A previsão dos economistas de que o Brasil iria crescer apenas 0,9% no segundo trimestre de 2022 estava errada. O país cresceu 1,2%. Trata-se do sétimo maior crescimento do PIB entre 26 anos.

Crescimento, sabe-se, não é o mesmo que desenvolvimento. Portanto, mesmo a economia dando provas de que está relativamente saudável — por exemplo, na indústria e nos serviços —, e apesar dos programas sociais, há pessoas passando fome no Brasil, ou seja, falta desenvolvimento (a, digamos, distribuição daquilo que o crescimento gerou).

Porém, como a inflação começa a cair, o governo reduziu o preço da gasolina e a indústria e os serviços estão reagindo, os temas eleitorais podem mudar de configuração, ou seja, de ordem de importância do ponto de vista dos eleitores.

Não há dúvida de que a crise econômica, que está instalada, permanecerá no centro do debate. Sublinhe-se que o primeiro debate mexeu, mas não muito, com o quadro eleitoral. A pesquisa Datafolha, divulgada na quinta-feira, 1º, mostrou o ex-presidente Lula da Silva, do PT, com 48% dos votos válidos e o presidente Jair Bolsonaro, do PL, com 34%. Os dois candidatos mais consistentes da terceira via, Ciro Gomes (9%), do PDT, e Simone Tebet (5%), do MDB, subiram ma no troppo. O quadro de polarização persiste e, a 28 dias das eleições, dificilmente mudará.

O segundo turno, se houver, tende a ser entre Lula da Silva e Bolsonaro. Se as pesquisas estiverem certas, é uma questão de lógica.

Se Ciro Gomes e Simone Tebet subirem será, indiretamente, uma espécie de “voto útil” em Bolsonaro, pois vão ajudar a impedir que Lula da Silva seja eleito no primeiro turno. Os dois “estão” batendo tanto em Lula da Silva quanto no presidente. Porque é a única maneira de crescerem. Portanto, as críticas de ambos são lícitas. Um deles pode retirar o petista ou o líder do PL do páreo e ir para o segundo turno? Parece difícil, muito difícil, quiçá impossível. Pesquisadores postulam que mais de 60% dos eleitores já decidiram o seu voto. As pesquisas mostram isto. Porém, uma campanha arrojada, como as de Ciro Gomes e Simone Tebet (está conseguindo demonstrar firmeza e credibilidade), poderia mudar o quadro, considerando que grande parte dos eleitores decide em quem vai votar em cima da hora? Muito difícil. A atual polarização indica um quadro de eleitores definidos.

É preciso ressaltar que 9%, de Ciro Gomes, e 5%, de Simone Tebet, são números muito baixos — tendo em vista que Lula da Silva tem 45% e Bolsonaro tem 32%.

Há alguma questão que, exibida e repetida com insistência, pode modificar o quadro eleitoral, levando os eleitores a mudaram suas posições em relação a um ou mais candidatos?

Na pré-campanha, cientistas políticos e pesquisadores haviam “rebaixado” o tema da corrupção. Dizia-se que a crise econômica — a falta de empregos, a inflação, o aumento da miséria em todo o país, o descenso do PIB — seria o tema mais recorrente.

Porém, bastou um debate, na Band, para a corrupção ressurgir como tema aparentemente central desta campanha. Aquilo que parecia esquecido, preso numa espécie de “inconsciente”, de repente “voltou”, tornando-se consciente — uma coisa incômoda. Pode se tornar o vulcão ativo do pleito deste ano.

No debate da Band, Bolsonaro desestabilizou Lula da Silva ao chamá-lo de “presidiário” e apontando a corrupção gigantesca na Petrobrás. O presidente, é claro, está fazendo política. Mas o que disse não é fake news. O petista de fato foi preso, sob acusação de corrupção, e a Petrobrás se tornou, no governo do PT, uma empresa extremamente corrupta e corruptora.

Lula da Silva tentou se manter calmo, procurou menosprezar o crítico e a crítica, mas seu semblante e a fala sem firmeza denotaram um incômodo profundo, uma sensação de estranhamento. Ou, diria Bolsonaro, uma “fraquejada”. O petista da sabatina do “Jornal Nacional”, da Globo, não era o mesmo do debate da Band. Caiu na armadilha de Bolsonaro e não soube escapar dela, e logo ele que é um mestre da política, uma das maiores raposas políticas do país.

De tão incomodado, Lula da Silva não conseguiu sequer partir para o ataque, exceto de maneira implícita quanto falou do “motorista” — uma referência a Fabrício Queiroz, o militar reformado envolvido, de acordo com o Ministério Público, nas rachadinhas do senador Flávio Bolsonaro (quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro) — e mencionou o sigilo de 100 anos imposto por Bolsonaro a determinado assunto.

Por que Lula da Silva não citou as histórias dos imóveis da família de Bolsonaro — adquiridos, em larga medida, com dinheiro vivo? A julgar pela quantidade de dinheiro, fica-se com a impressão de que os Bolsonaro mantinham um “banco” em suas casas. Fora Geddel Vieira (que apoia a candidatura do petista) e mais alguns afortunados, poucos indivíduos guardam dinheiro em suas casas, sobretudo por causa de segurança.

Irritado com a imprensa, Bolsonaro não deu uma resposta satisfatória às perguntas dos jornalistas. Até porque parece difícil apresentar uma resposta sobre alguns casos. A renda do senador Flávio Bolsonaro permite mesmo a aquisição de uma mansão no Lago Sul, em Brasília? Tudo indica que não. O senador alega que parte do dinheiro usado para a compra da casa foi emprestada pelo Banco Regional de Brasília — com juros camaradas, diga-se. A mãe de Renan Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, comprou uma casa requintada em Brasília, sem provar que tinha renda suficiente para fazer o negócio.

As histórias são no mínimo estranhas e devem ser citadas, de maneira frequente, durante os próximos 28 dias, e, se houver, no segundo turno. Parece que, ao citar Lula da Silva como “responsável” pela corrupção em seu governo, Bolsonaro cutucou a onça com a vara curta. Mas o “troco” chegou na velocidade do trem-bala — a história dos imóveis da família Bolsonaro.

Convém ressalvar que o assunto voltou à baila graças à excelente equipe de jornalismo investigativo do Universo Online, do grupo que edita a “Folha de S. Paulo”. Noutras palavras, não foi o PT que, respondendo ao debate da Band, pôs Bolsonaro e sua família em maus-lençóis. O UOL, afinal, nada tem de petista. Trata-se de uma empresa capitalista. Otavinho Frias Filho, o falecido diretor de redação da “Folha de S. Paulo”, não se dava bem com Lula da Silva e com o PT.

As críticas à aquisição de imóveis pela família Bolsonaro — que, de tão competente, poderá abrir uma imobiliária, no caso de derrota do presidente — foram amplamente divulgadas pela esquerda. Porque sugere que há “corrupção” na jogada. Portanto, ao acusar o PT de ter feito governos corruptos, Bolsonaro seria o sujo falando do mal lavado.

Lula da Silva, porém, ficou quieto. Por quê? Porque certamente teme que o bolsonarismo retome as denúncias sobre o “enriquecimento” de seus filhos e de um sobrinho que se tornou potentado (de vidraceiro, teria se associado à Odebrecht num país africano). Por mais que se apresente como “absolvido” pela Justiça, o ex-presidente sabe que houve corrupção em seu governo, e em larga escala. Portanto, uma guerra aberta com o bolsonarismo a respeito do tema corrupção pode não ser uma tática eficaz. Afinal, os Bolsonaro, ainda que estejam relativamente ricos, não foram condenados nem presos. Ainda há uma “sombra” sobre os negócios imobiliários, de fato estranhos, da família.

O fato é que o tema “corrupção” voltou, e com força total. Mas os candidatos certamente vão verificar, com base em pesquisas, se sua retomada é realmente positiva. Bolsonaro acusando Lula da Silva e este acusando aquele pode ser benéfico para quem? Para nenhum dos dois. Pode beneficiar a terceira via, que aparentemente não tem telhado de vidro — ou, se tem, não é “grande” —, levando-a a aspirar ser segunda via, em pouco tempo? Até pode.

O mais factível, porém, é que a banalização das denúncias de corrupção, usadas no meio da campanha, pode neutralizar seu impacto no eleitorado. Pode se firmar a ideia de que os políticos “roubam”, portanto, se é assim, as críticas poderão ser vistas tão-somente como “politiqueiras”. Frise-se, por outro lado, que, no caso de Lula da Silva, a contundência de Bolsonaro, ao apontá-lo como “ex-presidiário” e ao sugerir que quer voltar ao poder para “roubar”, o desestabilizou, ainda que momentaneamente. Mas o presidente também ficou desestabilizado com a história de que sua família é uma espécie de Midas dos imóveis.

Então, o tema “corrupção” tem o poder de desestabilização dos candidatos. Se o eleitor notar que o candidato ficou abalado por causa da denúncia de corrupção, verdadeira ou falsa, pode ficar contra ele. Quem acusa o “golpe” pode acabar sendo visto como corrupto.

Prisão de Marconi Perillo pela Polícia Federal

Marconi Perillo: candidato a senador pelo PSDB | Foto: Reprodução

Em Goiás, o tema “corrupção” tende a ser ventilado sobretudo na campanha para senador. Aliás, já começou, e não apenas nos bastidores. Marconi Perillo, do PSDB, governou Goiás por 16 anos. Na sua última gestão, acusado de ter cometido irregularidades graves, acabou preso pela Polícia Federal, que obedeceu a uma decisão da Justiça Federal.

Independentemente se Perillo é ou não corrupto, se locupletou-se com o dinheiro público, o que os eleitores tendem a considerar é sua prisão — que é vista como uma sinalização de “culpa”. O assunto, se ventilado com energia na campanha, pode desestabilizar o candidato a senador, contribuindo para uma possível derrota? É provável.

Perillo alega que não foi “condenado”, o que é um fato. Mas a história de que houve irregularidades em seus governos — além de determinados equívocos, como a venda da Celg para a Enel — corre de boca em boca, o que não pode ser contido.

No momento, de acordo com as pesquisas de intenção de voto, Perillo lidera para senador, seis pontos percentuais à frente do deputado federal Delegado Waldir Soares, do União Brasil. Para quem foi governador quatro vezes, além de deputado federal e senador, trata-se de uma diferença pequena. Portanto, uma possível derrota — para Delegado Waldir (União Brasil) ou para o ex-ministro Alexandre Baldy (pP) ou para o deputado federal João Campos (Republicanos) — será menos surpreendente do que alguns tucanos imaginam. Pode-se falar que 2022 está com cheiro de 2018, quando Perillo ficou em quinto lugar para o Senado — atrás de Vanderlan Cardoso (PSD), Jorge Kajuru (Podemos), Wilder Morais (PL) e Lúcia Vânia (então no PSDB).