No afã de obter dividendos por meio do nome do ícone emedebista e de outros personagens, políticos goianos ignoram a memória de famílias e do próprio Estado

O goiano tem vivido um ano de perdas dolorosas na vida pública. Somente na política, quatro ex-governadores partiram desde o início de 2021: Maguito Vilela, aos 71 anos, em janeiro, de Covid-19; Helenês Cândido, aos 86, em março, pela mesma doença; Ary Valadão em agosto, aos 102 anos, de pneumonia; e Iris Rezende, aos 87, em novembro, por complicações decorrentes de um AVC hemorrágico.

Também foi no início deste mês que o Estado perdeu Marília Mendonça, jovem nascida em Cristianópolis – como Iris –, uma cantora e compositora que já havia chegado ao topo da carreira com apenas 26 anos e que certamente teria ainda muito por fazer como artista. Um acidente aéreo interrompeu sua trajetória e a de outras quatro pessoas, no interior de Minas Gerais.

Todos esses personagens, em passagens com maior ou menor visibilidade, deixaram sua contribuição para a sociedade goiana e merecem, sim, ser homenageados. Porém, como sempre ocorre nessas situações, o problema passa a ser a forma da homenagem, não seu conteúdo.

Quando Maguito perdeu a batalha contra o coronavírus, depois de uma valente luta de quase três meses contra a doença, a comoção tomou conta da população. Era o prefeito que os goianienses tinham escolhido, vencendo uma eleição em dois turnos enquanto estava inconsciente no hospital, lutando pela vida. Era a esperança de repetir na capital a bela gestão que fez por oito anos em Aparecida de Goiânia. Era, mas não foi.

Com a confirmação de sua morte, logo proliferaram projetos de lei e outras propostas de homenagem, todas por meio de concessão de seu nome a um logradouro ou a um prêmio. Em poucas semanas, foram pelo menos 13 ideias nesse sentido, em Goiânia, Aparecida e também Jataí, sua terra natal. Só na Câmara de Goiânia, surgiram projetos para a mudança de nome da Avenida Leste-Oeste, em seu todo, e da Avenida Anhanguera, no trecho entre as Praças do Bandeirante (Centro) e das Mães (Setor Oeste); também um ginásio no Conjunto Riviera e um instituto tecnológico, ainda a ser criado, além de uma medalha de mérito.

De forma até mais acentuada, as mortes da cantora Marília Mendonça e do ícone político Iris Rezende, mais recentes, voltaram a causar o mesmo impacto em quem tem mandato. Salta aos olhos a impressão de que é preciso dar nome das coisas às pessoas, por mais que, na maioria das propostas, tal homenagem não faça sentido, nem ao menos guarde coerência.

Aeroporto Santa Genoveva, que, por lei, passa a se chamar Aeroporto Iris Rezende Machado: polêmica desnecessária | Foto: Reprodução

É o caso, entre tantos exemplos, da que foi apresentada pelo senador Luiz do Carmo (MDB) ao Senado. Ele achou que seria uma boa ideia mudar o nome do Aeroporto Internacional de Goiânia de Santa Genoveva para Iris Rezende Machado. Como parlamentar federal, sua “área de atuação” – digamos assim – para mudança de nomes está restrita a logradouros relacionados à União, como os aeroportos. Na terça-feira, 23, o plenário do Senado aprovou o PL 3.999/21, que tratava da matéria na Casa. Outro senador por Goiás, Vanderlan Cardoso (PSD) foi o relator, dando parecer favorável. O projeto agora precisa passar pela Câmara dos Deputados.

Ocorre que por trás do nome atual do aeroporto existe um fator que está sendo desconsiderado – e não poderia ser. E a família de Altamiro de Moura Pacheco tratou de vir a público para fazer o registro do que acabou, por ignorância ou senso de oportunismo, tornando um acinte o que era para ser homenagem.

Quem foi Altamiro?
Antes de entrar de fato na polêmica: quem a família desse Altamiro pensa que ele é para criticar a mudança no nome do aeroporto? Tem alguma rua ou lugar conhecido em Goiânia com seu nome?

Provavelmente, se as perguntas forem feitas a cem goianienses, menos de cinco vão saber respondê-las. Talvez haveria um pouco mais de acerto na segunda: por conta das recorrentes e tristes queimadas no período de estiagem, os mais atentos observariam que o Parque Ecológico, ao norte da capital, no caminho para Anápolis, leva nome e sobrenome de Altamiro: seu nome oficial é Parque Estadual Altamiro de Moura Pacheco.

Como história de Goiânia não é algo frequente no currículo escolar e preservação da memória nunca foi uma grande preocupação de governantes, até a quarta-feira, 24, dia seguinte à aprovação do projeto do senador Luiz do Carmo, poucos sabiam a razão de o Aeroporto Internacional de Goiânia se chamar Santa Genoveva. Ora, por que homenagear uma santa católica e não o ex-prefeito e ex-governador?

Que Iris Rezende foi o maior político da história de Goiás, por sua trajetória e seu carisma, poucos discordam. O que poucos sabem também é que Altamiro de Moura Pacheco foi o maior benemérito da história da capital e um dos maiores filantropos de Goiás. Nascido em Bela Vista de Goiás, sua família se mudou com ele ainda criança para Bonfim, hoje Silvânia. Anos depois, já formado em Medicina, ele se tornaria pioneiro da nova capital e compraria uma vasta extensão de terra ao norte do município. Vendeu por valor quase simbólico, para o poder público, parte dos mil alqueires de sua posse para parcelamento, bem como doou a área para o futuro aeroporto da cidade. Só impôs uma condição: que tanto o bairro a ser construído como o terminal se chamassem Santa Genoveva, em homenagem a sua mãe, Maria Genoveva Moura Pacheco.

É no que um dia foram as terras de Altamiro que se encontram tanto o Parque Ecológico como o Sistema Mauro Borges, reservatório de água do Ribeirão João Leite que garantirá o abastecimento da região metropolitana pelas próximas décadas. Altamiro também foi o homem de confiança do governo do Estado para liderar o processo de compra de terras e cessão de território para o Distrito Federal.

Altamiro de Moura Pacheco: um dos grandes nomes da história de Goiânia e de Goiás | Foto: Reprodução

Como produtor rural, Altamiro foi também um dos principais articuladores para a fundação da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), bem como também tomou parte no nascedouro da Universidade Federal de Goiás em fins da década de 50 – a UFG foi oficialmente criada em dezembro de 1960 –, tendo sido o incumbido de entregar o documento de solicitação de criação da instituição nas mãos do então presidente Juscelino Kubitscheck.

Para alguém tão efetivo na história da cidade, do Estado e da região, parece pouco que haja para ele em Goiás apenas o nome de um parque ambiental – idealizado por ele –, um centro cultural – a Casa de Altamiro, onde residia, no Centro de Goiânia, deixado em testamento para a Academia Goiana de Letras (AGL) – e uma avenida no bairro Cidade Jardim, também na capital. Couto de Magalhães, personalidade importante do Estado no século 19, tem nove vias com seu nome, somente na cidade. O detalhe é que o general, que de 1863 a 1864 foi presidente de Goiás – como se chamava o governador no período do império – morreu em 1898, 35 anos da fundação de Goiânia.

As mudanças de nome de logradouros já conhecidos, além de eventualmente cometerem injustiças, como no caso de Altamiro em relação ao Aeroporto Santa Genoveva, confundem a população e geralmente não favorecem os homenageados. Quem imagina os goianienses trocando “Parque Mutirama” por “Parque Iris Rezende”? Ou “Avenida Anhanguera” por “Avenida Maguito Vilela”, e isso somente num pequeno trecho da via? Ou, ainda, chamar a Avenida Castelo Branco de Marília Mendonça a partir de agora?

A propósito do tema, o Ginásio Goiânia Arena, onde ocorreu a despedida a Marília Mendonça, foi inaugurado em 2002, mas já não tem esse nome desde 2015, quando se tornou Ginásio Valério Luiz de Oliveira, em homenagem ao radialista esportivo brutalmente assassinado em 2012. A alteração ocorreu pela Lei 19.102, publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 1º de dezembro de 2015. Um ato merecido e adequado a quem sempre militou no esporte. Mas basta ler todos os jornais e demais veículos de comunicação que fizeram a cobertura do evento para verificar quantas vezes o local foi designado pelo nome oficial.

Ainda que tais personalidades mereçam muitas homenagens, o processo de construção da memória em torno de sua trajetória não será feito de um dia para o outro e nem deveria ocorrer por meio do apagamento da história pregressa de uma avenida, uma praça ou um lugar público. É melhor uma reverência por meio de um projeto – uma rua, um bairro, um monumento – que tenha acabado de sair do papel do que sair do papel para o formato de lei algo que trate uma questão tão delicada de um jeito tão “pro forma”.