O que Fátima Bernardes e William Bonner têm a dizer a Luciano Huck e Jair Bolsonaro?
18 novembro 2017 às 23h39
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A imprensa não deve ocupar seus espaços mais relevantes com noticiário sobre fofoca e deve discutir temas relevantes, como crescimento e desenvolvimento
O jornalismo, mesmo o de qualidade, “enlouqueceu” — ao ceder à fofoca. Os melhores jornais e revistas do país, notadamente os que criticavam o estilo “Contigo” e “Caras” de fazer “jornalismo”, renderam-se. A razão da desrazão: quase todas as publicações aferem o número de acessos e, por isso, estão numa corrida maluca por mais visualizações. Por isso, entre cobrir um assunto sério — como a discussão sobre incentivos fiscais — e um assunto não-sério, mas que rende visualizações, há repórteres que não pensam uma vez, meia vez, às vezes nem pensam: apostam na “cobertura” daquilo que gera mais “audiência”.
Há uma ou duas semanas que um dos assuntos mais destacados é a história do namorado da global Fátima Bernardes, ex-apresentadora do “Jornal Nacional”, que alfinetou o apresentador do “JN”, William Bonner, ex-marido da titular do programa “Encontro com Fátima Bernardes”. Não há a menor dúvida de que Fátima Bernardes e William Bonner, que foram casados por vários anos e são pais de três jovens, têm direito à felicidade e, como são figuras públicas, não vão mesmo escapar da curiosidade pública — num tempo em que o público e o privado, inclusive para a imprensa, perderam seus limites e, portanto, se contaminaram. Mas os conflitos deles, os ajustes de contas, têm mesmo interesse público? Nenhum. Os jornais e revistas, além das redes sociais, não estão à espera de esclarecimento, de informações precisas. Quanto mais difusas, mais adequado para repercuti-las como se fossem uma novela quase interminável. O que se quer, e o que se obtém, é acesso multiplicado. A vida pessoal de Fátima Bernardes e William Bonner se tornaram “alimentos” do mais puro sensacionalismo. Eles estão “apreciando” ou não têm como escapar da bisbilhotice dos repórteres e, claro, do público? É provável que, no fundo, estejam incomodados, mas são “puxados” para as futricas.
Ah, sim, os jornais e as redes sociais sempre exigem “sangue novo”. Depois de Fátima Bernardes e William Bonner, e dos namorados de ambos, assuntos parecidos serão expostos nos próximos dias. O jornalismo está se tornando uma usina de reciclar lixo. Talvez sempre tenha sido — a diferença é que se está publicando o lixo (o joio e não o trigo).
Como a onda é discutir apresentadores da Globo, surfemos com outro olimpiano — Luciano Huck, o marido da loira Angélica. Talvez inspirado em João Doria (PSDB), o prefeito de São Paulo, o apresentador da Vênus Platinada empolgou-se e começou a participar de reuniões com artistas, empresários e políticos. Dado o vazio político (a Lava Jato “sujou” meio mundo político) — pai do Triângulo das Bermudas que se tornou a política patropi —, políticos, quase-políticos e não-políticos perceberam a oportunidade de se chegar ao cargo de presidente da República.
O discurso de Luciano Huck não é muito diferente do que expunha Fernando Collor em 1989. É apenas mais leve. O apresentador global fala em eficiência e austeridade. Seria, portanto, liberal e responsável — o que o torna palatável àqueles que controlam o PIB do país. Ao mesmo tempo, diferentemente de Jair Bolsonaro, não seria conservador em termos comportamentais (além de ser infenso ao discurso radical, pertence, quem sabe, a uma direita florida). Mas, uma vez eleito, teria condições de governar o país? É provável que, no poder, seria mais nefelibata do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Teórica e tecnicamente, a petista é mais “competente” do que Lula da Silva. Na prática, o petista-chefe foi um presidente muito mais qualificado. Por três motivos. Primeiro, conhece mais o país. Segundo, sabe como funciona o Legislativo. Terceiro, é mais agregador e sabe se relacionar. Luciano Huck parece ser o tipo de “político” que acredita que a realidade subordina-se à (sua) vontade.
Luciano Huck é popular — seu programa atende pobres (no velho estilo populista), faz a felicidade de alguns — o que sugere que pode se tornar uma espécie de “antídoto” contra Lula da Silva, do PT, o preferido de parte significativa dos brasileiros (na redação do Jornal Opção é raro o prestador de serviço que não menciona que prefere votar no petista-chefe, alegando que “rouba mas faz” e, sobretudo, é o que “mais se preocupa com os pobres”). Porém, se retirado da Globo por um longo período — o grupo dirigido pela família Marinho está cobrando de seus funcionários a informação a respeito de possíveis candidaturas, porque, se confirmadas, serão afastados —, o quase-artista terá condição de ser candidato?
O que não se pode negar a Luciano Huck é o direito de disputar a Presidência da República. A democracia não pode nem tem condições de fechar espaços aos seus cidadãos, tendo ou não experiência em termos de gestão ou de política. Acrescente-se que supostos profissionais comandaram o país, até pouco tempo, e levaram o Brasil à maior recessão de sua história. Não deixa de ser curioso que, no momento, profissionais, como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentam retirar a nação de uma crise que não criaram, pois não eram gestores do governo de Dilma Rousseff, e são incompreendidos. Estão sendo responsabilizados por erros de outros.
Se Luciano Huck é uma incógnita — um irmão, cineasta, diz que fará o impossível para que não se torne candidato —, o que dizer de Jair Bolsonaro? Está com pinta de Fernando Collor, o de 1989. Naquele ano, quando Lula da Silva assustava o país, porque era visto como um “esquerdista perigoso” — o que, a rigor, nunca foi; trata-se de um moderado —, as elites, inclusive as que controlam a mídia (leia-se Grupo Globo e a revista “Veja”, que deu-lhe uma capa consagradora, com o título de “Collor de Mello — O Caçador de Marajás”, e uma fotografia mostrando um homem bonitão e determinado), decidiram promover Fernando Collor de Mello como a “salvação da lavoura”. Bancar o ex-governador de Alagoas era uma maneira de evitar a vitória do Sapo Barbudo, como chamavam, de maneira deselegante, o líder do PT (ah, foi Brizola quem disse; sim, e daí?).
Sobre Lula da Silva, dizem: se for candidato, vai para o segundo turno; aí, perde para qualquer um (Geraldo Alckmin, do PSDB, ou Jair Bolsonaro), porque todos vão se unir para derrotá-lo. Pode ser que, ao contrário do que se pensa, o país lhe dê um terceiro mandato (se não for impedido pela Justiça de ser candidato). Os eleitores não estão sendo enganados por ninguém, muito menos pelo petista de Garanhuns e São Paulo. Eles sabem quem é o político red e, aparentemente, não o percebem como muito diferente dos demais políticos. Depois do poder, “tornou-se” um deles. O diferencial é a preocupação com os pobres e o fato de que, mesmo tendo se tornado rico, não perdeu o jeitão de pobre, de gente como a gente. Permanece falando como o brasileiro médio, não altamente escolarizado. Os clichês de Lula da Silva representam a linguagem das ruas, o senso comum, que todos entendem.
Jair Bolsonaro, como o Fernando Collor de 1989 — cercado e recriado por um marketing tão agressivo (até brutal) quanto sofisticado (para a época) —, pode se tornar o anti-Lula da Silva? Pode. Frise-se que é, de algum modo, parecido com Lula da Silva. Conceitos como “direita” e “esquerda” não estão superados — o filósofo Norberto Bobbio escreveu com precisão sobre o assunto no livro “Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política” (há, inclusive, um debate interessantíssimo com o historiador Perry Anderson) — mas, para a maioria das pessoas, não fazem o menor sentido. Para o povão, infenso a ideologização da política, Lula da Silva e Jair Bolsonaro não são muito diferentes. A diferença, do ponto de vista dos eleitores médios, é que, em termos comportamentais, um pode ser visto como mais permissivo, o petista, e o outro como mais conservador, o quase-integrante do Patriotas.
Se os marqueteiros conseguirem trabalhar Jair Bolsonaro do ponto de vista social, tornando-o convincente para os pobres (que certamente gostam de seu estilo durão, do estilo “prendo e, se preciso, arrebento”), passa a ser o principal adversário para Lula da Silva. A imagem de que, eleito, o deputado federal e militar pode ser resolver quase tudo com uma canetada — ou no grito, como sugeria o impulsivo Fernando Collor de 1989-1990 — agrada milhares de eleitores, inclusive alguns dos eleitores de Lula da Silva. O homem durão, aparentemente ético, não desagrada. O que lhe falta é a “doçura” do petista. É uma identidade de “raiz” com as pessoas. Mas há, sim, uma identidade quando faz críticas contundentes aos desmandos e advoga teses conservadoras. O fato de ser militar, longe de desagradar, é “atraente”. Porque o militar, ainda mais do Exército, é visto como o indivíduo que “resolve” os problemas.
Nas redes sociais, e mesmo em artigos de intelectuais de esquerda, percebe-se um certo temor em relação a Jair Bolsonaro. Dizem que não entende de economia (ora, Lula nunca entendeu e sua política econômica, que seguiu o receituário tucano, não foi desastrosa — ao contrário da política traçada pelos economistas Dilma Rousseff-Guido Mantega) e que sua candidatura não resistirá. Parece claramente que estão confundindo desejo com realidade. Tudo indica que o militar da reserva vai disputar a eleição. Não há motivo aparente para desistir.
O fato é que se o país resistiu aos governos do PT — o de Dilma Rousseff levou o país a uma recessão brutal —, por que não resistiria a um governo de Jair Bolsonaro? Resta, porém, perguntar: o país precisa mesmo passar por certas experiências, como Jair Bolsonaro, ou repetir algumas das políticas de Lula da Silva (que levaram ao mensalão e ao petrolão)? Se o país quiser, por que não? O caminho quem escolhe são os eleitores. Em Goiânia, em 2016, os goianienses elegeram Iris Rezende para prefeito. A decepção é generalizada, mas como questionar a voz dos eleitores? Questionar até pode, mas é preciso acatar o veredito das urnas.
Mas, afinal, o que têm Fátima Bernardes e William Bonner a dizer aos brasileiros, e não só a Luciano Huck e Jair Bolsonaro? Como jornalistas sérios, certamente diriam, se pudessem: o país precisa discutir-se com mais seriedade, deixando a “Fofocolândia” para as colunas “especializadas”.