O prefeito de Trindade trabalha para limpar a imagem do PSDB no Estado, mas não percebem sua grandeza

Jânio Darrot: prefeito de Trindade, presidente licenciado do PSDB | Foto: Divulgação

Há indivíduos que migraram de classe social por intermédio da política – tornando-se potentados. De alguma maneira, foram absorvidos pelas elites – passando a ser um de seus integrantes. Mas há também indivíduos que, antes de optarem pela atividade política, já eram vencedores no ramo de atividade no qual atuavam. É o caso de Jânio Carlos Alves Freire, de 64 anos. Era vitorioso como empresário no ramo de fabricação de roupas – é proprietário da marca Jean Darrot – e na área de criação de gado de alta qualidade. Sabe-se que é mais fácil ir a Marte do que ser empresário no Brasil. Mesmo assim, Jânio Freire constituiu empreendimentos de ponta – graças à sua organização, determinação e fé em que o trabalho denodado supera tudo.

Depois de amealhar um patrimônio respeitável, empregando centenas de pessoas, Jânio Darrot – o negócio deu-lhe (mais tarde) o “novo” sobrenome, o que leva as pessoas de outros Estados a pensarem que descende de franceses – decidiu que, como político, poderia dar uma contribuição maior à população de Trindade. O que havia aprendido na iniciativa privada, com a adoção de métodos modernos de gestão, planejava levar para o setor público.

Em 2010, Jânio Darrot superou políticos tradicionais, como o prefeito Ricardo Fortunato, do MDB, e foi eleito prefeito de Trindade. Acostumado à livre iniciativa, na qual as contas devem ser ajustadas – a lei de receita-despesa é obrigatória para quem não quer soçobrar num mercado competitivo (o de roupas enfrenta a concorrência brutal da China, país em que a mão de obra é quase escrava, daí ser muito barata) –, Jânio Darrot ficou “assustado” com o que encontrou.

Jânio Darrot e Marconi Perillo: o ex-governador precisa entender que o PSDB só se requalifica se tiver um presidente forte, e não um preposto | Foto: Iris Roberto

“Assustado” não é, no dicionário de Jânio Darrot, o mesmo que “paralisado”. Com seu espírito detalhista de empresário – afinal, como dizem, “Deus está nos detalhes” –, o prefeito, eleito pelo PSDB, fez um levantamento completo do quadro financeiro. A situação era alarmante e alguns secretários ficaram sem saber o que fazer.

Com sua tradicional serenidade, Jânio Darrot fez uma auditoria criteriosa (e jamais se preocupou com caça às bruxas), consultou experts em finanças e, desde o primeiro mês, começou um poderoso ajuste das contas da prefeitura. O que parecia impossível, dada a gravidade da situação, acabou equacionado.

Ao mesmo tempo que fazia cortes, ajustando a economia interna da prefeitura, Jânio Darrot investia, melhorava a qualidade de vida da população de Trindade e atraía novos empreendimentos para o município. A cidade, que estava entorpecida – não parecia haver saída para o quadro de abandono gestado por Ricardo Fortunado, jovem que não tinha nenhuma experiência administrativa –, começou a mudar. Os investimentos voltaram, a economia local se tornou mais forte – não se pode falar mais que Trindade é uma cidade-dormitório de Goiânia –, a autoestima de seus moradores foi reforçada e o turismo (religioso) ganhou mais apoio e logística.

Tales Barreto discursa na Alego
Talles Barreto faz oposição firme na Assembleia Legislativa; por que não pode disputar a Prefeitura de Goiânia? | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Quando 2016 chegou, Trindade havia se tornado “outra” cidade. Quem a visita percebe, de cara, que está diante de uma mini-metrópole – com 127.599 moradores (talvez um pouco mais, porque o IBGE nem sempre é preciso na investigação) e quase 82 mil eleitores.

O município havia se modernizado – e em larga medida devido à ação do prefeito Jânio Darrot, que soube conectar crescimento econômico e desenvolvimento (quando os dividendos do crescimento são compartilhados com a sociedade, não apenas com nichos). Em outubro de 2016, os eleitores decidiram – como reconhecimento ao seu valor como gestor – que não iriam trocar o prefeito e o reelegeram com excelente votação.

Reconstruindo o PSDB em Goiás

Em 2018, tudo deu errado para o PSDB. José Eliton não foi reeleito para o governo e Marconi Perillo recebeu uma votação pífia para senador, ficando atrás de Vanderlan Cardoso, Jorge Kajuru, Wilder Morais e Lúcia Vânia. O partido elegeu apenas um deputado federal – Célio Silveira, do Entorno de Brasília. Para piorar o quadro, Marconi Perillo e Jayme Rincón, seu braço direito – ex-presidente da Agetop –, foram presos pela Polícia Federal e respondem a processos judiciais. Se condenado, o ex-governador certamente perderá os direitos de disputar eleição por oito anos e terá de devolver dinheiro ao Erário. Se for condenado, frise-se.

Com a imagem dos principais líderes do PSDB no chão – em seguida, José Eliton foi levado à sede da Polícia Federal para prestar depoimento –, começou um debate interno sobre quem poderia assumir o comando partidário com o objetivo, num trabalho de reconstrução, de melhorar a imagem do tucanato.

Pábio Mossoró: prefeito de Valparaíso vai deixar o PSDB | Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Vários nomes postulavam o comando do partido – Jardel Sebba, Carlão Oliveira, Talles Barreto e Lêda Borges. Jânio Darrot, que saíra incólume ao armagedon de 2018, articulava e conversava com todo mundo que o procurava, mas não havia colocado seu nome para presidir o partido. O partido precisava de uma figura limpa, com ampla autoridade moral, para se reinventar. Aos poucos, o nome de Jânio Darrot se tornou consensual para dirigir o PSDB em Goiás.

Se a imagem do partido estava “suja” – aliás, ainda está, pois novas denúncias têm surgido, atingindo figuras de proa do partido, além de aliados no meio empresarial e executivo –, Jânio Darrot era e é o quadro adequado para “limpá-la”. Ele então assumiu o partido.

Levando a missão a sério, começou a dialogar com integrantes do partido em todo o Estado – ouvindo-os séria e responsavelmente, o que não se fazia antes (os políticos do interior eram obrigados a “repetir” as decisões que vinham de “cima” – e sem debatê-las). Logo, por seu espírito democrático e por cumprir o que era acordado, caiu nas graças de militantes e líderes municipais. Surgia, assim, um novo líder no PSDB.

Em pouco tempo, o PSDB, que estava no chão, passou, inclusive, a ter uma alternativa política para a disputa do governo em 2022. O partido voltou a ser mencionado no debate político. Reportagens de jornais mencionam que Jânio Darrot pode ser candidato a governador, a vice-governador ou a senador. O tucanato, que parecia ter uma doença altamente contagiosa, de repente passou a ser sondado para possíveis alianças. Vanderlan Cardoso, do PP, e Daniel Vilela, do MDB, para citar apenas dois políticos, por certo gostariam de ter o prefeito de Trindade como parceiro de chapa daqui a dois anos, oito meses e alguns dias.

Vanderlan Cardoso quer parceria com Jânio Darrot? Claro que sim | Foto: Fábio Costa/Jornal Opção

Por ser presidente do PSDB, Jânio Darrot começou a articular o processo eleitoral de 2020 em todo o Estado, abrindo e restabelecendo diálogos com lideranças locais e, desde já, conversando sobre possíveis alianças eleitorais. O que se diz, de Norte a Sul do Estado, é que Jânio Darrot é confiável, que articula com seriedade.

Mas a grandeza de Jânio Darrot esbarrou numa questão elementar. O grupo de Marconi Perillo precisa do prefeito para restabelecer a imagem do partido, mas não quer um líder que se torne forte demais, que aspire ao poder. O espaço está “reservado” para alguém – e não necessariamente para Marconi Perillo, que planeja ser candidato a deputado federal em 2022, mas nem sabe se poderá ser candidato; por enquanto, não há obstáculo legal. O tucano-chefe – sim, é o chefe – quer, na verdade, apoiar um candidato que tenha alguma chance de derrotar o governador Ronaldo Caiado em 2022. Talvez por isso avalia que não vale a pena fortalecer um tucano, como Jânio Darrot, para o próximo embate. No fundo, Marconi Perillo quer uma composição com Daniel Vilela, presidente do MDB, e com o senador Vanderlan Cardoso, do PP. Como realista absoluto, tem aliados circunstanciais, e não permanentes.

O “crescimento” de Jânio Darrot, sua capacidade articulação, sua interlocução produtiva com a sociedade, começou a incomodar. Ele jamais dirá isto, porque, sendo um indivíduo equilibrado e modesto, não se interessa por guerras internas e picuinhas. Prefere dizer, por cortesia e respeito, que tem de cuidar da disputa eleitoral em Trindade. De fato, sem Jânio Darrot no páreo, as oposições se alvoraçaram. O deputado estadual Dr. Antonio (Antônio Carlos Caetano de Moraes), do DEM, e o ex-prefeito George Morais, do PDT, colocaram seus blocos nas ruas e não são amadores políticos. O grupo do prefeito tem três nomes consistentes, e um deles vai enfrentar ao menos um dos candidatos com amplo apoio do governador Ronaldo Caiado. Por isso, de fato, Jânio Darrot precisa ficar mais presente no município. Ademais, se seu candidato perder, a derrota será compartilhada com o prefeito e o enfraquecerá para o pleito de 2022.

Entretanto, se fosse tratado com dignidade pelos líderes quase invisíveis do PSDB – como Marconi Perillo e seus aspones e asponerinos –, Jânio Darrot certamente não teria se licenciado do comando partidário. O que ele não quer e não aceita é ser tratado como “preposto”. Quer ser líder de fato, e não marionete.

A missão de Jânio Darrot é fortalecer as bases do PSDB, lançando candidatos consistentes ou estabelecendo alianças que contribuam para o fortalecimento do partido. Registremos dois casos exemplares: um de Valparaíso e outro de Goiânia.

Em Valparaíso, uma das cidades mais importantes do Entorno de Brasília – com 79.300 eleitores (informação de novembro de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral) –, Jânio Darrot havia firmado que Pábio Mossoró, até por ser prefeito, seria candidato à reeleição. Mas a deputada estadual Lêda Borges decidiu que deveria disputar e sugeriu que iria puxar o tapete do gestor municipal, supostamente com o apoio de Marconi Perillo (com o qual a parlamentar conversa com  frequência).

Daniel Vilela: presidente do MDB não rejeitaria aliança com Jânio Darrot | Foto: Jornal Opção

Resultado: Pábio Mossoró decidiu trocar o PSDB pelo MDB. Depois de sua decisão, sentindo-se enfraquecida, Lêda Borges não tem dito, com todas as letras, que será candidata a prefeita. Mas sua articulação, aparentemente combinada com Marconi Perillo, provocou a saída de um prefeito. Fica-se com a impressão de que tanto Lêda Borges quanto Marconi Perillo, alheios à realidade, não percebem a fragilidade do PSDB no Estado. Perder um prefeito não é pouca coisa. Já “manter” uma Lêda Borges é o mesmo que ganhar um caminhão de adversários e, até, inimigos. Porque ela desagrega. Marconi Perillo deveria perguntar ao Talles Barreto, ao Pábio Mossoró, ao Diego Sorgado, a Lúcia Vânia, ao Célio Silveira, ao Sebastião Caroço Monteiro e ao Helio de Sousa sobre a parlamentar. Eles todos estão errados? Por que Marconi Perillo optou por Lêda Borges? Primeiro, porque a deputada faz sua defesa até de maneira irracional. Segundo, porque recebe informações de “segunda” e acredita nelas.

Em seguida, respeitando o intenso trabalho de Talles Barreto, filiado ao PSDB – eficiente líder da oposição na Assembleia Legislativa –, Jânio Darrot passou a discutir a possibilidade de o parlamentar disputar a Prefeitura de Goiânia.

Talles Barreto conversa com os principais integrantes do PSDB na capital, frequenta os bairros, nos quais dialoga com seus representantes, encomenda pesquisas e está elaborando um plano de governo. Mas nada disso foi respeitado. Marconi Perillo quer outro candidato na disputa – possivelmente o ex-governador José Eliton. Simplesmente porque o deputado não pertenceria ao seu grupo e, em visitas ao interior, o teria criticado.

Na verdade, o que integrantes do partido – e não exatamente Talles e Jânio Darrot (sua fidalguia não permite comentários desairosos sobre adversários quanto mais sobre aliados) – dizem, e na surdina, por receio de “perseguição”, é que o PSDB, se quiser crescer e sair da cova em que o colocaram em 2018, terá de pensar em avançar com ou sem Marconi Perillo (que não deveria se postular como “intocável”, pois, numa democracia, ninguém é). Se ficar esperando Marconi Perillo voltar de São Paulo de fato – e não em “missões” secretas, a partir de seu escritório político no Setor Marista, que mais parece um bunker do que um escritório –, o PSDB não voltará a ter alguma proeminência em Goiás. É preciso constituir novos líderes, com autonomia e, inclusive, com discurso crítico em relação ao passado. O PSDB está forte em São Paulo porque João Doria, mesmo pertencendo ao partido, é uma ruptura em relação aos grupos tucanos que estavam no poder. Lá, paradoxalmente, Marconi Perillo apoia o governador, mas aqui barra a ascensão tanto de Jânio Darrot quanto de Talles Barreto. Marconi Perillo clama para que o governador Ronaldo Caiado olhe para frente, mas ele próprio só pensa no passado e barra a reinvenção do PSDB.

Jânio Darrot é o presidente que o PSDB precisa para restaurar sua imagem. Atropelá-lo politicamente é o mesmo que atropelar uma possível ascensão do partido. Já Vivaldo Guimarães e Eliane Pinheiro, e não se trata de depreciá-los, são vistos tão-somente como prepostos de Marconi Perillo. Manter um deles no comando é o mesmo que dizer: “O PSDB não muda e não quer mudar”.

Marconi Perillo precisa mais de Jânio Darrot no comando do PSDB do que imagina.