Salvar Dilma Rousseff é matar o Brasil. É o recado da economia

12 março 2016 às 10h18

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Contrariando James Carville, é possível dizer: “É a política, estúpido!” Uma operação para salvar o mandato da presidente equivale a um poderoso incentivo para o empresariado não investir e, portanto, para aprofundar a crise

Uma frase do marqueteiro do ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton se tornou clássica na história da propaganda política: “É a economia, estúpido!” James Carville, reverberando os marxistas, situa na estrutura, na economia, a base da sociedade. Portanto, são mudanças econômicas que “dirigem” os rumos da sociedade. Um candidato a presidente da República deve definir seu projeto e seu marketing a partir do que ocorre na economia.
James Carville não está errado, claro. A economia tem peso decisivo para mover a sociedade — rumo a destinos positivos ou negativos. Mas nem sempre a crise econômica deriva exclusiva e diretamente de problemas na estrutura da economia. Por vezes, como ocorre agora, é uma grave crise política e institucional que está puxando a economia para baixo. A crise de credibilidade do governo da presidente Dilma Rousseff “envolve” toda a sociedade. É como se, num pacto inconsciente, quase toda a sociedade “parasse” e “dissesse” mais ou menos o seguinte: “Enquanto a petista permanecer no poder, nós não vamos investir”. A inércia do setor produtivo deriva, em larga medida, da inércia do governo federal.
(O tema dos parágrafos anteriores será retomado depois de um breve parêntese. Convidamos o leitor para um passeio por duas ruas e dois shoppings de Goiânia.
A Anhanguera é a avenida mais tradicional de Goiânia. Nos últimos anos, tornou-se a meca das lojas de eletrodomésticos e produtos populares de origem chinesa. Porém, de repente, o que parecia próspero, minguou. Várias lojas foram fechadas e os lojistas que ficaram informam que se deve à crise e à falta de esperança de que dias melhores virão. A Avenida 85, com um comércio mais sofisticado do que o da Anhanguera, é especializada, em larga medida, em roupas. Há lojas que vendem diretamente para o cliente, mas também atende comerciantes de lojas de Goiânia e do interior. Nos últimos meses, assiste-se a um esvaziamento da avenida, com várias lojas fechadas. Os comerciantes apresentam sempre a mesma resposta: as vendas caíram e não dá mais para pagar o aluguel, fornecedores e funcionários.
Nos shoppings, mesmo no Flamboyant, dirigido pela família do empresário Lourival Louza, a crise é generalizada. No shopping Passeio das Águas, tão-somente no corredor da loja-âncora Petz — que vende produtos para cachorros, gatos, pássaros —, há 13 lojas fechadas.
Curiosamente, é o número do PT. Lojistas dizem que não estavam conseguindo pagar o aluguel e fecharam para não quebrar. Alguns deles chegaram a quebrar e estão endividados. O shopping pode ser chamado, a partir de agora, de Passeio da Crise. O que está salvando o centro de compras, apontado como o maior de Goiânia, são as lojas-âncoras. Tais empreendimentos funcionam mais ou menos assim: o déficit de uma loja é coberto pelo superávit de outras lojas. As grandes marcas instalam-se e têm gordura para queimar até “pegarem” ou até os shoppings “pegarem”. Lojas menores não suportam um prejuízo de seis meses e alguns de seus proprietários, depois de fechá-las, são obrigados a trabalhar como empregados noutras lojas.
A situação mais dramática é a do shopping Bougainville, no Setor Marista. Depois de sua reforma, os proprietários desenvolveram um marketing equivocado — sugerindo que seria uma unidade de compras para as elites de Goiânia. Ocorre que shoppings são locais para consumo de grandes massas — daí as lojas âncoras, como C&A, Riachuelo, Americanas, Renner, Siberian, Forever 21 — e das classes médias. Nenhuma das citadas é loja para ricos e, como se sabe, são o forte do Flamboyant e demais shoppings. O shopping Iguatemi, de São Paulo e com uma unidade em Brasília, é visto como um espaço de compras para ricos, dadas as lojas da Daslu, Tiffany e Louis Vuiton. Porém, além das lojas que vendem produtos mais sofisticados e mais caros, a maioria das lojas é mais para a classe média. Shopping, insista-se, é lugar de classe média — não de ricos, que, por vezes, preferem fazer compras no exterior ou em casas especializadas em Goiânia, São Paulo ou Rio de Janeiro.
O Bougainville tem lojas com produtos de qualidade, mas não se pode dizer que são superluxuosas, e ao mesmo tempo têm apenas uma loja-âncora, a Renner, e uma quase-âncora, o Piquiras, em franca decadência. Não fosse a área de alimentação, que atrai adolescentes de várias escolas das proximidades e trabalhadores de escritórios, o shopping se tornaria um espaço fantasma. Aliás, a quantidade de lojas fechadas aproxima-se, rapidamente, da quantidade de lojas abertas. Em menos de dez dias, o shopping perdeu mais duas lojas — Le Postiche e Rommanel. Para que a imagem do shopping não fique ruim, a diretoria de marketing decidiu colocar roupas e calçados nas vitrines das lojas fechadas. As vitrines das lojas fechadas servem como placas publicitárias para as lojas abertas. É provável que o marketing não tenha eficiência, mas pelo menos o shopping não fica com a imagem de uma casa fantasma.
Frise-se que os problemas no comércio das avenidas Anhanguera e 85 e dos shoppings Passeio das Águas e Bougainville têm a ver com a crise econômica nacional. Não há bonança em nenhum lugar. O país está parado, com recessão e às portas de uma depressão. São milhares de demissões (fala-se em 100 mil) por mês. Em 2015, a retração do PIB chegou a 3,8%. É hora de reabrir o parêntese e voltar à temática anterior.)
Como é a crise política que está alimentando a crise econômica — o baixo investimento é gerado pela falta de confiança do mercado no governo —, pode-se falar, contrariando James Carville: “É a política, estúpido!” O mercado definiu uma regra: com o governo de Dilma Rousseff, devido à falta de confiança na sua capacidade de ajudar o país a sair da crise, ninguém se mexe, ninguém investe. A economia, portanto, continuará estagnada. Não há uma saída econômica sem uma saída política.
Se salvar o mandato da presidente Dilma Rousseff, com acordos políticos de natureza fisiológica, o Brasil se enterra economicamente. Tudo indica que o país não se moverá, não escapará aos tentáculos da crise, enquanto a petista continuar no poder. A sociedade está numa encruzilhada: se salvar Dilma Rousseff, em nome da democracia, acabará por destruir a economia do país. Salvar Dilma Rousseff, sublinhe-se, é matar o Brasil.
Como Dilma Rousseff foi eleita, e o regime não é parlamentarista, o que fazer? Não há a menor possibilidade de um golpe para retirá-la do poder. O Brasil é democrático e suas instituições são sólidas — tanto que seu político mais poderoso foi levado para depor, de maneira coercitiva, e apesar dos protestos de setores esquerdistas radicalizados, nada aconteceu, de maneira estrutural, que pudesse abalar a sociedade. Os políticos (assim como os ministros do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal) têm a responsabilidade de encontrar o caminho adequado para resolver a crise. Há a possibilidade de a Justiça cassar o mandato de Dilma Rousseff e há a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar o impeachment para tirá-la do poder.
Porém, enquanto nada se decide, o país permanece em banho-maria, semiparalisado. Num gesto de grandeza, Dilma Rousseff poderia renunciar? É muito difícil. A nação vai continuar os próximos três anos “arrastando-se” única e exclusivamente para salvar o mandato da petista-chefe? Os políticos e todos os brasileiros têm de pensar a respeito e, ao mesmo tempo, precisam pugnar por saídas e caminhos democráticos.