Quem a direita vai lançar para tentar barrar vitória de Antônio Gomide para prefeito de Anápolis?
23 julho 2023 às 00h00
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O folclore político é composto de lendas, meias-verdades e, às vezes, verdades. Um dos mitos tem a ver com a terra dos bardos Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado. Conta-se que, candidato a governador de Minas Gerais, em 1982, Tancredo Neves convocou uma turma de jovens para participar da coordenação de sua campanha. Entre eles estava Aécio Neves, então um garoto de 22 anos.
Durante uma reunião, um dos jovens pediu a palavra e “exigiu”: “Nós não queremos Newton Cardoso na campanha”. O jovem falou muito, “ensinando” um homem que havia sido ministro da Justiça de Getúlio Vargas, na década de 1950, e primeiro-ministro da República, na década de 1960. Há quem acredite que, se tivesse continuado como primeiro-ministro, se o presidente João Goulart não tivesse trabalhado para “derrubar” o Parlamentarismo, não teria ocorrido o golpe de 1964, pois os militares sabiam que era um político moderado e nada “red”.
Depois de ouvir o garoto, aparentemente do Rio de Janeiro, Tancredo Neves teria perguntado, com sua humildade habitual: “Agora, eu posso falar?”. O jovem autorizou: “Pode”.
Tancredo Neves teria dito: “Amigos, eu não quero ser apenas candidato a governador de Minas”. Sua fala teria provocado certo estranhamento na plateia. Num aparte, alguém perguntou: “O quê: o sr. não quer ser candidato?” O veterano de tantas lutas redarguiu: “Pois é, meu filho. O que quero mesmo é ser governador. Portanto, traga o Newtão para a minha campanha. E, se possível, conquiste até mais de um Trator”. Newton Cardoso, o Trator (político que amealhou uma imensa fortuna, talvez por meios não muito católicos), havia sido prefeito de Contagem e, mais tarde, foi deputado federal e governador de Minas. Era uma potência eleitoral e, experiente, Tancredo Neves sabia que não podia dispensá-lo para agradar meninos praticamente imberbes.
A história é, por certo, uma lenda. Ainda assim, a mensagem é realista. Em política, sobretudo em eleições majoritárias, não se “dispensa” apoio. Porque não se ganha uma eleição só com os “bons”, os “puros” e os “escolhidos”. Ganha-se, isto sim, com “todos” que querem apoiar o candidato.
A história é contada para se discutir, em breves alinhavos, a política de Anápolis. Mas, antes, falemos rapidamente sobre a cidade que, emancipada em 1887, há 135 anos, tem uma longa história.
Anápolis é uma potência industrial
Localizada a 140 quilômetros de Brasília e a 50 quilômetros de Goiânia, Anápolis tem potencial logístico de primeira linha. A cidade é servida por três rodovias federais e quatro estaduais e duas ferrovias passam por seu território, a Ferrovia Centro-Atlântica e a Ferrovia Norte-Sul. O município conta também com um porto seco e é local de passagem para vários Estados. Frise-se que seu comércio é um dos mais azeitados do Estado.
O polo farmoquímico de Anápolis, o maior da América Latina, conta com vários laboratórios, como Teuto, Neoquímica, Ducto, Genix, Geolab, Greenpharma, Kinder, Novafarma, Vitapan, Champion, Genoma e Itafarma. O município tem o segundo maior PIB (14,2 bilhões de reais) do Estado de Goiás, superando, por exemplo, os de Aparecida de Goiânia e Rio Verde. O IDH, de 0,737, é apontado como “alto”.
O Distrito Agroindustrial de Anápolis (construído no governo de Irapuan Costa Junior), o maior de Goiás, sedia a montadora da Caoa-Chery, que se prepara, a partir do município, para colocar automóveis elétricos em todo o país. Frise-se que, em breve, a cidade contará com outro distrito industrial. Várias empresas planejam se instalar no município.
Com seus quase 400 mil habitantes, Anápolis tem quase 290 mil eleitores. Portanto, tem segundo turno nas disputas eleitorais.
Anápolis se tornou um dos maiores polos universitários de Goiás e podem ser mencionadas as seguintes instituições: UEG, IFG, Centro-Universitário da Uni-Evangélica, Faculdades Raízes, Faculdade Anhanguera, Faculdade Fibra, Faculdade Católica de Anápolis, Faculdade Metropolitana de Anápolis (Fama), Faculdades Gap e um polo da UFG.
O município conta vários condomínios horizontais, como Alphaville, Sunflower e Vinhas Anápolis — cujas casas não ficam a dever, em nada, às de Goiânia, Brasília e de outras regiões. Em suma, Anápolis é uma cidade grande, e com estrutura adequada e semelhante à de Goiânia e Brasília (e com a vantagem de ficar próxima das duas capitais).
Dada a importância do Daia, com uma produção gigantesca e milhares de trabalhadores, Anápolis se tornou conhecida, no país, como a “Manchester goiana”. Hoje, fala-se que Anápolis é a “Suzhou do Cerrado”. A chinesa Suzhou é a maior cidade industrial do mundo, desde 2021, superando cidades industriais dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, da Inglaterra e da Itália.
Na verdade, Anápolis ainda não é uma Suzhou, mas é a cidade mais industrializada de Goiás e, talvez, do Centro-Oeste. É uma potência… em expansão.
Então, o próximo prefeito de Anápolis, que assumirá o poder daqui a um ano e cinco meses — em 1º de janeiro de 2025 —, não irá administrar uma corrutela, e sim uma cidade importante, cujo orçamento da prefeitura, para 2023, é de 2,29 bilhões de reais.
Portanto, os políticos que planejam disputar mandato de prefeito precisam entender que têm uma responsabilidade imensa com os moradores da Suzhou do Cerrado.
Força de Gomide supera a do PT
Por razões políticas, ideológicas ou pessoais, pode-se não gostar do prefeito de Anápolis, Roberto Naves e Siqueira (pP), um jovem de 44 anos. Mas é um azougue, um trator, uma força da natureza. Em seis anos e sete meses, o período que administra a prefeitura, contribuiu para melhorar a estrutura do município e, mesmo, aumentar a sua importância política. É natural que a população queira mais, porém o próximo prefeito vai receber uma cidade bem-cuidada, moderna, com uma economia diversificada e capaz de gerar recursos para atender às demandas dos munícipes.
A disputa pela prefeitura será acirrada. A esquerda tem um candidato, Antônio Gomide, do PT. Ele foi prefeito de Anápolis e saiu bem avaliado. É certo que contou com o apoio de aliados do PT no governo federal, como a ex-presidente Dilma Rousseff. Mas é crucial reconhecer que se trata de um administrador eficiente, sério e dinâmico. Talvez seja mais gestor do que político — tanto que foi derrotado por Roberto Naves, em 2020, em larga medida por imperícia (brigou, por exemplo, com um padre católico. Como se sabe, em brigas de religiosos e políticos, os primeiros até podem ganhar muito ou alguma coisa, mas os segundo perdem demais).
De acordo com algumas pesquisas, Antônio Gomide lidera, à frente de Márcio Corrêa, do MDB, de Major Vitor Hugo, do PL, de Leandrinho Ribeiro, do pP, e de Alexandre Baldy, do pP. Lidera com relativa folga.
Antônio Gomide lidera pelos próprios méritos, pois é avaliado como gestor competente e os eleitores sabem que, se for eleito, contará com o apoio direto do presidente Lula da Silva, que também é do PT.
Mas a liderança do petista pode ser “perigosa”, porque pode ser, digamos, “inercial”. Primeiro, se está inteiramente definido, as oposições ainda não definiram 100% quais serão seus candidatos. Segundo, a direita conta com muitos pré-candidatos, o que, no primeiro turno, favorece Antônio Gomide.
Porém, no caso de segundo turno, se a direita se unir — lembrando que a cidade é conservadora (tão conservadora que, para votar em Antônio Gomide duas vezes, buscou dissociá-lo do PT, percebendo-o como mais light do que red) —, o deputado petista poderá passar por maus momentos e, até, sucumbir eleitoralmente, como em 2020.
A direita tem cinco nomes — uns mais fortes, outros mais fracos — para o pleito, e é provável que nem todos levem a disputa até o final: Alexandre Baldy, Hélio Lopes, Leandrinho Ribeiro (a alternativa pode ser o vice-prefeito Márcio Cândido, influente no meio evangélico), Major Vitor Hugo (ou Hélio Araújo, que gostaria de ser vice de Márcio Corrêa) e Márcio Corrêa (o deputado estadual Amilton Filho é a alternativa do MDB).
Há indícios de que Alexandre Baldy, do pP, é carta fora do baralho, porque é mal avaliado nas pesquisas e, por isso, não vai correr o risco de disputar sabendo que suas chances de vencer são mínimas (o presidente da Agehab também tem a má fama de não cumprir compromissos de campanha). Mas conta com ampla estrutura financeira e, se disputar, com o apoio do prefeito Roberto Naves teria alguma chance.
Ex-presidente da Apae e do Ipasgo, Hélio Lopes padece daquilo que pode ser fatal em política: falta de grupo político (no momento, não tem filiação partidária) e estrutura de campanha.
Leandrinho Ribeiro, do pP, é vereador, recebeu 25 mil votos para deputado federal, em 2022. Sua força política deriva dos próprios méritos e, sobretudo, de sua aliança com o prefeito Roberto Naves. Mas, numa campanha majoritária, empolgaria o eleitorado? É possível, porque o peso da máquina pública e da estrutura das alianças partidária conta muito. Não é uma galinha morta.
Márcio Corrêa, que aparece em segundo lugar nas pesquisas e assistindo Antônio Gomide se distanciar, tem força política na cidade e conta com o apoio do vice-governador Daniel Vilela. Entretanto, para encorpar sua candidatura, precisa de uma aliança política mais ampla, sobretudo porque enfrentará um profissional do PT e o emedebista ainda não é um político profissional, tendo disputado apenas uma eleição, para deputado federal, e não foi eleito.
Para se aproximar de Antônio Gomide, e ser considerado como a alternativa da direita ao petista, Márcio Corrêa precisa demonstrar maturidade e buscar, ele mesmo, fortalecer sua base político-partidária. O emedebista tem alguma chance de ganhar sem o apoio do prefeito Roberto Naves? É provável que não. Se o gestor municipal não tivesse lançado Leandrinho Ribeiro para deputado federal é bem possível que o aliado de Daniel Vilela teria sido eleito deputado federal.
Márcio Corrêa precisa superar preconceitos (além da arrogância natural de alguns jovens) e reabrir o diálogo com Roberto Naves. Porque será ele, e não o prefeito — que não é candidato —, quem vai precisar de apoio político-eleitoral, daqui a um ano e dois meses, para a disputa da prefeitura. Quem “dispensa” apoio pode até ficar com a imagem de bom-moço, mas costuma perder eleições em série. Suicídio que Tancredo Neves não cometeu, tanto que se aliou a Newton Cardoso e a José Sarney. Repetindo o que se disse no início deste Editorial: o político de São João Del-Rei foi ministro da Justiça do governo de Getúlio Vargas, primeiro-ministro na década de 1960, senador, governador de Minas e, eleito presidente da República, em 1985, só não tomou posse porque morreu.
Convém que Márcio Corrêa acorde para a realidade, para além das “orientações” da meninada inexperiente que circula com ele (pode até entender de bons vinhos, mas certamente entende pouco a política do real), senão vai se tornar um colecionador de derrotas políticas.
Major Vitor Hugo tem alguma chance de ser eleito prefeito em Anápolis? Tem. Se conquistar o apoio de Roberto Naves — o que lhe dará um grupo local — e se atrair Jair Bolsonaro para a campanha, com duas ou três visitas nos 45 dias da campanha, o ex-deputado federal pode substituir Márcio Corrêa como o postulante da direita com mais expectativa de poder, dada a questão dos apoios.
A tendência é que a disputa em Anápolis se concentre entre o candidato da esquerda, Antônio Gomide, e o candidato da direita, que pode ser Márcio Corrêa ou Major Vitor Hugo. A polarização já está definida — o que falta é a escalação de um candidato da direita competitivo. Por enquanto, é Márcio Corrêa, porém, se não ampliar a aliança, perdendo Roberto Naves para Major Vitor Hugo, corre o risco de perder expectativa de poder.
A política não é lugar só para “puros”, e sim, sobretudo, para realistas absolutos. Será que Márcio Corrêa entende que 2024 é, para Daniel Vilela, o prefácio da disputa eleitoral de 2026? Com quais aliados o presidente do MDB irá contar para a disputa do governo, daqui a três anos e dois meses? O emedebismo vai deixar escapar um aliado como o pP — que caminha, a passos largos, em direção ao senador Wilder Morais? É difícil perceber que, sendo de Anápolis, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), vai interferir, no momento adequado, na disputa do município?