O PT não pode “salvar” Lula mas Lula pode “enterrar” o PT
24 novembro 2019 às 00h01

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O ex-presidente está usando o partido para tentar “descontaminar” sua história e não se importa em “contaminar” a história do partido
Com Lula da Silva preso em Curitiba, no Paraná, o Partido dos Trabalhadores começava a se tornar adulto. O governador da Bahia, Rui Costa, concedeu uma entrevista ponderada à revista “Veja” — sugerindo que, a partir do Nordeste, poderia surgir um PT comprometido com gestão e, ao mesmo tempo, com a pauta da anticorrupção. Pois, com Lula livre, o PT voltou à adolescência — dependente do paizão. De repente, Rui Costa, que estava começando a colocar a cabeça para fora — e poderia ser a alternativa do partido para a disputa da Presidência da República em 2022 —, desapareceu do mapa.

Ao fazer a defesa irracional de Lula da Silva — que é fim de linha e não começo de alguma coisa —, o PT precisa “esmagar” suas novas lideranças, como Rui Costa. O que os lulopetistas parecem não perceber é que o PT não tem como “salvar” Lula da Silva mas Lula da Silva pode “enterrar” o PT.
Com seu discurso aguerrido, Lula da Silva ocupou as manchetes dos jornais, ao sair da prisão. Mas, aos poucos, tende a perdê-las, porque não é mais um fato novo. Uma outra condenação, mesmo que não o leve à cadeia, mais uma vez colocará o país contra o ex-presidente. Por isso é que se diz que não há como “salvar” Lula e, na tentativa de fazê-lo, os petistas podem “enterrar” o PT.
Hoje, o PT é maior do que Lula da Silva, mas os petistas que o controlam aparentemente pensam que não. Por isso postulam que a volta do PT ao poder depende da recuperação da imagem de Lula da Silva. Na verdade, não há como recuperá-la. Quanto mais insiste que isto é possível, mais o PT mancha sua história e, sobretudo, impede o surgimento de líderes autênticos e autônomos em relação ao ex-presidente. A deputada federal Gleici Hoffmann atua, como presidente do PT, não necessariamente em defesa do partido, e sim na defesa da fonte de energia lhe “deu” o poder.

Embora relativamente articulada, Gleici Hoffmann não tem autonomia e diz aquilo que Lula da Silva quer. Trata-se, não de uma presidente de fato, e sim de uma porta-voz. O verdadeiro líder é aquele que, cortando na própria carne, consegue fazer autocrítica. No caso do PT, a autocrítica significa não “sacrificar” Lula da Silva, e sim apontar que é preciso valorizar novos líderes, com ideias modernas e comprometidas com o Brasil real. Na prática, “superar” o ex-presidente.
Por questões óbvias — com parte de seus próceres acusada de corrupção e, alguns, condenados e, até, presos —, o PT perdeu a pauta que lhe deu energia nacional e o levou a eleger Lula da Silva e Dilma Rousseff para quatro mandatos: a do combate à corrupção.
Em 2018, ao perder a pauta da anticorrupção, o PT contribuiu para a eleição do presidente Jair Bolsonaro. O político de direita percebeu que a pauta que o PT havia perdido era exatamente aquilo que galvanizava os brasileiros, sobretudo depois da Operação Lava Jato. Portanto, a agarrou. Tanto que, eleito, convidou Sergio Fernando Moro, o magistrado da Lava Jato, para o Ministério da Justiça. Trata-se do símbolo do combate à corrupção e da luta contra a impunidade.

Durante os próximos três anos, Bolsonaro, ao contrário do PT, não abandonará a pauta do combate à corrupção — o que vai mantê-lo conectado ao Brasil real, não àquele dos militantes da esquerda petista.
Em 2022, Lula da Silva possivelmente não poderá ser candidato. Mesmo assim, o PT o mantém na ribalta como se fosse pré-candidato — um candidato eterno. O que os petistas não percebem é que, no momento, interessa à mídia recolher suas palavras e colocá-las nas manchetes. Mas até isto será provisório.
Na próxima disputa eleitoral, o PT só terá alguma chance se deixar Lula da Silva de lado — e assim poderá reincorporar o discurso anticorrupção ao seu ideário, admitindo que alguns erraram, mas não todos — e bancar um candidato que tenha autonomia em relação ao ex-presidente. Em 2018, quando poderia ter apresentando um nome alternativo, optou por lançar Fernando Haddad — que é uma espécie de Dilma Rousseff de calça e, mesmo tendo perfil acadêmico, é teleguiado por Lula da Silva.

Na disputa de 2022, se não perceber que é preciso mudar a tática, lançando um candidato que não precisa ser anti-Lula, mas deve ser, necessariamente, autônomo em relação ao ex-presidente, inclusive apresentando críticas aos equívocos do partido, tanto na questão da corrupção quanto em termos de política econômica, o PT possivelmente será derrotado por Bolsonaro ou, quem sabe, por um candidato de centro — como o governador de São Paulo, João Doria, ou o apresentador de televisão Luciano Huck. Ou outro nome ainda não colocado. Sergio Moro, por exemplo, é um grande nome. Bolsonaro certamente vai trabalhá-lo para vice — para reforçar a ideia de que, no poder, não deixou de lado o combate à corrupção e que, se reeleito, vai mantê-lo.
Recentemente, o petismo aplaudiu a derrubada da prisão em segunda instância pelo Supremo Tribunal Federal e o motivo é um só: os líderes do partido trabalham, em tempo integral, para proteger Lula da Silva — como se ele fosse o partido, e não um de seus integrantes. Ocorre que, em tempos idos, a prisão em segunda instância seria defendida pelo PT com unhas e dentes. A mensagem, portanto, é: o PT, quando se trata de combater certos crimes, como a corrupção, piorou. Para defender alguns de seus líderes — que estão em decadência —, o partido está sacrificando seu ideário. Como se exige muito do PT, a mensagem cristalizada é: o partido é como os outros e até pior.
Nas próximas disputas — 2020 e 2022 — é possível que, em alguns Estados e cidades, Lula da Silva seja um cabo eleitoral eficaz. Mas, na maioria delas, deve prejudicar o partido. O ex-presidente tende, se onipresente, a atrair o tema da corrupção para o debate eleitoral — o que prejudicará o PT. A defesa irracional de Lula da Silva, como se não tivesse cometido nenhum crime, não contribui em nada com o partido. Frise-se que, embora liberado da prisão, persiste condenado. Tentar transformá-lo em vítima política não funciona e o PT esquece que, se não combinar com os russos — no caso, os eleitores —, vai continuar perdendo eleições.
O PT, se quiser voltar a ser um partido vencedor — socialdemocrata, e não comunista, como a direita quer fazer crer —, precisa “matar” Lula da Silva, simbolicamente, claro. A ausência do “pai” levará o partido a ter um ideário mais posicionado-amadurecido, de matiz coletivo, e não individualizado (o que é a defesa do ex-presidente).
Porém, se o partido quiser “morrer”, e aí não será simbolicamente, basta que fique os próximos três anos fazendo a defesa de Lula da Silva. A “morte” política de Lula da Silva poderá resultar no renascimento do PT — que tem integrantes de qualidade, como Rui Costa, tanto como gestores quanto como políticos. Mas fornecer oxigênio ao ex-presidente é o mesmo que retirar o oxigênio do PT.
O PT (o petismo) ouve e segue Lula — quando deveria ouvir e seguir os brasileiros. É o que está fazendo Bolsonaro — que abriu os ouvidos para as ruas.
Lula da Silva já é história
Lula da Silva faz parte da história brasileira, com seus defeitos e virtudes. Trata-se do primeiro presidente da República de origem operária do país e não será julgado pelos historiadores unicamente pela corrupção e pela prisão. Politicamente, por exemplo, é muito superior à ex-presidente Dilma Rousseff — uma invenção do ex-presidente para não permitir que surgissem outros políticos de proa no PT, quer dizer, concorrentes para ele mesmo.
Agindo por impulso, Lula da Silva não percebeu que, ao impor Dilma Rousseff, estava cavando a sua sepultura política. Mesmo homens de rara inteligência, como o petista-chefe, comete erros graves. Mas uma coisa é certa: ele está “usando” o PT para tentar se “salvar”, para tentar descontaminar parte de sua biografia — o que é uma missão impossível, neste momento. Mais tarde, como se disse acima, os historiadores vão avaliá-lo de maneira mais nuançada — dando-lhe um julgamento (mais) justo.