O que João Doria pode ensinar a Iris Rezende a respeito de gestão e inovação

06 maio 2017 às 10h41

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Ao contrário do prefeito de Goiânia, que gere a cidade em banho-maria, o prefeito de São Paulo tem pressa, conta com o apoio da sociedade, governa com eficiência e criatividade

Há um tipo de reportagem que roça ao novo jornalismo, mas não é tão detalhado quanto. Trata-se de ouvir as pessoas sem o uso de gravadores ou anotações. Um repórter do Jornal Opção, de passagem por São Paulo, durante quatro dias, conversou com vários indivíduos na Avenida Paulista (no domingo, é local de passear, de se divertir e de se ouvir boa música, em vários ritmos, do rock à música nordestina, passando pelo erudito), numa mostra da pintora Anita Malfatti, um pouco antes da encenação da peça “Processo de Conscerto do Desejo” (é “Conscerto” mesmo), com o notável ator Matheus Nachtergaele (é a história poética de sua mãe, que se matou quando ele era um bebê de três meses) e em veículos da Uber. O que se queria saber era simples: a pesquisa do Datafolha está mesmo certa em relação à popularidade do prefeito da capital, João Doria, do PSDB? O instituto do grupo que dirige a “Folha de S. Paulo” e o UOL mostra que o gestor é altamente aprovado pela população. O Paraná Pesquisas apurou que o tucano é aprovado por 70% dos eleitores de Sampa. As entrevistas informais feitas pelo Jornal Opção, com jovens e pessoas de meia idade, homens e mulheres, indicam que o levantamento é preciso. As pessoas aprovam-no.
Os “entrevistados” disseram que João Doria une discurso e prática, que põe mesmo a mão na massa, que é presente e se comunica com a sociedade. Um motorista da Uber demonstra particular interesse pelo fato de que, ao consertar calçadas num bairro, o tucano “pegou mesmo numa pá e no cimento”. A maioria avalia que o Corujão da Saúde — que facilitou os exames por meio de convênio com hospitais particulares — é uma “revolução”. Ampla reportagem de Leo Branco, da revista “Exame” (a que tem João Doria na capa), afirma que o convênio “acabou com a fila de 500 mil pessoas por exames no Sistema Único de Saúde — 342 mil foram efetivamente atendidas e o restante, por diversos motivos, não necessitou mais de diagnósticos ou foi encaminhado para novas consultas”.
As pessoas ouvidas pelo Jornal Opção — todas — disseram que João Doria não é corrupto, ou melhor, “não parece corrupto”. Sobretudo, frisaram, os menos céticos, que não parece enganador. Há um entusiasmo com o fato de se apresentar, não como “político”, e sim como “gestor”. As pessoas compraram o discurso.
Com o apoio de empresas privadas, como o McDonald’s, a prefeitura está oferecendo 9 mil empregos para moradores de rua. O repórter, mesmo percebendo que há várias pessoas em situação de rua na Avenida Paulista e na Rua Augusta, notou que há menos que em 2016. Mas pode ser impressão. As ruas permanecem com mendigos, alguns acompanhados por seus cachorros (curiosamente, bem alimentados, e com ração), e pessoas com transtornos mentais. Num dia, fazia frio apesar do sol, uma sra. dormia placidamente — ou desmaiara — vestida apenas com calcinha e sutiã em plena Paulista. Duas mulheres jovens ligavam com insistência para órgãos públicos, que não enviaram socorro de imediato.
As pessoas ouvidas pelo Jornal Opção não querem que João Doria dispute a Presidência da República e o governo do Estado de São Paulo. O que temem? Que São Paulo volte a ser gerida por um prefeito “asséptico” e “ausente” como Fernando Haddad, do PT. É o que disseram ao repórter. Mas ao menos dois entrevistados sugeriram que dispute, se optar por deixar a prefeitura, o governo paulista. Os paulistanos o querem mais próximo.
O cientista político Lucas Aragão, da consultoria Arko Advice, disse à “Exame” que “o PSDB sabe que chegou a hora de eleger um presidente: o PMDB não tem candidato natural, o PT está chamuscado e um outsider carece de estrutura partidária e tempo de televisão. Se, em 2018, as pesquisas mostrarem que Doria é quem tem mais chance, ele concorrerá”.
Intelectuais e articulistas da imprensa de São Paulo, talvez com espírito quatrocentão, mesmo quando, na prática, sejam menos “nobres” do que pareçam, torceram o nariz quando viram João Doria vestido com uniforme de gari. É um gesto populista? Sim, e dos mais retardatários. Porém, embora não seja moderno, é uma maneira de se conectar às pessoas, de se comunicar com elas. A população, ao contrário dos colunistas, aprovou o Michael Bloomberg dos trópicos.
Se cede ao populismo, como maneira de contatar as pessoas, João Doria, político patropi mais influente no Facebook — informa a Social Bakers —, comunica-se de modo moderno com a sociedade. Tudo que faz, como se estivesse participando de algum Big Brother, registra e expõe, por meio de vídeos não muito sofisticados (elaborados por celular), nas redes sociais. A visita do prefeito à Coreia do Sul, onde buscou informações para despoluir rios — o Tietê é um dos mais poluídos do país — e informatizar ônibus, mobilizou 1,2 milhão de indivíduos, no Facebook. Ele tem 2,5 milhões de seguidores. Sua popularidade está se espraiando pelo país. “Hoje”, sublinha a “Exame”, “71% dos fãs de Doria estão fora da capital paulista — Rio de Janeiro, Curitiba e Fortaleza lhe dão audiência crescente”.
O jornalista Daniel Braga articula o sucesso de João Doria nas redes sociais. “Toda semana Braga rastreia comentários deixados no Facebook de Doria. O motivo? Analisar as palavras-chave mais populares, que não raro pautam o conteúdo dos vídeos seguintes”, informa a “Exame”. Trata-se de um big data político. O discurso apolítico do prefeito deriva do que colhe nas redes sociais. Ele capturou, na campanha do ano passado, a desilusão dos paulistanos com os políticos tradicionais. “Soubemos entender o que” as “pessoas queriam”, frisa Daniel Braga.
Se aprecia as redes sociais, para estabelecer um contato direto com a população, João Dória não é mero produto de marketing, como às vezes parece ser. No momento, pilota projetos de desestatização que, se derem certo, renderão 7 bilhões de reais aos cofres públicos. Ao mesmo tempo, ao enxugar o Estado, representará economia no dia a dia.
Conta-se que gestões petistas marcam reuniões com o objetivo de convocar novas reuniões. Nas reuniões de João Doria com seus secretários, o tempo é cronometrado e cobra-se objetividade, com apresentação real dos resultados de cada pasta — e não discurso sobre como “transformar” o mundo. “A cada quinzena, um secretário com atuação destacada ganha um presente do prefeito”, relata “Exame”. Fernando Chucre, da Habitação, ganhou um relógio.
O empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann doa, anualmente, milhões de dólares à Universidade Harvard, dos Estados Unidos. Doar lá é mais fácil e não burocrático. João Doria convocou empresários e solicitou doações. O empresariado repassou 286 milhões de reais, em quatro meses. “Há de tudo: automóveis para guardas de trânsito, roupas para moradores de rua, ovos de Páscoa para crianças carentes”, anota a “Exame”. “Todas as doações estão sendo colocadas no ‘Diário Oficial’ ou no Portal da Transparência. Da menor à maior”, garante o prefeito. O vereador Eduardo Suplicy, do PT, está marcando sob pressão, o que é válido, a aplicação do dinheiro doado.
Entrevistado pela “Exame”, o prefeito se apresenta assim: “Sou João Doria, gestor”. O tucano diz que a população “está preocupada em sanar seus problemas. Quero ser um saneador”. Ele afirma que uma gestão que aposta em eficiência e em serviços mais rápidos “envolve menos recursos públicos”. Hoje, para abrir uma empresa em São Paulo, leva-se 100 dias. O prefeito planeja reduzir para cinco e, mais tarde, dois dias (como em Singapura).
Iris e Goiânia
Iris Rezende (PMDB), citado no título, deveria visitar São Paulo, levando sua equipe, com o objetivo de reinventar sua administração. Um pouco de criatividade, com ares novos, não faz mal a ninguém, nem mesmo a um político tradicionalista quanto o prefeito de Goiânia.
Repete-se tanto um discurso que ele se torna quase verdade, embora não seja “a” verdade. Em tese, a gestão de Iris Rezende, que está entrando no quinto mês, é pobre em ideias e antiga nas práticas — fica-se com a impressão de que há um Muttley em cada gabinete do Paço Municipal gritando “asfalto!’, “asfalto!”, “asfalto!’ —, porque sua equipe é “ruim”. Na realidade, a equipe não é mesmo da melhor qualidade. Mas o problema central não é ela, e sim o prefeito, ou seja, o organizador. A equipe de João Doria é mais eficiente por dois motivos. Primeiro, fez escolhas mais técnicas, sobretudo para postos decisivos. Segundo, porque é o norteador dos programas. Se há falhas, verifica logo e muda, se não o projeto, a pessoa que o está tocando.
Assim, o problema da gestão não ser criativa, não ser contemporânea dos goianienses — que estão num ritmo, avançado, e os auxiliares do prefeito estão noutro ritmo, mais lento e, quem sabe, fora do tempo —, resulta muito da falta de métodos modernos de gestão e de iniciativas arrojadas do prefeito Iris Rezende. A equipe é ruim, se é, porque o peemedebista a quer assim, letárgica e tão nostálgica quanto ele. O tempo não para, mas Iris Rezende parou no tempo. Há integrantes de sua equipe que reclamam, nos bastidores, que o chefe perde tempo demais falando sobre o passado. Eles querem discutir o presente, mas o alcaide — a palavra cabe, dada a falta de modernidade no Paço Municipal — é pouco afeito à modernização da máquina pública.
João Doria não é médico, mas recomenda um suplemento vitamínico, que chamam de “DoriaVit”. Segundo a “Exame”, o objetivo do “DoriaVit é ajudar os auxiliares a seguir o pique do prefeito, que trabalha até 18 horas por dia”. Trata-se de uma boa receita para Iris Rezende vitaminar a si e à sua equipe, inclusive em termos de comunicação, que anda anêmica. l