Paradoxo da política: Bolsonaro é autoritário mas faz governo democrático
15 dezembro 2019 às 00h00
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O cientista polonês Adam Przeworski critica a ideia de que a democracia está morrendo e não aposta em colapso abrupto no Brasil
O PT é um partido socialdemocrata, com ranços autoritários não hegemônicos. Em quatro governos, o petismo tentou adotar pautas com o objetivo de concentrar poder e reduzir a força tanto do Ministério Público quanto da Imprensa. Entretanto, ante a resistência da sociedade civil e da sociedade política, os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff recuaram e não romperam com a democracia. Não houve nenhuma ruptura institucional. A direita radical equivoca-se quando afirma que o Partido dos Trabalhadores é comunista. Não é, nunca foi. Aproxima-se de um partido socialista — portanto, de esquerda —, mas não de matiz stalinista. E, sim, de caráter democrático.
Com o governo de Jair Bolsonaro, fala-se, mais uma vez, numa escalada autoritária. O discurso do presidente é autoritário, e de fato tentou aprovar medidas para reduzir a capacidade de sobreviver dos jornais, mas recuou. Quer dizer, ante a pressão da sociedade — e com as instituições funcionando —, Bolsonaro recua. Portanto, é possível falar num líder autoritário mas que faz um governo democrático.
Parte da imprensa não aprova Bolsonaro — e não surpreende que o jornalismo que cobre economia é mais favorável ao governo, porque o ministro da Economia, Paulo Guedes (um liberal híbrido; sim, porque liberal verdadeiro não aceitaria falar, em hipótese alguma, em AI-5. Ressalve-se que, no Chile, liberais ortodoxos apoiaram a ditadura cruenta de Augusto Pinochet) — e, por isso, está entrevistando pesquisadores de outros países, supostamente por serem independentes, que, mesmo com escassa informação do que realmente está ocorrendo no país, dão opiniões peremptórias e, às vezes, sem nuances. O que, claro, não faziam quando o PT estava no poder e, quando aqui e ali, tentava adotar medidas autoritárias e, inclusive, retiraram dinheiro do Erário brasileiro para “doar” à ditadura cubana e ao governo supostamente corrupto de Angola (fala-se da gestão de José Eduardo dos Santos).
Intelectuais do exterior costumam basear-se não exatamente na realidade local, em informações concentradas e cristalizadas — estribadas em dados —, e sim em informações que seus pares locais, com os quais têm conexões ideológicas, lhes repassam. Como o Brasil “precisa” de um “bandeirante” — talvez um “profeta” — e uma “bíblia” do exterior, dado o caráter provinciano de parte da imprensa (que ama dizer: “Deu na ‘The Economist’ ou deu no ‘New York Times’”). Fica-se com a impressão de que querem “puxar” Bolsonaro para a direita da direita da direita (um misto de reacionarismo político e fundamentalismo religioso) e, até inconscientemente, há uma torcida para que se torne mais autoritário do que é. Querem um golpe?
Num mundo conturbado — até perturbado —, com radicalismos que praticamente impedem a ponderação, o diálogo entre contrários, é crucial que direita e esquerda tenham viabilidade eleitoral — o que reduz a possibilidade de golpismo. Em 2018, por exemplo, a disputa eleitoral para presidente da República se deu entre a direita, com Jair Bolsonaro, e a esquerda, com Fernando Haddad (PT). Com espaço para chegar ao poder, as correntes radicalizadas da sociedade tendem a fazer opção pela democracia.
Na próxima eleição, em 2022 — daqui a dois anos e nove meses —, direita e esquerda certamente continuarão com alta viabilidade eleitoral. É possível que o centro apresente um candidato competitivo, mas será muito difícil expor uma ideia moderada e ser ouvido no meio de um confronto extremista e barulhento entre esquerdistas e direitistas. Se Bolsonaro for muito bem, com um reordenamento da economia — crescimento, mais empregos, aumento da renda dos indivíduos —, a tendência é que continue ocupando o espaço do centro na disputa contra a esquerda. A esquerda, se quiser derrotar Bolsonaro — que pode ter o ministro Sergio Moro como vice —, precisa atrair amplos setores do centro, como fez em 2002. Mas não será fácil. Um PT com Lula na linha de frente, com a imagem de presidiário — corrupto —afastará a classe média. Ou seja, se parte significativa de seu eleitorado está assentado na classe média, dificilmente o centro vai compor com o petismo. Pelo contrário, parte deve caminhar com Bolsonaro. A outra parte tende a bancar de um a dois candidatos — tipo João Doria, governador de São Paulo, e Luciano Huck, apresentador da TV Globo —, o que dividirá seus votos e pode repetir o cenário de 2018.
Steven Levitsky
Depois de Claude Lévi-Strauss (1908-2009), o antropólogo belga, autor de “Tristes Trópicos” (que menciona Goiânia), o Brasil busca novos gurus. O mais recente é o cientista político americano Steven Levitsky, um dos autores do livro “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 272 páginas, tradução de Renato Aguiar) — em parceria com Daniel Ziblatt. Não se deve depreciar o pesquisador — que, de fato, é sério. Mas, como nota o cientista político polonês Adam Przeworski, anunciar o apocalipse da democracia talvez seja uma busca pelas manchetes dos jornais e revistas. Que há uma crise, inclusive da democracia, há (Przeworski e o cientista político francês Dominique Reynié não a negam; leia adiante). Mas deve se exagerar? Ou não se está exagerando?
Entrevistado pela revista “Veja” (edição de 11 de dezembro), Levitsky afirma que Bolsonaro “é uma ameaça à democracia, é um político autoritário”. Posto isto, contemporiza: “Mas é um presidente autoritário? Não ainda. Isso se dá porque as instituições no Brasil são razoavelmente fortes e até agora o mantiveram sob controle”. Se o presidente não é autoritário, embora o político seja, não é um bom sinal? Parece que sim. O cientista político menciona instituições — certamente o Legislativo e o Judiciário, além da Imprensa —, mas possivelmente não está incluindo as Forças Armadas, que, democráticas, não se interessam por nova ditadura civil-militar. Os militares, por incrível que possa parecer, são um elemento de contenção a um possível arroubo militarizante de Bolsonaro.
Falta ao scholar americano fazer um estudo comparativo dos governos e linguagens dos tempos petistas com os tempos bolsonaristas. Porque são diferentes, mas, em termos de autoritarismo, são parecidos (a ira com a imprensa e as instituições, que parecem “atrapalhar”, é idêntica na direita e na esquerda). Só que o autoritarismo da esquerda parece merecer certo perdão. Porque, habilmente, a esquerda fala, desde sempre, em nome do “bem da humanidade” — mesmo quando está matando pessoas (30 milhões na União Soviética de Stálin e 70 milhões na China de Mao Tsé-tung).
Przeworski postula sobre o líder brasileiro: “Como Trump, Bolsonaro está buscando uma estratégia política altamente divisora, o que é sempre perigoso. A democracia funciona quando as apostas políticas não são muito altas, quando estar do lado perdedor não é muito doloroso. A responsabilidade dos presidentes democráticos é assegurar à oposição que seus pontos de vista e interesses estão sendo respeitados”. No caso, ainda que o cientista político não faça a comparação, Bolsonaro não é nada diferente do petismo de Lula da Silva. Em 2002, com o objetivo de ganhar a eleição, depois de três derrotas consecutivas, o PT caminhou para o centro, e pôs como vice um capitalista, José Alencar, de Minas Gerais. Depois, ao mesmo tempo que corrompia as elites políticas e empresariais do país — com o objetivo de que lhes deixassem ficar mais tempo no poder, e, no processo, também se corrompeu —, o petismo começou a dividir o país, a história do “nós” contra “eles”, o que acabou gerando uma oposição dura e forte eleitoralmente, a direita de Bolsonaro. O centro não respondia ao PT de maneira radical, mas a direita ressurgiu, se firmou e conquistou um apoio significativo de correntes que não apreciavam ou se desiludiram com o petismo.
Manuel Castells
O sociólogo Manuel Castells, um dos mais brilhantes intelectuais da Espanha, critica Bolsonaro de maneira mais ácida. Começa por dizer que o governo do brasileiro está criando escolas militares. Seus aliados brasileiros não lhe informaram corretamente. As escolas militares já existiam no Brasil, em vários Estados, e com alta aprovação da população. São escolas públicas com melhores resultados em termo de aprendizagem — que é o que querem pais, alunos, professores e governantes. Bolsonaro está dando continuidade a uma política que governantes de vários partidos — como PSDB, MDB e DEM — criaram, praticamente sem resistência da esquerda, exceto episodicamente. Em Goiás, por exemplo, as cidades disputam escolas militares com lápis, canetas e até unhas e dentes.
Sobre o governo de Bolsonaro, Manuel Castells assinala: “Vocês [brasileiros] estão vivendo um novo tipo de ditadura. As instituições estão preservadas, mas se manipulam tanto por poderes econômicos, quanto por poderes ideológicos”. Ora, se há uma imprensa crítica — “Folha de S. Paulo”, “O Globo” e TV Globo —, tanto que rispidamente “contra-atacada” por Bolsonaro, quem está manipulando quem? Que ditadura é essa em que os jornais podem criticar livremente — com reportagens contundentes — e nada acontece contra os jornalistas e empresas do ramo? De fato, Bolsonaro tentou retirar os balanços dos jornais — o que prejudicaria consideravelmente suas finanças —, mas a medida não prosperou. Quer dizer, o presidente tenta uma medida autoritária, como retaliação à independência dos jornais, mas, quando barrado, aceita a decisão. Equivoca-se quando tenta barrar jornalistas, como os da “Folha de S. Paulo”, mas, fora isto, tem se comportado como democrata. O que parece irritar seus detratores — que parecem preferir o presidente “pior” do que é. Não ter ido à posse do presidente da Argentina, Alberto Ángel Fernández, por motivação ideológica, é outro erro. Porque Bolsonaro está confundindo assuntos de Estado — que são perenes — com seus interesses ideológicos, que são pessoais e de seu grupo político, portanto provisórios. Questiúnculas ideológicas não dizem respeito ao Brasil, aos seus negócios, e sim ao político Bolsonaro. Ter enviado o vice-presidente, Hamilton Mourão — um general cujo radicalismo o radicalismo de Bolsonaro moderou —, significa uma “redução” de danos diplomáticos. Adiante, por uma questão de realismo político e econômico — a Argentina é o grande parceiro comercial do Brasil na América do Sul (com seus mais de 40 milhões de habitantes) —, Bolsonaro e o peronista Fernández terão de se abraçar. Nem que tenham de usar colete a prova de “amor”.
Manuel Castells, um dos mais qualificados intérpretes da sociedade moderna, sugere que Bolsonaro está instalando “uma ditadura orwelliana”, com o objetivo de “ocupar mentes”. “Isso se faz acusando de corrupção qualquer tipo de oposição. Como a corrupção está em toda parte, então persegue-se apenas a corrupção dos políticos e personalidades que se oponham ao regime”, frisa. Informaram mal o sociólogo. A política de combate à corrupção não começou com Bolsonaro e tampouco a origem se deu no Executivo. A Operação Lava Jato começou antes mesmo de Bolsonaro pensar em ser candidato a presidente da República. Depois, como se trata(va) de uma corrupção sistêmica, ao contrário do que sugere o intelectual espanhol, foram denunciados integrantes de quase todos os partidos — como MDB, PP, PR (hoje PL) e PT. Não sobrou quase ninguém. Como o PT comandava o país, na fase mais aguda da corrupção — quando se criou uma estatal poderosa, a Corruptobrás —, alguns de seus líderes, como Lula da Silva, Antônio Palocci, José Dirceu e o tesoureiro José Vaccari Neto, se tornaram as figuras mais emblemáticas. Mas também foram para a cadeia o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), Michel Temer (MDB) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha — o político que articulou o impeachment da presidente Dilma Rousseff, do PT —, e o príncipe dos empreiteiros patropis, Marcelo Odebrecht, um dos empresários mais ricos do país. Portanto, não se pode sugerir, como faz Castells — com o aplauso dos intelectuais de esquerda —, que a Lava Jato só pegou petistas. Parte da nata do PIB brasileiro, incrustada nas empreiteiras, foi para a cadeia. Talvez tenha sido a primeira vez que a turma do andar de cima foi para penitenciárias ou para “celas” da Polícia Federal.
Para a irritação de Bolsonaro, as denúncias de corrupção começam a ser feitas contra políticos de seu círculo — inclusive ministros. Um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro — na questão da familiocracia na política, o presidente não difere, em nada, dos políticos mais tradicionais do país —, é apontado como suspeito de dividir, por intermédio do amigo e ex-auxiliar Fabrício Queiroz, o salário de assessores. É a tal de “rachadinha”.
A ideia de criar uma Abin privada, supostamente um propósito de um dos filhos de Bolsonaro, é gravíssima. Assim como a possibilidade de retomar o Ato Institucional nº 5 — que, em linguagem sem subterfúgios, é a volta da ditadura. São meras bravatas? Talvez sim. Talvez não. Mas são claramente ameaças, quer dizer, posições antidemocráticas.
Dominique Reynié
O repórter César Felício, do “Valor Econômico” (“Só crescimento com inclusão salva a democracia”), entrevistou na quinta-feira, 12, o cientista político francês Dominique Reynié, da Sciense PO. Ele coordenou uma pesquisa — com 36.395 entrevistas em 42 países, como o Brasil — que constatou que há uma desilusão com a democracia e que há possibilidade de uma era de autoritarismo. Mas adverte: há uma tendência pró-autoritarismo, mas não se pode falar em algo cristalizado.
Reynié diz que as pessoas parecem entender que a democracia perdeu a capacidade de “oferecer escolhas”. O cientista político não cita o caso da Argentina, mas ele é emblemático. Lá, o ex-presidente Mauricio Macri fez um governo de ajustes, com o objetivo de garantir o crescimento econômico adiante. Mas não quis pensar — ou não soube pensar — que, enquanto se faz ajustes duros, as pessoas precisam comer, pagar aluguel, estudar e se divertir. Os eleitores deram-lhe quatro anos, para mostrar que uma Argentina sem peronismo era possível, mas, em seguida, decidiram trocá-lo pelo peronismo. Porque, mesmo se há corrupção, o peronismo oferece uma alternativa social à maioria das pessoas. Num mundo de instabilidades, no qual as pessoas estão sem rumo, governos liberais que só cortam acabam perdendo a eleição seguinte. Por isso, é possível que Bolsonaro não vai embarcar totalmente na canoa hiper liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Porque o Posto Ipiranga é o Mauricio Macri brasileiro, mas o presidente brasileiro não quer repetir o exemplo argentino — daí sua preocupação com a Bolsa Família, assunto que pouco interessa ao chicago-old. Os super liberais acreditam que basta dar a varinha que as pessoas saem pescando. A vida real é outra: há indivíduos que não sabem mais pescar e o Estado deve mesmo protegê-los, inserindo-os na sociedade, da melhor maneira possível (comida e saúde, por exemplo), e dando educação de qualidade aos seus filhos.
O pesquisador francês assinala: “A crise democrática é também uma crise de eficácia do Estado. Se a gente conseguir restaurar parte da eficácia do Estado, da capacidade de dar às pessoas o que elas estão esperando na educação e na saúde e na renda, acredito que a gente enraíza a democracia. Se os Estados democráticos não conseguem restaurar a eficácia de sua ação, veremos o desaparecimento deste modelo. Teremos demagogos, prometendo milagres e se mantendo no poder através da corrupção e da violência”.
Indagado sobre o Brasil, o tal “autoritarismo” de Bolsonaro, Reynié frisa: “Estou convencido que” a “pesquisa mostra que as dificuldades que a democracia brasileira está tendo têm a ver com problemas intrínsecos do país e com o início do esgotamento do modelo democrático. A democracia como sistema de governo não consegue mais, no Brasil e na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, regular o espaço político como antes. É um processo de longo prazo, isto não vai parar. É uma crise histórica, uma mutação profunda. (…) Acredito que estamos diante de um grande desafio que consiste em achar os meios de regenerar a eficácia democrática ou se preparar para presenciar um declínio”. Observe, leitor, que o pesquisador não está tratando apenas de Brasil. Cita inclusive França e Alemanha — nações absolutamente democráticas.
Reynié menciona que a Polônia e a Hungria estão “reinventando” uma espécie de “democracia iliberal, uma regressão democrática, uma transição para o autoritarismo”. Curiosamente, o cientista político nota que a China substituiu a influência da Rússia no Leste Europeu e outros países da Europa. “A Europa Oriental se preocupou muito em se afastar da Rússia. Já a China desenvolve política de investimentos ambiciosa na Europa. Na Grécia, a China comprou o porto de Pireo. Controla a eletricidade em Portugal, na Itália investe cada vez mais pesado nas famosas rotas da seda, na França cresce a influência por meio dos investimentos em fibra ótica, na tecnologia 5G.”
A China, em poucos anos, atropelou o Japão e a Alemanha e se tornou o segundo país mais rico do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos — que deve superar, em termos de PIB, nos próximos anos. Ora, se a China deu certo ao combinar autoritarismo com crescimento econômico — e também desenvolvimento, porque o país está incluindo levas maiores de pessoas ao mercado —, por que outros países não podem seguir pelo mesmo caminho? O exemplo chinês, sugere Reynié, “alimenta o sentimento de que talvez um regime autoritário esteja trazendo mais riquezas. O que se quer mais: conforto ou mais liberdade?”. O regime político da China é comunista, mas o sistema econômico segue as regras de mercado — uma fusão que Karl Marx certamente refutaria, mas, lá, está dando certo. Curiosamente, o exemplo chinês empolga tanto a esquerda quanto a direita — o que sugere que os extremos realmente são irmãos.
Adam Przeworski
Adam Przeworski apresenta uma tese curiosa — quiçá ligeiramente diferente das de Reynié e, sobretudo, de Levitsky. O polonês, entrevistado por Rodrigo Almeida, da “Folha de S. Paulo”, postula que “a riqueza de um país é fator preponderante para a preservação dos valores democráticos”. Um estudo do professor da Universidade de Nova York indica que, “a partir de determinado nível de desenvolvimento econômico, a democracia jamais entrará em colapso”. A palavra “jamais” talvez seja o ponto falho da argumentação. Ele acrescenta: “Nenhuma democracia jamais caiu num país cuja renda per capita anual excedesse os US$ 6.055”.
Sobre a morte das democracias, como se comentou acima, Przeworski é ácido com mestres como Levitsky: “Não, essas declarações destinam-se apenas a atrair manchetes de jornal. É verdade que muitas democracias estão passando por crises de instituições representativas, crises que têm profundas raízes nas condições econômicas, sociais e culturais”. Mas, anota o pesquisador, “a democracia, como método de escolher governos por meio de eleições, está aqui para ficar”. Não vai morrer. Pode cair, aqui e ali, mas tende a ressurgir — prevalecendo por mais anos do que prováveis ditaduras.
Sobre a onda populista, Przeworski apresenta uma análise circunstanciada: “Sim, há uma onda populista. Mas não se pode reclamar da persistente e até crescente desigualdade econômica e rejeitar as críticas populistas às instituições representativas tradicionais: se essas instituições estivessem funcionando bem, teríamos menos desigualdade”.
Sobre o Brasil, Przeworski raciocina diferentemente de outros cientistas políticos: “Pelos meus cálculos, o Brasil está suficientemente desenvolvido para que a democracia esteja a salvo de um colapso abrupto. Mas as erosões graduais da democracia por meios legais são um fenômeno relativamente novo e ainda não conhecemos seus padrões”.
Por muitos e muitos anos, políticos de direita e de esquerda anunciaram a morte da democracia. Mas ela continua firme, sólida. Porque, como sugeriu Winston Churchill, não inventaram nada melhor.