O que a prefeita de Paris pode ensinar a Adriana, Vanderlan, Gayer, Ana Paula e Darrot
24 março 2024 às 00h01
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O que é um viaduto? Muitas coisas, por certo, e não apenas uma majestosa construção de concreto. Não é, mas pode ser, uma espécie de cartão postal? Pode até ser. Na gestão de Iris Rezende, ao menos em dois viadutos, foram colocados simulacros de arte moderna. Talvez para suavizar a força brutal da estrutura de cimento e aço.
Um viaduto, como se disse, representa muitas coisas. Por exemplo, sinal de modernidade de uma cidade que cresce e, em determinadas áreas, não comporta mais o tráfego de automóveis. São construídos para facilitar o trânsito, desobstruindo algumas artérias urbanas. Arquitetos e engenheiros, que não são figuras neutras e meramente técnicas, são convocados para, digamos, fazer o “melhor”. Surgem, então, as “obras de arte”, por assim dizer, conhecidas como viadutos.
Necessários em vários pontos, os viadutos, a partir de certo momento, não revolvem o problema do trânsito congestionado. Porque, à medida que se facilita o tráfego, longe de diminui-lo, ele cresce ainda mais, com a introdução de novos veículos nas ruas.
Construída por humanos, as cidades — florestas de concreto — são, de certa maneira, obras de arte, daí o turismo, porque, muitas delas, são admiráveis. Buenos Aires, Montevidéu, Roma, Paris, Nova York, Londres e Brasília são cidades belas — divas de concreto e aço. As mais antigas reúnem a beleza do passado com a emergência reformista do presente. As mais novas, como seus edifícios abissais e longilíneos, parecem querer dialogar com o Céu — numa espécie de religiosidade laica.
Brasília é uma cidade-escultura — edificada para, de cara, ser observada, admirada, amada e, sim, fotografada. Mãe da capital nacional, Goiânia é uma cidade em que se demole casas — o Setor Pedro Ludovico é o novo espaço das construtoras, como a competente EBM —, até a beleza da refinada art déco, para abrir espaço para edifícios-residências para milhares de novos moradores.
A rigor, uma cidade é o templo ecumênico dos humanos. Mas também é a meca dos automóveis, que são símbolos de status e, sobretudo, de ascensão social. Num país rico como o Brasil — nona economia do mundo —, com o capitalismo consolidado, as cidades são semelhantes às de quaisquer outras partes do planeta Terra.
Se as pessoas são diferentes, com seus idiomas e comportamentos, os carros e shoppings irmanam todas as cidades. Volvos, BMW, Mercedes e Toyotas circulam pela Suécia, Tóquio, Pequim, Nova Delhi, Estados Unidos, Paris, Goiânia e Rio Verde. O luxo — a qualidade, pontue-se — se tornou universal. Há, claro, automóveis mais baratos.
O que se está a dizer é que as cidades são das pessoas, mulheres e homens laboriosos e seres que se divertem — o ócio pode mesmo ser criativo, como sugeriu o sociólogo italiano Domenico de Masi — e também “dos” automóveis… com seus motoristas às vezes absorvidos pelo reino da velocidade… em ruas geralmente mal sinalizadas.
Diz-se, à boca miúda, que os viadutos enfeiam as cidades e, até, prejudicam alguns comerciantes, que, por vezes, têm de fechar suas lojas, que, “escondidas” pelo concreto, não são mais procuradas (veja-se o caso do viaduto da Rua Jamel Cecílio/Rua 136). Mas o que fazer? Ruim com e pior sem eles? Talvez seja pior sem eles, dada a expansão da cidade, com a colocação de milhares de novos automóveis nas ruas.
Entretanto, se os viadutos facilitam a vida dos motoristas — que se tornaram quase uma classe social —, o que se faz pelos pedestres? Muito pouco. Observe-se que o prefeito Rogério Cruz recapeou várias ruas de Goiânia, mas demora muito tempo para repor as faixas de pedestres. Numa rua, há pouco tempo, havia uma faixa cobrando respeito ao pedestre, mas, exatamente no lugar, a faixa para protegê-lo havia desaparecido. Felizmente, foi reposta.
Quando prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), sugerindo que não seria um gestor tradicional, a serviço “do” automóvel e “do” capital, decidiu construir ciclovias e faixas para ciclistas em várias ruas. Chegou a dizer que faria uma ciclovia até o Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Começou bem, mas, talvez por pressão do mercado e de políticos, recuou. Tornou-se um prefeito como outro qualquer, terminando a gestão de maneira melancólica. Mas, de fato, bem-intencionado.
O recado da prefeita de Paris
Afinal, é possível fazer diferente, indo além do quinteto asfalto/saúde/educação/pagamento de funcionários públicos e fornecedores/coleta de lixo? A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, de 64 anos, sugere que sim.
Numa entrevista à repórter Monica Weinberg, da revista “Veja, conta que a arrojada Anne Hidaldo nasceu na Espanha e é discípula das ideias da escritora-filósofa francesa Simone de Beauvoir. Ela participou da luta para incluir o direito ao aborto na Constituição da França. Missão vitoriosa.
“Entre as metrópoles globais, Paris está caminhando para ser a mais sustentável de todas. E a trilha para chegar lá não envolve uma transformação cosmética, mas mexidas profundas na paisagem e no modo de viver. Isso tudo num lugar antigo, o que impõe o desafio adicional de mudar e, ao mesmo tempo, proteger tão rico patrimônio”, assinala Anne Hidalgo.
A área verde de Goiânia é ampla, graças a alguns prefeitos, como Nion Albernaz e Darci Accorsi (o criador do Parque Vaca Brava). Mas é preciso cuidar melhor das árvores. Algumas podas, para preservar a fiação elétrica, são assustadoras, pois praticamente matam as árvores, ao fragilizá-las. Uma árvore demora a crescer, a se estabilizar, por assim dizer. Então, não basta plantar novas árvores — é preciso conservar as existentes, como os belos flamboyants que embelezam os setores Bela Vista e Pedro Ludovico. A mutilação de uma bela e grande árvore — gameleira —, na Avenida Goiás Norte, envergonha (ou deveria envergonhar) os munícipes.
A prefeita de Paris afirma que, na sua gestão, “foram plantados milhões de árvores que já formam novos bolsões verdes e áreas de lazer”.
Anne Hidalgo enfatiza que está, “radicalmente, estimulando o transporte de bicicleta, com pistas por toda parte, e fazendo de tudo para frear a expansão da frota de carros”.
A gestora da cidade-luz — município que acolheu Marcel Proust, o maior escritor francês ao lado de Flaubert — assinala que “até a arquitetura começa a se ajustar aos tempos atuais. Uma cidade moderna não pode seguir em frente sem considerar a questão climática”. Anne Hidalgo diz que a Olimpíada de Paris, que começa em 26 de julho deste ano, está contribuindo para a mudança.
Reportagem do Jornal Opção, assinada pelo competente repórter Pedro Moura, informa: “90% dos cursos d’água correm risco de serem soterrados em Goiânia. Mananciais que sofrem com a ação humana são responsáveis por abastecer 641 bairros”. O que têm a dizer os pré-candidatos a prefeito de Goiânia Adriana Accorsi, do PT, Gustavo Gayer (o Javier Milei do Cerrado), do PL, Jânio Darrot (ou Ana Paula Rezende), do MDB, e Vanderlan Cardoso, do PSD? Os quatro terão coragem de interferir um pouco na cidade, de maneira positiva, e não destrutiva?
Anne Hidaldo sugere que coragem, além de capacidade técnica, é crucial: “Não dá para manter uma cidade como Paris na rota do avanço sem cutucar vespeiros. 95% das áreas públicas aqui eram voltadas para carros, uma lógica que estamos rompendo aos poucos. Apenas um de cada três moradores tem um veículo na garagem, e esses precisam se adaptar em prol de uma ideia mais ampla, de conter a poluição”.
A prefeita de Paris diz que, se o metrô é eficiente e relativamente barato, é adequado trocar o automóvel pelo transporte coletivo. Em Goiânia pode-se dizer o mesmo? É mais complicado. Porque o sistema de ônibus, ainda que não seja dos piores do país, não é totalmente funcional. Não há metrô na capital do Cerrado.
Anne Hidalgo assegura que está despoluindo o Rio Sena. “Vou mergulhar lá, sim, e já tem data — entre fim de junho e início de julho. Nadar no Sena abrirá uma janela de lazer para moradores e visitantes neste mundo em que os termômetros em elevação são uma realidade concreta. Tanto já se falou sobre limpar o rio que os parisienses até deixaram de acreditar. Mas garanto: vai acontecer”, diz a prefeita.
Um governo anterior fez uma publicidade imensa, até com boas intenções, sobre a despoluição do Rio Meia Ponte. Accorsi, Cardoso, Darrot e Gayer terão tutano para sugerir uma parceria com o governo do Estado para despolui-lo? Pelo custo, é provável que não. Dos quatro, a que tem um discurso um pouco mais ambientalista é a postulante do PT. Se eleita, teria o apoio do presidente Lula da Silva para um projeto de tal magnitude?
Os leitores certamente já verificaram como os parques de Goiânia, com o Areião, o Vaca Brava e o Flamboyant, atraem centenas de pessoas todas os dias, sobretudo entre sábado e domingo. Imagine ter um rio despoluído — com a mata ciliar recuperada — dentro da cidade. Seria uma beleza natural para todos. Um lazer saudável e gratuito.
Viver numa cidade mais verde, com águas despoluídas, com menos automóveis e mais pedestres nas ruas: trata-se de uma utopia ou de uma distopia? O que a prefeita de Paris está sugerindo é que se trata de uma possibilidade real.