Você enfrentou a fila do Mutirama e gripou. Será atendido em posto de saúde da prefeitura? Será mesmo?
07 julho 2019 às 00h00

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No momento, no lugar de pensar numa cidade-cidadã, Iris Rezende, mais do que construir obras — exibe-as. Saúde? Deixa para a bedel
Talvez seja possível falar numa espécie de conceito de cidade-cidadã. Trata-se de um município em que o gestor público cria condições para tornar melhor a vida de todos — inclusive com a criação de locais saudáveis e agradáveis. Locais bonitos embelezam o olhar e suavizam a vida, dando nova cor ao concreto sólido e fixo das ruas e construções, e convida ao passeio e à convivência. Praças bem cuidadas, por exemplo, costumam atrair moradores das redondezas. A Praça da T-25, no Setor Bueno, poderia ser chamada de praça-cidadã. Os moradores se reuniram, organizaram uma associação e, ante a omissão do poder público, colaboram financeiramente para mantê-la bem cuidada. De manhã e à tarde, crianças e adultos circulam pelo local, cujo verde, bem cuidado, predomina por todo o ano. Viva, com suas plantas verdejantes e flores de cores variadas, com a presença de pássaros, como sabiá, bem-te-vi e joão-de-barro, a praça é, digamos, cidadã.

O professor Nion Albernaz não criou o conceito de cidade-cidadã, mas aprofundou-o. A capital de Goiás — fará 86 anos em 24 de outubro — era “encardida” e pouco observada. Na prefeitura, Nion decidiu mudá-la. Primeiro, deixou-a limpa. Em seguida, colocou flores nos seus canteiros e nas ilhas das avenidas. De cara, percebia-se que a cidade estava mais suave — ou, por assim dizer, humanizada. O que se criava, partir da gestão municipal, eram espaços públicos para ampliar a convivência dos indivíduos. As pessoas começaram a sair dos carros — suas fortalezas — e a circular pelas praças, admirando sua cidade. Turistas passaram a chamar Goiânia de a capital das flores. De repente, reverberando o que se via na cidade fundada em 1933 por Pedro Ludovico Teixeira, as cidades do interior começaram a se “vestir” de verde e flores. Era influência das ações de Nion.
Na gestão do professor, que ensinava aos demais prefeitos, a capital se tornou uma cidade amplamente arborizada. “Viver (em) Goiânia tornou-se um prazer” — dizia-se. As bancas de revistas e jornais, depois de um longo recesso, voltaram a vender cartões turísticos da capital. Havia o que mostrar — e era belo o que se via. Nion está à espera de uma biografia decente e ampla, que certamente o abordará como um dos mais qualificados criadores de uma cidade-cidadã.

Noutro espectro, Nion dizia que era preciso melhorar os serviços públicos, para facilitar a vida dos goianienses. E foi um dos primeiros a perceber a força dos serviços na economia da cidade. Era um homem de visão. Sabia que, mesmo não sendo possível retirar os automóveis das ruas, dava para transformar a “selva de pedra” num espaço para ampliar o congraçamento entre os cidadãos. Ele percebeu que a cidade deve ser mais do pedestre do que do carro.
Mr. Asfalto Rezende
Não se pode sugerir que a história do prefeito de Goiânia, Iris Rezende (MDB), seja negativa. Porque não é. Ele foi prefeito de Goiânia, na década de 1960 — há mais de meio século —, foi governador, ministro de Estado, senador e, de novo, prefeito da capital. Mas, se Nion pode ser nominado de “planta-árvores”, Iris Rezende pode ser tachado de “arranca-árvores” (ao lado de um petista). Ele retirou árvores (que deixam a temperatura mais amena) das avenidas 85, Goiás Norte e, agora, da 90. E não tem nenhuma preocupação de plantar outras. Clarismino Júnior, um advogado que se tornou ambientalista, talvez tenha sido um dos poucos a influenciá-lo no sentido de que uma cidade, com 1,4 milhão de habitantes, precisa de mais verde e menos concreto. Com Clarismino fora da equipe, Iris Rezende voltou a ser o “planta-concreto”.

Consta que, nos últimos meses, Iris Rezende estaria preocupado com o lugar que vai ocupar na história. É provável que seu lugar será entre os “obreiristas”. Como se sabe, fora os construtores de cidades, como Pedro Ludovico e Juscelino Kubitschek, fundadores de Goiânia e de Brasília, respectivamente, os obreiristas, os adeptos de obras puramente físicas, de infraestrutura, são esquecidos pela história. Porque são a maioria. Diga, leitor: você sabe o nome do prefeito do Rio de Janeiro quando Machado de Assis publicou o romance mais importante da história cultural do país, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”? Ah, você não sabe?! Não tenha vergonha: nós também não sabemos. Porque, no fundo, não tem tanta importância assim. Mas, se você frequenta as livrarias, verá o livro exposto — mais vivo do que nunca, o que garante a imortalidade ao seu autor. Daqui a 100 anos, um século, Iris Rezende será lembrado ou será um rodapé quase invisível na história de Goiânia e Goiás? Qual será o seu verdadeiro legado? O piso de concreto da Avenida 90 já terá passado por várias restaurações e, portanto, Iris Rezende não será lembrado por ele. O mesmo ocorrerá com o asfalto dos bairros. Falta a Iris Rezende um legado, uma marca. Não se poderá dizer dele algo assim: “O prefeito ou o governador que revolucionou a Saúde e a Educação em Goiânia e Goiás”. Iris Rezende não quer saber, porque, como criança vive o presente como se fosse eterno, mas asfalto, se eleva a temperatura, esfria a memória.
Veja-se um caso recente. Como as eleições municipais estão próximas — daqui a pouco mais de um ano —, Iris Rezende, depois de dois anos de inércia quase absoluta (alega-se que estava fazendo caixa), começou a trabalhar. No caso, trabalhar significa pavimentar ruas e construir viadutos-trincheiras. Cuidar da saúde e da educação? Não são temas para o gestor Iris Rezende, tanto que, na Secretaria de Saúde, não mantém uma médica que tenha experiência com saúde pública. Com todo o respeito que merece, por ser uma profissional séria, é mantida no cargo pelo prefeito porque é vista, não como uma sumidade e uma gestora altamente eficiente, e sim como uma espécie de “bedel”. Na Educação, está sendo questionado por não aplicar os valores constitucionalmente devidos. Os dois temas não interessam ao prefeito, que até os auxiliares chamam de “Mr. Asfalto Rezende”.
Parque Mutirama
Por mais que o interesse subliminar seja político, a abertura do Parque Mutirama — depois de muito tempo fechado (abri-lo às portas de uma eleição é, politicamente, mais “rentável”) —, com entrada gratuita, é bem-vinda. Falta mesmo lazer para os goianienses. Tanto que o calçadão do Centro Cultural Oscar Niemeyer se tornou palco de usuários de patins e skates. O Zoológico da cidade é caótico e malcuidado. Resta, sobretudo ao povão — e, sim, à classe média —, o Mutirama. E, se é de graça, melhor ainda.
Com o Mutirama reformado, e a entrada sendo gratuita, reúne-se uma multidão, sobretudo com a presença ostensiva e natural de crianças. São milhares, quase sempre muito próximas, quase espremidas, em filas intermináveis. Uma maravilha vê-las com pais, irmãos e amiguinhos nas filas e, sobretudo, nos brinquedos. O ar de alegria e felicidade estampado no rosto das crianças, as que estão brincando ou aguardando a sua vez de brincar, é impagável. Vale muito. Por isso, embora a inauguração tenha a ver com a proximidade das eleições — uma pesquisa estaria norteando as ações do prefeito, que busca se aproximar da ideia de cidade-cidadã —, não se deve descartar a importância do parque. Lugar de brincar é mesmo num parque, como o Mutirama, não é em shoppings — que, na falta de locais apropriados, se tornaram lugares de lazer, e não apenas de compras. Até porque, neles, a segurança, se não é perfeita, é razoável.
Tudo bem: a felicidade acima de tudo. Um dos objetivos do setor público é melhorar a qualidade de vida dos indivíduos. Mas digamos que multidões reunidas possam, em determinados momentos, contribuir, direta ou indiretamente, para doenças, ainda que tidas como leves, como gripes. A estrutura de saúde dos postos de saúde de Goiás é adequada? Não é.
Duas crianças morreram recentemente em Goiânia, aparentemente por causa do atendimento precário em postos de saúde, onde falta tudo — de médicos (pediatras, por exemplo) a medicamentos primários. Nos postos, superlotados, pacientes demoram a ser atendidos. Quando são — há os que desistem e procuram atendimento particular, sacrificando o orçamento familiar. Triadas, às vezes as crianças chegam muito mal ao Hospital Materno-Infantil. Se morrem, a carga negativa fica para este hospital, onde acabam se concentrando jornais e emissoras de rádio e televisão. Mas os repórteres deveriam questionar o fundamental: a precariedade do atendimento inicial, que se dá, ou teria de ocorrer, nos cais — que, no dizer apropriado da população, são “caos”. O atendimento do setor de saúde do governo do Estado é relativamente adequado; a falha básica é da Prefeitura de Goiânia, pois Iris Rezende, no afã de fazer obras — o prefeito, a rigor, não faz obras; exibe-as —, descuida de dois setores cruciais: educação e saúde.
Por fim, um breve comentário político: não se sabe quem será o próximo prefeito de Goiânia. Mas tende a ser aquele que pensa na capital como uma cidade-cidadã. Diz-se que há o indivíduo, que ainda não é cidadão, e o cidadão, que é o indivíduo que se tornou cidadão. Há prefeitos que só pensam no indivíduo, porque acreditam que, desconectado da noção de cidadania, é mais fácil de ser convencido a votar em populistas, como Iris Rezende. Há prefeitos que pensam no cidadão — aqueles que já têm as demandas atendidas. O prefeito adequado será aquele que conseguir pensar nos indivíduos e nos cidadãos, que, atendendo-os, será capaz de fazer a fusão indivíduo-cidadão. Quem se habilita: Maguito Vilela, Francisco Júnior, Cristina Lopes, Virmondes Cruvinel, Adriana Accorsi, Zacharias Calil e ou Elias Vaz?
(Aparecida de Goiânia tem um prefeito jovem e, como Nion Albernaz, aposta na ideia de uma cidade-cidadã. Gustavo Mendanha é um gestor eficiente e criativo. Fique de olho: é provável que esteja nascendo um líder político de dimensão estadual. Detalhe: pertence ao MDB de Iris Rezende, com uma diferença crucial: é moderno e conectado às coisas de seu tempo.)