O grande desafio de um candidato a presidente não é apenas a recuperação da economia, mas a apresentação de um amplo projeto de inclusão social

Na imprensa, e não só na imprensa, parece que há uma torcida para que a senadora Simone Tebet (do Mato Grosso do Sul) seja vice de algum candidato. O objetivo é fortalecer uma chapa majoritária para concorrer com o presidente Jair Bolsonaro (PL) e com o ex-presidente Lula da Silva (PT).

Uma aliança com o PT seria possível? Desde Michel Temer como vice de Dilma Rousseff — ele teria participado da conspiração para levá-la ao impeachment —, há uma desconfiança em relação ao MDB. Pelo menos à ala fiel a Temer. Porque, quanto à ala de Renan Calheiros — que é anti-Bolsonaro —, não há problema. A turma do emedebismo do Nordeste está, direta ou indiretamente, empolgada com a possibilidade de Lula da Silva ser eleito presidente. No que, claro, está apenas acompanhando as pesquisas de intenção de voto. A maioria do eleitorado nordestino, mais de 60%, diz que votará no petista. Os políticos certamente estão de olho nisto.

João Doria, do PSDB, Sergio Moro, do Podemos, e Rodrigo Pacheco, do PSD, estão de olho em Simone Tebet. Por que todos a querem para vice? Porque é uma política respeitada, atuou muito bem na CPI da Pandemia, não tem manchas no seu currículo, é articulada e pertence a um partido gigante (tem o maior número de prefeitos do país — 772 — e 7277 vereadores, além de 15 senadores — é a maior bancada — e 34 deputados federais). O MDB, portanto, é um exército eleitoral, de espectro nacional, a considerar.

Simone Tebet interessa como vice por sua facilidade de expressão, inteligência aguda, capacidade crítica e simpatia. Ela representa não o velho MDB fisiológico, e sim um emedebismo renovado, crítico e posicionado. Há quem postule ainda que, por ser mulher, agregaria um ponto a mais na chapa. Porque as mulheres se acham — e estão certas — sub-representadas na política.

No momento, em algumas pesquisas, Simone Tebet aparece com apenas 2% das intenções de voto. Talvez porque seja desconhecida e, por isso, ainda não está sendo avaliada pelos eleitores. Estes estão de olho, muito mais, em Lula da Silva e Bolsonaro. Frise-se que cerca de 30% dos eleitores não querem votar nem no petista e nem no presidente. Só que, até agora, não percebem nenhum candidato da terceira via como viável eleitoralmente. O que se quer, talvez, é um postulante que tenha condições reais de retirar Bolsonaro do poder e, quem sabe, de impedir o nome do PT de voltar ao poder. Ressalve-se que Lula da Silva é o favorito e está deixando, cada vez mais, Bolsonaro para trás.

Há espaço para um postulante da terceira via. Mas por que tem de ser, necessariamente, Sergio Moro, João Doria, Rodrigo Pacheco ou Ciro Gomes? Sublinhe-se que o próprio MDB cobra que Simone Tebet tenha aos menos 10% das intenções de voto, até abril de 2022, para bancá-la para presidente. A cúpula do partido acredita que a senadora realmente crescerá? Não se sabe. Mas, ao colocar, desde já, a questão do percentual, os chefes do partido sugerem que, de fato, poderão entronizar a senadora como vice. Quer dizer, de certa maneira, no lugar de fortalecer, enfraquecem sua candidata — ao permitir que seja vista apenas como a “vice dos sonhos”. Por que não a candidata dos sonhos? Na verdade, trata-se do velho machismo brasileiro, que percebe a mulher sempre em segundo plano. 

Há uma pergunta que as pesquisas — ao menos as qualitativas — precisam responder: por que os eleitores, até o momento, preferem Lula da Silva e Bolsonaro? A rigor, aparentemente, os eleitores estão dizendo o seguinte: “Estamos escolhendo um candidato, Lula da Silva, porque é o único que tem condições efetivas de retirar Bolsonaro do Palácio do Planalto, devolvendo-o à planície”. Nem sequer se pode falar mais em polarização, porque o petista descolou e Bolsonaro caiu. O objetivo do presidente, nesta fase, nem é superar o postulante do PT, e sim trabalhar para não cair ainda mais e, deste modo, ser superado por um candidato da terceira via. Afuniladas as candidaturas da terceira via, confirmados os candidatos e as alianças, é provável que um dos candidatos cresça nas pesquisas. Daí, possivelmente, será um passo para superar Bolsonaro. Há quem afirme, entre pesquisadores, que Bolsonaro não cairá abaixo de 15%, seu eleitorado que seria realmente fixo. Mas, se cair para a faixa de 15%, cria-se a expectativa de que pode ser superado e provavelmente o será.

Se cair para o terceiro lugar, é provável que, mesmo estando no poder — com programas sociais e incentivos às bases dos aliados (como o Tratoraço) —, Bolsonaro não retome o segundo lugar. Há, inclusive, a possibilidade de cair ainda mais, se o eleitorado perceber que não tem chance alguma e que o candidato da terceira via, tendo-se tornado “representante” da segunda via, pode perder para Lula da Silva se não obtiver um apoio mais amplo. 

O que se percebe hoje é que Bolsonaro dificilmente terá condições de derrotar Lula da Silva. Mas parte do eleitorado ainda parece acreditar numa reviravolta. Porém, no momento em que perceber que o petista poderá ganhar no primeiro turno — e é grande a possibilidade —, vários eleitores, talvez de maneira incontrolável, mudarão o voto. Para quem? Não se sabe. Talvez para aquele que faça um consistente discurso anti-PT.

Mas a plataforma de um candidato a presidente pode e deve ter por base tão-somente o “anti” alguém ou “anti” alguma coisa? Não, é claro.

Se candidata, Simone Tebet — e outros postulantes — fará apenas o discurso anti-Lula da Silva e anti-Bolsonaro? Se fizer, estará, como os demais, fadada ao fracasso. O que os eleitores querem, de um candidato a presidente, é que sejam “pró” alguma coisa.

Lula da Silva, por exemplo, é somente anti-Bolsonaro? Esta é sua face mais visível, porque os eleitores, a maioria, querem mesmo retirar o presidente do poder. Por uma série de motivos, como a crise econômica (que ele e Paulo Guedes não sabem como debelar) e a conduta equivocada na questão da pandemia da Covid-19. As apostas do presidente — como a tolice da “imunidade de rebanho” (morreram mais de 618 mil pessoas) e sua crítica à vacina (desde que se passou a vacinar as pessoas, as mortes caíram) — deram todas erradas. O país não cresce, a inflação está alta e as pessoas não acreditam mais no presidente.

Ao se apresentar como candidata, Simone Tebet postulou que tem uma missão. “Essa missão tem o clamor da urgência, urgência porque o nosso povo, o povo brasileiro, está morrendo de fome, depois de centenas de milhares terem morrido por uma saúde pública omissa, insensível e negacionista”. No caso, a senadora está falando mais de Bolsonaro do que do sistema de saúde em si, que funcionou bem, ou relativamente bem. O SUS não é um indivíduo, mas, se fosse, deveria ser qualificado como “herói”. E, de fato, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, cientistas (esclareceram a população e fizeram as vacinas), entre outros agentes de saúde, foram heroicos no combate à Covid-19. Muitos morreram salvando ou tentando salvar vidas.

Ao contrário de outros candidatos, que falam mais na pauta econômica — o economicismo dá o tom em quase os discursos —, Simone Tebet, como Lula da Silva (é um engano da direita avaliar que a pauta social do PT é meramente eleitoreira; não é, pois faz parte dos princípios básicos do partido), falou, ainda que de maneira breve, da questão social. Há brasileiros passando fome. Há pais que não sabem o que comerão e darão de comer para os filhos no dia a dia. Há brasileiros (15 milhões) sem perspectiva de conseguir um trabalho. Pode-se dizer que a pobreza só não é mais ostensiva — aparecendo nas ruas de maneira mais chocante (até quando a pobreza será vista de modo “naturalizado”?) — porque governos estaduais e municipais e pessoas abnegadas, muitas delas vinculadas às igrejas evangélicas e à Igreja Católica, estão nas ruas, dia e noite, alimentando um número imenso de pobres. A jornalista Adriana Godinho é uma dessas pessoas humanistas. Ela, se procurada pelos candidatos, pode fazer relatos lancinantes do que tem visto. Há pobres que, além de não saberem ler, nem têm documentos de identidade. Estão e se sentem “abandonados”. A situação é mais grave do que registram as estatísticas.

É provável que a liderança de Lula da Silva nas pesquisas tenha a ver mesmo com o fato de ser percebido como o mais anti-Bolsonaro. Mas também é certo que é, no momento, o candidato que é visto como aquele que pode melhorar a vida dos pobres e, inclusive, das classes médias (note-se que até os ricos estão se distanciando de Bolsonaro, ainda que não simpatizem inteiramente com o petista-chefe. Os ricos se “cansaram” do presidente que ajudaram a eleger. Ele briga com todo mundo, inclusive com a China, maior parceiro comercial do Brasil). As pessoas dizem, nas ruas: “Lula gosta dos pobres” ou “Lula gosta de gente”. É falso? Não é. Os governos petistas, no qual houve corrupção — o que é condenável —, sempre se preocuparam, de maneira efetiva, com o social.

Então, os candidatos a presidente — todos eles —, se se preocuparem tão-somente com a pauta econômica (acreditando que a recuperação da economia leva, compulsoriamente, a uma melhoria do social, dada a geração de mais empregos), certamente não serão ouvidos pela maioria dos eleitores. O próximo presidente da República — Lula da Silva ou outro — certamente será aquele que tiver um programa crível de recuperação não apenas da economia, mas também de inclusão social real (não meramente assistencialista, mas, no momento, mesmo o assistencialismo é crucial, porque se trata de salvar vidas de crianças, adolescentes e adultos. O grande desafio de um candidato a presidente deve ser a apresentação de um projeto para reduzir as desigualdades sociais e a violência (derivada hoje, em larga escala, das ações do crime organizado). O uso do setor público (de seus recursos) é crucial para criar no Brasil uma sociedade inclusiva — ou mais inclusiva. Isto é um dever do Estado e um direito dos indivíduos. O Estado deve representar os interesses da sociedade, e não apenas os das elites.

Ciro Gomes parece ter solução para tudo, mas teria projeto exequível para o social? Sergio Moro fala, em excesso, do combate à corrupção. E está certo. Mas não basta, para um candidato (e um presidente), combater a corrupção. Precisa-se, para atrair eleitores, de um ideário proativo, ou seja, pró-alguma coisa, e não apenas o anti-Lula ou anti-Bolsonaro. João Doria faz um bom governo em São Paulo, com crescimento de 7% ao ano — quase como se o Estado fosse uma província chinesa. Mas não empolga o país. O motivo? Talvez seja economicista demais, num país em que as demandas sociais são gigantes. Doria ainda não tem o discurso adequado para os pobres e para as classes médias (será que a riqueza de São Paulo, um país em si, trava a visão da pobreza do país?). Rodrigo Pacheco é articulado, mas passa a imagem de um burocratão distanciado das pessoas comuns. Até o momento, Lula da Silva, o postulante mais observado, é o que parece mais crível, para os eleitores, quando se trata da questão social, de todos os candidatos. Bolsonaro, um nacionalista — que Paulo Guedes acreditava transformar em liberal —, também demonstra interesse pelo social (mais do que o ministro da Economia), mas seu governo é lento nas ações.

Uma mulher candidata, entre tantos candidatos homens, certamente poderá qualificar melhor o debate nacional (ficaria mais arejado, com pautas mais amplas). Mas Simone Tebet vai acabar sendo vice, num papel decorativo? É o mais provável, mas não o melhor para ela e para o país.