Batalhão do prefeito de Aparecida inclui Paulo Cezar Martins, Marconi Perillo e Sandro Mabel. Numa campanha, ele terá de defender tais aliados. Será seu projeto?

Karl Marx disse que a história se repete; primeiro, como tragédia e, depois, como farsa. Há indícios de que o prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha, do MDB, está sendo enredado por uma farsa que, invertendo o aforismo do filósofo alemão, poderá levá-lo a uma tragédia político-eleitoral (uma nova derrota poderá liquidar as esperanças de o MDB voltar ao centro do palco). Porém, antes de examinar esta questão, retomemos a história de 1998, possível inspiradora do jovem político do município da Grande Goiânia.

Em 1998, como tinha um líder político apontado como “invencível”, o PMDB praticamente corria sozinho na raia. Era tão forte que não percebeu que, do lado adversário, havia uma armada poderosa. Iris Rezende, avaliava-se, estava “eleito”. Portanto, não precisava agregar novas forças. O PSDB do então deputado federal Marconi Perillo, incentivado pelo grupo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, queria uma composição com o peemedebismo.

Agora a questão crucial: se o MDB estava praticamente “sozinho”, pois “não” precisava de ninguém, do outro lado era constituído um exército poderoso, que, com pesquisas qualitativas nas mãos, percebeu que os eleitores apostavam numa mudança, pois havia insatisfação com o grupo que estava no poder havia 16 anos. O que se precisava era de um indivíduo que encarnasse a ideia de mudança. Primeiro, a armada posicionou o deputado federal Roberto Balestra, que as pesquisas sugeriram que não mexia com as “emoções” dos eleitores. Daí optaram por um jovem de 35 anos, que havia sido deputado estadual e cumpria um mandato de deputado federal. Tratava-se de Marconi Perillo.

No início, Marconi Perillo apareceu com índices muito inferiores aos de Iris Rezende. Mas o exército que estava ao seu lado começou a se movimentar em todo o Estado. Entre seus generais eleitorais estavam Nion Albernaz (prefeito de Goiânia, muito bem avaliado pela população), Ronaldo Caiado (deputado federal, e já uma estrela da política de Goiás, pegou o jovem tucano pela mão e o apresentou às pessoas do Estado), Roberto Balestra (deputado federal, ruralista atuante), Henrique Santillo (ex-governador), Lúcia Vânia (que havia sido candidata a governadora, em 1994), Mauro Borges (quando governador, criou as principais estruturas do Estado), Jovair Arantes (deputado), Jalles Fontoura, Otávio Lage de Siqueira, Otavinho Lage (os três eram os políticos mais influentes do Vale do São Patrício) e Vilmar Rocha. Eram quatro ex-governadores: Mauro Borges, Otávio Lage, Leonino Caiado e Ary Valadão. Cinco deputados federais: Jovair Arantes, Pedrinho Abrão, Roberto Balestra, Ronaldo Caiado e Vilmar Rocha. Ao lado das estrelas políticas, havia técnicos, pesquisadores e marqueteiros gabaritados. A estrutura era gigante para quem não estava no poder. Evidentemente, não era bancada pelo tucano. Certa feita, um grupo de políticos esteve no frigorífico Goiás Carnes, em Senador Canedo, e contou das dificuldades financeiras da campanha. O ex-governador Otávio Lage sacou o talão de cheque e doou 300 mil reais e disse: “Se você [falando para Marconi Perillo] perder, não precisa me pagar”.

Nos encontros políticos, nos 246 municípios de Goiás, o exército das oposições — com a união de figuras experimentadas e jovens que representavam a renovação — começou a fazer a diferença. Sem os líderes citados no parágrafo anterior, que realmente colocaram a campanha nas ruas, Marconi Perillo teria feito figuração. Nos comícios e caminhadas pelo Estado, tiveram de vestir uma camisa azul no candidato, para identificá-lo — passaram a denominá-lo de o Moço da Camisa Azul. Às vezes, para identificá-lo, seus aliados diziam: “Marconi é aquele ali, perto de Ronaldo Caiado” ou “Marconi é aquele ali, próximo de Nion Albernaz”. Frise-se que, como prefeito de Goiânia, Nion Albernaz representava uma dissidência irista — em tempos idos havia sido irista.

Então, Marconi Perillo pode ter representado uma renovação, mas só foi eleito porque se cercou de figuras emblemáticas e respeitadas da velha guarda da política de Goiás. Eles deram amparo e logística ao jovem tucano. O novo não nasce necessariamente do novo. O novo, quando se alia com parte do velho, acaba por ser mais forte. Sozinho, o novo desmorona. Portanto, o tucano foi eleito como agente da mudança, mas era, na prática, representante de figuras tradicionais da política de Goiás — que eram fortes e, por serem maduras, decidiram se unir ao desconhecido Moço da Camisa Azul.

Atribui-se uma força excessiva ao marketing (à tal história da panelinha) e, por vezes, e se esquece dos batalhões de homens e mulheres que se levantaram contra o PMDB e Iris Rezende. Eles e elas foram os andaimes e alicerces da campanha tucana. Perceberam o fim do ciclo político do emedebismo e o surgimento de outro e, por isso, bancaram Marconi Perillo.

Gustavo Mendanha

Mendanha teria a questão histórica, a disputa de 1998, como inspiração. O prefeito teria dito numa reunião: “Eu sou o Marconi Perillo de 1998”. Disse ou não disse? Não importa. Na prática, comporta-se como se tivesse dito. Teria acrescentado também que se considera um “mito” e que “o povo o quer no poder”. Não resta a menor dúvida de que o jovem político tem o direito de pleitear o cargo que quiser. Porque se vive numa democracia.

Mas o uso da história, no caso atual, pode ser uma, digamos, farsa. Porque o quadro de 1998 nada tem a ver com o de 2022. Primeiro, o grupo do MDB estava no poder havia 16 anos — daí aquilo que se chama de “fadiga de material”. Havia um cansaço — cristalizado — com os políticos emedebistas. Em 2022, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do partido Democratas, terá completado quatro anos no poder. Não há, portanto, o desgaste do tempo. Segundo, não há nada que desabone o gestor estadual — que, nas pesquisas, é visto como decente. Terceiro, com qual Exército Mendanha contará para uma disputa eleitoral contra um político experimentado e, sobretudo, bem avaliado pelos eleitores?

Comenta-se que, entre os prefeitos emedebistas, o porta-voz de Mendanha é o deputado estadual Paulo Cezar Martins. Até se envolver em desavenças com o presidente do MDB, Daniel Vilela — consta que queria nomear aliados políticos na Prefeitura de Goiânia e, como não conseguiu, passou a atacar o líder de seu partido —, Paulo Cezar era contado como deputado da base política do governador Ronaldo Caiado. No momento, como argumento para apoiar Mendanha, ele diz que é preciso bancar um candidato do MDB a governador. Pois, na campanha eleitoral de 2020, o candidato a prefeito de Quirinópolis era Gilmar Alves, do MDB. Mas o parlamentar bancou o irmão Ronne Cezar para prefeito de Quirinópolis — pelo PSD — e ele ficou em quarto lugar, com apenas 1.174 votos, ou seja, 4,48% dos votos. O prefeito Gilmar Alves foi “traído” exatamente pelo deputado de seu partido. Quer dizer, Paulo Cezar ajudou a derrotá-lo.

Na verdade, Paulo Cezar é figurante ou contrarregra tanto no MDB quando na política de Goiás. Mendanha hoje sustenta-se em duas pilastras. De um lado, o ex-governador Marconi Perillo, do PSDB. De outro, o empresário Sandro Mabel, dono da Mendez Alimentos — especialista em molho de pimenta.

Consta que Marconi Perillo é o “cérebro” por trás de Mendanha — que, a rigor, é um jovem tímido e avesso a “atropelar” aliados (ainda que no momento, mesmo sugerindo que não, esteja tentando solapar as articulações de Daniel Vilela). Sua relação com o tucano é ambígua. O prefeito ouve seus conselhos, aprecia seus elogios — e até dicas de vinhos finos —, mas, aqui e ali, se sente constrangido de aparecer ao seu lado. Por isso suas reuniões são feitas nas sombras confortáveis e refrigeradas dos escritórios e gabinetes. O líder de Aparecida teme que o desgaste do ex-governador — considerado acima da média e, portanto, incontornável — contamine sua curta carreira política e acabe por abreviá-la.

Se Mendanha desconfia que Marconi pode criar desgaste para sua persona política, por que se mantém próximo, ouvindo seus conselhos? Porque, se perder contato com Daniel Vilela e o MDB histórico — como Iris Rezende (um nome que faz a diferença em Goiânia) —, precisará de estrutura. No fundo, o prefeito acredita que, mesmo com desgaste, o ex-governador ainda tem alguma força política no interior. Quer dizer, o PSDB e Marconi Perillo seriam os eventuais substitutos para o caso de não contar com o apoio do MDB para a disputa. O mais certo, do ponto de vista do quadro político atual, é que o MDB vai compor com o governador Ronaldo Caiado — indicando um de seus integrantes para a chapa majoritária (vice ou Senado).

Falta a Mendanha a compreensão de que o ciclo histórico do grupo de Marconi Perillo passou. Não se ergue aquilo que, do ponto de vista da história, ficou no passado. Por falta de perspectiva histórica e maturidade pessoal, parece que ele não está examinando, com a devida percuciência, o que está realmente está acontecendo.

Jogo real de Marconi Perillo

Qual é o jogo real de Marconi Perillo ao articular Mendanha? A engenharia política do funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) sugere duas rotas. Primeira: se o prefeito for candidato a governador, ele pode disputar mandato de deputado federal e, aí, não precisará ser candidato a governador. Segunda: se perder a eleição para o governo — caminhando para ficar 28 anos fora do poder (um quarto de século mais três anos) —, o MDB chegará enfraquecido para a disputa eleitoral de 2026. O que isto significa?

O jogo real de Marconi Perillo não passa, a rigor, pelo pleito de 2022. Dado seu imenso desgaste, tende a disputar mandato de deputado federal. Se for eleito, irá para Brasília e trabalhará com emendas parlamentares para tentar aumentar sua representação política. Se perder, pelo menos terá colocado seu nome ante o público — sugerindo que, de alguma maneira, permanece “vivo” politicamente. Mas o tucano, que é hábil, está se colocando muito mais para preparar terreno para uma possível volta ao centro do palco em 2026 — quando o governador Ronaldo Caiado, se reeleito em 2022, não será candidato a governador.

Portanto, Marconi Perillo trabalha com a possibilidade de o MDB sair destroçado em 2022, o que tende a lhe retirar a condição de segunda via em 2026. Aí, ante a possibilidade de um MDB enfraquecido, por uma possível derrota eleitoral, o tucano vai tentar se apresentar como segunda via.

Pode até parecer teoria da conspiração, mas Mendanha pode estar sendo usado como um elemento não para fortalecer o MDB, e sim para enfraquecê-lo. Uma possível divisão do partido é útil para quem mesmo? Para os possíveis “novos amigos”, como Marconi Perillo.

A segunda pilastra de Mendanha é o ex-deputado federal Sandro Mabel, sócio da Mendez Alimentos, que produz o molho de pimentas Mendez. Na década de 1990, o empresário tentou ser prefeito de Goiânia, com o apoio da máquina do MDB, mas sofreu uma derrota acachapante. Quando candidato, ficou conhecido ao dizer que, se eleito, iria “adestrar” professores — o que provocou a irritação não apenas dos mestres, mas também da sociedade. Seu projeto é usar Mendanha para “atacar” o governador Ronaldo Caiado — a quem considera praticamente um “inimigo” pessoal (Ronaldo Caiado acabou com a República do Favor em Goiás e desprivatizou o Estado). Não é considerado um político que agrega e tende a romper com aqueles que, no passado, o apoiaram. Iris Rezende o bancou para prefeito de Goiânia, mas, se o ex-prefeito e ex-governador pedir seu apoio para disputar mandato de senador, não o terá.

Ademais, segundo um deputado do MDB, há uma tradição: “Candidato a governador bancado por Sandro Mabel nunca ganhou eleição em Goiás. Parece que é uma sina”.

Portanto, se Marconi Perillo contou com uma armada poderosa em 1998, Mendanha, se for candidato, pode contar tão-somente com um exército de Brancaleone. Um político novo, que diz representar o novo, precisa também do apoio de figuras tradicionais. Mas por qual motivo o “novo” quer o desgaste de Marconi Perillo e de Sandro Mabel? Por que aspirar a ser representado e ser representante deles? Não se sabe. Talvez falte ao prefeito cultura política, sabedoria pessoal e perspectiva histórica.

Se o MDB não lançar Mendanha para governador, o prefeito disputará por outro partido, como o PSDB ou o Podemos? Muito difícil, o que não é o mesmo que impossível. A impressão que se tem é que o líder de Aparecida não está se preocupando com o MDB, com os candidatos a deputado federal e estadual do partido, e sim apenas com seu projeto pessoal.

O fato é que Mendanha tem um beque, Marconi Perillo, e um zagueiro, Sandro Mabel. Com esse time, no qual terá de jogar como goleiro (por falta de quadros de qualidade), certamente será “goleado”. É um clube sem atacantes e meias. Na campanha, dado o desgaste de ambos os aliados, o prefeito não sairá da defensiva (no lugar de falar de propostas, terá de defender o tucano e o empresário). 7 a 1 à vista?

Racionalismo e Realpolitik

O MDB de Daniel Vilela e Iris Rezende, mais frio e racional, estuda a possibilidade de compor com o governador Ronaldo Caiado para a disputa de 2022. Por dois motivos, pelo menos.

Primeiro, há a possibilidade de conquistar uma vaga na chapa majoritária de Ronaldo Caiado — a vaga de vice ou a de senador. Se o líder do Democratas for reeleito, com um vice do MDB — Daniel Vilela ou outro —, quando ele deixar o governo, em 2026, para disputar mandato de senador, o emedebista assumirá o governo e se tornará candidato natural à reeleição. Esta é, aparentemente, a maneira mais pragmática de o MDB retornar ao poder em Goiás.

Frise-se que Iris Rezende, a maior liderança da história do MDB em Goiás, já está “fechado” com Ronaldo Caiado. Em Goiânia, principalmente, é muito forte eleitoralmente e, portanto, um general eleitoral dos mais cobiçáveis (Iris Rezende, aliás, chegou a ser atacado, recentemente, por um auxiliar de Mendanha).

Há também a possibilidade de o MDB indicar o candidato a senador na chapa de Ronaldo Caiado. Tanto pode ser Iris Rezende quanto Daniel Vilela.

Segundo, se o MDB estiver numa aliança forte, com ampla expectativa de poder, a tendência é eleger uma bancada maior de deputados estaduais e conquistar uma bancada de deputados federais (o partido não tem nenhum em Goiás). Há também a expectativa de eleger um vice-governador ou um senador. O verdadeiro político cresce quando pensa para além da própria vaidade. Talvez a realidade esteja mandando um “recado” para Mendanha e seus aliados.

Outrossim, talvez Mendanha não esteja percebendo, mas Ronaldo Caiado, ao contrário do MDB de 1998, está ampliando sua armada para torná-la mais poderosa que a de 2018. O líder do Democratas demonstra que é um político que agrega (claro que não dá para agregar todo mundo, sobretudo a turma dos lobbies). É um aspecto que o prefeito precisa verificar. Há também políticos que procuram o prefeito, não, a rigor, para apoiá-lo, e sim para se cacifar ante o governador.

Não é pretensão deste Editorial sugerir que o MDB não deve lançar candidato a governador ou que deve compor com Ronaldo Caiado. O que se fez, acima, foi colocar a política de Goiás em perspectiva para que os leitores — inclusive os políticos — reflitam e tirem suas próprias conclusões.