Ronaldo Caiado pode ganhar o centro e substituir Bolsonaro como líder da direita

25 junho 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
A democracia de um país é equilibrada — ou mais equilibrada — quando há um centro, uma direita e uma erquerda fortes. O centro, mesmo quando composto por políticos fisiológicos, contribui para a estabilidade político-institucional. Ao não ter o apoio do centro e do Exército, por exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro “recuou” — se a palavra é o mot just — da tentativa de putsch. A tentativa de golpe de 8 de janeiro chegou a ser quase anarquista, pois não havia comando direto, exceto, digamos, nas coxias. Pareceu mais um recado para as Forças Armadas — do tipo: “O golpe é possível”.
Há um certo moralismo udenista na imprensa patropi, daí a criminalização excessiva dos políticos. Certo, há corrupção, e, como tal, deve ser investigada e denunciada. Mas os jogos reais, a trama das alianças, não são necessariamente fisiologismo. Veja-se o caso específico do Centrão. Há centrãozistas que, de fato, têm uma paixão extremada pelo dinheiro público. Mas certamente, se investigados mais de perto, talvez existam políticos do grupo que são homens públicos ao menos razoáveis. Ter homens públicos razoáveis é positivo e mais factível. Ter homens públicos excelentes, em grandes quantidades, é praticamente impossível.

Então, “destruir” — ainda que às vezes na linguagem — o razoável, na busca do ótimo e escapando do ruim, pode ser nefasto para o equilíbrio democrático. Ao “caçar” os políticos de cabo a rabo, como a Operação Mãos Limpas, da Itália, a Lava Jato “destruiu” quase tudo — o ruim, o regular e, até, o bom (Lula da Silva, pela média, merece figurar entre os bons, assim como José Genoino, que, ao contrário de outros petistas, nunca foi corrupto) — e, como contribuição direta ou indireta, “gestou”, por assim dizer, Jair Bolsonaro (a serpente que escapou do ovo).
No lugar de melhorar o sistema político, a Lava Jato contribuiu para piorá-lo, apesar de que sua investigação da corrupção tenha sido, no geral, acertada. A batalha contra a corrupção “colocou” no poder um político antidemocrático e golpista, Bolsonaro. Ao contrário do que se diz, Sergio Moro, Deltan Dallagnol e outros não “criaram” Bolsonaro, porque, quando a Lava Jato começou, o sub do baixo do clero ainda não tinha expectativa presidencial. Não “geraram” diretamente, quer dizer, não se pode falar em dolo. Porém, indiretamente, Bolsonaro, a alternativa ao PT — a corrupção do PT e aliados —, é consequência do espírito do lavajatismo.

Alternativa de esquerda é… Lula
Lula da Silva (PT) é o presidente da República e ficará no poder pelos próximos três anos e seis meses. Ele terá 78 anos em 27 de outubro deste ano e 81 anos em 2026. É o nome mais forte da esquerda. Porque, sendo de esquerda, se tornou uma alternativa poderosa à direita?
Porque, embora de esquerda, Lula da Silva conseguiu aglutinar parte do centro político, que o considera moderado (e há uma questão paradoxal: o Lula da Silva que faz é mais moderado do que o Lula da Silva que fala — e a sociedade já percebeu isto).
Na eleição passada, a disputa entre o petista-chefe e Bolsonaro foi, em larga medida, pelo coração do centro político e o postulante do PT levou a melhor. Porque suavizou o discurso, e seu oponente, pelo contrário, radicalizou-o.
Quando Bolsonaro tentou amenizar sua fala, em busca do centro, era tarde. Não que parte do centro não o tenha apoiado, mas o ex-presidente perdeu parte substancial daqueles que, em 2018, votaram nele… contra o PT. Ter o centro em peso ao seu lado poderia ter compensado a forte presença de Lula da Silva no Nordeste.
Daqui a três anos e três meses, os eleitores voltarão às urnas para eleger o presidente da República. Lula da Silva, mesmo com 81 anos, tende a ser o candidato do PT. Se estiver bem de saúde, ninguém ocupará seu espaço. Até porque faltam alternativas competitivas, ao menos no PT. Por ser altamente hegemonista, o PT possivelmente não apoiará um candidato de outro partido, como Simone Tebet, do MDB, e Geraldo Alckmin (político de direita, por sinal), do PSB. Se não for Lula da Silva, será, quem sabe, Fernando Haddad, que, como ministro da Fazenda, está construindo um perfil moderado que agrada ao centro e não desagrada a esquerda.

Os três nomes da centro-direita
Se a esquerda tem Lula da Silva, a direita tem vários nomes. A força da direita se deve ao fato de que o bolsonarismo soube, mesmo de maneira atabalhoada, construir e unir um eleitorado conservador.
Tal eleitorado conservador ainda prefere Bolsonaro, mas o ex-presidente está fora do jogo. Assim como retiraram Lula do páreo em 2018, certamente Bolsonaro estará fora da disputa em 2026.
Sem Bolsonaro, o eleitorado conservador fica órfão? Pelo contrário, os eleitores de direita têm várias alternativas. Inclusive uma delas está próxima de Lula da Silva. Trata-se do vice-presidente Geraldo Alckmin, um político moderado e religioso ortodoxo.
O político de direita com chance de ganhar a eleição — e Lula da Silva pode chegar bem em 2026, com a economia crescendo, a inflação contida e com redução da pobreza — não terá, claro, votos na esquerda. Então, terá de se firmar na direita, conquistando os eleitores de Bolsonaro, e ampliar seu raio de ação no centro.
Se Lula da Silva fizer um governo moderado, sobretudo com a retomada do crescimento econômico, então é natural que conquistará apoios no centro. Ou seja, reforçará sua musculatura para o pleito de 2026.
Se a economia for bem, e se não houver radicalismos — o MST é uma ameaça para a imagem do PT confiável —, Lula da Silva será um páreo duríssimo. Porque sua imagem estará melhor do que em 2022. Os eleitores são pragmáticos. Eles não vão ficar preocupados com declarações do petista sobre Venezuela e Ucrânia, e sim se sua vida melhorou. Uma vida mais “barata”, com a possibilidade de mais acessos aos bens de consumo, será o cartão de visita do presidente para o próximo pleito.

Na direita, há, basicamente, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (o mineiro que, embora atrapalhado com as palavras — costuma dizer “eu ouvo” e não sabia, e é provável que ainda não saiba, quem é Adélia Prado, a maior poeta viva de Minas Gerais —, é um gestor eficiente), do partido Novo, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos.
Tarcísio de Freitas está indo bem em São Paulo, mas, com apenas seis meses de governo, ainda é cedo para avaliá-lo como gestor.
Há uma pedra no caminho de Tarcísio de Freitas — uma vitória sua seria a volta do bolsonarismo ao poder. O país quer isto? Se Lula da Silva for bem, os eleitores — e, frise-se, a maioria deles não é ideológica — vão execrar aquele postulante que carregar a bandeira bolsonarista.
Se Lula da Silva for bem, depois de um presidente da direita ter ido mal, qual será a aposta dos eleitores? Provavelmente por um político que, sendo de direita — lembrando que o eleitorado pró-direita permanece grande —, também está próximo do centro. Quem ostentar um perfil de centro-direita — que seja pró-democracia, contra golpismos e tenha projetos para elevar o crescimento econômico e reduzir a pobreza (com a inclusão de fato dos pobres, para além da mera assistência) — pode ser o candidato escolhido pelos eleitores.
O candidato da direita terá de disputar o centro com Lula da Silva (ou com seu candidato). Os eleitores de centro decidirão a parada. Há o problema de que, se sair de dois a três candidatos da direita, a esquerda ficará ainda mais forte. Por isso, o ideal é que a direita saia apenas com um candidato — e com um vice de centro.
Eduardo Leite na vice de Ronaldo Caiado
Uma chapa com Ronaldo Caiado para presidente e com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, na vice seria forte e, mesmo, surpreendente. Uma chapa de centro-direita.
Ronaldo Caiado é liberal, assume-se como de direita. Mas não tem nada a ver com o reacionarismo messiânico do pior bolsonarismo. Trata-se de uma direita moderada, civilizada, racionalista.
No espectro da direita patropi, Ronaldo Caiado é o mais preocupado com a questão social. Seu governo criou uma rede de proteção social — inclusive com pagamento de aluguel para pessoas pobres e recursos financeiros para estudantes das escolas públicas — que melhorou a vida dos despossuídos de tudo. Ele é um liberal que sabe que, na vida real, não adianta ficar dizendo que é preciso dar a vara para as pessoas pescarem, quando elas, numa situação social complicada, não sabem mais pescar. Seu governo presta a assistência — a crítica ao assistencialismo beira o anti-humanismo —, mas também está procurando criar mecanismos de inserção social, notadamente via educação e qualificação profissional.
Graças a um governo ajustado, austero e decente — não há notícia de corrupção na gestão goiana —, patrocinado por Ronaldo Caiado, a economia de Goiás está crescendo mais do que a do país. Os empresários urbanos e do agronegócio, altamente conectados, assim como os trabalhadores, são responsáveis pelo crescimento, mas isto também se deve, em larga escala, a um governo que, no lugar de atrapalhar, ajuda, oferece suporte.
Então, se conseguir “puxar” o centro, e se manter a direita — inclusive parte da bolsonarista — ao seu lado, Ronaldo Caiado tem grandes chances de ser o candidato a presidente mais consistente do país.
Romeu Zema é “mineiro demais” e, ao mesmo tempo, não é nenhum Tancredo Neves. O que se quer dizer é que se trata de um político muito circunscrito a Minas Gerais — sem presença nacional, o que não se consegue ter de uma hora para outra. Ao contrário de Ronaldo Caiado, que foi deputado federal e senador, por vários anos e conhece bem o país, o político de Araxá não tem uma visão ampla de Brasil. Ao mesmo tempo, não tem um discurso afiado tanto para o centro quanto para a direita. Parece vago e ambíguo em demasia.
Pode ser uma avaliação excessiva, mas Romeu Zema parece um político sem alma. Um político “isopor”, insosso.
Portanto, o mais provável é que uma direita civilizada, com discurso para a sociedade, e não para parte dela, ocupe o espaço de Bolsonaro. O espaço está aberto. Quem souber ocupá-lo desde já, e não apenas em 2026, tende a ser o candidato a presidente mais forte.