PT plantou o discurso do ódio durante anos e agora é quase impossível colher paz
05 junho 2015 às 15h38
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Ministro-chefe da Comunicação Social do governo da presidente Dilma Rousseff orienta a Caixa e o Banco do Brasil a produzirem propaganda pregando a paz. Senador Ronaldo Caiado quer investigação sobre o uso do Estado para proteger um partido

O poeta alemão Heine, que morreu em 1856, setenta e sete anos antes de o austríaco Adolf Hitler chegar ao poder na Alemanha, prenunciou o nazismo e as ditaduras em geral: “Onde se queimam livros acaba-se por queimar gente”. De fato, as tropas da SS hitlerista começaram queimando livros e logo depois estavam matando pessoas nos campos de extermínio, como Auschwitz, o mais emblemático. O Brasil teve suas ditaduras, como a do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945, e a civil-militar de 1964, que acabou em 1985. As ditaduras patropis prenderam e mataram vários oposicionistas. Não, claro, na mesma proporção da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista, da China maoísta, da Argentina de Rafael Videla e do Chile de Auguste Pinochet. O Brasil vive sob democracia há 30 anos, mas comportamentos autoritários, matizados pela esquerda do PT, permanecem, digamos, como entulhos.
O ex-presidente Lula da Silva, enquanto interessava ao PT, sobretudo em períodos eleitorais, era e talvez ainda seja um dos patrocinadores do discurso de “nós contra eles”, “pobres contra ricos”, entre outras divisões formuladas por um marketing canhestro, de cariz autoritário e, portanto, nada democrático. Principalmente devido aos programas sociais, como o Bolsa Família, o discurso de “nós [os pobres] contra eles” [os ricos], o PT ficará no poder durante pelo menos 16 anos — oito anos com Lula da Silva e oito anos com a presidente Dilma Rousseff.
O PT não se considera um partido de matiz populista; e, se se tirar Lula da Silva do partido, de fato não o é. Mas Lula, mais próximo de Jânio Quadros e João Goulart do que de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, transformou o PT numa célula populista. Tanto que os programas sociais, como o celebrado Bolsa Família, “deixou” de ser uma política de Estado para se tornar uma política do PT ou, mais precisamente, do Lulopetismo, que, a rigor, é a tendência, não apresentada como tal, hegemônica na legenda.
Porém, ao mesmo tempo que se devotavam aos pobres, Lula da Silva e sua pupila lulopetista, Dilma Rousseff, colocaram o Estado, e suas instituições financeiras, notadamente o BNDES, mas também o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, a serviço dos grandes empresários. Embora os petistas menos cerebrados critiquem as elites, os governos petistas foram (e são) decisivos para alavancá-las interna e externamente.
Quais os motivos da razão dual do PT, a rigor, mais inteligente e arguta do que pensam seus adversários? Primeiro, comprar o povão, com as bolsas sociais, e as classes C e D, com o apoio aos estudantes e integração pelo consumo. Segundo, financiar as elites. Agindo assim, o PT conquistou os votos dos pobres, que se tornaram um eleitorado cativo e coeso, e a não rejeição dos ricos. Os empresários podem criticar a ideologia petista, a privatização do Estado por um partido e por seus aliados, mas não podem dizer que o PT tentou implantar um regime socialista e buscou prejudicá-los.
Na prática, pois, o PT procura agradar deus, o povão, e o demônio, as elites. Mas ao mesmo tempo líderes do partido, notoriamente Lula da Silva, fizeram, durante longo tempo, a pregação intensiva do discurso do ódio, do “nós contra eles”.
O PT e Lula, basicamente, passaram anos pregando a divisão do Brasil entre “ricos x pobres”, “negros x brancos”, “com-terra x sem-terra”, “nordestinos x sulistas”. Quem planta o ódio como ética, com fins eleitorais e ideológicos, pode, adiante, colher a paz? Não há como. A semente do feijão gera feijão. A semente do milho gera milho. A semente do ódio gera ódio. A semente da paz gera paz.
O PT de Lula — e ideologias à parte, o petista é um homem de história respeitável, um político admirável —, Guido Mantega, Alexandre Padilha e Fernando Haddad está, no momento, se tornando “vítima” do que prega desde sua criação, em 1980 — há 35 anos. Não dá, insistamos, para plantar ódio e colher paz. O PT está colhendo o que plantou: ódio. Um ódio não orgânico, mas difuso e disseminado. Quer dizer, não se trata de um ódio organizado por grupos específicos, com finalidades eleitorais, políticas e ideológicas. Trata-se, isto sim, de um ódio que envolve a sociedade brasileira como um todo. Mas sobretudo se trata de um ódio-desistência. Depois de ter dado quatro mandatos ao PT, por acreditar essencialmente nas ideias éticas do partido e em Lula da Silva, a sociedade brasileira está desistindo, apressada e irritadamente, daqueles que disseminaram, de maneira orgânica, o ódio como instrumento político-eleitoral e se corromperam em termos financeiros.
Ninguém manipula com tanta habilidade uma variedade de discursos quanto a esquerda. O PT, depois de pregar o discurso do ódio, buscando dividir um país de tradição pacífica — o que não equivale a passividade —, está tentando mudar seu ideário.
O novo ideólogo do governo da presidente Dilma Rousseff, o sociólogo Edinho Silva, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, ao perceber a dimensão do que está acontecendo, associou o governo ao PT e aos petistas. Ou seja, ao entender que o discurso do ódio, que cevado durante décadas, está prejudicando o PT e os petistas, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad — vaiado até em peça de teatro —, Edinho Silva orientou a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil a produzirem propaganda com o objetivo de incentivar a paz.
Fingindo não saber que o ovo da serpente é uma criação do PT, Edinho Silva filosofa, como se fosse um Pangloss tropical: “Tem um monstro sendo alimentado dentro de uma lagoa, toda vez que se dissemina o ódio. Esse monstro já colocou a cabeça para fora algumas vezes e, se sair por completo, vai ser incontrolável”. Ora, o PT quer destruir o monstro que ele próprio criou. O doutor Jeckill vermelho não quer mais a sua cria? Não, porque a cria ameaça devorar o criador.
Edinho Silva, que parece mas não é nenhum dr. Plangloss — antes, é adepto da realpolitik em tempo integral —, faz um discurso, um arrazoado que agrada a intelligentsia patropi, em defesa dos petistas, como Guido Mantega e Alexandre Padilha, que têm sido criticados duramente em locais públicos. “Vejo amigos brigando, famílias se dividindo, não é só a intolerância contra políticos. Temo que esteja mudando a cultura brasileira, sempre apaziguadora. Há lideranças importantes se manifestando com ódio”, sublinha Edinho Silva, escondendo, de maneira sub-reptícia, a informação de que PT é o pai, direto, deste discurso do ódio. “Todo brasileiro já nasce sabendo conviver com as diferenças.” Não parece, de maneira alguma, um petista deblaterando. Gilberto Freyre, autor do clássico “Casa Grande & Senzala”, deve ter se revirado no túmulo de 13 a 666 vezes. “Desfaçatez” poderia ser o título da nova composição do brilhante Chico Buarque, mas o compositor, amando o PT, odeia compor músicas críticas aos equívocos da esquerda. Era, na ditadura, e é, na democracia, “melhor” atacar a direita, embora esta não esteja mais no poder e não seja responsável pela economia não crescer e pela corrupção deslavada e contaminante.
Do ponto de vista judicial, das leis do país, é preciso considerar que o Estado — a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, patrimônios públicos que não foram criados pelo PT (apesar do “nunca dantes neste país”) — não pode ser colocado a serviço de um partido ou de seus filiados. Se se sentem agredidos, Guido Mantega, Alexandre Padilha e Fernando Haddad devem recorrer à polícia e, se julgarem necessário, à Justiça.
Quando a Caixa Econômica Federal leva ao ar uma campanha pregando a tolerância, contra o discurso do ódio, tanto em estádios quanto no dia a dia, parece uma atitude politicamente correta. Mas, no caso, a CEF está mais a serviço do PT do que da sociedade e do Estado, o que pode configurar crime. Para piorar as coisas, Edinho Silva admitiu ao jornal “O Globo” que, de fato, não consultou a presidente Dilma Rousseff — parece que no governo da petista todos são primeiros-ministros — e que a ideia de colocar a CEF e o BB a serviço de uma ideologia política, a petista, é dele. “Temos de proteger os petistas” é a mensagem que sai, clarividente, do ovo da serpente denunciado pelo ministro. Curiosamente, Edinho Silva disse que o governo federal não poderia ter feito uma propaganda institucional com o mesma tema, porque não se trata de utilidade pública. Na prática, está sugerindo que, para burlar a lei, usou a CEF e o BB . “Bancos podem fazer [a propaganda] como parte de sua formação de marca”, frisou Edinho Silva.
O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) já apresentou requerimento para que o Senado convoque o ministro Edinho Silva “para explicar o uso de publicidade oficial em defesa do PT”. “É isso que dá colocar o tesoureiro de campanha de Dilma na Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Além de não entender uma vírgula de comunicação governamental, ele trata como se fosse a coisa mais normal do mundo usar dinheiro público para fazer campanha de marketing positivo para o PT. Estou apresentando requerimento de convocação porque quero entender afinal se ele acha que o Estado brasileiro está a serviço do partido, ou se já confunde as duas coisas como se fôssemos uma autocracia”, disse o líder do partido Democratas.
Na opinião de Ronaldo Caiado, Edinho Silva “tem a cara de pau de justificar o uso de campanhas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica porque, em suas palavras, ‘o governo federal não poderia lançar uma propaganda institucional sobre o tema porque o teor das mensagens precisa ser de utilidade pública’. Ou seja, assume na cara dura que quis burlar as regras que regem a publicidade oficial”. O senador frisa que o artigo 37 da Constituição “exige da administração pública obediência ‘aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Por fim, é seminal assinalar que críticas a petistas e tucanos são necessárias ao fortalecimento da democracia. Mas é preciso ter o máximo de cuidado para que as críticas não levem a agressões físicas e mesmo a ataques não físicos despropositados. A tolerância é o “remédio” mais eficaz contra os arroubos totalitários tanto da esquerda quanto da direita. Mas é preciso admitir que quem abriu mesmo a caixa de pandora foi o PT.