Tolerância fortalece o centro e radicalismo desagregador enfraquece o bolsonarismo
31 outubro 2024 às 18h15
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O comportamento dos políticos nas eleições majoritárias e nas eleições proporcionais é e precisa ser diferente. Até muito diferente. A eleição proporcional é aquela em que são eleitos vereador, deputado estadual e deputado federal. Já a eleição majoritária — presidente da República, governador, prefeito e senador — tem outro perfil.
Eleição para deputado é guerra generalizada
Na disputa proporcional há adversários internos e externos. Citemos alguns exemplos da disputa eleitoral de 2022. Lêda Borges, do PSDB, foi eleita deputada federal com apenas 51.346 votos. Quer dizer, só chegou à Câmara graças aos votos de Matheus Ribeiro (46.961), Helio de Sousa (43.624) e Aava Santiago (13.387), todos do PSDB. Juntos, deram coeficiente eleitoral para o partido eleger uma parlamentar.
Durante a campanha, os quatro eram aliados e, ao mesmo tempo, adversários. Tanto que só uma foi eleita. E, claro, Lêda Borges, assim como os derrotados, também disputou com os candidatos de outros partidos.
Graças aos votos dos aliados-“adversários” — como os três citados —, Lêda Borges foi eleita e Lucas Vergílio (76.283 votos), do Solidariedade (trocou o SD pelo MDB), Márcio Corrêa (59.829), do MDB (depois se filiou ao PL), e Edward Madureira (54.952), do PT, perderam.
No União Brasil, a votação gigantesca de Silvye Alves — 254.653 votos — serviu para eleger Zacharias Calil. A votação deste caiu de 151.508 (em 2018) para 87.919 (em 2022). Pode-se dizer que o médico deve seu segundo mandato à jornalista. Na campanha, os dois eram adversários, quase figadais, mas, contados os votos, descobriu-se que o segundo havia sido puxado pela primeira.
O PT elegeu dois deputados federais — Adriana Accorsi (96.714 votos) e Rubens Otoni (83.539). Edward Madureira, com 54.952 votos, apesar de relativamente bem votado — 3.606 votos a mais do que a eleita Lêda Borges —, perdeu, mas seus votos ajudaram a eleger Adriana Accorsi e Rubens Otoni.
O que se está dizendo é que a eleição proporcional é uma guerra, das mais pesadas — mas nem sempre visível, porque a imprensa cobre mais a eleição majoritária —, e entre aliados e adversários. O grande rival de Matheus Ribeiro, por exemplo, não era Silvye Alves, e sim Lêda Borges. Esta o derrotou no PSDB e ainda precisou de seus votos para ser eleita.
Bolsonarismo não agrega e perde força para 2026
No primeiro turno, na disputa pela Prefeitura de Goiânia, os candidatos do União Brasil, Sandro Mabel, e do PL, Fred Rodrigues, adotaram comportamentos diferentes.
Fred Rodrigues, radicalizado, atacava praticamente todos os candidatos, notadamente Sandro Mabel, Adriana Accorsi, do PT, e Vanderlan Cardoso, do PSD. Os demais se criticavam, mas sem exagero.
Nas redes sociais, os aliados de Fred Rodrigues se comportaram como se não houvesse a possibilidade de segundo turno. Batiam tanto nos adversários que, de cara, impediam quaisquer conversações para o caso de continuidade da disputa.
O Fred Rodrigues do primeiro turno inviabilizou o Fred Rodrigues do segundo turno. Ele ficou isolado, só com os aliados do PL. Noutras palavras, o postulante do Partido Liberal não se comportou como um candidato majoritário, que precisa agregar apoios. Parecia muito mais um candidato a vereador, que caminha para a guerra quase sozinho.
Os dados do pleito falam por si. No primeiro turno, Fred Rodrigues obteve 31,14% dos votos válidos (214.253 votos). Foi o grande vencedor. No segundo turno, conquistou 44,47% dos votos válidos (283.054 votos). O postulante do PL ganhou 13,33 pontos percentuais a mais, ou seja, 68.801 votos, no segundo turno. Mas acabou por perder de maneira acachapante.
Sandro Mabel, o derrotado do primeiro turno, foi o grande vitorioso do segundo turno. Na primeira etapa, obteve 27,66% dos votos válidos (190.278 votos), ficando atrás de Fred Rodrigues. Porém, no segundo turno, conquistou 55,53% dos votos válidos (353.518 votos).
No segundo turno, Sandro Mabel ganhou 163.240 a mais, ou seja, 27,87 pontos percentuais a mais.
Ao contrário de Fred Rodrigues, que não agregou novos valores, Sandro Mabel conquistou o voto dos eleitores de centro e da esquerda. Tais votantes votaram no postulante do União Brasil como uma maneira de rejeitar Fred Rodrigues e, sobretudo, o bolsonarismo.
Então, ao não perceber que em eleições majoritárias é preciso conciliar, agregar novas forças, Fred Rodrigues acabou ficando isolado, pregando para os convertidos. Chegou ao teto e daí não passou. Sandro Mabel, mais articulado e moderado, conversou com todas as forças políticas e ampliou sua votação.
Portanto, insistindo, em eleição majoritária ganha quem agrega mais, quem sabe superar arestas. O bolsonarismo, dadas a agressividade e a violência verbal, não gera aliados — só adversários. Por isso, no lugar de ficar chamando adversários de “canalhas”, os bolsonaristas que caminham para 2026 deveriam analisar o resultado das eleições de 2024 com lupa.
O ex-presidente Jair Bolsonaro saiu relativamente desmoralizado como cabo eleitoral — por exemplo, em Goiânia e Aparecida de Goiânia. No lugar de ajudar, moderando os aliados, radicalizou-os e, quando precisou de apoio, não conseguiu novos companheiros de jornada. O verdadeiro líder aglutina, não desagrega.
O isolamento do bolsonarismo em 2024 pode se repetir em 2026. Talvez por isso o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), esteja, não se afastando, mas adotando um comportamento ligeiramente diferente do bolsonarismo. O tarcisismo, facção moderada do bolsonarismo, ganhou (ou manteve) força política na capital paulista com a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Este é mais tarcisista do que bolsonarista.
O marçalismo é outra facção do bolsonarismo, só que mais radical. Seu surgimento, longe de contribuir para moderar o bolsonarismo, deve radicalizá-lo ainda mais. Porque o bolsonarismo teme perder espaço para Pablo Marçal, que é um “partido” em si. O PRTB “não” existe. O goiano-pauliceio, exército de um homem só, parece assustar o bolsonarismo, notadamente Jair Bolsonaro. Talvez porque pareça mais radical e ainda mais incontrolável e midiático.
Ao mesmo tempo que é moderno — filho do que há de mais modernos nas novas comunicações —, Pablo Marçal, como Jair Bolsonaro, é um agente do reacionarismo. É a barbárie usando, por assim dizer, inteligência artificial.
Pablo Marçal incomoda mais Jair Bolsonaro e seu entourage porque é incontrolável. Pode ajudar a derrotar o bolsonarismo na disputa para a Presidência em 2026. Uma chapa com Ronaldo Caiado para presidente e Pablo Marçal na vice pode ser devastadora para o bolsonarismo — que, a rigor, pode caminhar isolado (como Fred Rodrigues em Goiânia), em 2026. (Em 2022, no segundo turno, o isolacionista Jair Bolsonaro, em desespero, correu atrás de vários políticos, como Ronaldo Caiado, que, por razões ideológicas, o apoiaram.)
Tarcísio é o bolsonarismo de centro-direita
O tarcisismo também incomoda Jair Bolsonaro, sobretudo porque o ex-presidente está perdendo o controle de seu pupilo. Dotado de inteligência estratégica, o governador Tarcísio de Freitas não vai romper com o aliado que o projetou. Mas pode seguir um caminho para além do bolsonarismo, como fez na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Tarcísio de Freitas tende a ser candidato à reeleição em São Paulo. Mas, se for candidato a presidente, certamente se comportará de maneira diferente do bolsonarismo. Tanto que governa São Paulo ao lado de Gilberto Kassab, presidente do PSD e um político de centro.
Pode-se sugerir que São Paulo inventou o bolsonarista de centro ou de centro-direita? Talvez.
O fato é que há espaço para políticos de direita e da centro-direita, como Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior, Romeu Zema e Tarcísio de Freitas. Não se pode falar ainda em ocaso do bolsonarismo e de Jair Bolsonaro. Mas as urnas de 2024 deram recados duros tanto para a esquerda do presidente Lula da Silva (que está tentando ganhar parte do centro e parte da direita evangélica) quanto para a extrema-direita bolsonarista.
Centro é democrata e tolerante: o exemplo do PSD
Tem muito político se apresentando como de “direita” — caso de Ricardo Nunes (MDB), prefeito reeleito de São Paulo —, mas, na verdade, é de centro, ou pelo menos assim é visto pela sociedade. Tarcísio de Freitas é de direita? Talvez. Mas comporta-se, na articulação, na sua capacidade de agregar, como político de centro. Porém, como alinha-se com o bolsonarismo, tem de se apresentar como “de direita. Ronaldo Caiado é de direita, mas, desde que assumiu o governo de Goiás em 2019, caminhou para o centro. Talvez seja hoje de centro-direita.
O centro político — que vai além do Centrão fisiológico que trafega no Congresso — não é visto como uma força compacta porque não se circunscreve tão-somente a um partido. Está em vários partidos. O presidente Lula da Silva é de esquerda? É. Mas, no PT, é de centro. Não é radical. Por que o PSD de Gilberto Kassab está em processo de crescimento? Porque é, no geral, de centro. O partido está ocupando, digamos assim, o espaço do pP. O espaço da moderação estava, por assim dizer, “vago” (ou, noutras palavras, “oculto” pelas forças de direita). A eleição de 2024 mostra que não está mais. O PSD e outras forças — do MDB, do Podemos e até do União Brasil — o ocuparam.
Na eleição de 2024, vários prefeitos eleitos de capitais e grandes cidades são de centro. Pode ser um recado dos eleitores para 2026. Aqueles que votam talvez estejam se cansando dos que xingam o tempo inteiro, não aglutinam e perdem tempo discutindo mesquinharias ideológicas. O brasileiro quer mais resultados e esperança. Não quer apoiar político que passa o tempo chamando os adversários de “canalhas”.
O que é ser de centro? Ser democrata, acima de tudo, e ser tolerante e civilizado com os adversários.
(É possível que, aquele que for de centro-direita, mas menos bolsonarista, tenha mais chance de enfrentar Lula da Silva, do PT, um profissional, na disputa pela Presidência da República em 2026.)