Ronaldo Caiado articula Mabel em 2024 e opera para isolar as oposições em 2026
07 abril 2024 às 00h01
COMPARTILHAR
Na política é assim: quando tudo está silencioso, aparentando que não está acontecendo nada, o repórter atento precisa desconfiar. Porque nos bastidores as coisas podem estar pegando fogo. A política que sai nos jornais, ao menos nos meramente factuais, é a consagração dos fatos. A articulação, aquela que fabrica os fatos reais — para além dos balões de ensaio tradicionais —, só ocorre nos bastidores.
Então, para entender o que está acontecendo, é crucial vasculhar os bastidores. É preciso juntar os cacos dos fatos, conectá-los e, aí, usar a experiência analítica para explicá-los. A lógica não advém do fato isolado — das declarações públicas —, e sim do exame do contraditório, das várias versões em jogo. Diz-se que o repórter não pode errar. De fato, precisa ser preciso e objetivo. Entretanto, se se ater tão-somente às declarações oficiais, dificilmente entenderá o que está acontecendo nas sombras e poros da política. Por isso quem lida com política, sendo repórter ou analista, precisa especular. Claro que sem apresentar a especulação como fato.
O ressurgimento de Sandro Mabel
Veja-se o caso específico de Sandro Antonio Scodro, de 65 anos, paulista de Ribeirão Preto. Conhecido como Sandro Mabel, foi deputado federal e deputado estadual por Goiás. Durante anos dirigiu a bem-sucedida Mabel, um dos maiores fabricantes de bolacha do país.
No momento, Sandro Mabel é presidente da respeitada Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg). Parecia aposentado da política. Parecia. Porque está ativíssimo. Chegou a ser cotado para disputar a Prefeitura de Aparecida de Goiânia. Era o nome preferido — assim como o do deputado federal Leandro Vilela — do ex-prefeito Gustavo Mendanha, principal “general” eleitoral do município.
Sandro Mabel não quis ser candidato em Aparecida de Goiânia. A Imprensa concluiu, com razão, que estava fora do jogo. Sim, estava, mas só no município conurbado com a capital de Goiás.
De repente, como resultado as articulações quase insondáveis dos bastidores, sem que nada vazasse, surge Sandro Mabel — filho de um italiano que veio para o Brasil para escapar do nazifascismo — como pré-candidato a prefeito de Goiânia.
Por que Sandro Mabel como pré-candidato do União Brasil, ou melhor, da base governista em Goiânia?
Trata-se de um político experimentado: já foi candidato a prefeito de Goiânia (perdeu para Darci Accorsi, do PT — pai da deputada federal Adriana Accorsi), deputado estadual e três vezes deputado federal. É empresário e líder classista. Noutras palavras, tem estatura, sobretudo tem a estatura da capital e é um político com trânsito nacional.
Com escassas arestas — algumas delas o tempo tratou de apagar —, Sandro Mabel agrega a base governista, possivelmente toda ela, além de atrair o empresariado (que, a rigor, é mais próximo dele do que do senador Vanderlan Cardoso, que também é empresário). Dada sua experiência no trato com políticos, sabendo o que querem e do que precisam — é tido como uma pessoa que cumpre compromissos —, o mais novo membro do União Brasil não precisa de quem articule por ele.
O próprio Sandro Mabel fará, doravante, as articulações para fortalecer sua candidatura a prefeito. Ele próprio é um trunfo. Mas conta com outros trunfos. Primeiro, o apoio do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) — o operador da nova aliança política —, do vice-governador Daniel Vilela, de vários vereadores (a maioria) e de dezenas de candidatos a vereador — além de deputados estaduais e federais. Em suma, terá à disposição um exército eleitoral que nenhum outro pré-candidato terá.
Antes, a base governista tinha um pré-candidato consistente, Jânio Darrot, do ponto de vista de gestão, mas não eleitoralmente. Agora, pode ter — é preciso averiguar as pesquisas — um postulante que entrou no jogo, não só para competir, e sim, sobretudo, para ganhar.
Mabel desidrata Vanderlan ou não?
Mas por que Sandro Mabel foi buscado, como titular, para o jogo da base governista contra outros times?
Por vários motivos. Primeiro, porque pode esvaziar a candidatura de Vanderlan Cardoso. Se crescer, tende a puxar o senador para baixo. Há quem postule que, se cair nas pesquisas de intenção de voto nos próximos dois meses, o pré-candidato do PSD pode até pedir o boné e concentrar-se na campanha de sua mulher, Izaura Cardoso, para prefeita de Senador Canedo.
Não se está sugerindo que Vanderlan Cardoso é um pré-candidato fraco. Porque não é. É fortíssimo. Mesmo isolado, candidato de si mesmo — nem o PSD dito “qualitativo”, o dos ex-deputados federais Vilmar Rocha e Francisco Júnior, está motivado com sua postulação —, com o apoio de um único deputado federal, Ismael Alexandrino, aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto.
Ao mesmo tempo, Vanderlan Cardoso sabe, ao modo de Tancredo Neves, que, na política, disputa-se mandatos com o objetivo de ser eleito, mas também de se colocar no processo para ser lembrado pelos leitores. Se não ganhar em 2024, disputará mandato de senador em 2026. A frase atribuída ao político mineiro permanece precisa: “Na política só perde quem não disputa”. Quer dizer, mesmo quando se perde, ganha-se, ao se tornar conhecido, uma possibilidade.
Remontagem da base para 2026
O segundo aspecto, o que revela a visão tático-estratégica de Ronaldo Caiado, tem a ver com a remontagem da base governista para 2026.
Ronaldo Caiado não pensa a política só a curto prazo. Pelo contrário, mal termina uma eleição, como a de 2018, já estava pensando na de 2022 — daí ter puxado Daniel Vilela para sua aliança, enfraquecendo as oposições, que perderam uma alternativa viável. Gustavo Mendanha disputou o governo em 2022, mas, sem o apoio de Daniel Vilela — quer dizer, do MDB, que está enraizado em todo o Estado —, não conseguiu obter 26% dos votos válidos.
Na política não basta ser forte, é preciso operar, de maneira antecipada, para enfraquecer o adversário. Como é um estrategista — dos melhores, tanto que, há pouco, agiu com sucesso para retirar Luciano Bivar da presidência do União Brasil —, Ronaldo Caiado está fortalecendo a base governista para eleger prefeitos em Goiânia, Aparecida e Anápolis, entre outras cidades. Mas está de olho em apoios novos — caso de Sandro Mabel. Porque, além de conquistar as prefeituras — uma possibilidade real, com as atuais movimentações —, está sedimentando novas parcerias para 2026.
O que se está operando é a montagem de uma base mais ampla e estruturada para viabilizar a candidatura de Daniel Vilela para governador e Gracinha Caiado — entre outros — para senadora. Ao criar outra base, ampliada, Ronaldo Caiado opera, de alguma maneira, para formatar não apenas sua aliança política, mas também a adversária. Quem enfrentará Daniel Vilela em 2026? Possivelmente Marconi Perillo, do PSDB, ou o senador Wilder Morais (PL) — ambos “isolados”. Mas este, dependendo da base forjada em 2024, poderá acabar compondo com o postulante do MDB.
Então, mirando em 2024, Ronaldo Caiado também está pensando em 2026. Daí Sandro Mabel na sua base política — o que atrai, além de política, os homens do PIB para o projeto do governador e de Daniel Vilela.
Há, insistindo, a possibilidade de o PL compor com a base governista para 2026? É possível. Bem possível. Sobretudo, se o deputado federal Major Vitor Hugo — o primeiro-amigo do ex-presidente Jair Bolsonaro em Goiás — integrar a chapa como candidato a senador. Está cedo, é claro. Mas, como Tancredo Neves, Ronaldo Caiado sabe que, em política, não há cedo — só tarde. Por isso, articula com extrema habilidade e no tempo adequado — sem afobação. O futuro não existe como tal, pois é uma construção do presente. Quem faz o futuro é quem o opera (no presente) — antecipando-se aos demais — e não aquele que fica à sua espera.
Divisão da base pode fortalecer Adriana Accorsi
Resta uma palavra sobre Adriana Accorsi. A pré-candidata do PT a prefeita de Goiânia é forte e será ainda mais sólida se a direita e a centro-direita se apresentarem com três candidatos: Gustavo Gayer (PL), Sandro Mabel e Vanderlan Cardoso. A esquerda tem muitos eleitores em Goiânia — tanto que elegeu três prefeitos: Darci Accorsi, Pedro Wilson e Paulo Garcia.
Adriana Accorsi foi bem votada para deputada federal e, mesmo tendo sido derrotada para prefeita de Goiânia, sempre foi relativamente bem votada. A tendência é que, com o apoio do presidente Lula da Silva, a petista figure no segundo turno contra um candidato da direita ou da centro-direita, que deve ser Sandro Mabel ou Vanderlan Cardoso.
O membro do União Brasil agrega mais do que o integrante do PSD. Mas agregar não significa necessariamente ganhar. É preciso “convencer” os russos, isto é, os eleitores. Mas a tendência é esta: Adriana Accorsi contra Vanderlan Cardoso ou Adriana Accorsi contra Sandro Mabel. A esquerda “exigindo” a direita e vice-versa. Como se fosse uma preliminar da disputa presidencial… de 2026.