Pedro Miranda é advogado criminalista, palestrante, professor universitário e candidato à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB Goiás) pela Chapa 3 — “Pela Ordem”. Sua campanha se distingue das demais, segundo ele, por ser a única que não faz parte de grupos já estabelecidos no poder da classe — “somos um grupo sem sobrenomes, sem ‘rabo preso’ partidário”, diz. 

Suas propostas buscam solucionar os problemas enfrentados pela maior parte dos advogados, como a ausência de um piso salarial. Na presidência, Pedro Miranda promete “abrir a caixa preta da OAB e da Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag)”. A ausência de transparência da Ordem, explica ele, é uma das principais razões pela alta inadimplência. Se eleito, diminuir a anuidade será outra prioridade de sua gestão. 

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Pedro Miranda explica como é possível fazer uma gestão “da porta para fora” (em oposição a uma gestão isolada à portas fechadas) e próxima dos advogados e advogadas comuns, com foco em beneficiar a classe.

Italo Wolff — Qual o diferencial da Chapa 3 em relação às outras? Qual visão o senhor tem para a OAB que difere da visão da outra chapa de oposição?

O nosso diferencial e a razão pela qual nós não nos alinhamos a um outro projeto é a modernidade que pretendemos trazer para a OAB. Caras novas. Esses novos nomes que queremos levar  à direção da OAB são de advogados e advogadas que vivem a realidade da advocacia diariamente. Advogados e advogadas que não têm os velhos sobrenomes famosos, já conhecidos pela política classista; que não têm um padrinho político; que não têm alternativas a não ser sua atuação profissional. Em nossa visão, esse grupo representa a maior parte da advocacia.

Hoje, a maioria se vê escanteada. Nós apresentamos um projeto que representa essa maioria. Nós não nos alinhamos a outros projetos, sejam eles quais forem, porque acreditamos que é essencial que a ordem vire a página. Caso contrário, haverá perpetuação de grupos no poder, como tem acontecido na atual gestão.

Italo Wolff — Quando o senhor olha para a OAB hoje, quais são os principais problemas que gostaria de mudar?

Os maiores problemas da OAB são apenas reflexo daquilo que a Ordem se tornou. Em nossa visão, a Ordem se tornou um puxadinho do governo. Quando a Ordem tem essa dependência do governo, seja ele do Estado, seja ele do Executivo Municipal ou mesmo do Executivo Federal, a Ordem não consegue fazer enfrentamentos que são benéficos para a advocacia e para a sociedade.

Lhe dou um exemplo: as custas judiciais. As custas hoje não só dificultam a propositura de honorários por parte da advocacia, como também dificultam o acesso à justiça por parte do cidadão, da cidadã. Goiás está em quarto lugar no ranking das maiores custas judiciais do país, e, se fizermos uma comparação com o Distrito Federal, que tem um teto de R$ 650, nossas custas chegam a ser sete vezes maiores do que as do Distrito Federal.

E como se faz para resolver isso? Por meio de lei. Essa lei deve ser de iniciativa do Tribunal de Justiça de Goiás, e sancionada pelo governo do Estado. Entretanto, enquanto a Ordem estiver ligada ao governo do Estado, com um “rabo preso” partidário, a Ordem não conseguirá fazer esse enfrentamento. Com a atual composição da diretoria nós não teremos legislação sobre as custas judiciais — e essa foi uma promessa do atual presidente, que disse que esse seria o legado da sua gestão.

Além do gargalo das custas judiciais, há um gargalo do piso salarial da advocacia, que sempre é pauta de campanha, mas nunca é levado a sério, nunca é transformado em um projeto de lei sério que seja votado e levado à sanção do governo.  

Pedro Miranda em entrevista aos jornalistas Cilas Gontijo e Italo Wolff | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Cilas Gontijo — Que tipo de pressão a OAB poderia exercer, já que os projetos de lei são necessariamente de iniciativa do Tribunal de Justiça?

Quando há omissão em relação a um determinado direito constitucional, a Ordem e o Ministério Público são as duas maiores instituições do país que podem fazer frente a legislações omissas. O acesso à justiça é um direito constitucional; se as custas judiciais prejudicam o exercício desse direito por parte do cidadão, é hora da Ordem fazer uso de suas atribuições constitucionais, manejando seus instrumentos processuais próprios para que o Tribunal de Justiça de Goiás crie o projeto de lei, porque a redução das custas tem que ser discutida. Se é interesse da sociedade, se é interesse da advocacia, o Tribunal de Justiça de Goiás tem que fazer esse diálogo. Se o diálogo não for feito, ações constitucionais devem ser manejadas.

Italo Wolff — Ainda sobre honorários: outra grande demanda da classe diz respeito à advocacia dativa. Há demora para recebimento dos honorários. O que pode ser feito a respeito?

Nós temos uma advocacia dativa que facilita, inclusive, para o caixa do governo. O governo deixa de implantar defensorias públicas em diversas cidades e quem dá conta dessa demanda é a advocacia da ativa. E na advocacia dativa demora-se anos para receber. Também há o problema do critério de proporção para que se arbitre o valor Unidade de Honorários Dativos (UHDs). Em nossa perspectiva, esse valor deveria seguir o que a tabela da OAB indica, e não aquilo que vem estabelecido pelo sistema Judiciário. 

Hoje, o advogado tem recebido verdadeiras misérias quando se trata de UHD. Em nosso estado vizinho, o Mato Grosso, se recebe em até 60 dias os honorários dativos — aqui demora-se anos. Qual é a razão disso? Ou é falta de vontade, ou é falta de diálogo, ou é falta de pulso firme e independência.

Cilas Gontijo — Quais são suas propostas para melhorar o acesso da população à Justiça?

Além de melhorar o quadro dos advogados dativos, nós precisamos fazer frente, com ações constitucionais, para obrigar o sistema de Justiça a possibilitar esse acesso. Obviamente, a Ordem também tem a possibilidade de fazer convênios com diversas instituições, a exemplo de instituições de ensino que prestam um relevante serviço quando se trata do apoio jurídico com os seus núcleos de prática jurídica. Atualmente, se encontram instituições de ensino com núcleos de prática jurídica sucateados. Os núcleos, que antigamente eram maravilhosos e apresentavam uma série de resultados para o cidadão, hoje estão esparsos em Goiás. 

Cilas Gontijo — A Defensoria Pública funciona de verdade?

Funciona. A Defensoria Pública, sobretudo, onde está instalada, funciona, tem excelentes profissionais que custam muito ao caixa do governo. Por esta razão também, é necessário valorizar a advocacia dativa. Uma coisa tem absolutamente a ver com a outra. O governo reclama que fica caro pagar a advocacia dativa e por isso atrasa, mas o defensor público o governo não pagaria atrasado. De toda forma, onde a defensoria está instalada, eu reputo que são excelentes profissionais.

Pedro Miranda: “Vamos implantar a transparência em tempo real, porque a própria advocacia quer ter satisfações a respeito do que é feito com sua contribuição profissional” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — Que ideias o senhor tem para melhorar o início da carreira dos jovens profissionais?

O mais importante para ajudar o advogado em início de carreira é garantir que ele seja remunerado dignamente. Queremos deixar um marco histórico para a Ordem em Goiás e para a advocacia goiana. Minha primeira ação no mandato será chamar o presidente da Assembleia Legislativa e o governador do Estado para discutir seriamente o piso salarial da advocacia. Não é fazer marketing vazio — vou chamar o chefe do Executivo e o chefe do Legislativo para tratar do assunto, que só vira lei por meio dos Poderes. O piso vai beneficiar sobremaneira os jovens advogados, que são o grupo com menor remuneração.

Em 2019, por exemplo, a OAB aprovou um piso salarial, mas onde? Em seu conselho seccional — que, no final das contas, não significa nada, porque não há nenhuma imposição aos escritórios de advocacia. À época, cobrei, chamei a atenção para a boa proposta apresentada, mas também registrei a minha preocupação em relação à efetividade daquilo que estava sendo apresentado no Conselho. 

Cilas Gontijo — O que podemos dizer sobre a transparência da OAB? Quais suas propostas para dar mais transparência à Ordem?

Vamos expor aquilo que a advocacia quer, porque em nossa gestão, vamos implantar a administração integrada e participativa. Vamos fazer um sistema de plebiscitos e referendos para que toda a advocacia possa votar e dar a sua opinião nas propostas que temos para levar adiante. Vamos conectar toda a advocacia do Estado, inclusive para apreciar as nossas decisões, para saber o que está acontecendo na ordem dos advogados do Brasil.

Vamos implantar a transparência em tempo real, porque a própria advocacia quer ter satisfações a respeito do que é feito com sua contribuição profissional. Hoje, a advocacia sequer sabe qual a razão pela qual paga a anuidade. A Ordem não tem transparência efetiva. Quem vai colocar seu dinheiro onde não sabe como será usado? Essa é uma das razões pela alta inadimplência. 

Nosso projeto é contratar uma equipe econômica, técnica, profissional, de gente com formação para isso. Vamos fazer toda a análise do caixa da Ordem — porque hoje temos uma caixa preta tanto na OAB quanto na Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag). Queremos fazer a apresentação dessa situação econômica para toda a advocacia do Estado. Hoje, os advogados e as advogadas não sabem quais são as decisões tomadas dentro da Ordem e não sabem o que se faz com os recursos que são de propriedade da advocacia.

Italo Wolff — O senhor mencionou a anuidade. Sua chapa propõe uma redução do valor cobrado?

Sem dúvidas. Entendemos que a redução da anuidade no teto que se estabelece a Lei de Conselhos de Classe, mais o INPC, é uma urgência. Inclusive, já ingressamos com uma ação de obrigação de fazer e de não fazer na Justiça Federal, em que o Juiz da Terceira Vara Federal da Seção Goiás conferiu uma liminar determinando que a anuidade fosse reduzida e que a ordem, então, estivesse barrada conferir qualquer efeito da inadimplência. A OAB recorreu desta liminar ao Tribunal Regional Federal e teve seu recurso parcialmente deferido, quer dizer, caçou parte da nossa liminar, mas a outra parte ainda continua em vigência. 

Ainda está em trâmite esta ação que quer obrigar a UAB a reduzir a anuidade. Se nós já demos essa contribuição estando fora da direção da Ordem, imagine o que iremos lá na OAB.

Cilas Gontijo — Quais suas propostas para aproximar os advogados da Ordem?

Quando formamos nossa associação, pedimos diversas vezes uma reunião com o presidente da Ordem para que pudéssemos apresentá-la. Mandamos diversos e-mails, mensagens e fizemos ligações. Ele nunca nos respondeu. A Ordem hoje faz uma gestão da porta para dentro. Aqueles que participam da gestão, que são amigos, parentes ou sócios daqueles que participam da gestão, têm voz. Já os advogados do interior, não são ouvidos.

Nossa proposta é usar a tecnologia para permitir acesso direto à Presidência da Ordem a todos. Em nossa gestão, qualquer advogado poderá pedir uma reunião on-line com a Presidência da Ordem. Nós vamos fazer essa advocacia participar das decisões, por plebiscitos e referendos, e vamos ouvir o que esse advogado está pensando. Essa medida será importante inclusive para que as 59 subseções no interior tenham o direito de participar das decisões e tenham o direito de ter contato com a Presidência.

Pedro Miranda: “Minha primeira ação no mandato será chamar o presidente da Assembleia Legislativa e o governador do Estado para realmente discutir seriamente o piso salarial da advocacia” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — O senhor também acredita em propostas como o oferecimento de linhas de crédito para os advogados que estão montando seus primeiros escritórios?

Sim, essa linha de crédito precisa ser facilitada. Hoje, se você está iniciando a carreira e vai até a instituição conveniada com a Ordem, não consegue uma linha de crédito sem ter de dar um imóvel como garantia. Sem ter uma garantia para oferecer, você consegue valores irrisórios de crédito.

A instituição financeira argumenta que necessita da garantia para fazer empréstimos, mas quem tem de garantir no fim das contas é a OAB; caso contrário, o convênio com a Ordem acaba não estabelecendo um critério diferenciado para a disponibilização de linhas de crédito. 

Italo Wolff — Qual a sua visão para a Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag)?

Para podermos tomar qualquer decisão sobre a Casag, primeiro, precisamos abrir sua caixa preta. Até hoje a gente não sabe qual é o gasto da Casag. Não sabemos onde a Casag tem colocado o dinheiro. Não conhecemos o tamanho do déficit que gera o Centro de Esporte e Lazer (Cel) da OAB atualmente, ou a razão de se praticar valores no CEL da OAB equivalentes a restaurante de luxo. Então, quando a gente tiver acesso às contas da Casag, vamos começar a fazer a reestruturação. Isso passará por uma equipe econômica e transparência em tempo real. 

Italo Wolff — Uma vez saneada as finanças da Casag, qual função o senhor acredita que a Caixa de Assistência deveria desempenhar? 

A Casag deve ter, primeiro, uma política que foge à lucratividade. A Casag não é uma empresa; ela deve servir à advocacia. E, para servir à advocacia, a primeira coisa que ela tem que fazer é pensar em pagar as suas despesas e entregar benefícios para a advocacia. 

Hoje, a Casag oferece “benefícios” como o tal Bumerangue, que, no fim das contas, é só uma maquiagem para que a advocacia faça uso de serviços e fique travada nesse programa. Então, não representa um benefício, nenhuma novidade, na verdade, essa fatura é cobrada do próprio advogado. Não é isso que a gente quer para a Casag.

A Casag pode trabalhar com escritórios compartilhados, que foi uma inovação trazida pelo Rodolfo Mota à época, mas que não foi ampliada. A gente quer uma Casag que atue plenamente para a saúde da advocacia, que preste os auxílios extraordinários e ordinários, que aumente, inclusive, a publicidade dos planos de saúde que são oferecidos pela Casag. Hoje, muitos dos planos oferecidos aos conveniados são mais caros do que os planos regulares. Nenhum advogado ou advogada sabe quais são as alternativas de planos de saúde ou telefonia possíveis pela Casag — talvez existam planos mais vantajosos do que aqueles que são oferecidos.

Pedro Miranda: “A advocacia tem necessidade do porte de arma, não só para a segurança do advogado, mas também para valorização” | Foto: Guilherme Alves / Jornal Opção

Italo Wolff — A defesa das prerrogativas do advogado sempre são uma tônica das eleições da OAB. O senhor tem algum projeto específico para essa área?

Entendo que a advocacia tem sido, de fato, criminalizada. Este é um ponto em comum entre minha candidatura e a do advogado Bruno Pena, que foi injustiçado ao ser preso. Coadunamos no entendimento de que a prisão do advogado Bruno Pena foi injusta. A valorização da advocacia depende de uma ordem institucionalmente forte e autônoma, o que não temos atualmente.

Vamos implementar uma central de prerrogativas. A advocacia poderá entrar em contato com a central, gerar um número de protocolo desse atendimento, registrando quem é o responsável por fazer a intermediação com a vara que, eventualmente, tenha violado alguma prerrogativa da advocacia. A ordem fará esse acesso. 

Hoje, a advocacia que milita na área criminal tem dificuldade de contactar a área de prerrogativas da OAB fora do horário comercial. Esse advogado liga para um plantão da comissão de direitos e prerrogativas, para tentar resolver a situação. Se a OAB não consegue resolver, o que ela faz? Pede para que o advogado ou advogada formalize sua reclamação por e-mail. A OAB abre então um processo administrativo por meio de um sistema próprio para avaliar a violação da prerrogativa — até o final desse processo, muitas vezes a situação já passou.

Vamos estabelecer essa central para que a OAB tenha contato direto com o sistema de persecução penal, seja no âmbito da Polícia Civil, Polícia Federal, dos Ministérios Públicos ou Estadual ou Federal; vamos fazer essa relação pelo advogado. A gente não tem uma Ordem que emite uma decisão a respeito das suas prerrogativas e dos seus direitos para que a Central de Flagrantes, por exemplo, cumpra a determinação.

Cilas Gontijo — O que acha da proposta de facilitar o porte de armas aos advogados?

Queremos fazer o enfrentamento para garantir o porte de arma à advocacia — mediante exames e amparo psicológico da OAB conveniada à órgãos responsáveis. Esta é uma demanda sobre a qual a ordem precisa atuar de maneira mais incisiva. A advocacia tem necessidade do porte de arma, não só para a segurança do advogado, mas também para valorização. Se nós estamos em um cenário de igualdade com magistrados e com promotores, e se estes têm seus portes de arma garantidos, por que a advocacia não pode ter também? Qual é o problema da advocacia ter o porte de arma facilitado mediante uma série de estudos, acompanhamento e formação por equipe multiprofissional?