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Para evitar o uso abusivo de recursos, que visam tão-somente impedir que a pessoa seja presa, o STF confere mais peso aos tribunais de Justiça estaduais e tribunais regionais federais

Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Melo e Ricardo Lewandowski: ministros discordaram sobre decisão do Supremo Tribunal Federal, mas uma coisa é certa — é preciso mesmo endurecer a batalha com os criminosos | Fotos: Divulgação/STF e Renato Araújo/ABr
Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Melo e Ricardo Lewandowski: ministros discordaram sobre decisão do Supremo Tribunal Federal,
mas uma coisa é certa — é preciso mesmo endurecer a batalha com os criminosos | Fotos: Divulgação/STF e Renato Araújo/ABr

No Brasil, até há pouco tempo, era assim: uma pessoa era condenada por um juiz, em primeira instância, e por um desembargador, em segunda instância, e mesmo assim continuava em liberdade — com recursos tramitando no Superior Tribunal de Justiça e, em seguida, no Supremo Tribunal Federal. Resultava que, muitas vezes, o condenado em dupla instância raramente cumpria a pena. Tudo mudou na quarta-feira, 17: o Supremo, com votos favoráveis de sete ministros e apenas quatro contra, mudou as regras. A partir de agora, na área criminal, se condenado em segunda instância (tribunais de Justiça e tribunais regionais federais), o indivíduo deverá ser preso. Antes, os recursos impediam ou retardavam a prisão por vários anos. Ressalve-se que a prisão não significa que a pessoa não pode recorrer aos tribunais superiores. Resulta de uma sentença, que leva à prisão, mas pode ser reformada pelos tribunais superiores.

A Associação Nacional dos Procuradores da República afirma que o avanço histórico torna o combate ao crime mais eficaz, porque permite a “execução definitiva das causas já apreciadas pelo juiz singular e revistas pelo tribunal competente”. A Associação dos Juízes Federais aprovou a mudança, que percebe como um avanço significativo no processo penal do Brasil.

Apesar da aprovação da mudança, houve um debate intenso no Supremo entre os ministros. O ministro Teori Zavascki disse, no seu voto, que, assim que confirmada a condenação por um tribunal de segunda instância, a pena deve ser executada. Ele frisa que esgota-se a fase de análise de provas e de materialidade. As discussões de direito ficam sob os cuidados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Luís Roberto Barroso, que seguiu o voto de Zavascki, frisou: “A condenação de primeiro grau mantida em apelação inverte a presunção de inocência”. O magistrado sublinhou, segundo registro do Consultor Jurídico, que “o princípio da não culpabilidade é sinônimo de dois graus de jurisdição, não de trânsito em julgado”.

Luís Roberto Barroso sustenta, relata o Consultor Jurídico, que “é a insustentabilidade da execução imediata da pena que resulta na ‘interposição sucessiva de recursos protelatórios, o que evidentemente não é uma coisa que se queira estimular’”. O ministro frisou que “advogados criminais não podem ser condenados, por dever de ofício, a interpor infindáveis recursos. Isso é um trabalho inglório, e aqui a crítica não é aos advogados — é ao sistema”.

O ministro Marco Aurélio Melo não concorda com Zavascki e Luís Roberto Barroso. “Não vejo uma tarde feliz na vida deste tribunal, na vida do Supremo”, criticou. “Revemos uma jurisprudência, que poderia até mesmo dizer recente, para admitir o que eu aponto em votos na turma como execução temporã, açodada, da pena.”

Marco Aurélio Melo citou a fala do deputado Ulysses Guimarães sobre a chamada Constituição Cidadã: “Tenho dúvidas, presidente, se mantido esse rumo quanto à leitura dessa carta pelo Supremo Tribunal Federal, ela poderá continuar a ser tida como uma carta cidadã.”

Lamentando o voto de alguns de seus colegas, Marco Aurélio Melo ressalvou: “Reconheço que a época é de crise, de crise maior, mas justamente nessa quadra de crise maior é que devem ser guardados parâmetros, devem ser guardados princípios, devem ser guardados valores, não se gerando instabilidade. Porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida. Ontem o Supremo disse que não poderia haver a execução provisória quando em jogo a liberdade de ir e vir. Considerado o mesmo texto constitucional, hoje ele conclui de forma diametralmente oposta”. A posição do ministro é similar à de alguns advogados, que consideram que a ação do STF cerceia a ampla defesa dos acusados.

Marco Aurélio Melo acrescentou que “hoje no Supremo nós vamos proclamar que a cláusula reveladora do princípio da não culpabilidade não encerra garantia porque antes do trânsito em julgado da decisão condenatória é possível colocar o réu no xilindró, pouco importando que posteriormente esse título condenatório venha a ser reformado”. De novo, é a tese de alguns, até de vários, advogados. Digamos que o indivíduo seja condenado em segunda instância e, daí, é preso imediatamente. Em seguida, se o STJ (ou STF) reformar a sentença, proclamando sua inocência, como fica o cidadão? Poderá processar o Estado pelo tempo que ficou preso?

O ministro Gilmar Mendes não concorda com a tese de Marco Aurélio Melo: “É preciso que vejamos a presunção de inocência como um princípio relevantíssimo para a ordem constitucional, mas suscetível de ser conformado, tendo em vista inclusive as circunstâncias de aplicação no caso do Direito Penal e Processual Penal. Por isso entendo que, nesse contexto, não se há de considerar que a prisão após a decisão do tribunal de apelação seja considerada violadora desse princípio”. Trata-se de uma crítica direta da interpretação de Marco Aurélio Melo e de advogados.

Gilmar Mendes concluiu sua exposição sugerindo que, no caso das decisões privativas de liberdade, se poderá recorrer ao habeas corpus.

Luiz Fux defendeu as mesmas teses de Zavascki e Gilmar Mendes. Ele anota que a situação anterior à decisão do Supremo “não corresponde à expectativa da sociedade”. Os processos longevos, que raramente resultam em prisão, criaram a tese de que a Justiça, além de lenta, não funciona. Ou que, quando se tem um advogado altamente qualificado — com experiência em procrastinação —, a pessoa dificilmente cumpre pena numa cadeia. Os recursos, vistos como enrolação pela sociedade, são peças, por assim dizer, de “absolvição”. Por isso Luiz Fux assinala que, “quando uma interpretação constitucional não encontra eco no tecido social, quando a sociedade não a aceita, ela [a interpretação] fica disfuncional. É fundamental o abandono dos precedentes em virtude da incongruência social”. Noutras palavras, o ministro está dizendo que a Justiça, por intermédio da decisão do Supremo, está se atualizando e se tornando contemporânea do pensamento da sociedade brasileira. Antes, ainda que cumprindo as leis, estava contribuindo para retardar a pena de quem cometeu determinado tipo de crime.

O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, é um dos críticos das teses esboçadas por Zavascki, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Lewandowski se disse perplexo “com a guinada da corte”. O ministro destacou que, recentemente, em duas oportunidades — na ADPF 347 e no Recurso Extraordinário 592.581 —, o Supremo admitiu a falência completa do sistema carcerário patropi. “E agora vamos facilitar a entrada de pessoas neste verdadeiro Inferno de Dante, abrandando esse princípio maior da nossa Carta Maior? Isso me causa estranheza.”

É possível que, em parte, Lewandowski tenha razão, pois as prisões brasileiras não são nenhuma Disneylândia e, em alguns casos, são mesmo o Inferno de Dante. Mas determinados criminosos devem ficar na sociedade, transformando a vida das pessoas de bem num Inferno de Dante, exclusivamente porque as cadeias brasileiras são ruins? As penitenciárias — “boas”, “razoáveis” ou “ruins” — são exatamente para excluir da convivência social aqueles que não respeitam as regras sociais.

Se os presídios são ruins, muitas vezes pelo excesso de lotação, o que se deve propor não é deixar criminosos soltos, e sim a construção de mais penitenciárias. Como? Pressionando os governos — tanto os federais quanto os estaduais. Antes criminosos presos em cadeias ruins, cumprindo pena por não se adequarem à sociedade, do que cidadãos ameaçados constantemente por criminosos contumazes. l