Por que o presidente Jair Bolsonaro pode se tornar o Donald Trump dos trópicos
18 setembro 2022 às 00h00
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Não há a menor dúvida de que a maioria dos jornais e ao menos uma rede de televisão, a TV Globo (incluindo a GloboNews), contêm mais críticas do que elogios ao presidente Jair Bolsonaro, do PL. Sentindo-se como um político do estilo “teflon” (nada gruda, negativamente), o líder político não se preocupou com as críticas. No lugar de apresentar o contraditório, de maneira civilizada, parte para o enfrentamento. Em vez de expor sua explicação, no sentido de esclarecer o questionamento, transforma tudo em questões ideológicas e teorias conspiratórias. Quem discorda dele se torna “inimigo”, e não adversário, e, como tal, “merece” ser destruído.
Adiante se discutirá o que está puxando Bolsonaro para baixo, ou melhor, não está permitindo que se aproxime de Lula da Silva, o candidato a presidente da República. Faz-se necessária a ressalva de que não se decide eleição por antecipação e, por isso, o presidente ainda tem chance de ir para o segundo turno. Ele tem capital eleitoral expressivo e não deve ser subestimado por adversários e cientistas políticos. E, mais próximo da eleição — que acontecerá daqui a 14 dias —, poderá ocorrer uma aproximação entre os dois postulantes.
Mas discutamos uma questão, digamos menor, mas com alguma importância. De fato, os principais equívocos do governo devem ser atribuídos a Bolsonaro. Mas há um aspecto pouco enfocado. Se há críticas à conduta do presidente, à sua linguagem frequentemente chula, há também aqueles que o apoiam, às vezes irracionalmente.
Os que aplaudem Bolsonaro, sem ponderar e sem questioná-lo, deixando de sugerir caminhos não autoritários, certamente estão contribuindo para, até o momento, seu insucesso eleitoral, a se aceitar os números das pesquisas de intenção de voto. Afinal, não há nenhuma pesquisa séria que mostre o presidente em primeiro lugar.
Bolsonaro foi cometendo um erro atrás do outro, indispondo-se com amplos setores da sociedade, mas seus apoiadores, inclusive os intelectuais, em nenhum momento sugeriram uma correção de rumos. Pelo contrário, quando se aponta uma falha do presidente, seus apoiadores na imprensa e numa rádio fazem a sua defesa, sem avaliar o mérito da crítica, e passam a dizer que no tempo dos governos do PT era pior — havia corrupção, por exemplo.
De fato, a corrupção grassou nos governos do PT, com o mensalão e o petrolão, mas os brasileiros vivem no presente, e não no passado. Não se está dizendo que as irregularidades cometidas pelas gestões petistas devem ser esquecidas. O que se está sugerindo é que os indivíduos estão preocupados com suas vidas no presente. Para eles, se não pertencerem aos espectros polarizados à esquerda e à direita, usar o mensalão e o petrolão para justificar erros do governo de Bolsonaro não tem o menor sentido. É um debate infrutífero. Os brasileiros não ideologizados, a maioria, não estão interessados nas guerras quentes e frias do bolsonarismo e do petismo. Mas, insistamos, estão de olho, muito mais, no que Bolsonaro está fazendo para “melhorar” seu dia a dia. Apreciaram, por exemplo, a redução do preço da gasolina, assim como a ampliação do valor do Auxílio Brasil.
Então, os que aplaudem Bolsonaro, quando erra, acabam por induzi-lo a continuar errando. Faltou, entre os aliados intelectuais do presidente, quem lhe “puxasse” as orelhas, indicando que o caminho que estava (e ainda está) trilhando poderia não levá-lo à reeleição. Mais do que determinados intelectuais (entre eles alguns jornalistas), que passaram a repetir caninamente o que dizem Bolsonaro e os ditos “gabinetes do ódio”, foram os políticos do Centrão, como o ministro Ciro Nogueira e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que contribuíram para moderar o presidente. Em parte, pelo menos. Apesar de execrados, alguns generais, longe de radicalizá-lo, deram sua colaboração para torná-lo menos extremista. Militares respeitam a hierarquia, por isso não é possível perceber as diferenças de pensamento entre eles. Mas numa questão a maioria está coesa: na defesa da democracia.
A seguir, serão comentadas algumas questões mal dimensionadas por Bolsonaro e que o levaram a uma rejeição quiçá incontornável. Na semana passada, pela primeira vez, o presidente adotou um comportamento menos arrogante e, até, admitindo que pode perder.
Grosseria com mulheres, o maior eleitorado
A maioria do eleitorado brasileiro, 53%, é composta de mulheres. De acordo com as pesquisas, são as que mais rejeitam Bolsonaro e apoiam Lula da Silva. Dois motivos explicam isto.
Primeiro, na fase aguda da pandemia, Bolsonaro se comportou de maneira lamentável, como se não estivesse preocupado com a vida das pessoas. Seu “lamento” devido à morte de quase 700 mil pessoas não parece, em nenhum momento, um lamento verdadeiro. É mais um dar de ombros. As mulheres, sobretudo, não aprovaram a conduta do presidente. Sabe-se que, mais do que os homens, são as mulheres que cuidam dos entes queridos — e muitos morreram na pandemia, por falta de assistência rápida e competente, e, seguida, por falta de vacinas.
Segundo, Bolsonaro e parte de seus aliados têm o hábito de tratar as mulheres de maneira grosseira. Quando o presidente diz que a jornalista Vera Magalhães “é uma vergonha”, é possível que pense que está ofendendo tão-somente à apresentadora do “Roda Vida” e articulista do jornal “O Globo”. É um equívoco. Trata-se de uma agressão a todas as mulheres, inclusive àquelas que apoiam seu governo. Os homens que não concordam com sua violência verbal também ficam descontentes.
É um mistério que ninguém ao lado de Bolsonaro tenha conseguido convencê-lo de que as críticas às mulheres — trabalhadoras bem-posicionadas na sociedade, como Vera Magalhães, Amanda Klein, Patrícia Mello Campos e Miriam Leitão — eram (são), eleitoralmente, improdutivas.
Pandemia e quase 700 mil mortes
Retomando o que se disse acima sobre a pandemia: Bolsonaro em nenhum momento parece realmente condoído com as quase 700 mil mortes de brasileiros.
Até o marketing do presidente foi equivocado. Apesar de ter demorado a comprar vacinas, porque duvidava de sua eficácia (pois foi fabricada, na sua opinião, por gente de esquerda) — colocando a ideologia acima da vida das pessoas —, o governo Bolsonaro acabou comprando-as e, apesar das milhares de mortes, muitas vidas foram salvas. Não só pela vacina. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde trabalharam, de maneira denodada, nos hospitais e salvaram milhares de pacientes.
Enquanto os profissionais da saúde salvavam (e continuam salvando, incógnitos) vidas — muitos deles morreram —, Bolsonaro fazia “gracinhas” (na verdade, monstruosidades), chamando a Covid-19 de “gripezinha”. Quando as vacinas chegaram, no lugar de incentivar a vacinação em massa, fazia comentários desairosos sobre o medicamento produzido por cientistas e laboratórios. Não se comportou como presidente. Não agiu como estadista. Porque ninguém teve ascendência sobre ele, mostrando que estava equivocado, não se sabe.
Golpismo do bolsonarismo
O Brasil escapou da ditadura civil-militar há apenas 37 anos. Por mais que a democracia seja imperfeita, e o é em todos os países, nada é melhor do que a liberdade de agir e pensar dos indivíduos.
Bolsonaro e seus aliados, como o filho Eduardo Bolsonaro, passaram três anos, oito meses e dezoito dias, acossando a democracia. Chegaram a falar em “fechar” o Supremo Tribunal Federal, um dos pilares da democracia. Com um cabo e um soldado.
Disseminou-se a ideia de que, no caso de derrota eleitoral, Bolsonaro poderia ir à aventura golpista, impedindo a posse de outro presidente, notadamente Lula da Silva. Muitos eleitores podem até rejeitar o postulante petista, mas também, e mesmo no espectro da direita, não querem uma nova ditadura. Como se sabe, não há ditadura benigna, positiva. Todas são ruins e levam ao retardo de toda e qualquer sociedade.
Muitos leitores migraram para o lado de Lula da Silva, menos por ter apreço pelo petista, e sim com receio de mais um mandato de um político que tolera a ideia de golpe de Estado, de ditadura.
Como ninguém, exceto o Centrão — do qual o gestor federal precisa mas desconfia —, conseguiu alertá-lo de que o discurso pró-ditadura poderia ser nefasto do ponto de vista eleitoral? Hoje, até empresários riquíssimos, que não apreciam Lula da Silva, decidiram apoiá-lo por ser aquele político que tem chance de derrotar Bolsonaro.
De algum modo, ao adotar o receituário da direita Brancaleone de Steve Bannon, Bolsonaro ficou de costas para a maioria dos brasileiros. Tão de costas, amplamente desconectado, que chegou a dizer que não tem ninguém pedindo comida nas ruas do Brasil. Deixou a impressão de que o corpo está no Brasil e a cabeça está nos países nórdicos. Como alguém deixa o presidente falar este tipo de coisa? Cadê os aliados e apoiadores que pensam?
Não há mais tempo, mas Bolsonaro, ao se tornar presidente, deveria ter “falado” para todos os brasileiros, não apenas para seus apoiadores. Ganha eleição aquele que conquista apoios novos. Ao colocar Geraldo Alckmin na vice, Lula da Silva trouxe apoio de parte da direita. O vice de Bolsonaro, o general Braga Netto, não atrai ninguém, eleitoralmente, para o lado do presidente. Fica-se com a impressão de que foi colocado na vice como uma espécie de ameaça à democracia.
Na questão do meio ambiente, que não é uma bandeira exclusiva da esquerda — pelo contrário, empresas capitalistas poderosas aderiram, faz tempo, à sua defesa —, Bolsonaro errou de maneira ostensiva, talvez por causa de ideologia e, mesmo, falta de conhecimento. Deixando parte significativa dos brasileiros e da opinião pública internacional contra seu governo. E, claro, não é possível sustentar que “The Guardian”, “New York Times” e “The Economist” sejam comunistas.
Varão de Nero e não de Plutarco
Postas as questões, insistamos num ponto: Lula da Silva permanece como favorito, mas o quadro não está inteiramente definido. O que tende a garantir o segundo turno talvez não seja a ascensão de Bolsonaro, e sim um leve crescimento dos candidatos da terceira via, como Ciro Gomes, do PDT, e Simone Tebet, do MDB. E não se pode dizer que estão a serviço de Bolsonaro, pois têm direito de disputarem a Presidência, de se colocarem como alternativas.
Na hipótese de segundo turno, tanto PDT quanto MDB certamente caminharão com o postulante do PT, o que o fortalecerá. A situação do presidente é, portanto, dramática. Ele, que certamente nunca almejou se tornar um varão de Plutarco, acabou por virar um varão “imbrochável” de Nero.