Mesmo circunstancialmente liderando pesquisas de intenção de voto, o senador goiano, como político experimentado, sabe de suas limitações e da necessidade vital que tem da inviável aliança com o MDB

Ronaldo Caiado é melhor político e tem mais experiência do que Jair Bolsonaro – até para saber das próprias limitações | Foto: Renê Alves/Agência Senado

A cena política da semana passada foi marcada pelo início da desconstrução, via grande mídia, da pré-candidatura à Presidência do deputado federal fluminense Jair Bolsonaro, alvo de várias matérias da “Folha de S. Paulo”, de “O Globo” e de outros grandes veículos. Personagem da extrema-direita que acabou se tornando popular por sua verborragia radical – característica que seus apoiadores amenizam com o uso do termo “contundência” –, o parlamentar está saindo do PSC, do qual é filiado, e ao mesmo tempo do PEN/Patriota, partido para o qual iria, mas onde criou desavenças suficientes para gerar uma trajetória natimorta. A oitava mudança de partido de Bolsonaro deve ter como destino o PSL. O acerto gerou a debandada do movimento Livres, grupo liderado por Sérgio Bivar, filho do presidente da sigla, Luciano Bivar, e que seria o “sangue novo” para a transformação do partido nanico em algo mais promissor e menos repetidos dos mesmos vícios. No fim, venceu a velha política tão criticada.

Citar Bolsonaro é só o introito para falar de outro personagem, este da política local: o senador Ronaldo Caiado (DEM), pré-candidato a governador e atualmente líder das primeiras pesquisas de intenção de voto no Estado. Não que ele tenha o mesmo radicalismo – apesar de suas declarações contundentes e por vezes agressivas, o parlamentar goiano está longe de representar a extrema-direita da política.

Ambos, Bolsonaro e Caiado, cada qual por sua história, suas bandeiras e suas idiossincrasias, são e sempre serão fortíssimos nomes para o Legislativo. O deputado, se almejasse o Senado pelo Rio de Janeiro (Estado que certamente é hoje o mais problemático do País no setor da segurança pública, prato cheio como plataforma eleitoral para um capitão reformado do Exército), provavelmente ganharia com facilidade uma das duas cadeiras que estarão em disputa em outubro.

Ao trocar o (quase) certo pelo duvidoso, Bolsonaro parece estar convicto de que será presidente, talvez inebriado com o séquito que conquistou, principalmente nas redes sociais, e pelas pesquisas de intenção de voto, nas quais desponta numa folgada 2ª colocação, atrás apenas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como o ex-presidente pode ser condenado em segunda instância ainda este mês, o que traria sérios transtornos a uma eventual candidatura, Bolsonaro está claramente seduzido pela enganadora mosca azul. E, diga-se, tem motivos.

As pesquisas, neste momento, também deixam Caiado com olhos brilhando. Político muito mais astuto do que o “mito” Bolsonaro e já experimentado em eleições majoritárias, o senador sabe que esses levantamentos são tão firmes quanto os desenhos das nuvens no céu. Sabe que para ganhar uma eleição ao Executivo é preciso muito mais do que estar bem nas pesquisas a dez meses das urnas. Fundamental é chegar, não sair na frente.

Portanto, se fosse para apostar em um dos dois, Caiado ou Bolsona­ro, como nome mais capaz de ter su­cesso em outubro, qualquer analista po­lítico apontaria o primeiro, obviamente. A postulação do democrata, no entanto, possui alguns problemas que se tornarão percalços – e que le­vam a pensar que sua pretensão po­de fazer água da mesma forma com que iminentemente ocorrerá com Bolsonaro.

Em sua última reunião com lideranças de possíveis partidos aliados, o senador não apresentou nada de novo. O momento é de formação de alianças políticas, mas é também o período em que a sociedade começa a exigir da oposição uma proposta alternativa para o Estado. No encontro, a ausência do deputado federal Daniel Vilela – pré-candidato ao governo pelo MDB e presidente da sigla em Goiás – e de seu pai, Maguito Vilela, é mais um sinal de que uma união da oposição e coalizão de fato forte a favor de Caiado vai ficando mais distante.

Em Goiás, o DEM é basicamente Ronaldo Caiado. Não tem nenhum deputado federal nem estadual. Em 2016, o partido elegeu dez prefeitos, nenhum de cidade polo, e alguns já migraram de fato – como Paulo Sérgio (PSDB), de Hidrolândia – ou informalmente para a base aliada ao governo tucano de Marconi Perillo.

Exatamente por sua experiência é que Caiado sabe: verá suas chances se reduzirem drasticamente se não tiver um partido com estrutura em todo o Estado para levar seu nome. Ao contrário do que acredita o eventual líder das pesquisas nacionais (se Lula sair do páreo), sabe que seu nome, “per se”, não vai levá-lo ao Palácio das Esmeraldas.

Por questões históricas, o MDB sempre foi protagonista e não coadjuvante do processo eleitoral em Goiás. Vai ser difícil abrir essa porta para alguém de outro partido, ainda que favorito – ainda mais sabendo que Marconi estará fora da disputa. Daniel Vilela, apesar de estar atrás de Caiado nas pesquisas, mostra-se decidido e conta com o fator “novo” a seu favor. Restaria ao senador uma tática altamente controversa: filiar-se ao partido que combateu durante décadas.

E aqui entra outro fator que pesa duplamente contra ele. Em muitos municípios do interior, onde a rivalidade política é algo muito sério, ter o MDB com Caiado, filiado ou não, traria muito desconforto e divisão. A fragrância udenista exala do senador de forma tão nítida que causa náuseas em muitos nomes históricos, que viveram décadas de disputas.

De certo modo, a figura de Caiado traz a esses emedebistas a lembrança de figuras como Carlos Lacerda, talvez o maior orador da história política nacional, mas também aquele que vinha para trazer a verborragia, a dissensão, o caos. O caiadismo na política goiana coloca todos abaixo de si no palanque, e não ao lado – basta perguntar seus ex-correligionários – e são muitos – a razão pela qual deixaram o PFL ou o Democratas em Goiás.

Sobre Caiado pesa o estigma de nunca ter sido um homem de grupo, que buscasse a conciliação, que pensasse um projeto coletivo e visionário. Com todas as dificuldades e crises vividas, não se pode negar que o Estado tenha avançado nas últimas décadas, desde a redemocratização. Primeiramente, com o MDB de Iris Rezende e Maguito Vilela, marcadamente pela abertura de uma estrutura viária; depois, com o grupo que acabou liderado por Marconi – o mesmo que Caiado integrou por algum tempo mas optou por abandonar, em vez de compor, passando a um discurso de oposição raivosa e sem projetos.

Caiado, assim como Bolsonaro, aparece como uma miragem, algo novo no caminho. Mas ambos, vistos com mais acuidade, não passam exatamente disso: um produto quimérico, uma fantasia que não resiste à presença da realidade. A candidatura de Bolsonaro deve se esfarelar, se não nos próximos meses, logo no começo da campanha. Por ser mais conhecedor da realpolitik e por não ter nada a perder – tem mais quatro anos de mandato no Senado –, Ronaldo Caiado vai prosseguir em seu intento, ainda que tenha consciência da futura falta de oxigênio que pesará sobre o seu nome. No fundo, ele sabe que os anos de política individualista vão, inexoravelmente, lhe cobrar a fatura.l