínicas distribuídas em todas as macrorregiões do Estado, com projeto de construir outras três: em Mineiros, Mozarlândia e Campos Belos. 

Temos mais de 20 especialidades em cada uma delas, com hemodiálise em todas. Trabalhamos para ampliar vagas para hemodiálise em todas as policlínicas e oferecer também a diálise peritoneal.

Outro projeto importantíssimo que estamos implantando agora, a pedido do governador, é usar a capacidade das nossas policlínicas para implantar a telemedicina, e telessaúde. Temos um alto absenteísmo nas policlínicas. Os pacientes deixam de dar continuidade a seus tratamentos por conta de problemas de transporte, pois têm de se deslocar até outros municípios.

Uma solução é aproveitar os especialistas das policlínicas para alcançar os pacientes nas teleconsultas, ou tele interconsultas (que é quando o especialista orienta o médico da atenção primária). Avaliamos um formato com um consultório para telemedicina para cada 16 mil habitantes, usando as policlínicas como hubs de telessaúde para apoiar os municípios de toda a região.

“Goiás inaugurou oito hospitais desde o início da gestão Ronaldo Caiado, contando com a ampliação do hospital de Águas Lindas, que foi três vezes aumentado”, diz Rasivel dos Reis | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Guilherme de Andrade —  Como está o calendário de obras do Cora? Já há previsão para inauguração do hospital?

As obras do Cora, que estão sendo feitas pela Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), estão 60% concluídas. Por exigência do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de apresentar um termo de ajustamento de gestão, apresentamos uma definição precisa do papel da SES, da Goinfra, o eventograma para condução da obra e cumprimento de metas. 

Um jornal recentemente publicou que a apresentação deste eventograma significou um aditivo de valor nas obras do Cora, mas este não é o caso. Na verdade, havia uma estimativa de custo, e esta fase foi melhor definida agora, com valores de R$192,7 referentes à construção e R$48 milhões de equipamentos — esse é o valor real, final, de mercado, usando a tabela da Goinfra e a tabela Sinapi. 

A inauguração desta primeira fase, de oncologia pediátrica, ocorrerá em dezembro de 2024 e as primeiras internações em janeiro de 2025. A segunda parte, que atenderá adultos, está em debate com o Ministério da Saúde, pois receberá valores do Programa de Aceleração do Crescimento (Pac).

Italo Wolff —  Existe uma carência de oncologia pediátrica que não é estadual, mas em todo o país. É esperado que pacientes de outros estados venham em busca de tratamento no Cora. Como a SES pretende manejar essa demanda?

Goiás já é referência na saúde para toda a região Centro-Oeste e Norte do país. Atendemos muitos pacientes do Pará, Rondônia, Acre, pois Goiás é um estado central, mais próximo do que os polos de saúde na região Sudeste. Isso acontecerá com o tratamento do câncer infantil. Atualmente, muitos pacientes descem para Barretos ou Brasília. 

Com o Cora, inicialmente serão abertos 48 novos leitos, sendo 11 de terapia intensiva e transplante de medula óssea. Esperamos atender não apenas Goiás, mas também outros estados. Henrique Prata, presidente do Hospital de Amor de Barretos, falou que o Cora será um hospital extremamente importante para toda a região.

Manejar essa demanda é uma questão de pactuação, de aporte de recursos pelo Ministério da Saúde, de custeio deste que é um hospital altamente especializado. Goiás tem essa vocação de cuidar não apenas de sua população, mas de acolher bem a todos.

Quando aceitamos essa tarefa, ganhamos escala e melhoramos nossos resultados. Então, além de ser interessante do ponto de vista da solidariedade com outros estados, também ganhamos benefícios com o volume dos serviços. É um ganha-ganha para todos.

“Reestruturar as redes de atenção à saúde é um importante passo para diminuir o tempo de resposta às emergências.”, diz Rasivel dos Reis | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Sua especialidade é a Medicina de Emergência. Como emergencista, como avalia sua área em Goiás e o que pode ser feito para melhorá-la?

Acredito que reestruturar as redes de atenção à saúde é um importante passo para organizar o sistema em função do tempo de resposta às emergências. Quando o Samu começou, havia uma Unidade de Suporte Avançado (USA, também conhecida como UTI móvel) para cada 400 mil habitantes, e uma Unidade de Suporte Básico (USB, a ambulância composta por condutor, socorrista e o técnico de enfermagem). Só havia Samu em grandes cidades. 

Se percebeu que essas unidades não podiam atender os pacientes no tempo de resposta hábil, e o Brasil investiu na distribuição e regionalização do Samu. É claro que, com isso, vêm questões sobre o financiamento. A medicina de emergência precisa de apoio dos municípios, dos estados e do governo federal. Atualmente, os municípios arcam com cerca de 15 a 20%, o governo federal busca colocar 50% do orçamento da saúde, mas nunca consegue dar aporte maior do que cerca de 30%. A parte variável fica com o Estado. 

É o Estado que entra com recursos para garantir atendimento de urgência adequado, financiando as portas de urgência para receber os pacientes, porque não adianta eu atender bem e colocar no local que não tem a capacidade de cuidado e, obviamente, melhorar a eficiência dos hospitais.